Quais são as raízes da moderna observância do sábado? Por que existem diferenças culturais nesse sentido? Porventura foram mudados os padrões sabáticos, com o passar do tempo?

O modelo de observância do sábado, verificado entre as famílias americanas adventistas do sétimo dia, tem sua origem no fim dos anos 1500, durante o movimento reformador puritano da Inglaterra. Pastores piedosos, buscando guiar seus paroquianos a uma experiência de religião interior, em lugar de mera formalidade, insistiam na im-portância da piedade pessoal. Os Dez Mandamentos tornaram-se a pedra de toque para a reforma da moralidade. Ao lado disso, floresceu um movimento para resgatar o respeito pelo domingo, como dia de descanso.

Nicholas Bownde, pastor de uma pequena igreja interiorana, pregou uma série de sermões a respeito do descanso sabático, e os membros de sua congregação incentivaram-no a publicá-la. O resultado foi o livro intitulado The Doctrine of the Sabbath (A Doutrina do Sábado), que se tornou muito popular. Muitos leitores resolveram, pela primeira vez, separar um período de 24 horas para comungar com Deus.

Proibições sabáticas não foram a maior preocupação de Bownde. Pelo contrário, ele orientou no sentido de se preencher o dia com exercícios espirituais que acentuariam a santificação. As proibições eram apenas uma maneira de determinar tempo para as atividades espirituais. Bownde atacou as recreações públicas, e divertimentos, no domingo, em virtude de que tais práticas prejudicavam os serviços de culto nas igrejas. Em lugar disso, ele insistiu para que homens e mulheres levantassem cedo no domingo, para que se dedicassem à oração e se preparassem para a proclamação da Palavra de Deus. Bownde ensinou que as horas do domingo, fora das reuniões, deveriam ser usadas em testemunho pessoal, estudo da Bíblia, pessoalmente ou em grupos, e auxílio aos necessitados.

O livro de Bownde ficou famoso na Inglaterra. As leis do país já incluíam censuras contra muitas atividades realizadas no domingo, e a cruzada puritana inspirou as autoridades a tornarem-nas mais estritas ainda. A oposição surgiu forte em muitos lugares. O Rei Tiago, em 1617, publicara um panfleto de quatro páginas intitulado The Book of Sports (O Livro dos Esportes), no qual argumentava que a recreação era permitida nas tardes domingueiras. Quando o Rei Charles reimprimiu o folheto em 1637, o arcebispo ordenou que fosse lido em todas as igrejas. Muitos pastores puritanos recusaram-se a cumprir a ordem e perderam seus fiéis.

Pastor castigado

O Pastor Henry Burton não apenas deixou de ler o folheto, como também pregou dois sermões contra ele. Segundo o seu ponto de vista, o decreto do monarca contrariava o 4º mandamento. O arcebispo, com o apoio das autoridades, invadiu a sua casa, examinou seus apontamentos e o prendeu. Burton foi torturado e condenado. Depois de sofrer muitas humilhações, teve as orelhas cortadas e foi sentenciado à viver numa masmorra do Castelo de Lincoln. Cem mil pessoas, no entanto, saíram em sua defesa.

Quando as forças puritanas conseguiram vantagem na Inglaterra, Burton foi libertado e o Parlamento tratou de reformar a Igreja.O descanso dominical ganhou um lugar especial na Confissão de Westminster, a qual declara que Deus separou um dia em sete para guardá-lo santo para Ele. As palavras da confissão estabelecem de maneira muito clara e inquestionável:

“Este sábado é então guardado santo para o Senhor, quando homens, depois de um devido preparo de seus corações, e ajuste antecipado de seus afazeres comuns, não apenas observam um santo repouso, durante todo o dia, de seus próprios trabalhos, suas palavras e pensamentos a respeito dos negócios terrenos e recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercício público e privado de louvor a Deus, e nos deveres da graça.”2

Esse conceito de observância sabática na Confissão de Westminster tomou-se o ideal dos protestantes de fala inglesa e, posteriormente, dos adventistas do sétimo dia.

