As limitações do espaço só permitem uma avaliação parcial. Douglass define a natureza caída de Cristo, recebida ao nascer, como segue: “O termo carne pecadora significa a condição humana em todos os seus aspectos como afetada pela queda de Adão e Eva.” Diz que ela inclui “as mesmas tendências” e “paixões semelhantes” às nossas, e fala de “o clamor” dessa natureza “infectada”. De acordo com ele, a natureza humana de Cristo não possuía nenhuma “vantagem moral”. Todavia, Jesus não era pecador por nascimento, pois todos os homens são sem pecado ao nascer. Pois a pessoa “não precisa ser pecadora por ter nascido com carne pecaminosa”.

Não obstante, a Bíblia é contra nascimento sem pecado para todos os homens. Ela mostra que todos os homens são “constituídos pecadores mediante a transgressão de Adão, de maneira semelhante àquela pela qual eles são constituídos justos pela obediência de Cristo”.1 Precisamente. Douglass esquece este paralelo em Romanos 5. Somos pecadores por nascimento e justificados em Cristo.

Apenas os dois Adões vieram ao planeta Terra sem pecado. Todos os outros nascem pecadores. Adão e Eva se separaram de Deus — abandonaram sua condição dada por Deus — e foram para o país distante, como os primeiros pródigos humanos. Toda a raça humana nasce nesse país de alienados de Deus. Isto, porque nascem à imagem de Adão (Gên. 5:3), não à de Deus (cap. 1:26). Eles estão perdidos. Por isso, o primeiro nascimento ê na família dos homens. O segundo, na família de Deus (São João 3:5-8; Rom. 8:14). Por isso é que “ser adotado na família de Deus é um estribilho tão convincente na Escritura” (Rom. 7:15 e 16; Gál. 4:1-7).

Em contraste absoluto, Cristo veio ao país longínquo não como um pródigo, mas como o homem-Deus. Ele levou para casa a ovelha perdida, e não necessita de um pastor para carregá-Lo (São Lucas 15). Portanto, como o segundo Adão, Ele veio, não na imagem do homem, mas na expressa imagem de Deus (Col. 1:15; Heb. 1:1-3). Ellen White admoesta: “Sede cuidadosos, grandemente cuidadosos quanto à maneira em que vos detendes sobre a natureza humana de Cristo. Não o apresenteis perante o povo como um homem com pendores para o pecado. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado um ser puro e inocente, sem uma mancha de pecado em si; ele existia na imagem de Deus. Podia cair, e caiu mediante a transgressão. Por causa do pecado, sua posteridade nasceu com tendências inerentes de desobediência. Mas Jesus Cristo era o Unigênito Filho de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana e foi tentado…. Poderia ter pecado; poderia ter caído, mas nem por um momento houve nEle uma propensão para o mal.”2

Ellen White não diz aqui que Jesus não tinha nenhuma propensão para o mal porque Ele era o segundo Adão sem pecado. Ela não diz, como Douglass, que Ele era sem inclinações para o mal porque não pecou. O ponto de vista de Douglass com respeito a propensões é simplesmente superficial em excesso. As propensões estão dentro da natureza caída; por definição, antes de qualquer ato de pecado. Jesus, porém, não possui essas propensões. Não admira que Satanás não achou nEle nenhum pecado (São João 14:30).

Douglass afirma que São Lucas 1:35 não trata da natureza humana de Cristo. Mas Ellen White discordaria. Na passagem acima citada, ela fala também do nascimento de Cristo. Diz ela: “Estas palavras (S. Lucas 1:31-35) não se referem a nenhum ser humano, senão ao Filho do infinito Deus. Jamais deixeis, de qualquer maneira, a mais leve impressão sobre as mentes humanas, de que repousava sobre Cristo uma mancha de corrupção ou inclinação para ela…. Ele é chamado ‘essa coisa santa’”.3 De outro modo, como poderia ser Ele uma autêntica revelação de Deus ao homem (São João 1:18)? Nenhum homem caído pode revelar a Deus. Jesus, como segundo Adão, veio na imagem de Deus e, dessa maneira, deu início a um novo começo para a humanidade. Em Cristo, Deus estava de novo operando de modo criativo em favor da raça, como estivera no Éden. A imagem criadora de Deus nada tem que ver com a Queda. Essa esfera se restringe à imagem do homem.

O artigo de Douglass contém aparentes contradições. Ele argumenta que Cristo tomou a natureza humana pós-Queda, não uma natureza humana pré-Queda com isenções. Não obstante, ele termina admitindo quatro exceções: Cristo não possuía nenhuma “mancha de pecado”, “inclinação para o mal”, ou vontade enfraquecida pelo pecado, como a nossa. E Ele estava isento da depravação mais recente de nossa geração. Essas exceções desfazem Sua exata identidade conosco.

Douglass declara que o porquê Jesus Se tornou humano é mais importante do que o como Se tornou Ele humano. Concordo. Mas todas as seis razões dadas por Douglass foram plenamente satisfeitas pela vinda de Jesus como espiritualmente sem pecado, numa natureza física debilitada pelo pecado.

