Robert W. Olson faz considerações sobre o estudo de Veltman, relacionadas com O Desejado de Todas as Nações e, em sentido mais amplo, com a nossa compreensão e uso dos escritos em geral de Ellen White

O senhor está satisfeito com a validade do estudo de Veltman? Tem alguma pergunta sobre a metodologia que ele usou?

Estou inteiramente satisfeito com este estudo. Ninguém poderia ter feito trabalho melhor — ninguém! Ele o fez como uma pessoa neutra teria feito, e não como um apologista.

Veltman diz que um mínimo de 30 por cento de O Desejado de Todas as Nações deve ter algum grau de dependência. Concorda com esse número?

Creio que seu fraseado não expressa isso com precisão. Em 31 por cento das sentenças uma palavra ou mais revela algum grau de dependência. Mas naturalmente se o que ela fez foi errado, não importa se isto envolve 90 ou 10 por cento do que ela escreveu.

O que este estudo significa para nossa compreensão da inspiração em geral, e da inspiração de Ellen White em particular?

Em face dos estudos dos últimos 10 ou 12 anos, temos uma compreensão muito melhor de como Ellen White produziu seus escritos, do que tínhamos antes. W. C. White e Dores Robinson procuraram explicar isto ao nosso povo em 1933. Em nossos arquivos do White Estate, temos um documento: “Breves Declarações Quanto aos Escritos de Ellen G. White”, que eles escreveram e puseram à venda naquela ocasião. No documento, eles dizem que Ellen White havia sido informada pelo Senhor de que encontraria preciosas gemas da verdade nos escritos de outras pessoas e que o Espírito Santo a ajudaria a reconhecê-las e introduzi-las em seus escritos, a fim de que fossem preservadas.

Como deveremos interpretar os escritos de Ellen White, agora que estamos cientes do uso que ela fez de fontes?

Bem, é simplesmente o método que o Espírito Santo usou. Sabemos agora que ele não precisava ser original para ser inspirado. Ler Lucas 1:1-4. Lucas não disse que tudo o que existe em seu livro foi original. Ele disse que escreveu a fim de que Teófilo pudesse saber o que era a verdade, o que crer. Não era novo, mas era verdadeiro. Agora sabemos que se pode dizer a mesma coisa dos escritos de Ellen White.

Sua pergunta foi como isto afetaria nossa interpretação de seus escritos. Bem, não de maneira diferente da que afeta nossa interpretação do Evangelho de Lucas. O fato de que usou fontes, não significa que ela fosse menos inspirada do que se não tivesse usado; sabemos apenas que ela teve ajuda — e ela sempre buscou ajuda ao expressar as coisas.

Em seu estudo, Veltman fala da “factualização”, por parte de Ellen White, das especulações originais dos escritores. Entendo que isto significa que, quando esses autores escreveram a respeito de um incidente, eles disseram: “Talvez isto tenha acontecido dessa maneira”. Depois, quando Ellen White escreveu sobre o mesmo incidente, disse que aquilo aconteceu realmente daquela maneira. Estava ela realmente confirmando o que havia visto das especulações daqueles autores?

Sim, creio nisso. Mas lembremos que Veltman não disse que ela confirmou todas as suas especulações. Ela foi seletiva. E aqui está o ponto importante.

Estudei um dos capítulos que Veltman não considerou — o capítulo “Lázaro Sai Para Fora”, sobre a ressurreição de Lázaro. Nesse capítulo, observei pelo menos 24 pontos extrabíblicos que foram mencionados pelos 10 autores que examinei. Ellen White comentou 15 desses pontos. Em cinco casos, ela ficou completamente sozinha, opondo-se ao que os outros autores haviam dito. Por exemplo, ela escreveu que Lázaro morreu depois que o mensageiro voltou a Betânia, não antes que o mensageiro voltasse. Aí ela divergiu de Edersheim, Abbot, Farrar, Hannah, March e McMillan. Ela foi a única a fazer aquela afirmação.