Descanso sabático americano

Os puritanos que ressuscitaram os padrões da observância sabática na Inglaterra, importaram ainda mais rigorosas práticas para a América. Todas as colônias eventualmente aprovaram a legislação de re-pouso no domingo, mesmo a religiosamente tolerante Rhode Island.

Nos dias da colonização americana, as leis dominicais eram extremamente severas, impondo penalidades drásticas aos transgressores.

O caso da Pensilvânia é único. Os Quackers, que fundaram a colônia, teologicamente repudiaram a observância sabática. George Fox, o fundador da Sociedade de Amigos (Quackers), considerou iguais todos os dias. Não obstante, os próprios Quackers foram sabatistas, na prática. Eles sentiam a necessidade de reservar tempo para repouso e louvor, e escolheram o “primeiro dia” para essas atividades.

As leis em Massachusetts e em Connecticut eram especialmente inflexíveis. Em Massachusetts, era ilegal caminhar nas ruas ou parques, exceto para ir à igreja. Havia uma penalidade para as crianças que brincassem no “dia do Senhor”. Nas duas colônias o povo era incentivado ao louvor congregacional. O repouso dominical era executado com um considerável grau de rigor. Um homem, chamado Natanael Mather, chegou a confessar que, quando criança, cometera um grande pecado – assobiou no dia santo. Outros foram penalizados por arrumar o cabelo, carregar lenha, ou viajar “desnecessariamente”.

A severidade das leis dominicais na Nova Inglaterra era tão intensa, que não faltaram histórias verdadeiramente folclóricas a seu respeito. Conta-se, por exemplo, que um marinheiro chamado Thomas Kemble foi castigado num cepo, simplesmente por haver beijado sua esposa que foi recebê-lo, no dia do Senhor, quando voltava de uma viagem que durou três anos. É provável que essa história tenha sido inventada por um polemista anglicano o qual falsamente noticiara que tais atitudes eram contrárias à lei. Um outro conto ridiculariza as autoridades de Connecticut por prenderem John Lewis e Sarah Chapman. Eles teriam cometido o pecado de sentarem juntos sob uma macieira, no domingo. O que não é relatado é a preocupação geral dos pais de Sarah e das autoridades sob a inconveniência do relacionamento.3

Um exemplo do ensinamento puritano sobre o dia de repouso vem de Jonathan Edwards. Em seu sermão sobre “A Perpetuidade e Mudança do Sábado”, Edwards não se contenta apenas em apresentar o assunto. Ele o conclui com uma prolixa exortação à uma adequada observância do dia sagrado. Não o vê como um ressequido e enfadonho dia, mas afirma ser ele “um dia de regozijo; Deus o fez para ser um dia alegre para a igreja… O sábado cristão é um dos mais preciosos deleites da igreja visível”. Todavia, observá-lo como santo, é algo que Deus “certamente requererá… de nós, se não o fizermos estrita e conscienciosamente. Mas, se assim o reverenciarmos, teremos Seu conforto e estaremos no caminho de Sua aceitação e recompensa”. Para Edwards, está claro que a observância sabática é um requerimento de Deus para o Seu povo. Edwards promete ainda a seus ouvintes, em termos reminiscentes dos rabis judeus, que se eles observarem o dia do Senhor mais estritamente, e cumprirem seus deveres de maneira mais solene, estarão manifestando grande respeito a Deus. Isso é quase uma prescrição detalhada de restrições; do tipo que até mesmo proibe assobiar.4

