O que acontece quando um líder espiritual decide viver de acordo com a vontade de Deus
Alvaro F. Rodríguez
“Quem foi o melhor rei do Antigo Testamento?” Se você fizer essa pergunta à igreja, certamente a resposta oscilará entre Davi e Salomão. Este último é conhecido como o mais sábio, mas não necessariamente o melhor da história. Por sua vez, Davi é considerado um modelo, a ponto de outros reis serem comparados a ele. Por exemplo, é dito a respeito de Acaz que ele “não fez o que era reto perante o Senhor, como Davi, seu pai” (2Cr 28:1); sobre Ezequias, porém, se declara que fez “o que era reto perante o Senhor, segundo tudo quanto fizera Davi, seu pai” (2Cr 29:2).
Esses textos parecem indicar que Davi tenha sido o melhor monarca do Antigo Testamento. Contudo, 2 Reis 23:25 declara a respeito de Josias que “não houve rei que lhe fosse semelhante, que se convertesse ao Senhor de todo o seu coração, e de toda a sua alma, e de todas as suas forças, segundo toda a Lei de Moisés; e, depois dele, nunca se levantou outro igual”.
Essa afirmação exige uma explicação. Por que Josias é considerado o melhor de todos? O que ele fez para que o autor bíblico o considerasse dessa maneira? O que um pastor pode aprender da vida de Josias e da influência dele sobre o povo de Deus? Neste artigo, eu gostaria de analisar o contexto do reinado de Josias, como ele governou e quais foram os resultados de sua liderança.
Reavivamento pessoal
A primeira parte da narrativa descreve uma situação paradoxal. A Bíblia declara em 2 Reis 22:3 a 7 que o rei Josias promoveu a restauração do Templo de Jerusalém. Nesse processo, ocorreu um fato sem precedentes. Hilquias, o sumo sacerdote, disse: “Achei o Livro da Lei na Casa do Senhor” (v. 8). O livro da Lei perdido em sua casa? Conforme Deuteronômio 31:24 a 26, o livro da Lei deveria estar ao lado da arca da Aliança. O problema da nação nos dias de Josias era que as pessoas haviam se esquecido do livro da Lei. Isso resultou em uma série de práticas que contrariavam explicitamente a Palavra de Deus.
Essa descoberta provocou um reavivamento na casa real e, em seguida, em toda a nação. Em 2 Reis 22:11, o autor bíblico explica que o rei escutou as palavras do livro da Lei e rasgou as vestes. Esse ato expressava profunda dor. Por exemplo, Jacó agiu da mesma forma quando recebeu a túnica de José banhada em sangue (Gn 37:33, 34). Jó, logo após perder suas posses e seus filhos, rasgou seu manto (Jó 1:20). Em ambos os casos, esses patriarcas rasgaram suas vestes em sinal de grande sofrimento. No caso de Josias, a atitude sucedeu a leitura das Escrituras. Como é possível que a leitura do texto sagrado tenha provocado uma reação tão intensa? A Bíblia pode causar dor no ser humano?
Para entender a atitude do rei é preciso compreender os eventos históricos. A descoberta do livro da Lei ocorreu em 621 a.C,1 quando o exército da Babilônia assediava a Assíria e pretendia conquistar a Palestina. Nabopolasar, pai de Nabucodonosor, começou sua trajetória vitoriosa em 626 a.C e, em 612, conquistou Nínive.2 Foi nesse contexto que Josias ouviu pela primeira vez o livro da Lei. De acordo com as Escrituras, se Israel se distanciasse do Senhor para adorar outros deuses, uma nação distante invadiria a Terra Prometida e levaria o povo para o cativeiro.
Deuteronômio 28 declara que, como resultado da desobediência dos israelitas, “o Senhor levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra virá, como o voo impetuoso da águia, nação cuja língua não entenderás; […] Sitiar-te-á em todas as tuas cidades, até que venham a cair, em toda a tua terra, os altos e fortes muros em que confiavas; […] sereis desarraigados da terra à qual passais para possuí-la. O Senhor vos espalhará entre todos os povos” (v. 49, 52, 63, 64).
