“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois Ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-Se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a Si mesmo Se humilhou até à mor-te, e morte de cruz. Pelo que também Deus O exaltou sobremaneira e Lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos Céus, na Terra e debaixo da Terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.” (Fil. 2:5 a 8).

Esses versos têm recebido dos comentaristas títulos tais como Humilhação, Auto-aniquilamento e Auto-humilhação de Cristo. Mas qual a razão de o apóstolo Paulo apresentar esse exemplo de Cris-to à igreja de Filipos? Estudo mais acura-do da epístola mostrará que entre os perigos que ameaçavam aquela comunidade cristã estavam a desunião e a exaltação própria. E nos versos 3 e 4. de acordo com o comentarista William Barclay, Pau-lo apresenta três grandes causas de desarmonia e desunião: ambição egoísta, desejo de prestígio pessoal e egocentrismo.

A intenção paulina era persuadir os filipenses a viverem uma vida livre de desunião, falta de harmonia e ambição pessoal. Se as grandes características da vida de Jesus foram humilhação, obediência e renúncia de Si mesmo, essas mesmas virtudes devem caracterizar os cristãos, porque eles devem ser como seu Mestre.

A frase mais significativa desses versos, inegavelmente, é “antes a Si mesmo Se esvaziou”, que é a tradução literal do termo grego ekenosen, sendo da mesma raiz da expressão teológica e técnica kenosis, que quer dizer auto-aniquilamento. Ekenosen é uma forma do verbo kenóo, cujo significado é esvaziar-se, privar-se de. Cristo pôs de lado os Seus atributos e poderes divinos para que pudesse compartilhar da condição humana em sua fraqueza e sorte.

Adão Clarke afirma que o esvaziamento de Cristo foi o ato de deixar a Sua glória, que nada mais é do que o conjunto dos atributos divinos. Humilhar-Se foi o ato de assumir a forma humana.

Análise de termos

Para a boa compreensão exegética, outras palavras gregas precisam ser estudadas: Froneite, por exemplo, 2a pessoa do plural do imperativo do verbo froneo, que significa pensar e sentir, ser sensato ou prudente. Aparece no verso 2, onde literalmente poderia ser dito “tende a mentalidade”, “tende a disposição mental”, “tende o pensamento”. O sentimento aqui focalizado é o mesmo que é explanado nos ver-sos que se seguem, ou seja, uma disposição de altruísmo, de interesse pelo ser humano, ao ponto mesmo de sofrer, a fim de tornar possível servir a outros. O contexto mostra que Paulo conclamava seus leitores a que seguissem o exemplo de Cristo, isto é, a Sua humildade. A humilhação de Cris-to consistiu no fato de haver Ele assumido a nossa humanidade; e foi essa humilhação que nos propiciou a salvação.

Segundo o verso 6, “Ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus”. A última frase desse verso – “não julgou como usurpação o ser igual a Deus” – traz alguma dificuldade. Também tem sido traduzida da seguinte forma: “não pensou que a igualdade com Deus fosse algo a que devesse agarrar-Se ou apegar-Se.” A palavra “subsistindo” vem do grego hyparkon, definida em qualquer dicionário desse idioma como sinônima de einai, que quer dizer “ser”, “existir”. Esse verso descreve o que o homem é em sua essência, o que não pode ser trocado. Descreve as características do homem que lhe são inatas e inalteráveis.

Harpagmos, traduzida como “usurpação”, significa rapto, roubo. Provém de um verbo cujo significado é “arrebatar”, “apegar-se com avidez”, “apoderar-se pela força”. Há uma grande controvérsia em torno do sentido dessa palavra, bem como quanto à maneira pela qual ela é utilizada no texto em consideração. Os comentaristas estão divididos em dois grupos quanto ao significado do termo. Para uns, a palavra significa algo a ser mantido pela força; para outros, algo a ser conseguido pela força.

Roberto Bratcher, grecista da Sociedade Bíblica do Brasil, afirma que o tradutor precisa decidir-se por um dos dois sentidos, e ele, na tradução da Bíblia na Linguagem de Hoje, decidiu pelo sentido de “conseguir pela força”, deixando a frase da seguinte forma: “Ele não tentou ser, pela força, igual a Deus.”

Infelizmente, Bratcher não atendeu à analogia da fé, ao contexto e à teologia paulina. Se cremos que Cristo é verdadeiramente Deus, como a Bíblia afirma, então o que Paulo tinha em mente, ao fazer tal afirmação, é que embora Cristo fosse indiscutivelmente igual a Deus, Ele Se despiu de todas as prerrogativas divinas e Se fez homem. Em outras palavras, não pensou que a igualdade com Deus fosse algo de que não devesse abrir mão, mas, voluntariamente, a deixou por amor da humanidade. Graças a Deus por esse desprendimento altruísta de Cristo.

Interpretação jeovista

As Testemunhas de Jeová, ao traduzirem a Bíblia, forçam os textos para que estes se acomodem às suas crenças heréticas, dentre as quais se sobressai a negação da divindade de Cristo. O livro Seja Deus Verdadeiro, à página 32, afirma: “Mantenham esta atitude mental que também era de Jesus Cristo, o qual ainda que existisse em forma divina, não deu lugar à usurpação, isto é, não se considerou igual a Deus.” E, na página 34, encontra-se esta afirmação: “Antes de vir à Terra, esse Filho Unigênito de Deus não se julgava igual a Jeová Deus: ele não se considerava ‘igual em glória e poder com o Deus todo-poderoso’.”

