Implicações da criação e do Dilúvio na primeira mensagem

Recente pesquisa feita pelo Dr. Jon Paulien, professor de Novo Testamento na Universidade Andrews, mostra que os termos da última parte de Apocalipse 14:7 – “adorai Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas” – alude à linguagem do quarto mandamento em Êxodo 20:11. A passagem de Apocalipse cumpre, em parte, essa alusão, ao enumerar na mesma ordem quatro termos idênticos que aparecem no texto de Êxodo. E Paulien oferece a seguinte conclusão, como certeza da mencionada referência: “A evidência cumulativa é tão forte que um intérprete poderia concluir que não há no Apocalipse alusão direta ao Antigo Testamento que seja mais certa que a referente ao quarto mandamento, em Apocalipse 14:7. Quando o autor desse livro descreve o apelo final de Deus à raça humana no contexto do engano do tempo do fim, ele faz isso em termos de um chamado para adorar o Criador no contexto do quarto mandamento.”

A fim de estar em plena consonância com o fraseado cosmológico de Êxodo 20:11, a referência do Apocalipse endossa o conceito de criação efetuada em seis dias literais, ao identificar o Criador como “Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas”. O mensageiro do Senhor poderia ter convidado apenas a “adorar o Criador”, mas isso não daria nenhum sinal sobre o método da criação. A necessidade crítica no tempo do fim para a alusão apocalíptica sugere que o método da criação em seis dias literais seja abordado. E vai ainda mais além da referência à semana da criação.

O dilúvio

A alusão de Apocalipse 14:7 a Êxodo 20:11 termina com a frase “fontes das águas”. A chave hermenêutica que pode revelar a importância dessa frase parece ser sua colocação no contexto do juízo: “Temei a Deus e dai-Lhe glória, pois é chegada a hora do Seu juízo; e adorai Aquele que fez … e as fontes das águas.” A ligação entre a frase “fonte das águas” e o juízo precisa ser mantida na mente do leitor através deste artigo.

A singularidade dessa frase ajuda a levantar a questão que leva a uma compreensão mais profunda do seu significado. Em virtude de que a passagem apocalíptica começa e continua com um exato paralelismo verbal à linguagem de Êxodo 20:11, poderíamos dizer que termina com a inesperada e surpreendente frase “fonte das águas”, não encontrada em sua correspondente do Antigo Testamento. Uma questão fundamental que parece confrontar o intérprete é a seguinte: Se Apocalipse 14:7 é uma alusão clara à passagem de Êxodo, por que o mensageiro angélico não a completou usando a frase “e tudo o que neles há”, encontrada em Êxodo? Por que interrompeu seu paralelismo inserindo outra expressão?

A importância da sentença “fontes das águas” é ainda mais realçada pelas referências bíblicas nas quais indivíduos mencionam, de alguma forma, as palavras de Êxodo 20:11. Por exemplo, ao descrever a grandeza de Deus, Davi utilizou a mesma expressão do quarto mandamento: “que fez os céus e a Terra, o mar e tudo o que neles há.” Sal. 146:6. Crentes do Novo Testamento também agradeceram e louvaram a bondade de Deus com a mesma linguagem (Atos 4:24). Recusando ser adorado por causa da cura de um paralítico em Listra, Paulo usou a mesma expressão (Atos 14:8 e 15).

Por que somente em Apocalipse a referência difere, na última frase, da menção de Êxodo? Haveria alguma coisa teologicamente importante sendo comunicada? Estaria Deus, através do mensageiro, assinalando alguma verdade relevante? Por que, nessa passagem, Deus escolheu mencionar especialmente “fontes das águas”, e não “e tudo o que neles há”? Análise comparativa de pesquisas feitas por muitos eruditos pode contribuir para uma resposta teológica e geologicamente significativa a essas questões.

David Aunes, por exemplo, indica que o termo “fontes” de Apocalipse 14:7 refere-se não a construções artificiais, mas a fontes de águas naturais fluindo do interior da Terra.2 Essa qualificação apóia a idéia de que as “fontes das águas” foram criadas por Deus e não por seres humanos. Wilhelm Mi-chaelis considera muitas explicações possíveis para a expressão “fontes das águas”. No fim, ele questiona se elas não se referem às “fontes do abismo” de Gênesis 7:11 e 8:2.3 Podemos acrescentar que, caso assim seja, isso poderia sugerir que a referência de Apocalipse traz implícita a menção do julgamento divino através do Dilúvio, segundo o relato de Gênesis.

Essa possibilidade é considerada ainda mais plausível, quando se percebe que a palavra grega traduzida em Apocalipse 14:7 como “fontes” – p’gas — é também usada na Versão Septuaginta (Antigo Testamento em grego). Além disso, o conceito de “fontes das águas” é universal e poderia incluir a idéia de “fontes do abismo”, que foram criadas pela sabedoria divina (Prov. 8:27, 28 e 30) e foram abertas por ocasião do Dilúvio (Gên. 7:11). Aqui, o cenário de juízo de Apocalipse 14, relacionado às “fontes das águas”, começa a revelar sua importância.

