É dever da igreja nutrir o casamento e a vida familiar com a mesma insistência, e de melhor forma, que a mídia o faz

Quando eu tinha 13 anos, notícias de adultério na minha igreja golpeavam-me com força hercúlea. Todos os meus argumentos em favor do cristianismo dissipavam-se enquanto meus amigos escarneciam, dizendo que minha religião não podia criar melhores cidadãos do que a sociedade comunista na qual vivíamos. A grande questão era: Há qualquer esperança para o casamento, na Terra? Hoje, ao vermos a tendência crescente à infidelidade sexual na igreja e entre os líderes, somos confrontados com a mesma questão de identidade, relevância e esperança para a igreja, seus pastores e o casamento cristão. Talvez nossos jovens a enfrentem ainda mais agudamente que nós.

Que tipo de igreja eliminaria o comportamento imoral e tornaria a fidelidade e pureza nos relacionamentos uma realidade atrativa? Que nível de intimidade com Deus e Sua Palavra produziría uma comunidade que suscitaria das pessoas de fora a seguinte observação: “Estes cristãos são pessoas diferentes. Seu casamento é seguro, seus filhos são ensinados em eternos princípios que são relevantes para hoje. Há esperança porque há uma igreja cristã”?

No mundo

Os cristãos ainda não se encontram no lar, e isso é de importância capital. Nas palavras de Jesus aos discípulos, “eles continuam no mundo” (João 17:11), mas “não são do mundo” (v. 14). Peregrinos, embora unidos como um corpo, vivem espalhados pelo mundo ao qual não pertencem (João 18:36). E nesse ambiente, a infidelidade é promovida abertamente, em lugar da fidelidade sexual no casamento. Eis como se dá essa promoção:

centralidade do indivíduo. A igreja está mergulhada em uma sociedade de indivíduos dissociados. Esse é o resultado da longa marcha da História. Começando com o humanismo na Renascença, ajudados pela corrupção da ênfase reformadora no acesso direto do indivíduo a Deus, através do realce à primazia da razão no lluminismo e, finalmente, a liberdade pessoal, política e econômica desenvolvida nas democracias ocidentais, chegamos hoje ao individualismo radical pós-moderno onde o eu é o centro e sua própria autoridade.

Segundo esse modo de pensar, todas as instituições, inclusive o casamento, existem para servir-me. Minhas prioridades, meus propósitos e necessidades devem ser satisfeitos. As preferências pessoais tornam-se o padrão quando é necessário decidir o que é certo. As experiências pessoais são o modelo do que é real, e desejos pessoais são a pedra de toque para o que é melhor.1

Nesse contexto, se meus objetivos, necessidades e prioridades não forem satisfeitos, permanecer casado não faz sentido. No caso de minhas necessidades estarem sendo satisfeitas, essa será a única prova de que sou amado e a única justificativa para eu amar em troca. A unidade “uma só carne”, o “até que a morte os separe” e o “renunciando todas as demais e conservar-se apenas para ela” são conceitos retrógrados hoje. Esse autocentrismo e tudo o que ele traz consigo também são parte e parcela do adultério do clérigo.

indivíduo como criador da verdade. Uma diferença básica entre o individualismo do século 17 e o modernismo dos séculos 20 e 21 é a questão da verdade. Hoje ela não é vista como algo objetivo, exercendo influência e convencendo mentes e corações. Não é para ser descoberta, mas criada; não é para ser ouvida, mas intuída. E a diferença é enorme. “Pessoas que descobrem a verdade e pessoas que a criam pensam e se comportam de modos diferentes. Logicamente, os artífices da verdade são limitados por suas próprias regras.”2 E porque as opiniões humanas flutuam, também flutuarão as regras de conduta e compromisso, incluindo os votos matrimoniais, que ficam à mercê das mudanças.

Esse tipo de “verdade fabricada” também é um ingrediente-chave na infidelidade sexual.

Fardos insuportáveis. Mas a vida não é mais fácil, agora, do que costumava ser. A liberdade radical desse individualismo gera solidão radical. O cônjuge não está presente quando o outro se encontra sob tempestade. Ele possui suas próprias necessidades e tendências, e se essas não forem satisfeitas, sente-se livre para buscar em qualquer lugar alguém que o faça. Vulnerável e inseguro no seu íntimo, o “Adão” contemporâneo rejeita o diagnóstico de que “não é bom que o homem esteja só” (Gên. 2:18). Ele é demasiadamente obsessivo com o eu, para trocar seu individualismo por “dois [em] uma só carne”.

