Entre os muitos monumentos que podemos observar no Museu Britânico, e que dizem respeito ao Egito, sobressai a chamada “Pedra de Roseta.” Foi graças à sua descoberta que se tornou possível encontrar a “chave” para a leitura dos sinais hieróglifos. As pirâmides, os túmulos, os templos, com as suas paredes cobertas por desenhos, cinzelados ou pintados, desafiaram durante séculos a paciência dos estudiosos.

Foi descoberta no século passado — quando Napoleão invadiu o Egito, e os seus soldados foram até ao delta em julho de 1799 por um jovem oficial de Engenharia, Bouchard, que com os seus soldados estava encarregado de aumentar o forte de S. Julião da Roseta (Rashid), na embocadura do Nilo.

Um dos relatos da descoberta afirma que a pedra se encontrava no chão; outros dizem que estaria incluída numa parede que foi destruída para obter material. Logo que o jovem oficial verificou as inscrições que nela havia — de 3 espécies diferentes — teve a noção da sua importância, o que o levou a participar o achado aos seus superiores, que a fizeram transportar para o Cairo, onde se encontravam alguns cientistas que Napoleão havia trazido, incluídos na sua Expedição.

Jean Joseph Marcei e Reni Raige, identificaram um dos pedaços como uma forma de “escrita hieroglífica;” nada mais, porém, foi feito para a decifrar. Napoleão ordenou a vinda de dois desenhadores de Paris — Macei e Gammand — para fazerem cópias a serem remetidas aos centros de estudo da Europa. O plano seguido foi o de cobrir a superfície da pedra com tinta de imprensa, e depois colocar uma folha de papel em cima, que sendo pressionada por um rolo de borracha, daria uma cópia exata dos caracteres.

A pedra, entretanto, ficou no Cairo quase esquecida, depois da retirada de Napoleão, até que, depois das operações de guerra da Inglaterra, no mesmo território, um tratado de capitulação foi assinado em 1801. No art.° XVI a Pedra Roseta, e outras preciosidades arqueológicas, deveriam ser entregues.

Depois de várias dificuldades, chegou a Ports-mouth, em fevereiro de 1802, e a 11 de março deu entrada na Sociedade dos Antiquários, e no fim do mesmo ano, no Museu Britânico. Foram ali, também, feitas várias cópias e enviadas às Universidades de Oxford, Cambridge, Edinburg e Dublin, e a outras sociedades e Universidades da Europa.

A Pedra de Roseta é de basalto preto, apresentando os lados irregulares, com as medidas de 1,15 m de altura, por 66 cm de largura, e 28 cm de espessura. As partes superior direita e inferior esquerda, parecem encontrar-se danificadas, pensando alguns que teria mais 30 cm de altura, com o topo arredondado e possivelmente ilustrado com alguns relevos. Segundo todas as probabilidades, deveria encontrar-se, originalmente, erguida junto do templo, em Mênfis.

A Inscrição

A inscrição na Pedra de Roseta, está vasada em duas línguas: o egípcio e o grego. Do Egípcio havia duas versões:

  • I. Hieróglifos — a antiga escrita em figuras, e que se empregava em documentos cerimoniais e de Estado. Cinzelavam-se, ou pintavam-se, nas paredes de monumentos, túmulos etc. Esta parte da inscrição é constituída por 14 linhas, que corresponde às últimas 28 do grego.
  • II. Demótica — que é a forma modificada e abreviada dos hieráticos ou cursivos, correspondente aos hieróglifos. Desta escrita havia 32 linhas, das quais 14 incompletas, nos começos.

A inscrição em grego, estava gravada em unciais. Era constituída por 54 linhas, das quais as 26 últimas não estavam em perfeito estado, na parte final.