Evidentemente, Josias era consciente da situação espiritual em que se encontrava o povo, por isso rasgou as vestes. O rei temia que as palavras do livro da Lei se cumprissem. Logo a seguir, ele consultou a profetisa Hulda, para saber se as maldições da aliança se cumpririam. Ela confirmou as palavras das Escrituras; no entanto, também anunciou que Deus, por causa da atitude humilde do rei, do enternecimento do coração e do rasgar das vestes, adiaria o decreto celestial (2Rs 22:18-20).
Esse foi o início do reavivamento espiritual que ocorreu na vida do rei Josias. Fica evidente o papel fundamental que a Bíblia desempenhou nesse processo. Não existe renascimento espiritual sem o estudo das Escrituras Sagradas. Os ministros de Deus devem passar mais tempo com Sua Palavra, a fim de experimentar o reavivamento que só o Senhor pode realizar. Também é interessante notar o papel importante que o ofício profético desempenhou nessa narrativa. A profetisa Hulda confirmou a mensagem das Escrituras e exerceu influência sobre o rei para promover, mais adiante, uma reforma sem precedentes entre o povo de Deus.
Reavivamento coletivo
A resposta da profetisa Hulda deu início a uma série de ações que transformaram a atitude do povo. O rei mandou convocar todos os anciãos de Judá e Jerusalém. Em seguida, “subiu à Casa do Senhor, e com ele todos os homens de Judá, todos os moradores de Jerusalém, os sacerdotes, os profetas e todo o povo, desde o menor até ao maior” (2Rs 23:2). Ali, leu em voz alta todas as palavras do livro da Lei que havia sido achado no Templo do Senhor. Depois, fez um pacto diante de Deus, como representante da nação, comprometendo-se a segui-Lo, a guardar Seus mandamentos, testemunho e estatutos, de todo coração e alma, e a cumprir as palavras que estavam no livro da Lei. E todo povo anuiu à aliança (2Rs 23:1-3).
Assim, o reavivamento espiritual que o rei experimentou foi seguido por uma reforma que envolveu todo o povo. É importante destacar que essa mudança também foi guiada pela Palavra de Deus, uma vez que todos decidiram ser fiéis à aliança do Senhor (2Rs 23:3).
O que se vê na sequência é uma série de reformas relacionadas com a vida religiosa da nação. Por muito tempo, as pessoas acharam que, por pertencerem ao povo escolhido, estavam seguras, independentemente de seu compromisso pessoal com a aliança divina. Contudo, ao terem conhecimento do livro da Lei, perceberam que pesava sobre elas a condenação predita em caso de desobediência aos preceitos do Senhor.
Desse modo, 2 Reis 23:4 a 24 descreve todas as reformas realizadas. Em primeiro lugar, Josias eliminou os elementos idolátricos que se achavam no Templo do Senhor. Tirou de lá os utensílios que não pertenciam ao santuário e eram usados na adoração a Baal, ao poste-ídolo e a todo o exército dos céus (v. 4); destruiu as acomodações dos prostitutos cultuais, onde se adorava a deusa Aserá (v. 7); e demoliu os diferentes altares espalhados em todo território de Judá (v. 8-15), inclusive aqueles que estavam em Samaria e Betel (v. 19). Além disso, agiu contra os líderes da adoração idolátrica. O rei “destituiu os sacerdotes que os reis de Judá estabeleceram para incensarem sobre os altos nas cidades de Judá e ao redor de Jerusalém” (v. 5) e “matou todos os sacerdotes dos altos” que viviam em Samaria (v. 20). Por fim, eliminou os “médiuns, os feiticeiros, os ídolos do lar, os ídolos e todas as abominações que se viam na terra de Judá e em Jerusalém” (v. 24).