Mas há ainda um outro fardo: responsabilidade sem compromisso. A ideia de arbitrar entre diferentes versões da verdade, objetivos de vida, prioridades e lealdade pode ser ótima até que a verdade, os objetivos e prioridades de outra pessoa cruzam ou cancelam os seus e não há ninguém . a quem apelar, porque ninguém têm compromisso com ninguém. Mesmo no auge de um caso, o incrível fardo da solidão, vulnerabilidade e compromisso aterroriza a mente humana, especialmente a do pastor adúltero.

Sobrecarga de sexo. Um elemento profundo e contínuo, em meio desse inconstante subjetivismo autocentralizado, é o sexo. E é carregado com a tarefa de ajudar homens e mulheres a se descobrirem e desenvolverem. Gratificação irrestrita sem consequências sempre foi uma tentação irresistível, mas hoje é uma norma culturalmente sancionada. Aqui, a ideia de traição é insignificante. A situação é descrita nestes termos: “Sexualidade é separada do relacionamento; um ato sexual pode ser separado de seu conteúdo e consequências. Sexo é apenas sexo; é um bombom emocional; adrenalina ‘natural’ baseada no corpo; … A expressão sexual é justificada biologicamente; o que trouxer prazer e gratificação para o meu corpo é moralmente aceitável.”3

Mas a verdade é que o sexo desenfreado traz dependência, não liberdade. Um pastor recuperado confessa: “E uma questão de vida e morte. A única maneira pela qual eu poderia viver era estar em um relacionamento sexual impróprio. … Meu vício destruiu minha saúde, meu casamento e minha carreira; trouxe-me dias pavorosos. Felizmente meu coração ainda pulsou até que encontrei a recuperação.”4

Reposição de ferramentas. Incapazes de encontrar saídas para sua condição, os homens e mulheres pós-modernos agarram-se a ferramentas virtuais oferecidas por nossa cultura consumista. “A televisão provê o que é efetivo a uma comunidade virtual, algo que as pessoas possam desfrutar sem esforço, compromisso, ou risco, e deixar sem ser vistas ou incomodadas.”5 Novelas e outros programas dialogam conosco, fazendo-nos rir e chorar. Na ausência de profundo amor e intimidade conjugal, salas de bate-papo virtual, websites interativos e a Internet criam uma comunidade virtual repleta de sexo, ou algo semelhante.

Mas nada disso satisfaz. Só, sobrecarregado, inseguro e viciado no eu, o ser humano opta por esses entorpecentes e outros instrumentos mais desesperados. Sem relacionamento vitalício, a identidade humana é desconstruída e dissipada.

Não do mundo

Somente Deus tem meios para curar e conservar seguro o casamento, em uma sociedade composta por indivíduos dissociados. Ele nos chamou (I Cor. 1:2) como uma congregação (Tia. 2:2), uma família (I Tim. 3:15) e um povo para Si mesmo (Rom. 9:25 e 26).6 Nossa tarefa é mostrar o que o poder e a graça de Jesus podem fazer por homens e mulheres. Em Seu amor pelo mundo, Deus não poupou Seu Filho, nem Sua igreja como uma comunidade integrada. Ele os colocou aqui para que indivíduos autocêntricos tenham chance de interação. E isso em duas maneiras.

Primeira, interpessoalmente. Tal como um órgão em um corpo junta-se a outro por meio de vasos sanguíneos, nervos, conexão de tecidos e juntas, “assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros” (Rom. 12:5). Eu não posso cuidar dos meus negócios sem afetar os de outra pessoa, porque, como um indivíduo, sou parte dos seus negócios. Segunda, corporativamente. Cada pessoa pertence ao corpo de Cristo. Minha fala, meu toque e minha fantasia afetam todo esse corpo. “Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo” (I Cor. 12:27). O que eu faço sob a sombra da noite afeta minha igreja. Como eu trato minha esposa ou a tecladista da igreja, privadamente, é assunto da igreja. Todos somos membros do corpo de Cristo. A Igreja, hoje, deve agir como uma comunidade integrada, a despeito do desconforto e da veemente oposição de alguns membros pós-modernos.

