O Senhor vela sobre a vida íntima e o ambiente doméstico dos Seus líderes espirituais

No primeiro artigo desta série, focalizamos a identidade do pastor, tal como descrita nas Sagradas Escrituras, concluindo que ele é uma pessoa incomum, chamado a identificar-se com sua vocação. Nos dias atuais, o pastor pode se identificar muito intimamente com o sacerdote e o profeta dos tempos bíblicos. É assim que todos o vêem.

O trabalho de um bombeiro, por exemplo, não afeta necessariamente sua identidade pessoal. Sua profissão, seus talentos naturais e treinamento bastam para que ele se desempenhe eficazmente. Nós pastores, entretanto, somos chamados a liderar seres humanos através de uma batalha sem trégua contra o pecado e o mal, contra principados e potestades, levando-os à segura habitação na presença de Deus. Talentos naturais e treinamento não são suficientes para essas coisas.

Você e eu não estamos simplesmente “mercadejando a palavra” (11 Cor. 2:17). Fomos chamados para ser “o bom perfume de Cristo” (II Cor. 2:15). Para alguns, “cheiro de morte para morte”; para outros, “aroma de vida para vida” (II Cor. 2:16). Que privilégio e responsabilidade!1 Deus espera que não nos esqueçamos disso, mesmo na privacidade da nossa vida sexual. A sexualidade humana é uma parte natural da identidade pastoral, e a intimidade sexual é uma parte do casamento do pastor. Esses dois elementos de identidade, o sexual e o pastoral, convivem lado a lado no pastor.

A esposa do sacerdote

As instruções de Deus a Moisés sobre o casamento dos sacerdotes revelam Sua preocupação para com a vida íntima e o ambiente doméstico dos Seus líderes espirituais. Ao contrário da esposa do rei, do juiz e de outros líderes em Israel, a esposa do sacerdote deveria ser escolhida em harmonia com critérios específicos. “Só desta me agrado” (Juí. 14:3) não funciona aqui. No caso dos sacerdotes regulares, temos a orientação divina: “Não tomarão mulher prostituta, ou desonrada, nem tomarão mulher repudiada de seu marido, pois o sacerdote é santo a seu Deus” (Lev. 21:7).

As orientações para “o sumo sacerdote entre seus irmãos” ainda eram mais explícitas e seletivas: “Ele tomará por mulher uma virgem. Viúva, ou repudiada, ou desonrada, ou prostituta, estas não tomará, mas virgem do seu povo tomará por mulher. E não profanará a sua descendência entre o seu povo, porque Eu sou o Senhor, que o santifico” (Lev. 21:13-15). Cerca de 850 anos depois, Deus realçou a seletividade para os sacerdotes: “Não se casarão nem com viúva nem com repudiada, mas tomarão virgens da linhagem da casa de Israel ou viúva que o for de sacerdote” (Ezeq. 44:22).

A primeira razão explícita para isso é resumida nas palavras “o sacerdote é santo a seu Deus”. Sua esposa, que com ele se toma uma só carne, é parte da esfera de santidade sacerdotal e não deve se tornar um ponto de contato com o profano.2

A segunda razão pode ser uma tentativa de proteger o casamento do sacerdote contra questões não resolvidas e experiências traumáticas do passado, que uma futura esposa poderia trazer para a nova união. Necessidades pessoais insatisfeitas e não resolvidas freqüentemente reduzem a capacidade de alguém apoiar e ajudar outra pessoa.

O profeta Ezequiel resume a terceira razão: “A Meu povo ensinarão a distinguir entre o santo e o profano e o farão discernir entre o imundo e o limpo” (Ezeq. 44:23). Essa instrução não pode ser expressa apenas em palavras. O exemplo de amor mútuo entre o casal pastoral e da maneira como o seu lar é conduzido é o apoio mais efetivo ao ensino da diferença entre o santo e o comum, entre o imundo e o limpo.

O que a Bíblia está dizendo é isto: A esposa do pastor é única, uma mulher especial diante de Deus. O Senhor vigia zelosamente sobre como a escolhemos, como a tratamos, como apreciamos sua lealdade a Ele e quão genuíno é nosso amor por ela, mesmo na velhice (Mal. 2:13-16).