Todas as reformas feitas por Josias foram fundamentadas nas orientações encontradas no livro da Lei (v. 2, 24). Sob sua liderança, tudo que contrariava as indicações bíblicas relacionadas com a verdadeira adoração a Deus foi eliminado. Contudo, a verdadeira reforma não está completa quando se elimina os elementos estranhos à verdadeira adoração, mas quando inclui o verdadeiro sentido da adoração. Sensível a essa realidade, o rei ordenou “a todo o povo, dizendo: Celebrai a Páscoa ao Senhor, vosso Deus, como está escrito neste Livro da Aliança. Porque nunca se celebrou tal Páscoa como esta desde os dias dos juízes que julgaram Israel, nem durante os dias dos reis de Israel, nem nos dias dos reis de Judá” (v. 21, 22).
Três pontos da atitude do rei se destacam e devem ser aplicados em nossos dias. Em primeiro lugar, as reformas em favor da verdadeira adoração são promovidas por ministros que têm sido reavivados pelo estudo da Palavra de Deus. Em segundo lugar, uma mudança espiritual implica o estabelecimento da celebração da Páscoa como clímax da reforma. Finalmente, o ministro deve fazer o máximo possível para honra e glória de Deus.
O centro do reavivamento
A centralidade da celebração da Páscoa nas reformas de Josias é importante para entender o caráter de um reavivamento e uma reforma espiritual. A fim de compreender melhor esse assunto, é necessário analisar o significado da Páscoa no momento em que ela foi instituída. Nos dias do cativeiro egípcio, o Senhor Se manifestou de maneira poderosa em favor de Seu povo, executando Seus juízos contra o poder opressor do maior império daqueles dias.
Nove pragas já haviam caído, e Deus então declarou a Seu povo que deveria se preparar para finalmente sair da terra da escravidão (Êx 11, 12). Entretanto, os israelitas deveriam sacrificar um cordeiro sem mácula, de um ano, e passar o sangue do animal imolado nas ombreiras e na verga da porta de sua casa (Êx 12:3-7). O motivo para esse ritual era que, à meia-noite, o Senhor passaria pelo meio do povo, e o sangue do cordeiro seria o sinal para, em primeiro lugar, conservar com vida o primogênito daquele lar e, em seguida, libertar o povo da escravidão no Egito. Essa é a Páscoa do Senhor (Êx 12:11, 12).
Entender esse evento da história de Israel nos permite compreender a natureza e o propósito último dos atos divinos em favor de Seu povo: a libertação por meio de uma provisão celestial, a saber, o sacrifício do “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29). Em harmonia com essa realidade, João, no Apocalipse, afirmou que a vitória é obtida somente “por causa do sangue do Cordeiro” (Ap 12:11). O apóstolo Paulo também declarou que “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” (1Co 5:7).
O reavivamento e a reforma liderados por Josias são exemplos para pastores e igrejas da atualidade. À luz de 2 Reis 22 e 23, é importante destacar que o papel do líder espiritual é fundamental nesse processo. Em outras palavras, se o ministro não se importa com a espiritualidade, ele e o povo correm o risco de se perderem para sempre. Contudo, o desenvolvimento espiritual deve estar fundamentado no estudo da Bíblia e dos escritos inspirados. Como resultado, deve-se produzir um reavivamento (o desejo de seguir a vontade de Deus de maneira fiel e sincera) e uma reforma (mudanças nas práticas religiosas), eliminando condutas erradas e se entregando exclusivamente a Deus, por meio de Cristo, nossa Páscoa, como o centro da adoração e da vida religiosa.
Referências
1 J. B. Graybill, “Judah, Kingdom of”, The International Standard Bible Encyclopedia, v. 2, ed. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1986), p. 1147.
2 Paul R. House, 1, 2, Kings, New American Commentary 8 (Nashville, TN: Broadman & Holman, 1995), p. 354.
Alvaro Rodríguez, doutor em Teologia, é professor da Universidade Peruana União