Por causa dessa intimidade orgânica, alguém sentirá quando eu for tentado, a menos que não sejamos realmente membros uns dos outros. A Igreja será um ambiente mais seguro para nossa sexualidade e nosso casamento, quando a vontade de Deus, não nossas necessidades pessoais, guiar nossa conduta; quando levarmos a sério nossa responsabilidade por nosso irmão e por todo o corpo; quando desejarmos partilhar com a esposa, ou um amigo do mesmo sexo, algo de nós mesmos, de modo que eles possam sentir quando algo é importante para nós. Sim, quando correspondermos aos conselhos do cabeça da Igreja (Efés. 5:22-33) em lugar dos conceitos que nos rodeiam ou que vêm do nosso íntimo. A Igreja é uma comunidade disciplinada quando intenso ministério preventivo precede às medidas redentoras ou corretivas.

Nós conduzimos nossa sexualidade em amizade cristã. Conseqüentemente, nossas deficiências, resistência, perspectivas, reações e vulnerabilidades terão gênero específico. Essas idiossincrasias são direitos divinamente outorgados. Minha igreja pode ajudar a prevenir o adultério quando, como parte do seu ministério, provê orientação cristã a respeito de relações e identidades entre os sexos, incluindo os seguintes itens: Informação sobre nossa sexualidade, seus mitos e estereótipos. Oportunidade para aprender sobre o outro sexo e suas características peculiares. Forte afirmação dos ensinamentos bíblicos sobre masculinidade e feminilidade seguras, contrapostos às distorções populares. Aconselhamento pré-conjugal adaptado a cada estágio da vida. Duas ou três seções breves durante um mês ou dois, antes do casamento são insuficientes.

Pais cristãos devem saber que os filhos aprendem o que casamento, marido e esposa realmente são, através da interação que observam diariamente entre eles. É privilégio da igreja influenciar positivamente o conteúdo de tais lições. Uma instrução mais intensa a respeito do casamento, sexo e sexualidade é indispensável durante a puberdade. A igreja segura nutrirá o casamento e a vida familiar, com insistência, “a tempo e fora de tempo” (II Tim. 4:2), como faz a mídia; só que melhor.

Padrões bíblicos

Quando Paulo nos advertiu a não nos conformarmos com este século (mundo), mas a ser transformados, ele não se referia apenas ao mundo exterior. “Este século” (aion) também é interior. O joio sempre estará dentro da igreja, até o momento final. Mas deveria ele se tornar o padrão? Note a mudança paradigmática na nova maneira como alguns pensaram dirigir seu pensamento. Em nome da relevância, eles começaram da situação no mundo ao qual desejam falar. Inadvertidamente, talvez, adotaram o modelo de mente e pressuposições que operam na cultura mundana e, assim, transformam a teologia, tornando-a contextualmente inofensiva.

Mas essa teologia pode não ter efeito. A tradição profética da Bíblia nos ensina a começar das pressuposições bíblico-teológicas e então confrontar os assuntos sociais com a Palavra de Deus, de uma forma culturalmente sensível. Nossas crenças e nossa identidade devem desafiar o criticismo e as pressuposições pós-modernos, justamente por causa da relevância.7 Devemos confiar na Palavra de Deus. Nossa missão não é irrelevante quando permanecemos nos paradigmas da interpretação bíblica.

A Igreja foi chamada a ser um agente de mudança – o sal e a luz dentro de seus muros – antes de causar impacto no mundo. Se desejamos ser uma comunidade segura para nosso casamento, devemos ser conhecidos como um povo que investe tempo, energia, talento e meios nessa tarefa. Um casamento cristão não é perfeito só porque um homem e uma mulher unem-se sob a bênção de Deus. Isso é apenas o começo. O casamento é o lugar onde santos em perspectiva abrem-se como em nenhum outro contexto, e a nenhuma outra pessoa confiável cujo destino está entrelaçado com o nosso.