“Curiosamente, esta parte (a grega) parece ter sido o texto original do decreto, o que é bastante interessante, sendo as versões egípcias uma tradução livre a partir dela.”5

A decifração

“No princípio do século XIX, nem sequer uma palavra se podia ler. Os esforços dispendidos pelos estudiosos italianos Valeriano e Mercati, haviam sido infrutíferos; Kircher, o erudito do século XVII, não teve melhor sorte; e no século XVIII Warburton, De Guiges, e Zorga, emitiram umas quantas conjecturas, certas e frutuosas, respeitante à natureza da escrita, conjecturas que, no entanto, constituíram apenas a primeira pedra do trabalho da decifração.”5

Tendo agora como base a Pedra de Roseta, eis um resumo das tentativas feitas:

  • 1. Em abril de 1802, o Rev. Stephen Weston leu perante a Sociedade dos Antiquários (Londres), uma tradução do texto grego.
  • 2. Uma tradução francesa, do mesmo texto, é feita por DU Theil (que havia recebido, em 1800, uma das cópias mandadas fazer por Napoleão, e que haviam sido trazidas para França, pelo General Dugua.) Ele esclareceu que a pedra “era um monumento de gratidão de alguns sacerdotes de Alexandria, ou de algum lugar dos arredores, para com Ptolomeu Epifânio.
  • 3. Uma tradução latina, do mesmo trecho, feita por Ameilhon, apareceu em Paris, na mesma altura.
  • 4.  Em 1802, Silvestre de Sacy, francês, e Akerblad, sueco, conseguem identificar na versão demótica, alguns equivalentes de nomes próprios ocorridos em grego.
  • 5. Em 1814, Tomaz Young obtém uma cópia da pedra e reconhece que a escrita egípcia ‘consiste princípalmente em símbolos fonéticos.” Também demonstrou que os ovais (Cartouche) incluíam os nomes reais.
  • 6.  Em 1822, a lista alfabética dos caracteres Egípcios, que havia sido composta por Young, foi corrigida e aumentada por Champollion, que entre este ano e o fim de sua vida, corretamente decifrou “os nomes e títulos de Imperadores Romanos e desenhou, uma lista classificada dos hieróglifos, e formulou um sistema de gramática e decifração em geral, que foi o fundamento para os posteriores egiptologistas trabalharem.”

“Contudo, o triunfo final estava reservado ao egiptólogo francês Jean François Champollion. Utilizando todos os recursos então possíveis a própria pedra, o conhecimento do Copta (a última fase da língua egípcia), a decifração de várias frases dos textos demóticos, obtidos por Akerblad e, o que foi mais importante, a identificação feita por Young nos textos hieróglifos de vários nomes próprios de deuses e pessoas — Champollion publicou, em 1822, uma dissertação sobre a escrita hieroglífica. Com este trabalho, e com as investigações subseqüentes, lançou os fundamentos da moderna egiptologia.”5

Como procedeu J. F. Champollion?

Tendo chegado à conclusão de que dentro dos ovais (Cartouches) se encontravam nomes de personagens reais, verificou que um se encontrava repetido seis vezes, e que, segundo a localização do texto grego, seria “Ptolomeu.” Entretanto, uma nova descoberta surge: um obelisco, encontrado em Phlilae por Bankes, em 1815 e, igualmente, com inscrições em grego e egípcio. Na parte grega foram identificados dois nomes reais: Ptolomeu e Cleopatra. Na segunda face do obelisco, havia dois ovais que, pensaram, seria o equivalente em egípcio, daqueles dois nomes.

Quando estes ovais foram comparados com o da Pedra de Roseta, verificaram-se algumas semelhanças. Havia, pois, certas indicações de que eles continham o nome de Ptolomeu. Tomando-se os ovais que se supunha conterem aqueles dois nomes, numeraram-se os símbolos da esquerda para a direita. Verificaram-se, então, semelhanças do primeiro e segundo. Por comparações sucessivas verificou-se que o oval da Pedra de Roseta, que se pensava conter o nome de Ptolomeu, era mais extenso que o do obelisco. Neste último, o seu nome se inscreveu simplesmente, enquanto que naquela foram-lhe acrescentados os títulos reais que igualmente se encontravam no texto grego.

Graças ao seu conhecimento do copta, Champollion conseguiu formular um sistema de deciframento que, na maior parte dos casos, está ainda em uso.8

Que mensagem contém a pedra?

Eis a nova etapa a que se consagrou Champollion. Depois de acurados estudos, comparações etc., chegou à conclusão de que se tratava de uma cópia dum decreto, exarado pelo Concilio Geral dos Sacerdotes Egípcios, reunido em Mênfis, para celebrar o primeiro aniversário da coroação de Ptolomeu V, Epifânio, como rei de todo o Egito. Esta comemoração teve lugar no ano 196 A.C. Como já dissemos, a forma original do decreto é o grego, e o hieróglifo e demótico foram traduzidos delas.