Em sua tese doutoral, recentemente apresentada, Wai-Yee Ng argumenta que “o uso que João faz do simbolismo da água … envolve implícita referência em vez de citação explícita”. Ela ainda acrescenta que “o Apocalipse está … repleto de temas do Antigo Testamento, e os dois livros [Evangelho de João e Apocalipse] estão unidos na formulação de uma tipologia que remonta à Criação”.4 Essas conclusões convidam o leitor a buscar cuidadosamente um possível significado teológico na alusão de Apocalipse 14:7 às “fontes das águas”.

Com respeito ao específico simbolismo da água no Apocalipse, Wai-Yee Ng mostra que, nesse livro, existem três grupos de passagens sobre águas: “um grupo está relacionado a calamidades, outro refere-se às promessas de salvação feitas por Deus, e o último à consumação.”5 A Dra. Wai-Yee também indica que a referência que estamos considerando, Apocalipse 14:7, é uma passagem do grupo relacionado a calamidades.6

Considerando o contexto imediato de juízo divino anunciado pelo mensageiro angélico em Apocalipse 14, essa observação se toma apropriada e auxiliadora no que tange aos objetivos deste artigo. Este autor sugere que, compreendida no contexto de calamidade, a referência a “fontes das águas” imediatamente junto à menção do juízo divino pode ser tencionada a evocar ou implicar um antigo evento de juízo divino, o Dilúvio bíblico, quando as fontes do abismo foram abertas. Se é assim, o uso de “fontes das águas” nessa passagem ajuda a fortalecer a idéia de julgamento anunciado pelo anjo, lembrando que o Senhor, na verdade, é um Deus de justiça, e os ouvintes ou destinatários da mensagem, portanto, devem recebê-la com a máxima seriedade.

Não faz muito tempo, o teólogo Oleg Zhigankov explorou o possível significado de “fontes das águas” em Apocalipse 14:7. Entre outras oportunas sugestões, ele observou que “o uso da frase ‘fontes das águas’ carrega a idéia de uma criação literal e de um juízo vindouro… O fato do inevitável julgamento é confirmado pela referência a outro evento histórico global – o Dilúvio”.7 Aqui, Zhigankov indica que a frase que estamos considerando é empregada para relembrar o Dilúvio relatado no Gênesis como evidência confirmatória da realidade do julgamento anunciado pelo primeiro anjo de Apocalipse 14.

Henry Morris, cientista e pesquisador da Bíblia, também opina no sentido de que o anjo usa as palavras ‘“fontes das águas’… por causa de sua associação com o antigo juízo da grande inundação, quando ‘todas as fontes do grande abismo … se abriram”’. Gên. 7:11. “O clamor do anjo”, diz Morris, “relembra aos homens que Deus criou todas as coisas e as destruiu no passado, por causa dos pecados cometidos. Assim, Ele ainda tem tudo sob Seu controle, e outro grande julgamento divino é iminente.”8 De todos os comentaristas pesquisados, Morris é quem desenvolve mais explícita e amplamente as ligações entre a frase “fontes das águas” e o Dilúvio.

Também refletindo sobre a frase em apreço, conforme usada na primeira mensagem angélica, David Fouts, professor de Antigo Testamento do Bryan College, em resposta a uma consulta pessoal feita por este autor, observa que a interpretação das palavras do anjo como remontando ao Dilúvio é uma posição “certamente sustentável no contexto do Juízo em Apocalipse 14”. Posteriormente, ele questiona se é possível estabelecer-se um paralelo entre as palavras utilizadas pelo anjo, conforme analisadas por Morris, e “as palavras do nosso Senhor Jesus em Mateus 24:36-39, segundo as quais os juízos do tempo do fim são conectados aos do tempo de Noé e do Dilúvio”.

Mais recentemente, em sua tese intitulada Theology of Judgment in Gênesis 6-9 [Teologia do Juízo em Gênesis 6-9], Chun Sik Park analisa, entre outras coisas, muitas passagens bíblicas, incluindo Apocalipse 14:7, que, segundo ele, tratam do tema do julgamento em relação com o Dilúvio. Ele chega à seguinte conclusão, a respeito da passagem de Apocalipse: “Apocalipse 14:7 possui uma ligação terminológica com a narrativa do Dilúvio encontrada em Gênesis (‘fontes do abismo’ e ‘as fontes das águas’).”9 Com muito critério, Park esclarece tal ligação, focalizando duas dimensões do poder criador de Deus: “Embora ‘tudo o que neles há’ (Êxo. 20:11) reflita o poder criador global de Deus manifesto na criação, a frase correspondente ‘as fontes das águas’ (Apoc. 14:7) reflete o poder destruidor global de Deus, revelado no Dilúvio.”10

A combinação das informações obtidas desses eruditos sugere que a frase “as fontes das águas” aponta para o Dilúvio de Deus, endossando desse modo sua realidade histórica, sublinhando também a verdade de que o Senhor é um Deus ao mesmo tempo justo e misericordioso. Ele é paciente, “não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento”. II Ped. 3:9. Tudo isso deve nos levar a considerar seriamente a realidade histórica do Juízo de Deus, conforme anunciado pelo anjo apocalíptico.