Posição bíblica

A aliança conjugal é altamente protegida na Bíblia. Mesmo antes da promulgação da Lei no Sinai, Deus interveio em benefício do casamento de Sara (Gên. 12:10-20; 20:1-18). O sétimo mandamento proíbe o adultério (Êxo. 20:14), e o décimo proíbe cobiçar a mulher do próximo (v. 17). A violação do sétimo mandamento era punida com a morte (Lev. 20:10; Deut. 22:22). O adultério violenta o conceito de união em “uma só carne” e “tem o caráter de roubar o esposo de sua individualidade, e destruir a corporeidade criada pela união sexual”.3

Se uma esposa fosse culpada de infidelidade, era obrigada a beber “água amaldiçoante” que lhe causaria “amargura, e o seu ventre se inchará, e a sua coxa descairá; a mulher será por maldição no meio do seu povo” (Núm. 5:11-31). No livro de Jeremias, capítulo 3, o adultério e a idolatria são apresentados como as ofensas mais sérias contra Deus e os seres humanos. Ao nos reportarmos à história do povo de Deus, observamos certas tendências ameaçadoras ao compromisso de fidelidade conjugal. Às vezes parece que a fornicação e o adultério alcançavam proporções epidêmicas (Juí. 19:22-26).

Lemos de Judá, Sansão e Davi envolvendo-se em escândalos, mas a reação de Deus era definitiva. Ele levantou indivíduos tais como Finéias, Natan, Malaquias e João Batista para condenar a decadência moral entre Seu povo. O próprio Jesus posicionou-Se contra a torrente, convidando Seus ouvintes a ancorar suas normas aos princípios antigos (Êxo. 20:17; Mat. 5:27 e 28). Não importa quão prevalecentes e aceitáveis possam ser em um determinado tempo e cultura, fornicação e adultério são condenados pela Bíblia em termos claros.

Mas a Bíblia também ensina que o pecador pode ser perdoado. O caso de Davi foi ultrajante, mas tomou-se um exemplo encorajador de como Deus trata os mais sérios pecados. Davi cometeu adultério com Bate-Seba, planejou e implementou o assassinato do seu marido, com toda astúcia que tal feito requer. Mas quando Natan interveio, Davi descobriu a hediondez dos seus atos, arrependeu-se, expressou isso no Salmo 51 e permaneceu no trono.

As conseqüências vieram, entretanto. O filho resultante daquela união morreu; o respeito e a influência reais foram abalados;4 a espada nunca deixou a sua casa; suas esposas foram levadas para longe (II Sam. 12:10-14); Simei se sentiu livre para amaldiçoá-lo e apedrejá-lo; e Davi acabou lamentando: “Eis que meu próprio filho [Absalão] procura tirar-me a vida” (II Sam. 16:9-11).

É importante notar que não foi durante ou por causa do seu pecado que Davi foi chamado um homem segundo o coração de Deus. Isso aconteceu quando ele se arrependeu, abandonou o pecado e humilhou-se desprovido de justificação própria?

A experiência e a posição de Davi não estão na mesma categoria dos sacerdotes. Davi era um rei, um servo civil. A diferença está claramente apontada no episódio quando Saul agiu como se a distinção entre rei e sacerdote fosse tão insignificante que ele imaginou poder oferecer sacrifício livremente, em vista da demora de Samuel. Diante desse comportamento, Deus disse: “Arrependo-Me de haver constituído Saul rei, porquanto deixou de Me seguir e não executou as Minhas palavras” (I Sam. 15:11).

Davi foi ungido para o ofício real. Os sacerdotes, por outro lado, eram separados em uma cerimônia diferente (Lev. 9) e para o santo ofício de liderar espiritualmente o povo. Vejamos o que Deus espera de um sacerdote, de modo que compreendamos a influência de sua identidade e a importância de seu chamado. Ao lado disso, veremos o que acontece quando ele comete pecado sexual.

