Algumas pessoas podem se perder, não porque alguém deixou de lhes falar alguma coisa, mas porque deixou de ouvi-las

Quando Débora, uma senhora de meia-idade e divorciada, foi encontrada morta em seu quarto com uma seringa letal ainda pendente em sua coxa, o conselheiro local relembrou dois fatos significantes que ele tinha observado no comportamento dela. Primeiro, em­ bora Débora fosse membro de uma igreja próxima, ela não tinha amigos ínti­mos. Segundo, ela possuía uma história angustiosa que precisava partilhar com alguém. Mas não encontrou ninguém responsivo o bastante. Foi isso o que a matou. Provavelmente os únicos ouvi­ dos que estavam abertos para ela eram os de Sly, seu gato de estimação.

Igrejas, instituições, lares e locais de trabalho estão cheios de Déboras, pessoas em desesperadora necessidade de serem ouvidas. De acordo com o psi­quiatra Paul Tournier, “é impossível en­fatizar mais ainda a imensa necessidade que têm os seres humanos de serem ou­ vidos, de falar e serem compreendi­ dos”.1 O mundo está sedento por ouvintes de qualidade. Adolescentes procuram falar com pessoas erradas, porque os adultos certos não têm tempo para ouvi-los. Esposas confidenciam em ou­ vidos errados, porque não encontram paciência e graça nos ouvidos do seu companheiro de vida. Cada vez mais claramente, percebemos em nossa cul­tura moderna uma atitude de indiferen­ça e pouca tolerância em relação às his­tórias angustiantes do nosso próximo.

Ouvir efetivamente é uma habilida­de especial do ministro. Essa habilidade adiciona qualidade ao trabalho pasto­ral, porque o povo a percebe como a de­monstração básica de amor e cuidado por suas necessidades. Diferente de falar, ouvir é prova de interesse. Não é um processo centralizado no “eu”, mas orientado para o “outro”. Ao ouvir ati­vamente, o pastor como que diz ao seu consulente: “sua preocupação também é importante para mim. Quero partilhar sua dor e sua felicidade.”

Ouvido pastoral

As pessoas vão à igreja para ouvir. E também vão com um grande desejo de serem ouvidas. Cada uma delas tem uma história que deve ser contada. As pessoas simplesmente necessitam sentir que significam alguma coisa, ao lhe se­rem oferecidos ouvidos cuidadosos. Se a igreja não tiver provisão para isso, elas vão falar em outro lugar. Algumas pessoas podem, em última instância, se perder, não porque alguém deixou de lhes falar alguma coisa, mas porque dei­xou de ouvi-las.

Um ministério ouvinte é um serviço de amor. E a igreja existe para oferecê-lo ao seus membros. Infelizmente, o número de ministros que somente falam tem crescido em detrimento do minis- tério ouvinte. É tempo de reajustar essa escala.

Falando de maneira prática, superar essa limitação representa começar a criar uma cultura de ouvidos atentos na congregação. O ministro pode transfor­mar a igreja em uma comunidade ou­ vinte. Pais podem aprender a ouvir os filhos, filhos podem ouvir seus pais. Cônjuges podem ouvir-se mutuamente. Todos podem aprender a ouvir. O resul­tado será relacionamentos sólidos e sau­dáveis.

Em seu livro Os 7 Hábitos das Pessoas Muito Eficazes, Stephen Covey escreve que “precisamos aprender a ouvir, para nos relacionarmos eficazmente com nossas esposas, filhos, amigos ou colegas de trabalho. E isso exige força interior. Ouvir implica paciência, mente aberta e vontade de compreender – qualidades supremas de caráter”.2

Ouvindo para curar

Ouvidos com propósitos emocional­ mente curativos não ouvem apenas o que é dito; ouvem a pessoa que está falando. Aqui o “mensageiro” é mais importante do que a “mensagem”. Deve-mos ser genuinamente sensíveis porque falar é algo tão pessoal que a falta de atenção é semelhante a desrespeito e discordância para com o consulente.

Embora muitas pessoas escutem quan­do nós falamos, somente uma pessoa so­lícita nos ouve. A diferença é que o ato de escutar é feito com o ouvido, enquanto que ouvir é algo que se faz com a mente e o coração. Faraó Ptahhotep instruiu seus oficiais para ouvir as súplicas dos seus clientes, com paciência e sem ran­cor, porque o requerente na verdade quer respeito e atenção para o que ele diz.

Ouvir com esse tipo de preocupação cura feridas emocionais. Não ouvir dessa maneira pode, de fato, criar feridas. Jogamos fora nossos problemas quando sabemos que alguém atento e solícito nos está ouvindo. Partilhar a nossa dor com alguém, torna-a mais suportável. Semelhantemente, ao partilhar ale­grias, elas serão mais intensas. De todo modo, ouvir toma a vida melhor.

