Este artigo foi preparado pelo Departamento de Saúde e Temperança da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia.
A proibição do uso da carne de porco é claramente salientada nas Escrituras: “Também o porco, porque tem unhas fendidas, e a fenda das unhas divide em duas, mas não remói, este vos será imundo” (Lev. 11:7).
Aqueles que evitam usar carne de porco com base bíblica, o fazem porque creem que a proibição do uso de carnes imundas em Levítico 11 foi deixada por razões relacionadas com a saúde, não apenas como uma lei cerimonial pertencente exclusivamente à dispensação judaica. Eles acreditam que o seu corpo é o templo do Espírito Santo (I Cor. 6:19 e 20) e deve ser conservado com saúde mediante a observância de instruções bíblicas com respeito à alimentação.
O resultado da pesquisa, em anos recentes, pode ajudar-nos a compreender o motivo pelo qual o Senhor inclui o porco entre os animais que não devem ser usados como alimento por Seu povo. O consumo do porco está agora associado às enfermidades coronarianas, ao câncer e a certas doenças transmissíveis.1
O porco é conhecido como hospedeiro do nematleminto da triquina intestinal, a Trichinella spiralis, que causa a doença conhecida como triquinose,2 enfermidade cujos sintomas os médicos muitas vezes atribuem a influenza intestinal, pneumonia ou reumatismo.
O porco e seus derivados não são os únicos meios de infestação humana por triquinose. A intensificação do uso da carne de cavalo, urso, e morsa e outros animais marinhos, também tem sido responsabilizada,3 mas o porco é a fonte mais comum na maioria das culturas. Uma vez que o uso do porco e de outras espécies de carne são a única via de transmissão, os vegetarianos e lacto-ovo-vegetarianos não se acham expostos a essas enfermidades.4
Durante as duas ou três décadas passadas, o número de casos humanos de triquinose conhecidos, nos Estados Unidos, diminuiu consideravelmente. Parece que as leis do Estado, que proíbem servir restos de comida crua a porcos, a grande quantidade de anúncios, a refrigeração doméstica da carne de porco e a tomada de consciência do consumidor com respeito a cozinhar de maneira apropriada a carne de porco, são os fatores do declínio.
Esse declínio nos casos conhecidos de triquinose humana nos Estados Unidos, corre paralelo com a diminuição similar no número de casos de suíno para o mesmo país;5 embora essa doença transmissível não esteja sob controle. Estima-se que 1,5 milhão de americanos do norte tenha em sua musculatura triquina viva. Anualmente, 150 a 300 mil novos casos aparecem. O surto tem sido maior entre os refugiados do sudeste da Ásia e outros que adquirem porcos de fazendas e cozinham mal sua carne. Os produtos prontos para o consumo, de processadores que não estão inspecionados por fiscalização federal, constituem também uma fonte de infestação.
Indica, esse declínio, que a proibição bíblica deva agora ser ignorada sem perigo? Tal posição poderia ser justificada se a triquinose estivesse em declínio também em outros países, ou se a triquinose fosse a única doença transmitida ao homem pelo uso da carne de porco. Mas, em que pese terem os Estados Unidos e a Europa os índices mais elevados, as infestações por triquina não se limitam aos Estados Unidos, e a triquinose não é a única doença transmitida pelo porco.
Relatos de infestação por triquinose, tanto animal como humana, têm vindo da América Central, da América do Sul, África, Ásia e Europa (este parasito não existe na Austrália e certas ilhas das regiões Sul do Pacífico).7 O número de casos humanos varia de um país para outro; é, porém, difícil conseguir informação correta desse tipo.
Nos Estados Unidos, a redução do risco de triquinose parece ser contrabalançada por um aumento do risco de toxicoplasmose. Organismo unicelular, o Toxoplasma gondii, que usa certos animais silvestres, animais de estimação e domésticos, entre os quais o porco; como hospedeiros, causa essa doença.
Presentemente, o número de indivíduos infectados por toxoplasmose varia com a idade. Cinco a 30 por cento dos indivíduos de 10 a 19 anos de idade foram infectados, enquanto 67 por cento das pessoas com mais de 50 anos de idade são infectadas.8
As pessoas contraem essa enfermidade ingerindo estruturas parecidas com cisto no alimento, água ou poeira contaminada com fezes de gato; consumindo estruturas parecidas com bolsas, em leite de cabra não pasteurizado; e engolindo cistos em carnes mal cozidas, como a de boi, carneiro e porco.
