Na edição de março/abril de 1992, desta revista, escrevi a respeito da expressão “o dia do Senhor”, usada pelo apóstolo João em Apocalipse 1:10. Salientei que algumas correntes religiosas entendem que o dia ali mencionado é um dia da semana, e que para uns esse dia é o domingo, enquanto para outros é o sábado. Com base no livro From Sabbath to Sunday, de Samuelle Bacchiocchi, mostrei finalmente que a expressão não se refere nem ao sábado nem ao domingo, mas ao tempo em que nosso Senhor Jesus deverá regressar a este mundo para continuar a Sua obra de resgate do ser humano.

No final do meu artigo, procurei mostrar por que essa hipótese é a que mais se adapta ao que João explica no texto citado. Disse que, estando no DATIVO, o verbo guinomai exige a preposição a, e não em, levando a frase a ser escrita como sendo “ao dia do Senhor”, e não “no dia do Senhor”. Mostrei ainda que João está usando um verbo de movimento e, portanto, um verbo que não aceita a preposição em, mas a preposição a, o que revela não estar o vidente de Patmos falando de um dia semanal.

Na ilha chamada Patmos

Entretanto, nas considerações que fiz, deixei para trás uma informação que considero de grande valor para os interessados no assunto, e quero agora fornecê-la aos leitores desta revista. Encontra-se ela bem próxima daquilo que disse o escritor do Apocalipse, referente ao que chamou “o dia do Senhor”. A meu ver, trata-se de uma informação que não tem sido usada pelos comentaristas, mas que serve para elucidar a polêmica questão do domingo. Ela serve de contexto ao que foi dito no verso dez.

Em Apocalipse 1:9, um verso antes, portanto, de onde o apóstolo João trata do assunto referente ao “dia”, diz ele aos destinatários: “Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus” (grifo suprido).

Uma vez que João usa como palavra que foi traduzida para o português, na versão “Revista e Atualizada” de Almeida, o mesmo verbo que utilizou no verso dez para a palavra achar-se, vale a pena estudar o que ele estava realmente querendo dizer. E qual foi a palavra usada? O verbo guinomai, no mesmo tempo, modo e pessoa.

Pensemos, a fim de que entendamos o que João quer dizer por egenómene, a forma aorística de guinomai, na situação geográfica por ele descrita. Patmos era, como sabemos, uma ilha rochosa plantada no Mar Egeu, onde o apóstolo estava cumprindo sentença. Para ali fora levado, certamente, em um navio, escoltado por soldados romanos. Ao contar aos seus irmãos o que lhe aconteceu, usa um termo que lhes permite entender a sua trasladação para a ilha.

Os destinatários dos escritos que, posteriormente, foram transformados no livro do Apocalipse, sem dúvida entenderam que, ao usar o referido termo, João não estava querendo indicar que, sem saber como, verificou estar na referida ilha. Que se encontrava em Jerusalém ou em Cesareia e, ao estremecer, como se despertasse de um sonho, viu-se em uma desconhecida ilha rochosa, vendo as ondas espatifarem-se nos alcantilados penhascos. Entenderam, seus leitores, que a palavra usada implicava em ter sido atirado no porão de um navio, sentir o subir e descer do barco em luta com as ondas e, finalmente, ser lançado numa praia ou em um cais improvisado, e ser ali deixado na companhia de outros prisioneiros considerados indesejáveis.

Em resumo, os leitores de João entenderam que ele foi transportado para aquele lugar. Egenómene, para eles, não era lugar onde, mas lugar para onde o apóstolo fora levado, um lugar denominado Ilha de Patmos. A palavra achei-me, portanto, impropriamente traduzida em algumas das versões atuais da Bíblia, não corresponde bem ao sentido que o grego lhe quer dar, a menos que “achar-se” signifique aí todo o processo de transferência de João até à ilha.

“Sobe para aqui”

Outro lugar do livro do Apocalipse, no qual aparece a palavra egenómene, com sentido idêntico ao das duas vezes anteriores, é o capítulo quatro e o verso dois. Como das vezes precedentes, relata o autor do referido livro, nesse capítulo, o que lhe aconteceu. Descreve a visão que teve, do trono de Deus, ocasião na qual lhe foi ordenado: “Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas” (Apoc. 4:1).

O verso dois começa dizendo: “Imediatamente eu me achei em espírito”. Além de não dizer muita coisa, da maneira como foi redigida em português, essa frase prejudica o sentido que o grego quer dar à palavra egenómene.

Ao ordenar a João que subisse para o lugar que lhe estava sendo indicado, o Ser que com ele falava estava dando a ideia de movimentação da parte do apóstolo. Este devia sair de onde estava, para o lugar sugerido. Como se tratava de uma visão, logicamente o prisioneiro não teve condições de fazer fisicamente o que lhe estava sendo ordenado. Fê-lo, porém, em êxtase. E, como se assistisse a um filme, presenciou o desenrolar dos acontecimentos até ouvir as palavras: “Certamente venho sem demora” (Apoc. 22:20).

É curioso que na visão do capítulo quatro, João sequer mencione a palavra “dia”, apesar de ter usado em Apoc. 2:4 as mesmas palavras que usou no capítulo 1:10, isto é: egenómene en pneumati, para indicar as circunstâncias em que recebeu as informações que agora transmitia aos seus leitores. Seus destinatários certamente entenderam que ele não estava falando de um dia da semana, mas de acontecimentos ligados com a segunda vinda do Senhor.

Para o autor do Apocalipse, a palavra dia tinha menos o sentido de um período de tempo limitado, do que de uma ocasião assinalada por fatos assombrosos, uns, e por acontecimentos deslumbrantes e confortadores, outros. Relaciona-se mais com uma época repleta de estranhos acontecimentos, do que com um período de tempo indicado pela astronomia.

Em resumo, o que difere o egenómene de Apocalipse 1:9, do egenómene de Apocalipse 1:10 e 4:2, são as circunstâncias em que o apóstolo foi transportado e o destino que se seguiu. No primeiro caso, o egenómene relaciona-se com a sua locomoção física, efetuada por soldados do imperador Domiciano, para a ilha chamada Patmos; no segundo e no terceiro casos, egenómene está ligado à sua ida em êxtase a regiões celestiais, mediante a ajuda de seres não pertencentes ao nosso planeta, para contemplar cenas de todos os tipos e significados. O sentido, porém, é sempre de movimento, de locomoção.

Com essas considerações, espero ter contribuído para tornar mais clara a questão referente ao “dia do Senhor”, embora não espere que a polêmica vá terminar.

ALMIR A. FONSECA, Pastor jubilado, ex-editor de Ministério, reside em Tatuí, SP.