Como tornar nossa experiência de adoração relevante, sem abdicar da fidelidade à teologia 

Com muita expectativa, entrei no auditório lotado naquela manhã de sábado, para assistir ao que meus amigos chamavam de “culto alternativo”. O líder, vestido informalmente, pegou o microfone, contou algumas histórias pessoais e anedotas, e pediu que os ouvintes se levantassem e cantassem “com gosto e sentimento” os cânticos contemporâneos projetados na tela. Alguns fechavam os olhos e outros erguiam as mãos enquanto cantavam. Outros pareciam mais interessados em ouvir a banda e a equipe de louvor.

Isso durou aproximadamente 20 minutos, seguindo-se a coleta das ofertas. Alguém fez a oração pelas ofertas emendando-a com a oração pastoral. Então, veio o sermão. Um jovem pregou mostrando trechos de um DVD de O senhor dos anéis, aparentemente comparando o filme com a Bíblia. Quando saí do auditório, me senti um pouco perturbado. Outras pessoas pareciam ter gostado da experiência.

Tenho observado esse tipo de fenômeno em quatro continentes. Seria ele sinal de saudável criatividade ou sintoma de confusão? São tais formas de culto determinadas pela cultura moderna ou pelo compromisso teológico vital? Como líderes, nosso desafio é manter o culto teologicamente intacto e culturalmente relevante. Apocalipse 14:6, 7 nos oferece um poderoso fator integrativo para perfeição teológica e relevância cultural, assegurando-nos assim uma identidade adventista de culto.

Em tempos pós-modernos

Nossa época pós-moderna gera em muitas pessoas uma crise de identidade. As pessoas estão confusas, desfocadas, fragmentadas e têm grande dificuldade para se definir e perceber o mundo em que vivem. Como explica Kenneth Gergen, “sob condições pós-modernas, as pessoas existem em um estado de contínua construção e reconstrução; um mundo em que tudo pode ser negociado. Cada realidade dá chance a questionamento reflexivo, ironia e, finalmente, a brincadeira provê outra realidade. O fundamento se desmorona”.1

Em face de tal crise de identidade, a igreja é responsável por oferecer uma solução confiável não apenas em questões doutrinárias, mas também no culto e fraternidade.2 O advento do “culto contemporâneo” tem nivelado as paredes doutrinárias e, para um crescente número de cristãos, criado novo tipo de culto definido mais por estilo do que conteúdo. O anseio contemporâneo não é tanto por exatidão doutrinária, mas por um estilo de culto que responda às questões sociais e emocionais.

A igreja adventista não é imune a essa influência. Na verdade, há dois fortes movimentos que podem ter afetado a visão de alguns adventistas sobre o culto: o movimento “Pesquisadores de Culto”, focalizado especialmente no gosto do visitante, e o movimento “Adoração e Louvor”, caracterizado por música em estilo pop-rock. Vamos avaliar, brevemente, esses movimentos e fazer algumas conexões com a inovação de culto pretendida por alguns entre nós.

Pesquisadores de culto

O principal objetivo do pesquisador de culto amigável assemelha-se a deixar os visitantes o mais confortavelmente possível, enquanto ouvem a mensagem cristã. A igreja pode ser descrita como um espaço em que eles podem se sentir “em casa”. Nesse contexto, os principais elementos de um culto típico3 são cânticos congregacionais contemporâneos, com letras simples projetadas numa tela, e afirmar que sempre se tenta evitar “clichês e linguagem arcaica e espiritualizada”.O orador apresenta um sermão “prático”, em linguagem simples, ilustrado com apresentações em Power Point ou videoclips. A programação termina com uma oração e um corinho simples. Tudo o que é feito pelos “Pesquisadores de Culto” tem por objetivo alcançar a pessoa não-crente.

Esse movimento não é novo. É possível ver suas raízes no culto reavivamentista americano dos séculos 18 e 19, que encontrava sua melhor expressão em reuniões campais. Entretanto, foi Charles Finney, famoso reavivamentista do século 19, que se tornou o reformador mais influente do culto.

Devemos notar três importantes aspectos na reforma encabeçada por Finney.5 Primeiro, ele enfatizava liberdade e inovação acima da tradição, argumentando que a Bíblia não prescreve nenhum estilo em particular. Segundo, ele contextualizou o culto, ao adaptá-lo à cultura prevalecente enquanto removia todas as barreiras “desnecessárias” para a audiência. Terceiro, e talvez mais importante, Finney reverteu o relacionamento entre culto e evangelismo. Durante séculos, os teólogos têm visto o evangelismo como subproduto do culto. Com Finney, o evangelismo ganhou preeminência sobre o culto, ao ele transformá-lo em reuniões evangelísticas. Outros reavivamentistas e evangelistas adotaram essa estratégia e seu legado ainda pode ser sentido nas igrejas protestantes.

