Bem sabemos que é muito importante o papel desempenhado pela Igreja Católica no concerto político e religioso mundial. Esse papel se engrandeceu muito desde a breve, embora fecunda, atuação de João XXIII (1958-1963).

A nova orientação, no tocante ao trato de católicos (principalmente dos prelados) com os chamados acatólicos (cristãos não católicos), tem sido um verdadeiro impacto na sensibilidade de muitíssimos protestantes e ortodoxos. O desaparecimento de termos depreciativos, como “hereges” e “cismáticos” (o primeiro aplicado aos protestantes, e o segundo aos ortodoxos), e sua substituição pela amável fórmula “irmãos separados” tem sido e é de um efeito inegável. A participação no conjunto de sacerdotes e pastores (a que soem acrescentar-se rabinos) em obras de caridade ou benefício público, tem despertado um eco de simpatia mui justificável. A celebração de reuniões religiosas em que se intercalam cantos de origem católica e hinos nitidamente protestantes, e em que se lê das Escrituras Sagradas e se elevam preces, está sendo um motivo de admiração para muitos e uma prova de boa vontade da parte dos ministros protestantes e católicos que participam nesses atos.

Há outros indícios de aproximação e Confraternidade. Há sacerdotes que pregam que os sacramentos dos protestantes têm tanta validade como os administrados pelos católicos (por certo, cada um dentro de sua grei). Há pessoas (católicas) que afirmam que dá o mesmo ser católico ou protestante. Isto nos pareceria impossível há bem poucas décadas.

Um dos resultados mais notáveis da nova corrente ecumênica é a simpatia com que é encarada pelos elementos liberais que não se acham ligados a nenhuma igreja ou que têm apenas vínculos nominais com algumas delas.

Como Proceder?

Diante dos novos ventos que sopram, é imprescindível que nossos ensinos, fruto das definições bíblicas que são claras e não admitem posições intermediárias, sejam muito bem elaborados e examinados. E não só isso. Também é necessário que saibamos apresentá-los. Essa apresentação deverá ser lógica, bem articulada, documentada, e nela deve chegar-se a conclusões que sejam irrefutáveis. Do contrário poderemos ser considerados fanáticos ou extraviados.

No Ensino

Principalmente no ensino de Doutrinas Bíblicas e de Daniel e Apocalipse depararemos com a necessidade de ensinar o papel que desempenha a Igreja Católica à luz das doutrinas da Bíblia e de suas profecias.

O seguinte esboço servirá para dar-nos alguns fundamentos nítidos do que convém apresentarmos em vista deste delicado e importante problema.

  • 1. É necessário salientar que são numerosas as passagem da Bíblia em que nos é apresentada a triste realidade de que em nosso mundo, e particularmente durante a era cristã, haveria uma luta sem atenuantes entre o bem e o mal. Essa verdade básica é delineada originalmente em Gênesis 3.

É deveras notável que os próprios símbolos empregados nesse capítulo (mulher, semente da mulher e serpente) reaparecem no capítulo 12 do Apocalipse. Neste último capítulo a palavra “dragão” é equivalente de “serpente”, e toda dúvida se desfaz em Apocalipse 12:9.

Cumpre notar que esta identidade de símbolos, inegável em si mesma, não é razão suficiente para definir o tema da luta entre o bem e o mal. É mister realçar o fato de que, desde o princípio do mundo, esteve em jogo o princípio eterno da OBEDIÊNCIA.

Em Gênesis 3 houve uma desobediência clara a uma ordem divina: “Não comerás”. Em Apocalipse 12:17, a ira da “antiga serpente” se concentra nos “que guardam os mandamentos de Deus”. O Decálogo, expressão capital de obediência a Deus, se torna proeminente.

Uma vez que se tenham estabelecido claramente estes dois fatos fundamentais: a existência da luta entre o bem e o mal, e que essa contenda se centraliza na obediência a Deus, ainda resta muito caminho a ser percorrido para ver como entra a Igreja Católica no panorama desse conflito.

2. As profecias das Escrituras Sagradas têm como propósito principal servir de elementos de ORIENTAÇÃO para que saibamos como conduzir-nos (II S. Ped. 1:19-21).

Importa realçar a importância das profecias em geral. As expressões “tocha profética” e “luz profética” são adequadas e exatas.

Diante do frontispício do primeiro volume de The Prophetic Faith of Our Fathers, do Dr. LeRoy E. Froom, há uma gravura muito significativa. Nela se vê uma sucessão de personagens. No fundo do quadro está Daniel, mais além de uma cruz iluminada. Deste lado da cruz estão em fila: João, Hipólito de Puerto Romano, Joaquim de Floris, Wiclef, Lutero, Knox, Newton, Wesley e um representante do mundo moderno. Na gravura, a tocha da luz profética está sendo entregue por Newton a Wesley e o homem moderno já começa a estender o braço direito para receber essa luz guiadora.

Declara a legenda desse quadro: “Esta tocha flamejante, passada através dos séculos de uma a outra mão estendida, quando é mantida no alto tem transformado a escura senda da História num caminho iluminado. Das mãos de Daniel, o profeta, e João, o vidente, a interpretação profética tem sido transmitida a alguns homens da igreja primitiva, como Hipólito, e deles a baluarte da Idade Média, como Joaquim e Wiclef, depois a Lutero e Knox, no tempo da Reforma, Newton e Wesley, em tempos posteriores, e agora está sendo passada às mãos de homens modernos que lhe dão atenção”.