Os filhos de Eli

Um notório caso de pecado sexual no sacerdócio é encontrado em I Samuel 2:12-24. O verso 22 diz: “Era, porém, Eli já muito velho e ouvia tudo quanto seus filhos faziam a todo o Israel e de como se deitavam com as mulheres que serviam à porta da tenda da congregação.” A última informação é particularmente significativa. Talvez essas mulheres fossem nazaritas envolvidas voluntariamente no lugar de culto (Núm. 6:2; Êxo. 38:8).Em qualquer caso, sua presença ali tinha um propósito legítimo. Todavia, os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias, deliberadamente abusaram de sua função sacerdotal, envolvendo tais mulheres em atitudes proibidas. Segundo Deuteronômio 23:17, “das filhas de Israel não haverá quem se prostitua no serviço do templo, nem dos filhos de Israel haverá quem o faça”.7

O zeloso apelo do pai desses dois homens, o sacerdote Eli, veio muito tarde. Ele tentou conscientizá-los da gravidade daquele comportamento, bem como da grandeza de suas responsabilidades e da perda de confiança do povo. Sacerdotes são santos (separados) para seu Deus. Não se pertencem. Quando ministram ao povo, servem ao próprio Deus. Quando abusam do povo, tocam a menina do olho de Deus, vituperando Seu nome, Sua casa e Sua causa.

Eli argumenta: “Pecando o homem contra o próximo, Deus lhe será o árbitro; pecando, porém, contra o Senhor, quem intercederá por ele?” (I Sam. 2:25). Quando a única ponte de segurança é destruída, como pode o resgate alcançar alguém em perigo? O pecado sexual nunca é uma experiência física sem conseqüências. O adultério e a fornicação no sacerdócio são assaltos diretos aos valores de Deus, ao próprio Deus e a Seu plano de salvação. Como poderia o povo de Israel crer que Deus era poderoso para salvá-lo dos seus pecados, quando Hofni e Finéias, representantes de Deus, demonstravam incapacidade para controlar paixões? O triste relato bíblico continua: “Entretanto não ouviram a voz de seu pai, porque o Senhor os queria matar.”

Um homem de Deus veio a Eli e declarou-lhe o que aconteceria a seus filhos e respectivas famílias, como conseqüência do menosprezo à vocação sacerdotal: “… aos que Me honram, honrarei, porém os que Me desprezam serão desmerecidos. … Ser-te-á por sinal o que sobrevirá a teus dois filhos, a Hofni e Finéias: ambos morrerão no mesmo dia. Então, suscitarei para Mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o que tenho no coração e na mente; edificar-lhe-ei uma casa estável, e andará ele diante do Meu ungido para sempre” (vs. 30, 34 e 35).

Efetividade e honra no sacerdócio não são herdadas mas adquiridas. O povo de Deus é muito prudente e perceptível para ser impressionado por meros nome e antecedentes. Questões espirituais e necessidades da alma são tão divergentes em cada membro da igreja, que apenas os pastores que são verdadeiros e inocentes no íntimo do ser podem discernir as ações de Deus no trato com o Seu povo.

“Os filhos de Eli herdaram uma sagrada responsabilidade e um honrado nome, mas por causa do seu egoísmo de tal maneira eles se tomaram servos de Satanás, que mereceram a reprovação total do povo. Quando seu pai falhou em exercer sua autoridade, foi advertido de que assim como a reverência e honra produzem uma colheita de caráter e utilidade, a semente da irreverência e desonra resulta em desonra e desapontamento.”8

Nos dias de Malaquias

Uma mensagem de repreensão alcança os sacerdotes contemporâneos do profeta Malaquias. Está em jogo a reputação de Deus (Sua honra), conforme Ele mesmo declara (Mal. 2:2). E toma providências para que Seu concerto com o sacerdócio, com Levi, não seja mais quebrado continuamente (v. 4).