Ao comentar a tradução de Fil. 2:5 a 11,o Oráculo Russelita declara, à página 22: “Paulo faz claro que Cristo Jesus em sua forma pré-humana não era igual a Seu Pai. Ele aconselha os cristãos a não serem motivados pelo egoísmo, mas a terem humildade de mente, assim como teve Jesus Cristo, que embora existindo na forma de Deus, antes de Sua vinda à Terra, não foi ambicioso para tornar-Se igual a Seu Pai.”

É uma ousadia, ou melhor, uma terrível heresia, afirmar que Paulo ensina que Jesus era inferior ao Pai, quando o grande bandeirante da fé diz exatamente o contrário. Basta conferir três passagens de sua autoria:

Col. 2:9: “Porquanto nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade.”

Tito 2:13: “Aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus.”

Heb. 1:8: “Mas, acerca do Filho diz: o Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre .”

Russel Norman Champlin, depois de apresentar várias traduções propostas pelos comentaristas, defende como sendo a melhor a seguinte: “Estando Cristo na forma de Deus (e, portanto, sendo igual a Deus, já que é Filho de Deus), não considerou Ele que a continuação nessa posição fosse algo de que não devesse abrir mão, porque tinha de realizar a Sua missão, encarnar-Se para salvar o ser humano.” – O Novo Testamento Interpretado, vol. 5, pág. 27.

Seguem-se uma tradução e uma paráfrase, conhecidas pelos adventistas do sétimo dia, através de Arnaldo Christianini, em seu livro Radiografia do Jeovismo: “Ele mesmo, quando subsistia na forma de Deus, não Se agarrou egoisticamente a Sua prerrogativa de igualdade com Deus.” E “porque Ele que sempre fora Deus por natureza, não Se ateve às Suas prerrogativas de igualdade com Deus, mas despiu-Se de todo o privilégio consentindo tornar-Se escravo por natureza e nascendo como homem mortal”.

A tradução é de Artur S. Way, hábil tradutor de clássicos gregos, e a paráfrase é do erudito G. B. Phillips. O Pastor Christianini, após comentar e justificar a melhor tradução para esse verso, faz a seguinte pergunta: “diante dessa nuvem de testemunhas, as mais autorizadas, verdadeiras sumidades na língua original do Novo Testamento, em que fica o arremedo de tradução, o mistifório jeovista?”

Uma boa resposta seria esta: estudando as suas doutrinas, comparando-as com os ensinamentos bíblicos, contra os quais assestam suas armas negativistas e demolidoras, com ênfase contra a divindade de Cristo e a Trindade, creio que muito apropriadamente se lhes aplica o provérbio segundo o qual “o pior cego é aquele que não quer ver”.

“Em forma de Deus”

Existem duas palavras gregas traduzidas como “forma”, mas elas não têm o mesmo significado. São elas: Morfê e Skema. Abalizadas autoridades bíblicas comprovam que elas não são sinônimas. Uma delas é Vincent, que afirma o seguinte:

“Precisamos banir da nossa mente a idéia de forma do termo morfê. A palavra é usada em seu sentido filosófico, denotando aquela expressão do ser a quem ela pertence, e é assim permanentemente identificada com sua natureza e caráter. Assim ela é distinta de skema – figura, forma – compreendendo o que apela aos sentidos e que é mutável. Morfê (forma) é identificada com a essência de uma pessoa ou coisa; skema é um acidente que pode mudar sem afetar a morfê.” – Words Studies in the New Testament, vol 3, pág. 430.

Barclay, por sua vez, assegura: “Morfê é a forma essencial de um ser ou coisa que ja-mais se altera. Skema é a forma externa que muda de tempo em tempo e de circunstância em circunstância. Por exemplo, a morfê de cada pessoa é a sua humanidade, a qual é constante e nunca muda; porém, o skema da pessoa, sua forma externa, muda continuamente. Um bebê, um menino, um adolescente, um jovem, um homem adulto e um ancião têm sempre a mesma morfê, porém, o skema externo muda continuamente.” –El Nuevo Testamento, vol. 11, pág. 43.

De acordo com Sabatini Lali, “o sentido destas duas palavras deve ser notado porque revelam o propósito definido que Pau-lo tinha em mente. A palavra morfê significa ‘forma’ e envolve também a idéia de ‘substância’ ou ‘essência’. A palavra skema, por outro lado, tem, entre outros, o sentido de ‘forma’, ‘aparência’ e ‘figura’”. -O Logos Eterno, pág. 28.

“Morfê aqui denota todas as características e atribuições essenciais de Deus. Nesse sentido, representa a maneira em que as qualidades e características eternas de Deus têm se manifestado. Seja qual for a forma que essa manifestação tenha tomado, foi ela possuída por Cristo, o qual por isso existiu como um com Deus.” – Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Día, vol. 7, pág. 154.

Em suma, morfê significa poder, glória, majestade, natureza, essência. Essa palavra traduziría bem o sentido de doxa (glória) que se encontra em João 17:5. Para o apóstolo Paulo, Jesus é Deus em for-ma essencial, inalterável e imutável.

Uma nota marginal em minha Bíblia, manuscrita, diz o seguinte sobre Fil. 2:6; “Defendem alguns comentaristas que morfê, nessa passagem, foi usada para contrastar com skema (forma externa), com o significado de corporificação da natureza essencial.”

Concluindo, faço minhas estas oportunas palavras de Homero Duncar: “Esta é uma das afirmativas mais incisivas do Novo Testamento sobre a divindade de Jesus Cristo. Nada nesta passagem ensina que a Palavra Eterna João 1:1) Se esvaziasse de Sua natureza divina ou de Seus atributos, mas apenas da manifestação externa e visível da divindade. Deus jamais pode deixar de ser Deus.” –Testemunhas de Jeová, pág. 55.