Será tempo muito bem aproveitado o que se emprega fazendo notar que as explicações proféticas apresentadas pelos pregadores adventistas não são fruto de interpretações caprichosas, antojadiças e recentes. Pelo contrário, constituem a voz dos séculos (esta expressão é uma realidade que também deve ser divulgada e apreciada em todo o valor que tem). Essas explicações correspondem à forma em que as profecias foram sendo compreendidas através dos séculos, à medida que se ia “desenvolvendo o rolo da profecia”. (Esta última expressão pertence a James Garfield, 1831-1881, presidente dos Estados Unidos.)

Os alunos saberão melhor por que creem, e não correrão o risco de sentir-se diminuídos pelo sentimento de que estão seguindo doutrinas raras e caprichosas, se conhecem algo da forma em que alguns dos personagens mais bem dotados dos séculos se ocuparam da Bíblia e suas profecias, dando-lhes com suas explicações e interpretações um delineamento coerente.

  • 3. As profecias bíblicas não somente servem para orientar-nos, mas também devem ser obedecidas de acordo com as indicações que nos dão. (Apoc. 1:3, ú.p.)

Este princípio de situar-nos na interpretação dos acontecimentos e de responder aos requerimentos de Deus, adquire grande importância em Daniel e Apocalipse.

É de suma importância saber relacionar ambos esses livros. Uma citação valiosa a respeito é a do Mons. Dr. Juan Straubinger: “Nos 404 versículos do Apocalipse se encontram 518 citações do Antigo Testamento (evidentemente é mister acrescentar aqui: ‘e alusões’ porque, do contrário, não se explicam estes números), 88 das quais extraídas de Daniel. Isto mostra sobejamente que é na própria Bíblia que se hão de buscar noções para a interpretação desta divina profecia” (página 357 do volume IV, que corresponde à nota introdutória ao Apocalipse).

O vínculo mais importante que se estabelece entre ambos os livros corresponde ao período de perseguição: um tempo, dois tempos e metade dum tempo, de Daniel 7:25 e 12:7. Importa levar em conta que este período (misterioso em si mesmo) não tem nenhuma explicação no livro de Daniel. Pelo contrário, permanece ali entre as coisas “encerradas e seladas até ao tempo do fim” (Daniel 12:7-9). Sabe-se que corresponde a 1.260 dias devido a dois versículos do Apocalipse (12:6 e 14).

A reaparição do período de perseguição no Apocalipse serve para orientar-nos quanto à identidade da mulher simbólica de Apocalipse 12. Evidentemente se trata dos “santos do Altíssimo” de Daniel 7:25, pois eles são os perseguidos durante esse lapso.

Este entrelaçamento de Daniel com o Apocalipse faz-nos ver a imensa importância que têm os mandamentos de Deus nessa luta de natureza religiosa. Em Daniel 7:25, o poder perseguidor pensa em “mudar os tempos e a lei”. Em Apocalipse 12:17, o poder perseguidor, movido pela ira de Satanás, investe contra “os que guardam os mandamentos de Deus”.

  • 4. A mutilação e adulteração do Decálogo é, pois, um elemento decisivo para a identificação da Igreja Católica como a entidade que se opõe a Deus (embora afirme servir ao Altíssimo).

No que diz respeito ao atentado contra o Decálogo, devem ser levados em conta alguns fatos de capital importância.

O culto das imagens, a veneração que se lhes dá, não existiram na igreja apostólica e tampouco na época imediatamente posterior aos apóstolos. Pelo contrário, dispomos do testemunho de Irineu de Lyon (morto provavelmente no ano 208), que censurou os carpocracianos (gnósticos seguidores de Carpócrates de Alexandria) por ter imagens (Adversus Haereses, livro 1, cap. XXV, parágrafo 6). O sínodo de Elvira (realizado na antiga Iliberri, perto da atual Grenada, Espanha, no ano 306 ou 307) proíbe as imagens em seu cânon 36. Este sínodo contou com a presença de 43 eclesiásticos espanhóis e portugueses (como os chamaríamos hoje). Este dado foi extraído da obra de Hefele, Conciliengeschichte ‘(História dos Concílios), tomo 1, p. 170.

Eusébio, o historiador eclesiástico, menciona que “os gentios” haviam confeccionado uma estátua de Cristo e da mulher curada do fluxo de sangue (História Eclesiástica, livro 7, capítulo 18). É um testemunho indireto porque salienta que as estátuas para representar a personagens bíblicos eram próprias dos “gentios”. Também sabemos que Eusébio exortou a Constância, viúva de Licínio, a que procurasse a imagem de Cristo nas Escrituras (The New Shaff-Herzoq Religious Encyclopedia, tomo 5, p. 453). Epifânio (310-403), bispo de Salamina, um dos pais da igreja, rasgou em pedaços uma cortina em que se havia pintado uma imagem de Cristo ou de um santo (ibid.).

Continua no próximo número.