Mesmo a criança em gestação pode estar em perigo, como foi constatado na passagem do organismo da doença através da placenta. A infecção materna no início da gravidez pode levar à morte fetal ou a graves anomalias, entre as quais a hidrocefalia, a microcefalia e o aumento do fígado e do baço. A infecção materna na gravidez avançada resulta em manifestações clínicas menos graves.9
Essa enfermidade é uma doença generalizada do organismo, em que a infecção inicial ou primária é freqüentemente assintomática; não obstante, a enfermidade aguda pode ocorrer com febre, aumento dos gânglios linfáticos e número anormalmente elevado de linfócitos no sangue. Outros sintomas clínicos incluem dor de cabeça, inflamação do músculo cardíaco, dores musculares e pneumonia. As infecções latentes podem ser reativadas, caso a pessoa se torne incapaz de resistir ou vencer a infecção, como no caso da AIDS. Mesmo sem a complicação do vírus responsável pela AIDS, é difícil a terapia por meio de medicamento e o resultado pode ser a morte. A descoberta de uma vacina adequada ainda está em fase de experiência. O predomínio de anticorpos T. gondii varia com a idade, área geográfica ou ocupação.
Recentemente, os cientistas descobriram T. gondii em pedaços de carne de porco. De acordo com esta informação, um em cada três porcos, e um em cada 10 carneiros, pode estar infestado com o parasito. Este pode ser morto pelo cozimento da carne a uma temperatura interna de, no mínimo, 70 graus centígrados. Visto que o risco da triquinose está diminuindo, os consumidores podem estar servindo carne mal cozida e, desse modo, aumentando o risco de infecção toxicoplasmósica.11
A salmonelose é considerada uma das doenças transmissíveis mais predominantes nos Estados Unidos, infectando aproximadamente dois milhões de pessoas cada ano. As pessoas são infectadas com salmonela ao ingerirem alimentos contaminados. Muitos animais domésticos têm salmonela, e é comum a contaminação do alimento durante o processo do abate. Os alimentos contaminados com salmonela muitas vezes são servidos a animais domésticos, disseminando assim o problema. Cerca de 50 por cento da carne crua, comprada nos supermercados ou açougues, estão contaminadas pela salmonela.12
Estudos têm demonstrado que a pessoa que está tomando ou tomou antibiótico recentemente, está mais sujeita à infecção. Presume-se que os antibióticos destruam a bactéria intestinal que normalmente inibe o desenvolvimento da salmonela.
Como a toxoplasmose, a salmonela pode ser facilmente transmitida de uma fonte para outra pela contato. Preparar outros alimentos em recipientes que foram utilizados para preparar carne contaminada, pode levar à transmissão por meio de outros alimentos que não a carne. Não lavar as mãos entre o manuseio de alimentos contaminados e não contaminados, pode também espalhar a salmonela.
A tênia do porco
A tênia é outro problema ocasionado pelo comer carne de porco. A tênia do porco adulto pode chegar a cerca de três metros de comprimento, e pode viver durante várias décadas no intestino delgado. Esse verme pode ter até 1.000 segmentos, cada um com um útero e a capacidade de produzir ovos que podem contaminar seres humanos por meio da contaminação buco-fecal ou pelo transporte inverso dos ovos, do intestino para o estômago. Em qualquer dos casos, o embrião penetra na parede do estômago, entra no sangue e é transportado para todo o organismo. O embrião forma pequenos cistos, e estes se desenvolvem em cisticercos (a fase embrionária) nos músculos, órgãos internos, olhos e cérebro. Os cisticercos podem sobreviver por um período de até cinco anos. Se a infestação se espalhar, pode simular um tumor no cérebro, epilepsia e outras desordens neurológicas e psicológicas.13
As pessoas se tornam infestadas com a tênia adulta ao comerem carne de porco mal cozida, contaminada com os cisticercos. Uma vez no trato intestinal, o verme se desenvolve em sua forma adulta.
O comer carne de porco põe também as pessoas em risco de contraírem a febre ondulante. Essa enfermidade bacteriana em geral é transmitida pelo leite cru de vacas ou cabras infestadas, mas também pode ser transmitida por seres humanos, via contato direto com tecidos de qualquer animal infestado, incluindo porcos.
Enfermidades crônicas
A carne de porco não só contribui para a disseminação de enfermidades transmissíveis, como também para o desenvolvimento de enfermidades crônicas, tais como doenças cardíacas, paralisia e câncer.