Naquela ocasião, Deus disse: “Minha aliança com ele foi de vida e de paz; ambas lhe dei Eu para que Me temesse; com efeito, ele Me temeu e tremeu por causa do Meu nome. A verdadeira instrução esteve na sua boca, e a injustiça não se achou nos seus lábios; andou comigo em paz e em retidão e da iniquidade apartou a muitos. Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens procurar a instrução, porque ele é mensageiro do Senhor dos Exércitos. Mas vós tendes desviado do caminho e, por vossa instrução, tendes feito tropeçar a muitos; violastes a aliança de Levi, diz o Senhor dos Exércitos. Por isso, também Eu vos fiz desprezíveis e indignos diante de todo o povo, visto que não guardastes os Meus caminhos e vos mostrastes parciais no aplicardes e lei” (Mal. 2:5-9).

Movidos por lascívia sexual, os sacerdotes ajustaram sua teologia para caber intenções profanas, vícios secretos, negociatas traiçoeiras, até que os valores e normas morais foram revertidos. E ainda diziam: “Qualquer que faz o mal passa por bom aos olhos do Senhor, e desses é que Ele Se agrada” (v. 17). Como os lábios do sacerdote deveriam guardar sabedoria, o povo ouvia e caía presa do seu conselho corrupto. Mas, no profundo do ser, as pessoas sabiam que as coisas não eram como deveriam ser. Deus havia retirado Seu poder do sacerdócio e elas sabiam disso. E perguntavam: por que Deus não aceita com favor as ofertas das nossas mãos? (vs. 13 e 14).

A resposta foi dada: “Porque o Senhor foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual foste desleal, sendo ela a tua companheira e a mulher da tua aliança. Não fez o Senhor um, mesmo que havendo nele um pouco de espirito? E por que somente um? Ele buscava a descendência que prometera. Portanto, cuidai de vós mesmos, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade. Porque o Senhor, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio e também aquele que cobre de violência as suas vestes, diz o Senhor dos Exércitos; portanto, cuidai de vós mesmos e não sejais infiéis” (vs. 14-16).

A situação é clara. Deus não poderia manter a aliança “de Levi” com eles. Não poderia abençoar seu trabalho enquanto não guardassem a aliança, divinamente testemunhada, com suas esposas. Esse tipo de arranjo dividido, essa inconsistência no relacionamento, simplesmente não funciona (Mat. 5:23 e 24).

Nos dias atuais

Deus permaneceu ao lado das traídas esposas dos sacerdotes daquele tempo, assim como o faz em relação às esposas de pastores em igual situação hoje. A menos que eles respeitem sua aliança conjugal, não podem contar com o favor divino em seu trabalho. A linguagem usada por Deus nessa questão é poderosa e intimidatória. Necessitamos de muita coragem para ouvir Suas palavras, sem tentar diluí-las.

O Senhor tem um padrão muito claro. Tem abundante poder a fim de proteger, graça para curar e misericórdia para perdoar. Qualquer que seja a situação do nosso casamento, nosso status ou função, fidelidade à mulher da nossa mocidade é de suprema importância para Ele.

A esposa do pastor é única, uma mulher especial diante de Deus

O padrão de Deus para os sacerdotes do Antigo Testamento ainda prevalece nos dias atuais

Referências:

1 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 119.

2 Walther Zimmerli, A Commentary on the Book of the Prophet Ezekiel (Philapdephia: Fortress, 1983), vol. 2, pág. 460.

3 O. Piper, The Biblical View of Sex ans Marriage (Nova York: Scribners, 1960), pág. 150.

4 Ellen G. White, Testimonies on Sexual Behavior, Adultery, and Divorce (Silver Spring: Md: Ellen G. White Estate, 1989), págs. 174 e 175.

5 Ibidem, págs. 94 e 95.

6 Robert D. Bergen, The New American Commentary (Nashville: Broadman and Holman, 1996) vol. 7, págs. 80 e 81.

7 Ver Êxodo 25:1-5; Amós 2:7 e 8.

8 SDA Bible Commentary, (Washington D.C.: Review and Herald, 1976), vol. 2, págs. 463 e 464.

Miroslav Kis, Ph.D., é professor de Ética no seminário teológico da Universidade Andrews, Estados Unidos