Wesley e o sábado

John Wesley possuía uma visão igualmente ortodoxa sobre o sábado. Em um boletim de três páginas, intitulado Uma Palavra aos Transgressores do Sábado, Wesley enfatiza que este não é um dia do homem, mas de Deus. Deus o requer, não para Seu benefício próprio, mas para o benefício daqueles que O servem. Ele diz a seus leitores: “Para tua própria segurança, Deus, que te dá todas as coisas, requer uma parte do teu tempo.” Se as pessoas não atendem a esse pedido divino, prejudicam-se a si mesmas; pois este é um dia de graça especial. “O Rei do Céu, agora sentado em Seu trono de misericórdia, de um modo mais gracioso que nos outros dias, outorga bênçãos a todos os que o observam… Levanta-te! Ergue-te! Permite que Deus te abençoe! Recebe o sinal do Seu amor!” As bênçãos que Ele oferece incluem paz, alegria, amor, e “refrigério para os temores, dúvidas e mágoas do coração”. Atenção aos negócios terrenos e divertimentos fúteis desapontam o desígnio do amor de Deus. Assistir aos serviços de culto em Sua casa é comungar com Ele.

Wesley encorajou seus leitores a “aproveitar o máximo do repouso do dia, quer refletindo nas mensagens recebidas, lendo as Escrituras, orando, ou testemunhando”. Se alguém emprega o tempo que sobra, em passeios nos parques, ou diversões menores, desperdiça os talentos e deslavada desonra é manifestada contra Deus e Sua autoridade. Wesley lembra ainda os juízos de Deus sobre aqueles que profanam o Seu dia, ainda na Terra, e argumenta que eles são apenas gotas da tempestade de ardente indignação que finalmente consumirá Seus adversários. Wesley conclui com o pensamento mórbido de que “Seu dia de vida e graça está quase esgotado. A noite de morte está às portas. Apressemos em usar o tempo de que dispomos; aproveitemos as últimas horas do dia de Deus”.5

O sábado cristão é um dos mais preciosos deleites da igreja visível.

Deus o instituiu como um dia de louvor e alegria.

A impressão deixada por esse trabalho é muito diferente daquela deixada pelos primeiros puritanos. Eles descobriram na observância sabática uma bênção especial que estavam ávidos para partilhar. Wesley revela a consciência dessa bênção, mas para ele o sábado não era algo para ser descoberto, mas para ser cumprido. É algo que Deus requer, e a resposta humana adequada é colocar-se sob a autoridade divina, livrando-se do julgamento e da perda da vida eterna.

Legalismo

Era Wesley um legalista? Sua experiência com Deus era muito profunda, todavia seu conceito do sábado, tal como Jonathan Edwards, pendia para o legalismo. Ambos o viam mais como um requerimento do que significando liberdade. Nesse ponto, eles parecem refletir a mentalidade cultural da época.

Uma das resoluções de Edwards era “jamais proferir qualquer coisa frívola ou assunto de riso, no dia do Senhor”. Essa atitude fez com que alguns críticos se referissem zombeteiramente ao mandamento, dizendo: “Lembra-te do dia do sábado para o santificar melancolicamente.” Certo escritor chegou a afirmar que os puritanos haviam transformado o alegre dia sabático num triste dia de inanição, ao ensinarem que era pecado caminhar ou colher uma flor durante o mesmo.

Sabatismo moderno

No início do século XIX, junto com o segundo grande desapontamento na América, veio um reavivamento do interesse na observância o dia do Senhor. Surgiu então uma preocupação a respeito da frouxidão no trato “adequado” a esse dia, construída sobre dois fatores. Primeiro, a massiva imigração européia. Novos imigrantes observavam o “domingo continental”, que era consideravelmente mais liberal que a estabelecida visão do descanso dominical. Os cristãos americanos tradicionais sentiram que essa observância frouxa se tomaria a norma nacional. O segundo fator diz respeito ao fato de que aconteceram notáveis avanços na indústria, na tecnologia e nos transportes. Tanto na Inglaterra como na América, a discussão principal era sobre as transportações públicas durante o domingo. Muitas vozes foram ouvidas advogando a sua interrupção. Líderes de igrejas conservadoras se opunham à abertura de museus no dia sagrado. Muitos condenavam também a publicação de jornais nesse dia.