A ocorrência e gravidade das enfermidades cardíacas aumentam com a intensidade do consumo de colesterol, o uso de alimentação gordurosa, especialmente as gorduras saturadas. A carne de porco contém apenas uma quantidade moderada de colesterol, mas é a maior fonte de gordura. Mesmo as carnes de porco mais magras fornecem mais de 34 por cento de suas calorias da gordura, e a maioria dos derivados de porco fornece mais de 50 a 75 por cento de suas calorias da gordura.14 Pelo fato de ser rica em gorduras saturadas, a carne de porco contribui para o aumento da produção de colesterol. Este, por sua vez, aumenta os níveis de colesterol do sangue, fato tão grandemente ligado às enfermidades das coronárias e aos ataques cardíacos.
A carne de porco também está implicada no câncer do seio, da próstata e do colo. A mortalidade por câncer do seio eleva-se quando é maior o consumo, peias mulheres, da carne de porco (em particular) e aumenta a quantidade de gorduras.15 O câncer da próstata está associado com o consumo de uma alimentação rica em gorduras, tanto saturadas como as gorduras animais.16 Estudos sobre a incidência do câncer do colo mostram que os que têm a enfermidade, consomem mais pão de farinha refinada, carne (especialmente de porco) e cerveja, e usam uma dieta com pouca fibra.17
Estas conclusões sobre saúde, levam-nos de volta ao relato bíblico. É interessante notar que a proibição bíblica de Levítico 11:8 era uma proibição dupla. Os israelitas não deviam apenas abster-se de comer a carne de porco, mas deviam também evitar o contato direto com o seu cadáver. Uma das medidas preventivas recomendadas para controlar as infecções é lavar completamente as mãos após manusear carne crua. O contato direto, conforme proíbe o livro de Levítico, é um fator de doenças transmissíveis.18
Talvez os textos bíblicos de Levítico possam parecer ditatoriais e arbitrários. Quando, porém, são considerados do ponto de vista da ciência, no que diz respeito às doenças transmissíveis, verificamos que as proibições são medidas de saúde pública significativas para a prevenção de várias enfermidades potencialmente graves.
Bibliografia
1. J.A. Scharffenberg, Diet and Heart Disease (Bakersfield, Calif.: San Joaquin Community Health Center, 1987), págs. 1 a 25. Ver também E. A Widmer, “O Porco, o Homem e a Doença”, Review and Herald 7 de maio de 1970, págs. 8 e 9
2. W. C. Campbell, “History of Trichinosis; Paget, Owen, and the Discovery of Trichinella spiralis”, Bulletin of the History of Medicine. 53:520-552 Ver também N. D. Levine, Nematode Parasites of Domestic Animais and of Man, 2ª ed. (Mineápolis: Burgess Publishing Co., 1980), págs. 452 e 453.
3. Levine, pág. 452. Ver também World Heath Organization, Weekly Epidemiological Record, 61 (38): 289-296.
4. H. W. Brown and F. A. Neva. Basic Clinicai Parasitology, 5ª ed. (Norwalk, Calif.: Appleton-Century-Crofts, 1983), pág. 108.
5. Trichinosis Surveillance Annual Summary, 1981 (Atlanta, Ga.: Centers for Disease Control, out. de 1982), pág. 3.
6. E. Braunwald, K. J. Isselbacher, R. G. Petersdorf, J. D. Wilson, J. B. Martin, e A. S. Fanci. Harrison’s Principies of Internai Medicine, 11ª ed (Nova Iorque: McGraw-Hiil Book Co., 1987), págs. 805 e 806.
7. G W. Hunter, J C Swartzwelder, and D. F. Clyde, Tropical Medicine, 5ª ed (Filadélfia: W. B. Saunders Co., 1976), pág. 525.
8. Braunwald, págs. 791 e 792.
9. A. S Benenson, ed , Control of Communicable Disease in Man (Washington, D.C.: The American Public Health Assn., 1985), págs. 392-394.
10. Ibidem.
11. J. Rolf. “Another Hazard in Undercooked Pork”, Science News, 130 (3)37.
12. Braunwald, págs. 596-599.
13. Idem, págs. 825 e 826.
14. Composition of Food—Sausages and Luncheon Meats—Raw, Processed, and Cooked, Agriculture Handbook 8-7 (U S. Department of Agriculture. 1980).
15. Committee of Diet, Nutrition and Cancer, Assembly of Life Sciences, National Research Council. Diet, Nutrition, and Cancer National Academy Press. 1982), págs. 383 e 408.
16. Idem, págs. 74 e 410.
17. Idem, págs. 398 e 399.
18 Benenson, op. Cit.
DR. E. A. WIDMER — Professor e diretor de programa de Saúde Ambiental, Escola de Saúde Pública da Universidade de Loma Linda