Fundamentos da motivação missionária para o ministério

A missão é uma realização do Deus triúno em um movimento no qual Ele Se torna conhecido para salvar.1 O tema da missão não pode ser visto dissociado do discipulado nem da ação salvadora da Trindade no mundo. Por conseguinte, a missão da igreja deve ser moldada pela missão divina, fundamentada na compreensão da Divindade e de Sua relação com a humanidade.

Deus missionário

O conceito bíblico de missão está relacionado com a ideia de “enviar” ou “ser enviado.”2 A fim de tornar efetivo o plano da redenção, o Pai enviou Seu Filho para salvar o pecador (Jo 3:16; 5:37; 6:38). Após a morte, ressurreição e ascensão de Jesus, ambos enviaram o Espírito Santo (Jo 14:16, 26; 16:13), com a missão de restaurar o pecador e comissionar os salvos, como igreja, a compartilhar as boas-novas do evangelho. A ação integrada, coordenada, das três pessoas da Divindade em favor da salvação das pessoas tem sido caracterizada por missiólogos pela expressão missio Dei.3

Além disso, a natureza missionária de Deus deve ser identificada como missão integral. Nesse ponto, é preciso destacar que essa afirmação não deve ser confundida com os conceitos sustentados pela Teologia da Missão Integral que, à semelhança da Teologia da Libertação, defende um contexto evangelístico de libertação de opressões e é “marcado pelo problema histórico da dominação e da dependência”.4

Em virtude do grande conflito cósmico, o pecado se tornou universal (Ez 28:17; Is 14:13, 14); portanto, é necessária uma ação divina igualmente universal para combatê-lo. A visão missionária de Deus é ampla e inclusiva, alcançando todos os povos da Terra por meio de Seu plano salvífico, que convida os incrédulos, por intermédio da poderosa ação do Espírito Santo, a aceitar o amável senhorio de Jesus Cristo.

Discípulo missionário

Assim como Deus enviou Seu Filho para proclamar a salvação, Cristo envia Seus discípulos para compartilhar o evangelho e formar novos seguidores (Mt 28:19, 20). A ordem de Jesus, “façam discípulos” (Mt 28:19), implica a dotação do Espírito para o cumprimento da grande comissão (Rm 12:6-8; 1Co 12:4-11, 28-31). Assim, a concessão dos dons espirituais aos discípulos tem sua origem no Pai e no Filho (Ef 4:8, 11; 1Ts 4:8), e o Espírito Santo, o “agente de todas as atividades espirituais”5 na igreja, distribui os dons “a cada um, individualmente, conforme Ele quer” (1Co 12:11).

A ordem de fazer discípulos resulta também em evangelização internacional. Os apóstolos receberam o poder para testemunhar quando o Espírito Santo desceu sobre eles, capacitando-os a proclamar as boas-novas até os confins da Terra, a partir de Jerusalém (At 1:8; 2:1-4). A mensagem de salvação precisa ser levada a todos os povos para o cumprimento da missão mundial, tendo sempre as Escrituras como fundamento da pregação.

Nesse sentido, o testemunho escriturístico sobre Jesus ganha um forte aliado no tempo do fim, o Espírito de Profecia, marca do remanescente escatológico (Ap 12:17; 14:12). De acordo com o Apocalipse, esse grupo de fiéis manterá o testemunho de Jesus mesmo diante da perseguição imposta pelo dragão (Ap 12:17). A tríplice mensagem que deve ser pregada por eles (Ap 14:6-12) é de significado e alcance universal, pois Deus os designou para cumprir a grande comissão de Mateus 28:18 a 20. Nas cenas finais, enquanto o remanescente estiver proclamando as três mensagens angélicas movidos por uma poderosa manifestação do Espírito Santo (Ap 18:1), a falsa trindade composta pelo dragão, a besta e o falso profeta anunciará uma mensagem contrafeita (Ap 16:13, 14), preparando, assim, o cenário para o Armagedom.

Incentivo à missão

Nossa motivação para a missão deve ser encontrada em Jesus Cristo, que Se identificou com a humanidade por meio da encarnação e dá elementos que impelem a ação dos salvos em favor dos perdidos. A compaixão, esse “sentimento de pesar, pena e simpatia para com o sofrimento de outrem, associado ao desejo de confortá-lo”,6 é o que fundamenta a paixão pela missão. Jesus agiu assim. Concordando com Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche equivocadamente afirmou, ao criticar Jesus e Seu sistema moral, que a compaixão é a negação da vida, responsável pela multiplicação do sofrimento humano, e que “o amor é o estado em que o homem enxerga as coisas como elas não são.”7 Contudo, é exatamente o oposto! O “espírito altruísta de Cristo”,8 marcado pelo amor, compaixão e serviço ao próximo (Mt 20:28), é a única coisa capaz de transformar o ser humano e conduzi-lo a um patamar mais elevado.