Assim, onde ela tomou suas especulações e as apresentou como certas, como verdadeiras, ela o fez seletivamente. Ela não estava copiando e endossando tudo indiscriminadamente.

Não seria razoável dizer que talvez Deus usasse este método em parte por causa da limitada instrução de Ellen White? Talvez ela usasse esses outros autores para compensar sua falta de instrução, e pode ser que Deus tenha trabalhado com ela, mostrando-lhe que partes usar e quais ignorar.

Sim, eu assim penso. Mas eu não afirmaria que Ellen White foi infalível nas decisões que tomou ao longo dessa linha de conduta. Há em seus escritos exemplos nos quais ela discordou de si mesma. Gostaria de dizer que não tenho explicação para esta espécie de coisa. Simplesmente não mereço tanto!

Conseqüentemente, não pretendo comprovar toda a história, por exemplo: devido a que Ellen White escreve* 9 Seu principal propósito ao escrever não foi apresentar fatos históricos, quer bíblicos quer de outra espécie. Seu objetivo principal foi sempre evangelístico. Ela foi sempre uma pastora. Sempre procurou levar as pessoas aos pés da cruz.

Assim, por exemplo, em um lugar ela diz que a Torre de Babel foi construída antes do Dilúvio., Bem, em Patriarcas e Profetas isto está corrigido. Encontrareis coisas dessa espécie — ocasionalmente ela contradiz a si mesma. Devemos reconhecer a falibilidade. Ela aqui está.

Nesse ponto Olson olhou a lista de perguntas que lhe havíamos dado antes da entrevista e trouxe à baila uma que havíamos saltado.

Você perguntou sobre mudanças na cronologia — divergências na cronologia da vida de Cristo, conforme foi apresentado no texto do pré-Desejado de Todas as Nações e do Desejado de Todas as Nações devidas a influências das fontes. Sabemos perfeitamente por que ela usou a cronologia que usou, pois Marian Davis nos contou. Marian diz: “Na ordem dos capítulos, seguimos a harmonia dada por Samuel Andrews na vida de Cristo de sua autoria”. Eis por que foram feitas algumas das mudanças efetuadas. Nenhuma inspiração se associou a tais mudanças. Eu diria, nenhuma orientação da parte do Senhor, dizendo: “Esta é a cronologia”.

Quando eu ensinava Vida e Ensinos no Pacific Union College, usei O Desejado de Todas as Nações para manter a seqüência, a maneira como tudo aconteceu. Eu não faria isto hoje. Agora sei que eles estavam seguindo Samuel Andrews. O Desejado de Todas as Nações pode não conter uma cronologia perfeita. Não creio que o Senhor esteja tão interessado em dar-nos alguma. Se estivesse, Lucas 4 e Mateus 4 não diferiria sobre as três tentações no deserto.

Acha o senhor que há ocasiões nas quais ela escreveu com a finalidade de interpretar um determinado texto ou determinar quer a história bíblica quer a eclesiástica?

Acho que ocasiões houve em que ela se portou como exegeta, mas que esses exemplos são extremamente raros. Creio realmente que ela foi uma homileticista. Ela usou as Escrituras como o faria um evangelista.

Tomemos, por exemplo, João 5:39. Ela usou este texto com dois sentidos, seguindo traduções diferentes. Usou a maneira de interpretar da Versão King James: “Examinai as Escrituras [e tereis a vida eterna]”. E citou também o modo indicativo da Versão Revisada: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, [mas aprenderíeis de Mim se as lêsseis corretamente]”.

Ela usou duas traduções diferentes do mesmo verso e realmente eles têm em si idéias positivas. Ora, se ela estava disposta a fazer isso com João 5:39, sei então que não estava necessariamente procurando dar-me uma exegese de um verso, quando o citou. Ao invés disso, dele extraindo uma lição espiritual.