Comunidade restauradora

Os cônjuges necessitam encontrar um lar na igreja. É aí que suas tensões, dúvidas, tentações, seus ciúmes e temor do desconhecido são partilhados com irmãos e irmãs confiáveis, que não descansam até que o problema esteja resolvido. A igreja deve ser diferente do mundo. Será isso fora da realidade? Pode uma tal comunidade ser vista ainda hoje? Quem está desejoso de cuidar tão profundamente, estar tão envolvido nos traumas alheios? Já não têm todos suficientes problemas? Quem dentre nós está disposto a atrair outros para sua câmara privada? Estou sonhando? Não; mas este é o sonho de Jesus: que Sua igreja seja sem ruga, santa e sem defeito.

Com esse alvo em vista, Ele nos envia àqueles em nossa comunidade que privativamente desejam partilhar falhas conjugais, dolorosos segredos, àqueles que se sentem como “alienígenas indesejáveis”, lutando para sobreviver. Ele está atento às vítimas da infidelidade sexual, cuja capacidade de amar o cônjuge já se foi. O que dizer a tais pessoas? Onde enviá-las? Onde enviar um pastor e sua esposa em tal situação?

Primeiramente devemos apontar-lhes Jesus Cristo. Ninguém pode fazer o que a comunhão com Ele e Sua influência direta podem realizar. Ninguém luta por nós como Miguel, o grande Príncipe (Dan. 10:21). E um privilégio convidar pessoas a um contato mais íntimo com Sua Igreja. Aí elas podem unir-se a indivíduos de todo nível educacional, experiência, e de várias idades. Consciente dessa riqueza de recursos na Igreja, Paulo aconselha Timóteo e Tito a engajar todo mundo em algum tipo de serviço (I Tim. 3:4; Tito 2:1-15; 3:1-11). Foi para isso que os dons espirituais foram outorgados. Seminários de enriquecimento matrimonial, por exemplo, ensinam habilidades para comunicação, resolução de conflitos e interação sexual. Nosso casamento deve permanecer em conexão com a igreja, o corpo de Cristo.

Mas em um caso real, ou adultério, é necessário muito mais. Recursos espirituais como oração, jejum, solicitude, meditação na Palavra de Deus, perdão, confissão e louvor são necessários para superar as armadilhas. Se esses hábitos não forem desenvolvidos, ficaremos vulneráveis. Também existem organizações fora da igreja que provêm ajuda altamente especializada a vítimas de abuso sexual. Podemos recomendar esse auxílio.

Em suma, um casamento cristão, com suas características únicas, deve estar “no mundo”, mas não deve ser “do mundo”, que promove autogratificação e individualismo autocêntrico. A Igreja cristã é desafiada a construir uma comunidade que dê apoio certo a lares e casamentos cristãos.

“Homens e mulheres podem atingir o ideal de Deus a seu respeito, se tomarem a Cristo como seu ajudador. O que a sabedoria humana não pode fazer, Sua graça realizará pelos que a Ele se entregarem em amorosa confiança. Sua providência pode unir corações com laços de origem celestial. O amor não será mera troca de suaves e lisonjeiras palavras. O tear do Céu tece com trama e urdidura mais fina, porém mais firme, do que se pode tecer nos teares da Terra. O resultado não é um tecido débil, mas sim capaz de resistir a fadigas e provas. Coração unir-se-á a coração nos áureos vínculos de um amor que é perdurável.”8

Referências:

1 David E. Daye, “The Influence of Postmodemism on the Family: A Biblical-Sociological Analysis” (Tese de Mestrado, Trinity Evangelical Divinity School, 2002), pág. 9.

2 Alice P. Mathews e M. Gay Hubbard, Marriage Made in Eden (Grand Rapids: Baker, 2004), pág. 39.

Ibidem, págs. 45 e 46.

4 Anônimo, “Sexual Addiction”, Pastoral Psichology, 39, n° 4, (março de 1991), pág. 266

5 Mathews e Hubbard, Op. Cit., pág. 53.

7 Raoul Dederen, ed., “The Church”, Handbook of Seventh-day Adventist Theology (Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing Association, 2000) págs. 547-549.

8 Ellen G. White, O Lar Adventista, págs. 112 e 113.

Miroslav Kis, Ph.D., professor de ética no Seminário Teológico da Universidade Andrews,

Estados Unidos