A inscrição está datada do 4° dia do mês correspondente ao nosso abril. As primeiras linhas apresentam a lista dos títulos de Ptolomeu V, e vários epitetos que proclamam o rei: “Piedoso para com os deuses, amenizou a vida dos homens, e cheio de generosidade demonstrou, de toda maneira possível, os seus sentimentos humanos.”1

Começa o decreto por afirmar as resoluções tomadas, em sinal de gratidão, e eis algumas:

  • 1° Fazer estátuas de Ptolomeu em seu caráter de “salvador do Egito,” e levantá-las em todos os templos do Egito, para os sacerdotes e povo adorarem.
  • 2° Fazer medalhões com a figura de Ptolomeu, em ouro, e colocá-los em altares de ouro, junto aos altares dos deuses, e carregá-los em procissão.
  • 3° Festejar regularmente a data do seu nascimento e da sua coroação.
  • 4° Acrescentar um novo título aos sacerdotes: “Sacerdotes do beneficente deus Ptolomeu Epifânio, que apareceu na Terra.” Isto deveria ser gravado no anel de cada sacerdote e inserto em cada documento.
  • 5° Este decreto será gravado em pedras de basalto, e levantado em templos de l.a, 2.e 3a ordem, lado a lado, com a estátua de Ptolomeu “o sempre vivo deus.”

Na segunda parte, os sacerdotes apresentam os benefícios recebidos:

  • 1° Ofertas em dinheiro e milho, para o templo.
  • 2° Perdão das taxas devidas à coroa.
  • 3° Esquecimento de débitos que o povo tinha para com a coroa.
  • 4° Redução das despesas, dos candidatos a sacerdotes.
  • 5° Restauração de serviços no templo.
  • 6° Perdão das dívidas dos sacerdotes à coroa.
  • 7° Restauração do templo de Ápis e outros animais sagrados.
  • 8° Reconstrução de altares em ruínas e outros lugares sagrados.

É difícil de expressar tudo o que a descoberta desta pedra permitiu aos estudiosos do mundo inteiro. Podemos, agora, confirmar documentos que povos vizinhos possuíam, podemos ler e conhecer as mensagens deixadas ao longo dos séculos, nos seus inúmeros monumentos.

No aspecto do conhecimento bíblico, a sua importância também é grande. Eis um relato: “A ressurreição do Antigo Egito trouxe à luz informações que derrubaram algumas teorias extremistas a respeito do Antigo Testamento e da história de Israel. Historiadores, agora, reconhecem e entendem melhor o lugar que o pequeno povo de Israel ocupou entre as nações, as suas relações políticas e culturais com os povos poderosos, e a superioridade da sua religião e cultura ética. A literatura do Egito confirma, de uma maneira admirável, a história do antigo Israel, como se apresenta nos livros do Antigo Testamento.”8

Para uma melhor compreensão da escrita egípcia, eis alguns apontamentos que recolhemos, e que resumem o conhecimento atual sobre o assunto:

1. Escrita Hieroglífica

“Os egípcios atribuíam a invenção dos hieróglifos ao deus tot, que não é um dos principais, mas indicado, aliás, como o inventor da magia e patrono das ciências.”6 “Seja qual for a natureza exata da sua origem, não há dúvida de que a escrita atingiu o máximo desenvolvimento durante a la dinastia egípcia. (Séc. XXX e XXXI A.C.)”5 “Esta escrita foi não só cinzelada em pedra, mas também desenhada e pintada; contudo, nunca perdeu o seu esmero, a complexidade e a beleza singular.”5

Do grego, “letras sagradas e esculpidas.” Esta designação fundamentou-se na idéia grega de que a escrita hieroglífica tivesse sido aplicada princípalmente com fins religiosos: em inscrições monumentais, nas paredes dos templos, dos túmulos, dos monumentos sagrados etc. Isto representava em parte, um erro, até porque o mesmo tipo de escrita foi utilizado para pintar inscrições na madeira, louça de barro e outros tipos de material, além da pedra, e para documentos escritos em papiro.”5

Sobre a maneira como se agrupavam os sinais, eis algumas notas:

