Um estudo feito por Robert H. Gundry sobre a escatologia de Paulo na epístola aos tessalonicenses1 tem apresentado um interessante desafio à compreensão adventista do sétimo dia a respeito do retomo de Cristo e a ascensão dos santos ao Céu.

De acordo com as conclusões de Gundry, a passagem de I Tessalonicenses 4:15-17 fala de Cristo retomando em glória, sendo recebido nas nuvens por Seus santos, e descendo à Terra. Gundry crê que Paulo adaptou as palavras de Jesus relatadas em São João 11:25 e 26, concernente à ressurreição, para anunciar aos crentes de Tessalônica o Seu retomo. Defende ainda o argumento de que Paulo “helenizou” os ensinamentos de Cristo para seus leitores gentios. O uso que faz o apóstolo de palavras tais como parousia (vinda) e apantesis (encontro), junto à referência aos sons de trombeta, contribui para que Gundry veja na descrição feita por Paulo da volta de Cristo, os traços de uma antiga figura imperial aproximando-se de uma cidade. Em tal ocasião, os cidadãos deveriam sair fora dos portões, encontrar a personagem imperial e escoltá-la de volta à cidade. Gundry destaca que a palavra apantesis é usada na literatura antiga para descrever semelhante encontro cerimonial.2

As implicações da posição de Gundry são óbvias: se Cristo desce à Terra oriundo do “encontro nos ares”, e estabelece Seu reino terrestre ao mesmo tempo, uma ascensão não pode ser parte do complexo de eventos por ocasião do Seu retomo. Conquanto tal interpretação seja comumente usada para refutar a teoria dispensacionalista do “arrebatamento secreto”,3 o desafio ao tradicional ensino adventista também é claro. Diante disso, afloram duas importantes questões: estaria correta a interpretação de Gundry sobre I Tess. 4:15-17? Estaria correto o ensino adventista a respeito da ascensão dos santos?

Este artigo apresentará quatro evidências bíblicas que estabelecem o retomo de Cristo e a ascensão dos santos de acordo com o que é ensinado pelos adventistas do sétimo dia, partindo, primeiramente, de duas interrogações: Faz a Bíblia alguma descrição dos santos, como estando no Céu em algum tempo futuro? Falam as Escrituras, claramente, sobre a ascensão dos santos? Então consideraremos a fala de Paulo aos tessalonicenses e o desafio de Gundry.

Os santos no Céu

No Velho Testamento, a esperança dos santos de Deus era a de uma terra restaurada e embelezada. São abundantes as referências a esse respeito nos escritos proféticos (Isa. 11:60-66; Oséias 1:10 e 11; 14:4-9; Joel 3:18-21). Isaías mesmo declara: “Os teus olhos verão o rei na sua formosura, verá a terra que se estende longe” (Isa. 33:17). O profeta coloca uma questão nos lábios dos hipócritas de Sião e providencia a resposta divina: “…Quem dentre nós habitará com o fogo devorador? Quem dentre nós habitará com chamas eternas? O que anda em justiça e fala o que é reto; o que despreza o ganho da opressão;…” (vs. 14 e 15). Mesmo que a pergunta seja feita por pecadores, Isaías coloca os justos na eterna presença de Deus, definida como sendo “nas alturas” (v. 5).

Indo ao Novo Testamento, nós encontramos Jesus falando da introdução do reino do Céu (S. Mat. 5:20; 7:21; 19:23 e 24); da obtenção do reino do Céu (S. Mat. 5:3 e 10); dos justos brilhando como o sol no reino de seu Pai (S. Mat. 13:43); e de publicanos e meretrizes entrando no reino de Deus (S. Mat. 21:31). Frequentes referências de Jesus ao reino celestial tinham a ver com o trabalho da graça operando então e agora na vida dos pecadores. No ponto em que o futuro aspecto do reino é proeminente, a localização não está claramente descrita.

Jesus assegurou ao ladrão arrependido na cruz que ele estaria no Paraíso (S. Luc. 23:43).4 Aqui nós temos uma indicação da recompensa dos justos. Pela comparação dessa passagem com a de II Coríntios 12:4, onde o “conhecimento” de Paulo foi levado ao Paraíso, e Apocalipse 2:7, onde ao vencedor é prometido comer da árvore da vida no Paraíso de Deus, está claro que em algum momento no futuro os justos estarão no Céu.

A oração de Jesus em S. João 17 revela a intenção de nosso Senhor de ter Seus discípulos de todos os tempos, junto a Ele, no Céu: “E agora, glorifica-Me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que Eu tive junto de Ti, antes que houvesse mundo. … Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que Eu vou para junto de Ti. Pai santo, guarda-os em Teu nome, que Me deste, para que eles sejam um, assim como nós. … Pai, a Minha vontade é que onde Eu estou, estejam também comigo os que Me deste, para que vejam a Minha glória que Me conferiste, porque Me amaste antes da fundação do mundo” (S. João 17;5, 11 e 24).