Alguns círculos adventistas têm absorvido o modelo “Pesquisadores de Culto”. A presença desse modelo em alguns campus universitários e igrejas testemunha da popularidade alcançada por esse tipo de culto à la carte. Consequentemente, não é preciso haver grupos com diferentes gostos de culto para adorar juntos. Cada qual pode louvar separadamente, se quiser. Fundamentalmente, isso coloca em cheque a ideia da igreja como família.

Para o modelo “Pesquisadores de Culto”, quanto mais próximo ele se tornar da cultura imediata e descartar o ornamento da cultura tradicional, melhor. Mas, o problema é que, em vez de criar algo único, ele pode terminar identificando-se completamente com o ambiente cultural. Semelhantemente, há quem perceba, nesse contexto pós-moderno, que muitas igrejas orientadas para esse modelo colocam tradições e diferenças doutrinárias em segundo plano, por causa de supostas implicações “autoritárias” ou “separatistas”.

O resultado disso? Uma religião utilitária com sua distinção frequentemente camuflada no esforço para apelar às pessoas. Então, quando pastores se tornam obsessivos pela noção de relevância, à custa do chamado profético, tendem a agir orientados pela imediata satisfação de necessidades, mas com pouca ênfase doutrinária. Como Marva Dawn disse muito bem, eles recuam enquanto tentam alcançar outros.6

“Pesquisadores de culto” são tão enredados pela cultura contemporânea que têm dificuldade para elevar-se acima dela. Tornam-se tão obsessivos com a ideia de ser culturalmente relevantes que acabam omitindo Deus no culto. Em adição, rejeitando todas as tradições, muitos líderes de culto têm privado o povo de Deus das riquezas do louvor. Essa falta de perspectiva histórica e teológica tem reduzido o culto ao “aqui e agora”, impedindo sólido compromisso com Aquele que é o mesmo ontem, hoje e eternamente.

Ninguém pode negar que o culto orientado para esse modelo tem priorizado o evangelismo. Entretanto, seus adeptos perdem a essência da adoração na medida em que são profundamente antropocêntricos. Muitos removem a centralidade de Deus no culto, à medida que aumentam o foco sobre necessidades individuais. Como as igrejas se tornam auto-obsessivas, o Deus bíblico pode ser facilmente reduzido a um terapeuta celestial.

Por isso, é necessário lembrar que o culto autêntico não começa com as necessidades humanas, mas com a atividade de Deus na História. O culto deve ser a resposta sincera do crente aos poderosos atos de Deus na criação e redenção – a afirmação da criatura sobre o amor e fidelidade de Deus. Portanto, o primeiro ponto que os líderes devem compreender não é como tornar o culto mais apelativo e relevante para as pessoas, mas como torná-las mais comprometidas com seu Criador e Redentor. Tal culto não apenas atrai o crente à presença de Deus, mas também o ajuda a experimentá-Lo durante o culto e através dele (1Co 14). A principal preocupação dos líderes não deve ser apenas relevância, mas levar o povo a verdadeiramente adorar a Deus.

Louvor e adoração

Uma segunda tendência que influencia fortemente o cenário do culto adventista contemporâneo inclui o movimento “Louvor e Adoração”.

Distinto, mas não totalmente desligado do movimento anteriormente considerado, ele é a mais influente mudança no culto protestante em anos recentes. Transdenominacional e global em seu escopo, ele tem sido saudado por alguns como um novo toque do Pentecostes, e acusado por outros como representando “não o sopro do Espírito de Deus, mas do espírito da época”.7

O primeiro ponto que os líderes devem compreender não é como tornar o culto mais apelativo e relevante para as pessoas, mas como torná-las mais comprometidas com Deus

“Ampla e pejorativamente identificado como culto pentecostal”,o modelo “Louvor e Adoração” frequentemente enfatiza a participação livre e expressiva, em que os adoradores buscam a presença de Deus através do uso sacramental de cânticos contemporâneos.9 Dos imponentes hinos de louvor que exaltam o poder e grandeza de Deus à música morna que enfatiza o relacionamento pessoal com Deus (daí, o termo “louvor e adoração”), os adoradores são levados em uma série de estados emocionais que, de acordo com a proposta do modelo, lhes permitem experimentar cada vez mais a presença de Deus entre eles.