Os pioneiros adventistas enfrentaram o legalismo sabático. Hoje, o perigo é o liberalismo na guarda do sábado.

No início de 1848, houve forte oposição contra o estabeleci-mento de uma legislação dominical. Um congresso no qual se discutiu a questão foi realizado naquele ano, em Boston. Os que estiveram presentes sentiram que não haviam sido ensinados a guardar o domingo livremente, mas como um dever imposto. Faziam-no por obrigação, não por amor. Acabaram rejeitando o dia, como sendo escuro, insípido e desagradável. William Lloyd Garrison afirmou que “não é a letra da observância que de nós é requerida, mas o espírito de um coração e vida que consagram todas as coisas à Deus e ao benefício da humanidade”. Por sua vez, um homem chamado Browne procurava justificar sua infidelidade à observância do domingo, argumentando que o que importava era a religião interior.6

O individualismo religioso eventualmente levou não somente à rejeição da maioria das leis dominicais, mas à negligência da própria instituição durante os próximos 100 anos.

Alegrias e tristezas

Muitas pessoas na igreja permaneciam muito severas quanto ao que era proibido fazer no dia do Senhor. Laura Ingalls Wilder, conta como sua bisavó retomava da igreja para casa e passava as tardes de domingo lendo o catecismo. Certo dia, quando ela e seus irmãos fugiram sorrateiramente para montar um novo trenó, foram descobertos quando atropelaram um porco que ia passando. Seu pai não os castigou de imediato, porque o domingo ainda não havia terminado. Depois, no entanto, a punição foi rigorosa.7

A literatura protestante daquele tempo revela significativas discórdias sobre se as crianças deviam brincar ou não, durante as horas sagradas. Alguns achavam que jogos especialmente preparados para a ocasião eram aceitáveis. Outros proibiam qualquer tipo de brincadeira. Enquanto o descanso sabático puritano foi fortemente atacado, de um modo geral, permaneceu o respeito à maneira de os cristãos agirem. Muitos poemas exaltavam as glórias e as bênçãos sabáticas. Os hinos “Salvos através de outra semana” e “O dia de repouso e alegria” foram escritos sobre o domingo para celebrar as alegrias de sua observância.

Nesse ambiente foi que a observância do sábado, segundo os adventistas do sétimo dia, se desenvolveu. E está muito claro, na literatura dos primeiros adventistas, que eles transferiram do domingo para o sábado os padrões comuns ao mundo protestante conservador. Eles também herdaram as lutas para manter a santidade do dia, sem cair no legalismo. A princípio, o legalismo era o principal perigo. Hoje, é possível que o descuido e a negligência roubem-nos a paz e o repouso que resultam do ato de empregar tempo no “lugar de encontro entre Deus e o homem”.

Referências

  • 1. Kenneth Parker, The English Sabbath, Cambridge, 1988, págs. 178-219; Winton U. Solberg, Redeem the Time. Cambridge, 1977, págs. 77-80, e 157-159.
  • 2. Confissão de Fé de Westminster, XXI, cap. 7 e 8.
  • 3. Winton Solberg, Op. cit., págs. 193, 195, 229-232, 251 e 252, 263, 265-268, 169 e 170, 276-269.
  • 4. Jonathan Edwards, The Works of President Edwards, Nova Iorque, 1852, Vol 6, págs. 632-633.
  • 5. The Works of John Wesley, Grand Rapids, MI; Zondervan, 1958, vol. 11, págs. 164-166.
  • 6. Proceedings of the Anti-Sabbath Convention, págs. 47, 29 e 33.
  • 7. Laura Ingalls Wilder, Little House in the Big Words, Nova Iorque, 1932; reimpresso em 1971, págs. 83-96.
  • 8. Wilbur Crafts, The Sabbath for Man, Nova Iorque, 1885, pág. 412.