Outras passagens do Novo Testamento apontam para o Céu como o lugar de habitação do povo de Deus. O escritor do livro aos Hebreus (11:10) fala de Abraão vendo “a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador”. Ele e outros patriarcas desejaram “uma pátria superior” (v. 16). Em Efés. 2:6 e 7, Paulo fala dos remidos assentados “nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da Sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus”. Finalmente, o apóstolo João descreve a recompensa celestial: “Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do Meu Deus, e daí jamais sairá; … dar-lhe-ei sentar-se comigo, no Meu trono,… (Apoc. 3:12 e 21). João também viu a grande multidão de pé diante do trono de Deus e do Cordeiro (Apoc. 7:9-17), tendo vindo de grande tribulação.

De tudo o que foi anteriormente mencionado, podemos concluir que os justos estarão por algum tempo, no futuro, no Céu.5

A ascensão

Agora, a segunda questão: Fala a Bíblia, claramente, dos santos sendo tomados e transportados para o Céu, por ocasião da volta de Cristo? Jesus falou de Seus anjos reunindo, por ocasião de Sua vinda, os eleitos dos quatro cantos, de uma a outra extremidade da Terra (S. Mat. 24:31; Sal. 50:1-5), num movimento lateral, não necessariamente vertical.

Nos escritos de Paulo, mesmo no grande capítulo da ressurreição (I Cor. 15), nada é dito a respeito de alguém ser tomado para o Céu. I Tess. 4:13-18 tampouco menciona uma ascensão ao Céu. Os santos serão “arrebatados”6 entre nuvens para o encontro com o Senhor nos ares. Nada é dito da direção da viagem. Paulo assegura-nos que estaremos sempre com o Senhor (v. 7), mas deixa-O, com Sua amada Igreja, suspenso nos ares.

O evangelho de João, no entanto, sugere uma viagem real para o Céu quando Jesus voltar. Nos três primeiros versos do capítulo 14 Ele claramente menciona que ia preparar moradas para Seus discípulos, na casa de Seu Pai. É no Céu a habitação do Pai, para onde Ele dissera anteriormente que iria (S. João 7:33). O Senhor Jesus também externou Seu propósito de voltar – “virei outra vez” (S. João 14:3) -, e reunir Consigo Seus discípulos. Isso é muito claro nas palavras “e vos receberei para Mim mesmo”.

Porventura, o verbo “receber” implica uma viagem para o Céu? Em resposta a essa pergunta, devemos considerar duas observações. Primeira, o verbo é uma forma composta de lambano (tomar), que significa “tomar para si mesmo”, “tomar junto”, ou “tomar com”.7 O uso da forma composta paralambano certamente acomoda, e, de fato, sugere fortemente, a ideia de que Jesus toma Seus santos, para cima, às moradas que preparou para eles.

A segunda observação é que o contexto ao redor do verbo faz a ascensão para o Céu, imperativa. Jesus está retornando do Céu, para levar-nos para o Céu.

O que Paulo disse

Voltando nossa atenção às palavras do apóstolo Paulo aos cristãos tessalonicenses, vemos alguns elementos chaves na passagem em consideração.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que esse texto, segundo Gundry indica, possui palavras que evocam a imagem de uma visita imperial. As palavras parousia (v. 15) e apantesis (v. 17) estão associadas com o clamor do anjo precursor e o som da trombeta. Cristo em Sua posição como Senhor imperial, vem descendo. Em S. João 2:19 e 20, Paulo associa glória, alegria, e uma coroa de exaltação à parousia de Cristo, enaltecendo o evento. Esse fato não significa, porém, que o retomo do Senhor Jesus corresponda ao modelo helenístico, em todos os aspectos.

A palavra parousia (vinda), embora freuüentemente usada no sentido especial descrito acima,8 também é vastamente usada na forma comumente conhecida. Isto ocorre 24 vezes no Novo Testamento: seis vezes em conexão com a chegada de Paulo ou seus associados, uma vez incluindo o homem do pecado (II Tess. 2:9), e, nas vezes restantes, ela está relacionada com a volta de Cristo. Há tantas diferenças entre o modelo imperial e as inúmeras passagens nas quais parousia anuncia volta de Cristo, que muitos necessitam fazer um grande esforço para tomar os dois eventos exatamente paralelos.9 Note-se, por exemplo, os sinais especialmente preditos da parousia de Cristo: os falsos sinais, os falsos Messias, o brilhante acompanhamento, nuvens (S. Mat. 24:24,27, 29 e 30; Apoc. 1:7).

No que tange à palavra apantesis, um forte depoimento deve ser feito a favor de Gundry, considerando o emprego que dela se faz no Novo Testamento. A palavra aparece em três outros lugares: Em S. Mat. 25:1 e 6, as dez virgens são chamadas para ir ao encontro10 com o noivo. As cinco virgens prudentes reúnem-se com ele e então o acompanham para a festa. Em Atos 28:15, os crentes de Roma ouvindo da aproximação de Paulo como um prisioneiro, saíram até à Praça de Ápio e às Três Vendas para encontrá-lo e, presumivelmente, escoltá-lo de volta a Roma.