Embora esse tipo de culto possa ter diversos antecedentes como o Reavivamento Metodista, o Movimento Santidade, igrejas afro-americanas e Movimento de Jesus, dos anos 60,10 ele tem-se tornado mais intimamente ligado ao que Peter Wagner chama de “terceira onda do carismatismo”,11 que tem varrido o cristianismo nos anos recentes. Por causa dessa onda e sua grande influência sobre as igrejas, “os estilos carismáticos de louvor têm sido difundidos nas congregações e denominações dos variados tons teológicos”.12

Esse modelo de culto enfatiza um encontro relacionai com Deus, em vez das mais passivas, ou mentais, expressões de louvor prevalecentes em outras formas. Nessa experiência de adoração “face a face”, estar “no Espírito” se torna a condição essencial para o real encontro com Deus. Não raro, isso se manifesta através de cânticos desinibidos, dança e glossolalia. Os participantes vivem uma experiência de entrega total a Deus. E o crescimento desse tipo de culto corre paralelamente à globalização cultural e econômica. O que acontece em uma igreja evangélica influente é rapidamente exportado às mais remotas regiões do mundo pelos meios de comunicação. Isso é feito em termos da troca de produtos culturalmente adaptados e pelo trabalho de líderes que viajam pelo mundo treinando adoradores, modelando o culto contemporâneo através de seus cânticos e ensinamentos. Tradicionalmente, a abordagem do culto era feita através de palestras e textos das elites eclesiásticas; hoje, os catalisadores mais influentes são CDs, DVDs e cantores profissionais.

A nova situação definitivamente favorece uma reforma global do culto. Harvey Cox argumenta que nossa era é igual à do Império Romano do primeiro século. Ele escreve: “Cristãos usam a tecnologia da cultura global para divulgar o evangelho. Assim como Paulo usou navios, linguagem grega, referências a poetas clássicos, cartas e sua cidadania romana para viajar com as boas-novas, os cristãos devem se beneficiar dos recursos tecnológicos atuais.”13

Entretanto, Cox adverte: “Enquanto os primeiros cristãos diziam ‘sim’ e ‘não’ à cultura global de seu tempo, os cristãos atuais dizem apenas ‘sim’… Na pior hipótese, alguns movimentos cristãos promovem e até sacralizam falsos valores de mercado.”14 Um ponto não deve ser esquecido: um mundo dirigido pelo mercado tem a tendência de tornar o cristianismo tão atrativo quando possível, o que levanta uma questão: Correremos nós o risco de desnaturalizar o evangelho, massificando-o mercadologicamente? Tornando o evangelho tão palatável quanto possível, não estaremos roubando seu poder de transformar o mundo com os valores do reino?

Num mundo em que as pessoas são ávidas para abraçar mistérios e dar mais espaço à sua nutrição, o envolvimento pessoal se torna questão-chave. Refletindo sobre os adoradores atuais, Kenda Dean escreve: “Para eles, cultuar é um verbo. É invocar a imediação de um Deus tremendo, presente, no qual Sua realidade é subjetivamente apreendida.”15 Essa experiência com Deus é um engajamento ativo e dinâmico.

O movimento “Louvor e Adoração” pode ser visto como a sede de mais íntima experiência religiosa. O tipo de música (frequentemente popular suave ou rock leve) desempenha parte importante na habilidade dos adoradores para ecoar a presente geração sem necessidade de revisitar o passado e cantar cânticos descontextualizados para encontrar o Deus da época.

Essa abordagem vernacular também se manifesta nos textos usados; a maioria deles atuais, curtos e simples. Embora muitos dos cânticos sejam baseados nas Escrituras, eles geralmente são destituídos de significado teológico profundo. Ao contrário, apenas expressam gratidão e louvor pela grandeza e bondade de Deus. O uso de Power Point no culto também favorece maior liberdade corporal do que os hinários permitiríam. Consequentemente, contemporaneidade e acessibilidade são soberanas nesse movimento.

Outro elemento de sua natureza experimental focaliza o cantar a Deus, não a respeito de Deus. Pete Ward argumenta que isso representa mudar do culto objetivo para o reflexivo.16 Enquanto os hinos tradicionais tendem a centralizar-se mais na repetição “objetiva” da história da salvação, os cânticos contemporâneos tendem a falar mais de sentimentos e emoções relacionados a Deus. Assim, veem Deus como estando ativamente envolvido aqui e agora, ansioso para tocar e transformar vidas.