O argumento de Douglass depende do porquê; todavia, curiosamente, jamais ele desenvolve essa questão. Ele não discute a questão original no grande conflito. Satanás argumentou que os anjos sem pecado e os homens sem pecado caíram porque Deus foi injusto ao requerer que eles guardassem uma lei sumamente elevada. Sua acusação original não era a de que os seres caídos não podiam guardar a lei. Daí “Cristo ser chamado o segundo Adão. Em pureza e santidade, unido com Deus e por Ele amado, Ele começou onde o primeiro Adão começou. De boa vontade, Ele transpôs o terreno onde Adão caiu, e redimiu a falta de Adão.”4

O grande conflito é contra Cristo; de maneira que Satanás lança seus ataques contra a obra criadora de Cristo (seres sem pecado) e não contra o resultado de sua própria obra destruidora (o homem caído). O fato de que a acusação original se estendeu ao homem caído não diminui este ponto.Tudo o que Cristo precisou fazer para provar a falsa acusação original de Satanás foi vir na mesma natureza de Adão, isto é, a natureza humana não caída. Fisicamente falando, porém, Ele imergiu em uma natureza enfraquecida pelo pecado e, portanto, numa grande desvantagem, comparada com a de Adão. Enquanto fisicamente começava como homem em Belém, espiritualmente deixava após Si a eternidade.

Embora a pergunta por que seja mais importante do que a pergunta como, a interrogação quem é ainda mais importante. Quem é Jesus, deve qualificar e informar toda declaração a respeito do porquê e do como. Jamais devemos perder de vista o fato de que a identificação de Cristo como Deus é mais importante do que Sua união com a humanidade. Ele não é bem outro homem, mas Deus que Se tornou homem. Como diz C. S. Lewis, quando vos estais afogando, desejais que mergulhe alguém que esteja em situação diferente da vossa. A natureza pecaminosa é a causa de nosso afogamento. Uma natureza humana sem pecado (espiritualmente) estende a mão para puxar-nos para fora. A salvação é uma obra de fora do curso da história humana, embora seja operada no interior por Alguém que Se tornou humano (Filip. 2:5-7).

Douglass e eu concordamos em que Jesus foi verdadeiramente homem, que Ele foi realmente tentado e poderia ter falhado, e que Sua dependência de Deus nos fornece um exemplo. Concordamos em que Ele permaneceu sem pecado. Douglass procura ser verdadeiro quanto à humanidade de Cristo, mas não é a principal pretensão ser verdadeiro quanto a Sua divindade? Sua humanidade plena é cumprida de maneira adequada em Seu papel como segundo Adão. Não é o Jesus de Douglass excessivamente humano? Fornece Ele reconhecimento apropriado de Sua divindade? O Novo Testamento identifica a Jesus como Deus, sempre usando a palavra grega isos (“mesmo”). Jamais constitui uma identidade exata de Jesus com o homem, usando sempre a palavra homoiōma (“semelhante”). (Mesmo quando Gênesis 1:26 [Septuaginta] diz que o homem foi criado à “semelhança” de Deus, ele usa homoiōma).

Não foi a primeira heresia cristã, o arianismo, uma excessiva identificação de Jesus com o homem? Não poderia seu parceiro, o pelagianismo, dizer: ‘Se Jesus fez isso, também posso fazer”? Meu amigo Herbert Douglass, a quem aprecio e amo como irmão em Cristo, deve ser agradecido por relembrar a todos nós que Jesus entende nossas lutas porque Ele era homem. Mas advirto que foi Sua peculiaridade, não Sua identidade exata conosco, que tornou infinitamente pior a Sua luta. Ellen White exorta: “Esteja todo ser humano precavido contra a posição de tornar a Cristo inteiramente humano, tão humano quanto nós mesmos; pois não pode ser.”6 Por outro lado, Douglass afirma que Cristo enfrentou cada tentação que enfrentamos.

A definição bíblica de pecado é a de que pecado é uma interrupção no relacionamento com Deus (Rom. 14:23). Jesus experimentou isto, não na natureza, em Seu nascimento (São João 1:1, 14 / 14:10; Heb. 10:7-10), mas apenas na missão, em Sua morte (São Mat. 27:46). No Getsêmani “Cristo Se achava então em atitude diversa daquela em que sempre estivera antes.”7 Somente nessa ocasião, Aquele que não conheceu pecado, Se tornou “pecado por nós” (II Cor. 5:21). – N. R. GULLEY

Referências:

1. The SDA Bible Commentary, sobre Rom. 5:19, pág. 534.

2. Idem, Comentários de Ellen G. White, sobre São João 1:1-3, 14. pág. 1128 (Itálicos supridos).

3. Ibidem.

4. Ellen G. White, em Youth’s lnstructor, 2 de junho de 1898. (Itálicos supridos.) Ver também N. R. Gulley, em Adventist Review. 30 de junho de 1983.

5. Ver Ellen G. White, em Signs of the Times, 16 de jan. De 1896.

6. The SDA Bible Commentary. Comentários de Ellen G. White, sobre São João 1:1-3, 14, pág. 1129.

7. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 686.