O fator motivador para obediência à ordem do Mestre para fazer novos discípulos é a percepção compassiva por parte do discipulador de que o pecador é servo de Satanás e vive uma vida arruinada, que precisa de libertação e serviço amorável e voluntário, totalmente dependente de “uma ‘missão integral’ capaz de restaurar sua vida espiritual, sua dignidade, sua condição social e seu senso de cidadania”.9

Quando o discípulo se torna um discipulador por amor, ele reflete a ação da própria Trindade (cf. Jo 15:8-17), devendo replicar as ações de Cristo, que “trabalhava com esforço persistente, fervoroso e incansável pela salvação da humanidade perdida”,10 e dizer a todos à sua volta como foi transformado por Ele. A missão é um mandato de Deus11 que deve ser cumprido por meio do sentimento de profunda compaixão por aquele que ainda vive no jugo da escravidão do pecado, vivenciado outrora pelo discipulador.

O trabalho em favor da salvação de pessoas deve ser movido pelo desejo de que o pecador se aproxime “do trono da graça com confiança”, a fim de receber misericórdia em momento oportuno (Hb 4:16), e encontre “o Filho de Deus, como grande Sumo Sacerdote” (Hb 4:14), compassivo, amoroso e disposto a conceder aquilo que o ser humano arrependido mais deseja: a paz com Deus (Rm 5:1).

No entanto, esse ideal não está livre de empecilhos. O maior inimigo da missão é a busca pela preservação da própria comodidade, o ministério não abnegado, uma vez que o processo de evangelização inevitavelmente tirará o discípulo de sua zona de conforto. Por isso, devemos ter sempre em mente que em Cristo “o próprio eu e o interesse próprio não tinham parte alguma em Seu trabalho”.12 Devemos nos inspirar no fato de que Ele, “mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo que deveria ser retido a qualquer custo”, esvaziando-se e “assumindo a forma de servo” (Fp 2:6, 7), para vivenciar nossa realidade de sofrimento e nos tornar participantes das bênçãos celestiais.

Portanto, visto que o Pai, o Filho e o Espírito Santo estão envolvidos em salvar a humanidade, o mesmo deve acontecer com os discípulos de Cristo. O amor que une a Trindade, sendo o motivo para Sua ação missionária em favor das pessoas, também deve ser o vínculo que liga os discípulos (Jo 13:35), a razão da empatia e unidade de sentimento entre os ministros do evangelho, bem como fator que impulsiona o cumprimento da missão confiada por Jesus. É o fundamento para o pastor apascentar as ovelhas (Jo 21:15-17). Se, na qualidade de pastores discipuladores, a missão de Deus não se tornar uma prioridade para nós, então perdemos o foco do discipulado. O sofrimento das ovelhas perdidas e a morte eterna como a certeza de seu destino devem ser suficientes para que mantenhamos a paixão pela missão de Deus. 

Referências

1 John R. W. Stott, “O Deus Vivo é um Deus Missionário”, em Ralph D. Winter, Steven C. Hawthorne e Kevin D. Bradford (eds.), Perspectivas no Movimento Cristão Mundial (São Paulo, SP: Vida Nova, 2009), p. 33-40; Russell P. Shedd, “Missão: A Prioridade de Deus”, em Winter, Hawthorne e Bradford, Perspectivas no Movimento Cristão Mundial, p. 26-32.

2 Gordon R. Doss, Introduction to Adventist Mission (Silver Spring, MD: Institute of World Mission of General Conference of Seventh-day Adventists, 2018), p. 3.

3 J. Andrew Kirk, O que é Missão? Teologia bíblica de missão (Londrina, PR: Descoberta, 2006), p. 45. A expressão latina missio Dei significa literalmente “o envio de Deus”, que comunica a salvação ao mundo. Jirí Moskala “The Mission of God’s People in the Old Testament”, Journal of the Adventist Theological Society, v. 19, n. 1-2 (2008): 42; John A. McIntosh, “Missio Dei,” em A. Scott Moreau (ed.) Evangelical Dictionary of World Mission (Grand Rapids, MI: Baker, 2000), p. 631, 632.

4 Regina Fernandes, Introduções às Teologias Latino-Americanas (Campinas, SP: Saber Criativo, 2019), p. 19.

5 Lucien Cerfaux, Cristo na Teologia de Paulo (Santo André, SP: Academia Cristã, 2015), p. 225.

6 “Compaixão”, Aulete Digital, disponível em <tinyurl.com/y5qg8oh8>, acesso em 22/10/2020.

7 Friedrich Nietzsche, O Anticristo (São Paulo, SP: Martin Claret, 2014), p. 33, 34, 60.

8 Ellen G. White, Caminho a Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), p. 77.

9 Arzemiro Hoffmann, A Cidade na Missão de Deus: O desafio que a cidade representa para a Bíblia e à missão de Deus (Curitiba, PR: Encontro, 2007), p. 85.

10 White, Caminho a Cristo, p. 78.

11 Gerald A. Klingbeil, “Mission and Contextualization: An Introduction”, em Gerald A. Klingbeil (ed.), Misión y Contextualización: Llevar el mensaje bíblico a un mundo multicultural (Entre Rios, Argentina: Editorial Universidad Adventista del Plata, 2005), v. 2, p. xvii.

12 White, Caminho a Cristo, p. 78