Essa ênfase na imanência de Deus resulta em uma mudança bem-vinda, pois não exaltamos um Deus fechado e inacessível. Porém, o culto também necessita considerar a transcendência de Deus, porque Ele é “Deus… de perto… e… de longe” (Jr 23:23). Isso me leva a duas importantes questões a respeito da adoração.

Emocionalismo e individualismo

A primeira área de preocupação inclui o emocionalismo que nunca está longe “quando a crença é rebaixada e a experiência é promovida”.17 Não raro, o valor da experiência de culto corre o risco de ser medido quase exclusivamente pelos sentimentos, divorciando assim o intelecto da experiência cristã.

Em um ambiente em que as pessoas levam muito a sério a experiência e a emoção, os pontos de doutrinas tendem a se tornar irrelevantes. Entretanto, separar o culto da reflexão teológica sobre Deus e Seus poderosos atos pode não ser benéfico à congregação. Os membros da igreja não apenas devem ser encorajados a expressar seus sentimentos a Deus, mas também devem ser desafiados a pensar.

A noção de que vamos à presença de Deus apenas para relaxar impede o crescimento espiritual e dificulta a reflexão teológica. Na verdade, esse tipo de sentimentalismo é contrário ao verdadeiro comprometimento com Deus. O culto, integral em sua natureza, deve envolver todas as nossas faculdades.

A segunda área de preocupação é a noção de individualismo. Em um tempo em que as pessoas desejam experiência espiritual, o que mais importa é o contato humano-divino. Muitos cânticos contemporâneos abordam a expressão individual de fé. O uso exagerado de eu e me nas letras, revela essa tendência. Expressões de experiência individual louvam a Deus por Seu cuidado e graças dispensados ao crente. Porém, uma questão permanece: São elas expressões de uma fé voltada para o interior?

Necessitamos lembrar que o significado e natureza do culto corporativo devem ser comunais, não individualistas. O culto inclui diálogo e comunhão, junto com um eixo vertical e horizontal que nos une com Deus e com nossos semelhantes. Os cânticos e o louvor que conduzimos não devem deixar de expressar a natureza comunal de nossa fé. (Continua)

Referências:

  • 1 Kenneth Gergen, The Saturated Self, em R. Middleton e B. Walsh, Truth Is Stranger Than It Used to Be (Leicester, Inglaterra: IVP, 1995), p. 52, 53.
  • 2 Corneluis Plantinga Jr e Sue Rozeboom, Discerning the Spirits:A Guide to Thinking About Christian Worship Today (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2002), p. 2, 3.
  • 3 Gregory A. Pritchard, Willow Creek Seeker Services (N.P.: Baker Books, 1995), p. 80-156.
  • 4 Ibid., p. 87.
  • 5 Robb Redman, The Great Worship Awakening: Singing the Lords Song in the Postmodern Church (San Francisco: Jossey-Bass, 2202), 5 ff.
  • 6 Marva Dawn, Reaching Out Without Dumbing Down:A Theology of Worship for the Turn-of-the Century Culture (Grand Rapids: Eerdmans, 1995).
  • 7 Cornelius Plantinga Jr. e Sue Rozeboom, Op. Cit., p. 3.
  • 8 Paul Basden, The Worship Maze: Finding a Style to Fit Your Church (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1999), p. 77.
  • 9 Lester Ruth, em Paul F. Bradshaw, The New SCM Dictionary of Liturgy and Worship (Lonfred: SCM Press, 2002), p. 378.
  • 10 James F. White, Protestant Worship: Traditions in Transition (Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1989), p. 192-216.
  • 11 Peter Wagner, The Third Wave of the Holy Spirit: Encoutering the Power of Signs and Wonders Today (Ann Arbor, MI: Servant, 1988).
  • 12 Simon Coleman, The Globalizations of

Charismatic Christianity: Spreading the

Gospel of Prosperity (Cambridge: Cambridge University Press, 2000), p. 22.

  • 13 Harvey Cox, em Murray W. Dempster, The Globalization of Pentecostalism: A Religion Made to Travel (Oxford: Regnum, 1999), p. 391.
  • 14 Ibid., p. 391, 392.
  • 15 Kendra Creasy Dean, em Tim Dearbons and Scott Coil, Worship at the Next Level: Insight from Contemporary Voices (Grand Rapids: Baxter Books, 2004).
  • 16 Petye Ward, Selling Worship: How What We Sing Has Changed the Church (Milton Keynes: Paternoster, 2005), p. 207.
  • 17 David Lyon, Jesus in Disneyland: Religion in Postmodern Times (Oxford: Polity, 2002), p. 441-443.