Qualidades de um bom ouvinte

Para alguém que se revela, descobrindo-se a si mesmo, o ouvinte deve demonstrar quatro qualidades:

Confidencialidade. O consulente necessita estar seguro de que está falan­do à pessoa certa; alguém a quem pode confiar segredos pessoais, sem o risco de vazamento. A maioria dos adventistas do sétimo dia considera seus pastores como altamente confiáveis. Pastores ouvintes reúnem grande quantidade de informações a respeito dos problemas diários do seu rebanho. Isso aumenta a sua eficiência em ministrar às necessidades, sem mencionar a base de confiança que é construída, à qual todo tipo de porta se abrirá.

O pastor não está livre da pressão de partilhar alguma informação privativa que recebeu. Mas, como uma pessoa de integri­dade, ele resiste à tentação para fazer isso.

Paciência. Um consulente pode não chegar à raiz do seu problema durante a primeira ou segunda seção do aconselhamento. Os primeiros encon­tros em geral são ocasiões nas quais o consulente avalia a credibilidade do pastor; testa a água, antes de mergu­lhar. Pode o pastor ser confiável? É se­guro abrir-lhe o coração? Está ele real­ mente interessado em meu bem-estar? Está disposto a cuidar de mim? Quanto de mim posso descobrir para ele?

Somente quando essas questões fo­rem respondidas, o ouvinte começará a dar informações úteis. Em meio a esses cuidados, é comum que os ouvintes pu­lem para as conclusões antes que toda a história seja totalmente revelada. “Eu já sei o que ele vai dizer” é uma atitude que tipicamente retrata a perda de pa­ciência. James W. Gibson a Michael Hanna escreveram: “Você pode tratar com este problema se aprender a ser pa­ciente… Espere até ouvir tudo o que outros têm a dizer, então faça um julga­ mento crítico. Ser paciente pode signi­ ficar controlar sua língua afiada para não fazer interrupções.”3

Atenção. Muitos ouvintes permitem que seus pensamentos vagueiem ou os­cilem de modo letárgico quando outra pessoa está falando. A menos que o consulente seja excepcionalmente do­tado ou o assunto seja muito importante para o ouvinte, 80% do que é dito serão desperdiçados. A maioria de nós presta atenção apenas quando nós mesmos estamos falando. Tão logo nos co­ locamos na posição de ouvintes, tende­ mos a escorregar para a indiferença.

A própria palavra “pastor” carrega consigo uma conotação de paciência. Algumas ovelhas são lentas, desajeita­ das, ingratas, e sempre estão se desvian­do das outras. Um pastor precisa ouvir mesmo as pessoas que são lentas, enfa­donhas, desinteligentes, ou estão em erro, para então lhes falar o que seja ne­cessário. Quando os pastores ouvem pa­cientemente tais pessoas, eles estão honrando o seu título. Como escreveu John Powell, “se você levanta suas so­brancelhas, ou limita seu olhar, se você boceja ou consulta o relógio, provavel­mente eu me retirarei para um terreno mais seguro; correrei para o abrigo do silêncio”.4

Envolvimento. Gibson e Hanna di­zem que o ouvido empático nos permi­te identificar, compreender e refletir sentimentos, necessidades e intenções da outra pessoa. Esse tipo de ouvido ca­pacita o ouvinte com informações que lhe permitem sentir o que está aconte­cendo; na verdade, o colocam nos sapa­ tos do consulente. Somente então o pastor pode ajudar a quem o procura a explorar e escolher as melhores solu­ções para o problema apresentado.

Aprender a ouvir

Os pastores necessitam deliberada­ mente afiar sua habilidade de ouvintes. Os especialistas comparam a habilidade de ser bom ouvinte à capacidade de ser bom leitor. Se ler é ouvir com os olhos, ouvir é ler com os ouvidos. Tal como ler, ouvir pode ser difícil. Ouvir é muito diferente de escutar; requer ativa disciplina.

O primeiro passo para aprender a ser um ouvinte efetivo é admitir a própria limitação para esse trabalho.

Aquisição de informações dos nossos consulentes contribuirá para nosso crescimento profissional e pessoal, no processo de tomar decisões. Além disso, saber ouvir torna nosso ministério mais responsivo às necessidades pessoais da­ queles a quem servimos.

Referências:

1. J. Michael Bennet, Four Powers of Communications: Skills for Efective Learning (Nova lork: McGraw-Hill, Inc., 1991), pág. 51.

2. Stephen R. Covey, Os 7 Hábitos das Pessoas Muito Eficazes, pág. 37.
3. James W. Gibson e Michael Hanna, Introduáon to Human Communication (Wm. C. Brown Publishers, 1992), pág. 66.
4. John Powell, S. J., Why Am I Afraid to Tell You Who I Am? (Nilles, III.: Argur Communications, 1969), pág. 56.