Como o senhor veria a sugestão de que os escritos de Ellen White formam um “comentário inspirado sobre as Escrituras” como uma verdade apenas em sentido limitado, em lugar de uma regra geral?

Não podemos usar Ellen White como o árbitro final, determinante do que as Escrituras significam. Se o fizermos, então ela será a autoridade final, e não as Escrituras. Deve-se deixar que as Escrituras interpretem a si mesmas.

No artigo que contém suas conclusões, Veltman sugere que os escritos de Ellen White podem formar uma espécie de tradição textual — que seus escritos mais recentes podem diferir, em algum sentido, dos mais antigos. Acha o senhor que isto é verdade? Em caso afirmativo, devemos dar mais valor aos seus escritos mais recentes?

Considero os escritos mais recentes mais precisos — mais exatos — do que alguns dos seus escritos mais antigos. Há erros na Bíblia, mas sempre que os menciono em uma reunião pública, seja de que espécie for, não me sinto bem em falar sobre eles. Não gosto de falar também em erros em Ellen White; prefiro concentrar-me naquilo que edifica a fé. Mas, para responder à sua pergunta, há aí algumas discrepâncias. Um pouco atrás mencionei uma delas — a Torre de Babel.

Talvez o segredo para lidar com os erros seja observar o propósito com que o material foi escrito. Ocorre isto com material apenas de sustentação ou ilustrativo? O que interessa é o ponto a que ela estava querendo chegar, e não se o material de sustentação, a ilustração, os meios de tratar do assunto são realmente exatos em sua totalidade.

Concordo cem por cento com você sobre isto, e acho que a maioria do pessoal do White Estate faria o mesmo. Creio que é sempre bom seguir seu conselho. Jamais encontrei um exemplo no qual você experimentaria algum tipo de sofrimento por seguir o seu conselho. Sempre verifiquei que você seria beneficiado. Agora, a explicação que ela dá para o conselho pode nem sempre ser inteira e precisamente correta. Não podemos, porém, encontrar falta no próprio conselho.

Passemos para a questão das assistentes literárias de Ellen White. Veltman diz que as “assistentes literárias de Ellen White, em especial Marian Davis, são responsáveis pela forma em que O Desejado de Todas as Nações foi publicado ”. O senhor concorda com esta declaração?

Sim, isto é verdade. Contudo, deve-se deixar claro que Ellen White supervisou Marian Davis; ela examinou e aprovou o seu trabalho. Nem uma linha foi publicada sem a aprovação de Ellen White.

Algumas vezes Marian Davis precisou substituir palavras. Ela dividia as sentenças, porque entendia que as sentenças mais curtas tornavam maior o impacto. Ela eliminava a repetição. Deu ao livro a sua forma atual. Ellen White chamava Marian Davis de sua “compiladora”. Sem ela (ou alguém semelhante a ela) jamais teríamos O Desejado de Todas as Nações, Caminho Para Cristo, Parábolas de Jesus, A Ciência do Bom Viver, Educação ou O Maior Discurso de Cristo. No caso de todos esses livros ela escolhia as passagens-chave de Ellen White e as reunia na forma de livro.

Mas Marian era bastante cuidadosa ao declarar que ela era apenas a editora, e nada mais. Ela pegava aquilo que Ellen White havia escrito, e daquilo formava o livro.

Em 1900 Ellen White escreveu uma carta ao presidente da Associação Geral, o Pastor Irwin, a qual descreve como os livros dela eram produzidos: “O senhor já viu minhas copistas. Elas não mudam minha linguagem. Esta continua como a escrevi.

“O trabalho de Marian é de uma espécie completamente diferente. Ela é minha compiladora…. Ela pega meus artigos publicados em jornais, e os cola em livros em branco. Ela recebe também uma cópia de todas as cartas que escrevo. Ao preparar um capítulo para um livro, Marian se recorda de que escrevi alguma coisa sobre aquele ponto especial, o qual pode tornar o assunto mais convincente. Ela começa a procurá-lo e, se ao encontrá-lo, percebe que ele tomará o capítulo mais claro, acrescenta-o.

