É possível alcançar a santificação nesta vida, ou é uma experiência vivencial que se consegue apenas no momento da transformação que os redimidos experimentarão por ocasião da volta de Jesus?1

Esta pergunta, que vem interessando a muitos há bastante tempo, gera-se na mente daqueles que, humildes e sinceros, resistem à auto-qualificação de santos, diante do reconhecimento de que ainda não se libertaram dos defeitos humanos; ainda mais, quando consideram a relação sinônima entre santo e perfeito em termos absolutos.

Por definição, perfeito “é aquele que tem o maior grau possível de bondade ou excelência em sua conduta”; e santo, aquele que é “perfeito e livre de toda culpa”.2 Comparando as duas definições, aparecem, claramente, duas conclusões: uma, a sinônima, existe; a outra, nos parâmetros estabelecidos pelas definições, cabe apenas a Deus. Contudo, é Ele quem insistentemente nos chama para a santidade e a perfeição.3 Se faz isto, é porque ambas as qualidades devem ser acessíveis ao homem. Admitida esta conclusão, a inquietude passa a ter relação com o quando e como.

De acordo com a etimologia, verificamos que santo (= do latim SANCTUS) é o particípio do verbo SANCIRE (= consagrar)4; daí, aceitar também o adjetivo, como acepção significativa: “o que é especialmente dedicado ou consagrado a Deus”.5 Por certo, esta definição se aplica melhor à dimensão humana; apesar, porém, desta ligação, é possível que Deus prefira como elementos a Ele consagrados, e chame de santos, somente a seres humanos moral e espiritualmente incompletos; a indivíduos imperfeitos — na melhor das hipóteses, perfectíveis?

O X da questão

Talvez esteja aqui, no termo perfectíveis, o “X” da questão. Deus nos aceita tais como es-tamos, tais como somos, para conduzir-nos em à santidade.6 No dicionário do Céu, santificação e perfeição apontam ao mesmo tempo para processo e culminação. Se quisermos falar em termos de alcance, podemos dizer que santidade é culminação, e santificação ao processo para aquela.

A idéia de santificação como processo, na experiência cristã, está implícita e/ou explícita na teologia paulina,7 na de Pedro8 e nas enfáticas declarações do Espírito de Profecia.9

Admitir que se chega à santificação vestindo ainda as folhas de figueira é um exercício de fé. Talvez por isso, quando Paulo fala aos romanos a respeito do processo do crescimento e desenvolvimento cristão,10 baseie suas palavras em duas robustas certezas de fé. Em primeiro lugar: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem…”11; “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”12

Quando o apóstolo fala sobre o mesmo assunto na primeira carta aos Coríntios, entrelaçados com os degraus de sua escada-espiritual, indica um elemento fundamental: Cristo Jesus. Ele é quem viabiliza a santificação como realidade atual e presente, desde o instante em que encontra lugar no coração do homem.13 É como se Paulo dissesse: o conhecimento de Deus, que recebemos através de Cristo, abre-nos as portas da vida eterna.14 Posso atravessá-las, justificado pela fé no perdão e na graça divina e, avançando pelo caminho da santificação diária — que se manifesta na maneira de viver — penetrar afinal e definitivamente na redenção de Deus. Tudo isto, por Cristo, com Cristo e em Cristo.

O visto

A justificação é o passaporte que habilita para a viagem; a santificação, o visto para entrar na pátria celestial.

Obtém-se o visto no país de residência, e significa que o titular do passaporte está apto para o país de destino. Assim também na experiência cristã. Devemos aprender a ser santos, e a viver como santos enquanto estivermos neste mundo. De maneira maravilhosa, estas consecuções podem ser atingidas não como resultado de nosso esforço, mas porque Deus as operará em nós, se tão-somente o permitirmos.

Este pensamento está magnificamente compreendido no âmago teológico da primeira das epístolas adventistas, a carta dirigida aos fiéis de Tessalônica:

“E O MESMO SENHOR DE PAZ VOS SANTIFIQUE EM TUDO; E TODO O VOSSO ESPÍRITO E ALMA, E CORPO, SEJAM PLENAMENTE CONSERVADOS IRREPREENSÍVEIS PARA A VINDA DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.”15

Desde o verso 12, Paulo vinha desenvolvendo o tema em tomo da importância decisiva que tem para o homem, para seu preparo para o encontro com Deus, a santificação. Em outras palavras, o grande pano de fundo do texto é a segunda vinda de Cristo, e o assunto principal, a santificação total do ser.

“E O MESMO SENHOR DE PAZ…” O após-tolo não pergunta ou questiona se a paz pode ou não ser uma característica de Deus. Ele a tem como certa. O sentido claro da expressão paulina indica fortemente que, assim como o amor, a paz é uma das facetas do caráter divino; da natureza divina. Paulo diz: Deus é paz e, portanto, quando Se aproxima do homem, mesmo de Seus filhos mais rebeldes, fá-lo comunicando verdadeira paz. Lembra as palavras de Jesus: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.”16

“VOS SANTIFIQUE…” Este é o verbo-chave de toda a declaração paulina. O verso todo é uma oração evidente, que coordena dois grandes assuntos enunciados quase no estilo poético hebraico do paralelismo sinônimo. Gramaticalmente, ambos os componentes da expressão se igualam em importância; contudo, quanto à idéia, o verbo santificar tem preeminência, por ser enunciado em primeiro lugar. Dele ressalta o fato de que a santificação é dom de Deus, não uma conquista humana.