“Os hieróglifos eram dispostos regularmente em linhas (liam-se da direita para a esquerda, ou vice-versa) ou em colunas (lidos de cima para baixo, começando pela direita ou pela esquerda). As modernas teorias dos egiptólogos generalizaram a disposição horizontal, com leitura da esquerda para a direita. Na linha (ou coluna) há uma divisão contínua em retângulos ideais, não sendo as palavras separadas, e além disto não tem qualquer pontuação). Apenas certos sinais mais altos ocupam toda a altura do retângulo. Outros agrupam-se em sobreposição, de maneira a ocupar a mesma altura. Os desenhos, ainda que pequenos, são muito completos e minuciosos, o que leva à idéia da representação realista e afasta, em geral, a da reprodução de gestos esquematizados. Estes, contudo, intervém na seguinte categoria: os Egípcios serviram-se da sua vocação artística para desenhar representação de ações e sentimentos.”6

O valor decorativo dos hieróglifos era grandemente apreciado no Egito, e o artista-escriba procurava organizar em grupos quadrados os símbolos, aproveitando para isto a variedade de formas que muitas palavras possuíam.”7

“A escrita hieroglífica continha aproximadamente 75 fonogramas biconsonânticos, dos quais cerca de cinqüenta eram usados na linguagem comum; e, o que é mais importante, 24 signos monoconsonânticos, mais tarde aumentados para 30, pela adição de homófonas, que cobriam toda a série de sons consonânticos da linguagem egípcia.”6 “Na escrita hieroglífica não havia vogais; eram usadas somente as consoantes.”7

  • 2.  Escrita Hierática

“Na prática, os signos hieráticos eram apenas transcrições dos símbolos hieróglifos. A única modificação palpável, além de uma mínima alteração dos próprios signos, é praticamente inevitável em qualquer tipo de cursivo manuscrito. Muitos caracteres eram unidos pela tinta do pincel e formavam-se grupos de caracteres ligados uns aos outros. A escrita hierática foi a princípio escrita vertical; depois tornou-se horizontal, sendo escrita da direita para a esquerda.”5 “Foi usada durante mais de 3.000 anos, para fins profanos e sagrados.”5

  • 3. Escrita Demótica

“Na primeira dinastia já existia uma espécie de escrita hierática. Além disto, nesta altura, era uma escrita praticamente exclusiva da classe sacerdotal e, como resultado, surgiu, para uso profano, uma nova e mais modificada forma de escrita cursiva. Esta, que se desenvolvia da direita para a esquerda, é conhecida vulgarmente por demótica.”5 “Com Ptolomeu, o demótico começou a ser considerado tão ou mais importante do que o hierático, e tanto quanto as escritas hieroglífica e grega.”5

“A maneira de escrever variava, tal como a caligrafia moderna difere de pessoa para pessoa; e os egiptólogos, antes de traduzir um texto escrito em hierático ou demótico, transcrevem-no para o hieróglifo, assim como o tipógrafo compõe dum manuscrito.”7

  • 4. Escrita Copta

“O egípcio escrito em caracteres gregos encontra-se desde o II século A.C.; a conversão ao cristianismo fez nascer, a partir do século IV, a literatura copta, em escrita grega completada por alguns caracteres egípcios.”6

“Escreve-se com o alfabeto grego e mais sete símbolos derivados dos hieróglifos. Ê a única escrita egípcia a empregar vogais.”7

Referências

  • 1. Arqueologia Bíblica, por Crabtree — Casa Publicadora Batista, Rio de Janeiro, 1958.
  • 2. The Rosetta Stone, Trustees of the British Museum, Londres, Junho, 1964.
  • 3. Illustrations from Biblical Archaelogy — by D. J. Wisemann, London, Março, 1966.
  • 4. Development of Writing, compiled by Jackdaw Publications, Londres.
  • 5. A Escrita, por David Diringer, Editorial Verbo — Lisboa.
  • 6. A Escrita – Marcell Cohen – Coleção Saber – ED. Europa — America – Lisboa.
  • 7. Compêndio de Arqueologia do Velho Testamento, por Edith A. Allen — Rio de Janeiro, 1957.
  • 8. Lettre à Monsieur Dacier Relative à 1’alphabet des hiéroglyphes phonétiques — J. P. Champollion, Setembro, 1822.