Entretanto, a palavra apantesis nada possui em si mesma que requeira tal interpretação. Em cada caso, o contexto deve ser o fator determinante. Apantesis simplesmente significa “uma reunião”, “um encontro”. A Septuaginta também a usa nesse mesmo sentido (I Sam. 15:12).

F. F. Bruce, comentando I Tessalonicenses 4:17, cita exemplos do uso imperial de apantesis, e então conclui:

“Essas analogias (S. Mat. 25 e Atos 28), especialmente em associação com o termo parousia, sugerem a possibilidade de que o Senhor esteja sendo mostrado aqui como escoltado em Sua grande viagem para a Terra por Seu povo… Mas não existe nada na palavra apantesis que favoreça essa interpretação. Não pode ser determinado, do que é dito aqui, se o Senhor (com Seu povo) continua Sua jornada para a Terra ou retorna ao Céu.”11

Como é tão frequente o exemplo, uma só passagem dentre as consideradas acima, deveria levar-nos à mesma conclusão; mas quando colocada no contexto de todas as outras passagens sobre o assunto, deve levar-nos a uma conclusão diferente. Paulo deve ter sido influenciado pelas cenas imperiais ao escrever I Tess. 4:15-17, mas essa imagem logo empalidece, quando em comparação com a própria cena que ele descreveu. Quando devidamente esclarecido por S. João 14:1-3 e por outros textos, fica claro que I Tess. 4:15-17 deve se ajustar, quando muito, a apenas alguns aspectos do modelo helenístico.

Cristo, de acordo com Paulo, retornará e tomará para Si Seus escolhidos. É até possível que a mensagem helenística esteja completamente invertida na Bíblia. Depois de tudo, é a Igreja de Deus de todos os tempos que prevalece e tem sido vitoriosa sobre Satanás (Apoc. 12:11), e cada vencedor sentará no trono (Apoc. 3:21). Uma vez que o conflito esteja passado, Cristo abrirá os portões da cidade celestial, e, então, com as hostes angelicais, deixa a Nova Jerusalém e desce para encontrar e escoltar Seus vitoriosos santos para a cidade eterna. “E assim estaremos sempre com o Senhor.”

Referências

1. Robert H. Gundry, “The Hellenization of Dominical Tradition and Christianization of Jewish Tradition in the Escathology of 1° e 2º Tessalonian”, New Testament Studies 33, 1987, págs. 161 a 178.

2. Gundry, págs. 162 a 166.

3. Entre os dispensacionalistas há muitas escolas de pensamento sobre o arrebatamento secreto. Não vamos distingui-las aqui. Por arrebatamento secreto, referimo-nos à doutrina segundo a qual Cristo retorna em segredo, apenas para os crentes, para raptar a Igreja, quieta e misteriosamente nas nuvens para o Céu, onde permanecerão por sete anos. Depois desse período, Cristo voltará em glória com Seus santos.

4. A ideia popular de que o ladrão arrependido foi transportado ao Paraíso no mesmo dia da sua morte, é falha diante do ensino bíblico sobre a natureza do homem na morte. A Bíblia descreve a morte como um estado de inconsciência. Um sono. Na cruz, Cristo deu ao ladrão arrependido a segurança imediata, “hoje”, que ele estaria, após a ressurreição, com Jesus no Céu.

5. Os adventistas do sétimo dia ensinam a Segunda Vinda de Jesus e a ascensão dos santos como inaugurando o Milênio, e que os santos estarão mil anos no Céu, segundo Apocalipse 20. Ao fim desse período, a Nova Jerusalém descerá, o julgamento final terá lugar, e a Terra será restaurada à beleza edênica para tornar-se o lar eterno de bênçãos para os remidos.

6. Do grego harpazo, de onde traduzimos a palavra “arpoar”, que significa “apanhar”, “surrupiar”, etc. Ver F. W. Gingrich, Shorter Lexicon of the Greek New Testament, Imprensa da Universidade de Chicago, Chicago, 1985, pág. 28.

7. Gingrich, págs. 161 e 162.

8. Gundry, págs. 162 e 163.

9. Comumente, os escritores do Novo Testamento empregam palavras e imagens gregas, mas envolvendo-as com distintos significados cristãos.

10. Curiosamente muitas versões da Bíblia, incluindo a King James Version e a New King James Version, traduzem o substantivo apantesis como um infinitivo em cada uma dessas quatro ocorrências.

11. F. F. Bruce, I and II Tessalonians, in David A. Hubbard e Glenn W. Barker, Word Biblical Commentary, Vol. 45, Waco, Texas; 1982, págs. 102 e 103.

CHARLES V. JENSON, Pastor em Kansas City, Kansas, EUA