“EM TUDO…” Da própria estrutura do desejo expresso, é evidente que a santificação não nos é imposta, mas outorgada. E outorgada plenamente, para que nos envolva por completo. Talvez seja este o grande segredo do êxito da vida do cristão. O vocábulo grego usado [holoteles) envolve perfeição, algo completo até o fim. Porque a verdadeira santificação abrange o ser todo. Não deixa parte alguma fora do seu alcance.

Aí termina a oração. O apóstolo poderia ter colocado o ponto final. Não o fez, porém. Talvez o Espírito Santo o tenha inspirado a ser mais específico. Muda então a pontuação, e reitera, acrescentando:

“E TODO O VOSSO ESPÍRITO, E ALMA, E CORPO…” Esta tripartição antropológica não é comum nos escritos paulinos. É muito mais comum a bipartição corpo e espírito.17 Por que esta mudança em seu estilo? Acreditamos que haja um propósito.

ESPÍRITO — (do grego = pneuma) refere-se à inteligência. Deus, por meio de Seu Espírito, fala ao nosso intelecto. O próprio Paulo mostra, na epístola aos Romanos, que a transformação necessária para assimilar a boa vontade de Deus em nosso favor, só é alcançada pela renovação da mente, do entendimento.18

ALMA — (do grego = psiquê) é a parte do ser que dá expressão aos instintos, desejos e senti-mentos. Esta parte da natureza do homem também deve ser santificada. Por meio do Espírito Santo, a mente do ser humano é posta em conformidade com a mente de Deus e, santificada, a razão prevalece sobre a natureza inferior, que se opõe a Deus, sujeitando-a a Sua vontade. Dessa maneira, pode o cristão humilde chegar a um grau tão elevado de santificação que, quando obedece a Deus, cumpre ou satisfaz seus próprios impulsos. Deleita-se em fazer a vontade divina, porque esta é sua própria vontade.

CORPO — (do grego = soma) é um instrumento com o qual o cristão ativo serve a seu Senhor. É o templo do Espírito Santo;19 logo, deve ser santificado. É ele que, mais do que a inteligência ou os impulsos, manifestará a santificação da vida. Nunca, porém, será santificado, se não o forem espírito e alma.

Não há, no triplo enunciado de Paulo, uma simples maneira de falar; há um preciso e precioso encadeamento. Este enunciado se acha estabelecido racional e logicamente em uma seqüência gradual de causa e efeito sagrados.

“SEJAM PLENAMENTE CONSERVADOS…” Conservados ou preservados sugerem, na linguagem de Paulo, que a santificação cuida da pessoa santificada, protege-a e a resguarda.

“IRREPREENSÍVEIS…” Naturalmente, quando a santificação se manifesta na vida, esta não apresenta repreensão. Não tem manchas nem rugas. É limpa para a glória de Deus. Acha-se livre de toda condenação.20

“PARA A VINDA…” Aqui está o grande pano de fundo — o tema central das duas epístolas aos tessalonicenses. A promessa da Segunda Vinda de Cristo ilumina a história bíblica de um ao outro extremo. Apenas sete gerações depois da entrada do pecado no mundo, quando o próprio Adão ainda vivia, um de seus descendentes já pregava com ardor a segunda vinda.21 Depois, os fiéis filhos de Deus recordaram com devoção o mesmo acontecimento no cerimonial da expiação; Jesus a tomou o grande tema de Sua pregação, e empenhou Sua palavra na forma de uma promessa;22 os anjos a reiteraram;23 e o apóstolo dos gentios proclamou este ensino e nele confiou.24

“DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.” Este é o centro perfeito. A magnífica declaração que comentamos, termina incluindo a figura central da história da redenção. Sem Ele, a santificação seria impossível e sem sentido. Porque “nEle vivemos, e nos movemos, e existimos”.25 Porque “Cristo é tudo em todos”.26 Porque Ele foi feito para nós “sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”.27

Prof. Juan Carlos Bentancor

  • 1. I Cor. 15:51-53.
  • 2. Dicion. da Língua Espanhola — Real A. Española.
  • 3. Êxo. 19:5 e 6; Lev. 11:44 e 45; 19:2; S. Mat. 5:48.
  • 4. Dicion. Etimológico da Língua Castelhana — J. Corominas.
  • 5. Dicion. da Língua Espanhola (Real Academia Es-panola).
  • 6. S. Mat. 11:28-30.
  • 7. Rom. 8:28-31.
  • 8. II S. Ped. 1:3-12.
  • 9. E. H. Adv. 12; 286; 486; D. T. G., 99; 278; H. Ap. 42, 46 e 47; 461-463; C. C., 59; 69; 82.
  • 10, 11 e 12. Rom. 8:28-30.
  • 13. I Cor. 1:30.
  • 14. S. João 17:3.
  • 15. I Tess. 5:23.
  • 16. S. João 14:27.
  • 17. Rom. 8:10; I Cor. 5:3; 7:4.
  • 18. Rom. 12:2.
  • 19. I Cor. 6:19; 3:16.
  • 20. Rom. 8:1; S. João 5:24.
  • 21. S. Judas 14.
  • 22. S. Mat. 24; S. Mar. 13; S. Luc. 21; S. João 14:1-3.
  • 23. Atos 1:11.
  • 24. I Cor. 15; I e II Tessalonicenses; II Tim. 4:1-7; Tito 2:11-14.
  • 25. Atos 17:28.
  • 26. Col. 3:11.
  • 27. I Cor. 1:30.