Aplicação contemporânea

Das conclusões a que chegamos até aqui, fluem importantes implicações geológicas, teológicas e espirituais. Na ciência pós-moderna, e mesmo nos círculos evangélicos, o método evolucionista de origem das espécies, através de longas eras, e a inflexível negação de um Dilúvio global (junto com suas evidentes e fatais conseqüências teológicas e espirituais) permanecem operando como pressuposições centrais. Isso significa que os indivíduos que vivem no tempo do fim necessitam saber a verdade a respeito do método criacionista das origens e que o Dilúvio foi parte da real história terrestre. Que o Senhor ressuscitado tenha utilizado em Sua última mensagem à humanidade uma linguagem que endossa o conceito da criação realizada em seis dias literais e nos leva de volta ao Dilúvio, é uma oportuna resposta divina à teoria macroevolucionista e sua rejeição da realidade do Dilúvio. Além disso, salvaguarda as verdades centrais da Bíblia.

O conceito de criação realizada em seis dias literais é fundamental, para evocar a verdadeira adoração, porque uma criação histórica, breve e recente preserva a divindade de um Deus que, junto com isso, não criou usando morte, sofrimento, doença e predação, em um estilo cruel, demoníaco mesmo, durante milhões de anos antes do pecado humano. Assim, Deus é mostrado como sendo profundamente digno de adoração. Adicionalmente, a criação realizada em seis dias literais faz do sábado um poderoso monumento a uma obra criadora terminada, em vez de um mundo em processo de formação.

O Dilúvio global surge como complemento necessário ao método bíblico de criação. A catástrofe aquática pode responder pela formação de grandes porções de colunas geológicas posteriores à entrada do pecado e morte, indicando que as colunas geológicas fossilíferas não requereram milhões de anos para seu desenvolvimento. Isso significa que a possibilidade de criação realizada em seis dias é preservada pelos resultados básicos do Dilúvio. Além disso, o Dilúvio salvaguarda outros ensinamentos bíblicos fundamentais, como a autoridade das Escrituras e, acima de tudo, a validade de uma expiação baseada na verdade de que, na história da Terra, a morte não precede o pecado, mas é seu salário.

No tempo do fim, todos nós necessitamos conhecer a verdade sobre estas duas histórias-chaves: a criação em seis dias e o Dilúvio. Isso porque, conforme o modo como essas questões forem abordadas, poderemos estabelecer ou minar a fé em Deus. A afirmação feita por Jesus Cristo sobre os conceitos da criação em seis dias e do Dilúvio, na mensagem do primeiro anjo em Apocalipse 14, está, na verdade, glorificando a sabedoria, a presciência, a fidelidade, o amor, a bondade e o poder de Deus. Dessa perspectiva, a passagem pode ser compreendida como o solene chamado de Deus para que to-dos aceitem essas verdades. Assim, a significativa referência que Ele faz de Êxodo 20:11 em Apocalipse 14:7 pode motivar o amoroso e agradecido louvor ao Criador.

Nesta época, à qual todos os profetas do passado olharam com esperança, não podemos fazer menos que estudar, orar e buscar juntos compreender as mensagens que Deus nos tem transmitido, a fim de nos capacitar a enfrentar os desafios do tempo do fim.

John T. Baldwin, professor no Seminário Teológico da Universidade Andrews, Estados Unidos

Referências:

1 Jon Paulien, Journal of the Adventist Theological Society 9, 1998, págs. 179 a 186.

2 David Edward Aune, Word Biblical Commentary, vol. 52B (Waco, TX: Word, 1998), págs. 828 e 829.

3 Wilhelm Michaelis, Theological Dictionary of the New Testament, vol. 6 (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1954-1967), págs. 112 a 117.

4 Wai-Yee Ng, Water Symbolism in John: An Es-chatological Interpretation (Nova York: Peter Lang, 2001), pág. 194.

5 Ibidem.

6 Ibidem.

7 Oleg Zhigankov, Significance of the “Fountains of Waters” in Revelation 14:7 (Manuscrito não publicado: Andrews University, 2004), pág. 31. Henry M. Morris, The Revelation Records (Wheaton, IL: Tyndale House Publishers, 1983), pág. 266.

9 Chun Sik Park, Theology of Judgment in Genesis 6-9 (Andrews University, 2005).

10 Ibidem, págs. 368 e 347.

Eruditos sugerem que a frase “as fontes das aguas” aponta a realidade histórica do Dilúvio