“Os livros não são produções de Marian, mas minhas, reunidas de todos os meus escritos. Marian tem um vasto campo do qual colher, e sua habilidade para organizar o assunto é da maior importância para mim. Isso me poupa de pensar sobre uma grande quantidade de assuntos, o que não tenho tempo para fazer.”2

Escreveu Ellen White qualquer dos seus livros seguindo o processo que deveria envolver normalmente se pensar em escrever um livro, onde se cria o esboço e depois se escreve o capítulo 1, 2 e assim por diante — cada um em seqüência?

Jamais se sentou ela realmente e escreveu um livro. Penso que ela nunca fez isso. Não conheço nenhum exemplo. Os únicos candidatos a isto seriam Experience and Views (1852) — seu esposo, creio eu, ajudou-a a escrever este — e os quatro volumes de Spiritual Gifts. Depois disso, a começar de 1870 com Spirit of Prophecy, vol. 1, teve ela o auxílio de assistentes literárias.

Mas notei isto. Numa carta a W. C. White, Marian Davis escreveu: “A irmã White é constantemente atormentada com a idéia de que o manuscrito deveria ser enviado imediatamente aos impressores. Gostaria, se possível, de aliviar-lhe a mente, pois a ansiedade a dificulta a escrever, e, a mim, a trabalhar. … A irmã White parece inclinada a escrever, e não tenho dúvida alguma de que ela produzirá muitas coisas preciosas. Espero que possamos reuni-las em um livro. Há, porém, uma coisa que nem mesmo o mais completo editor poderia fazer — e esta é preparar o manuscrito antes dele estar escrito.”3

Dessa maneira, fica esclarecido que Marian Davis era apenas uma editora. Ellen White tinha que escrever primeiro, e depois Marian punha em ordem aquilo — “Posso intercalar isso aqui?” “Posso acrescentar alguma coisa ali?” etc.

Veltman escreveu a respeito de elementos de tempo condicionado nos escritos de Ellen White. Como o senhor vê isto?

Reconhecemos tais elementos na Bíblia — por exemplo, a devolução por Paulo do escravo Onésimo a seu senhor. Por que não nos escritos dela? Acho que não é função do White Estate determinar o que é tempo condicionado e o que não é. É bom quando os indivíduos aplicam à sua vida os conselhos de Ellen White.

Suponho que esta última pergunta seja a mais difícil: O que dizer da negativa de Ellen White dos empréstimos literários?

Esta é a única coisa de que não gosto do relatório de Fred. Ele menciona esses pormenores, mas não dá nenhum exemplo. Sinto-me como escrevendo um artigo no qual menciono cada negativa isolada e, depois do parecer de um apologista, tendo que dar o meu ponto de vista sobre elas.

Há alguns problemas nos escritos de Ellen White — isto não se discute. E não tenho uma resposta totalmente satisfatória para todos eles, mas estou disposto a conceder-lhe a vantagem da dúvida, quando necessário. Percebo que Deus está operando no ministério dela. Uma vida inteira de íntima ligação com a obra de Ellen White, convenceu-me de que ela foi uma profetisa no mais elevado sentido — uma profetisa tão real como foram os profetas Elias, Natã ou Ágabo. Dessa forma, se algumas coisas existem que não posso explicar — bem, terei que esperar até que o Senhor venha e dê então a explicação.

Robert W. Olson e David C. James, respectivamente, ex-secretário do White Estate e editor associado da revista Ministry

Referências:

1. Spiritual Gifts, vol. 3, pág. 301.

2. Do livreto preparado pelo White Estate “How the Desire of Ages Was Written”, págs. 40 e 41.

3. Idem, pág. 34.

4. Os editores da revista Ministry convidaram o Dr. Olson para escrever este artigo.