A formiga, as finanças e a vida pastoral

Jonatán Moreyra

Ao estudar mais detidamente o livro de Provérbios, comecei a entender a deferência do sábio autor a uma qualidade a qual eu não havia atentado antes. Faz alguns meses, a Associação Geral da Igreja Adventista solicitou aos pastores distritais que respondessem uma pesquisa. Uma das questões me fez refletir. A pergunta era se tínhamos uma reserva econômica menor ou maior do que o salário de todo um ano. Sinceramente, não entendi o motivo da pergunta e se isso correspondia a alguma medida internacional, ou apenas norte-americana, para saber se uma pessoa está apta para contrair crédito. Talvez eu achasse que orientações para poupar dinheiro fossem algo básico, então, procurei estudar sobre o assunto.

Eu descobri que nos países em que não é obrigatório contribuir para o governo a fim de receber uma aposentadoria mais tarde, como é o caso de alguns países latino-americanos, você é aconselhado a poupar certo valor por vários anos, de preferência, durante toda a sua vida profissional, para depois usufruir dessa poupança na aposentadoria. Bancos e instituições financeiras oferecem diversos planos de aposentadoria privada. Por exemplo, se alguém quiser se aposentar aos 65 anos com 1 milhão de reais na previdência privada, deve investir mensalmente os seguintes valores: Começando a poupar aos 20 anos, R$ 1.075,18; aos 30, R$ 1.571,41; aos 40, R$ 2.490,73; aos 50, R$ 4.680,66.1 Mas, é bom esclarecer que essa é uma estimativa que considera as condições econômicas gerais, sem levar em conta imprevistos como a pandemia.

Volto agora à pergunta da pesquisa sobre o pastor ter uma poupança com valor menor ou maior que o salário de um ano. Morando atualmente na Argentina, conheço poucos colegas de ministério que têm esse valor em investido. E aqueles que o têm, pouparam para outros objetivos: como trocar o carro, adquirir um terreno ou casa ou tirar férias.

Em tempos de turbulência econômica no mundo, e mesmo nos de bonança, é imprescindível conhecer um pouco sobre planejamento financeiro. O pastor recebe um salário razoável, e se não souber administrá-lo terá sérios problemas para sustentar a família e ser um ministro segundo o plano de Deus. Muitos não têm reservas equivalentes a um ano de salário (inclusive eu), nem mesmo o equivalente a um mês de salário.

Vivemos apertados, com prestações e contas a pagar, para ver se chegamos ao fim do mês. A consequência disso pode ser estresse, um precursor da ansiedade e depressão. Como o pastor pode levar conforto e tranquilidade às pessoas se ele mesmo não os possui? Obviamente, o medo de perder o emprego, do desequilíbrio financeiro e de não ficar livre das dívidas são coisas que se administram no decorrer dos anos de experiência. Contudo, ainda assim, a incerteza é algo que nunca vai embora, precisamente porque este mundo é tudo, menos estável.

Algumas semanas atrás, precisei fazer várias viagens longas para levar um membro enfermo de nossa igreja que não tem nenhum familiar. Seu plano de saúde assistencial não autorizou as consultas e exames, e eu tive que ajudá-lo com os custos. O município em que ele reside está em crise com a saúde e não conta com médicos especialistas. Em casos assim, você tem que se colocar à disposição. O problema é quando chega o fim do mês. Você se vê em apuros, e triste porque nenhum membro da igreja teve condições de ajudar o irmão necessitado. Eu chego à conclusão de que nossos membros precisam ser educados no que diz respeito à vida financeira.

Uma de minhas passagens bíblicas favoritas desde a infância lança luz sobre esse assunto: “Observe a formiga, preguiçoso, reflita nos caminhos dela e seja sábio! Ela não tem nem chefe, nem supervisor, nem governante, e ainda assim armazena as suas provisões no verão e na época da colheita ajunta o seu alimento” (Pv 6:6-8, NVI).

Ao observar essa repreensão dirigida à pessoa preguiçosa, nossa primeira reação é desconsiderá-la. Talvez esse adjetivo nos incomode, ou simplesmente achamos que não fazemos parte desse grupo. Afinal, temos sobrecarga de trabalho! No entanto, a intenção de Salomão ao usar o termo não foi atacar, mas contrapor o perfil e o modo de vida do preguiçoso com o da pessoa sábia: “O preguiçoso considera-se mais sábio do que sete homens que respondem com bom senso” (Pv 26:16, NVI).

É também uma forma de descrever a mente dominada por ideias irracionais e medos irreais: “O preguiçoso diz: ‘Um leão está no caminho! Um leão está no meio da rua!’” (Pv 22:13). Ele é o exemplo de alguém cheio de planos e sonhos, mas que não consegue mudar sua situação: “A alma do preguiçoso deseja, e coisa nenhuma alcança” (Pv 13:4, ARC). Como consequência, sua vida se torna totalmente complicada: “O caminho do preguiçoso é cercado de espinhos, mas a vereda dos retos é bem aplanada” (Pv 15:19, ACF). Trata-se claramente de um problema sério, porque a consequência de não ouvir a instrução é que “a pobreza o assaltará como um bandido; a escassez o atacará como um ladrão armado” (Pv 6:11, NVT).

Jacques Doukhan apresenta um excelente comentário sobre os três princípios fundamentais destacados por Salomão no exemplo da formiga (Pv 6:6-8).2

Aprender

O primeiro princípio está no versículo 6. Ele nos exorta a “olhar ou ver” a formiga e ser sábio. É um eco ao convite do verso 3: “humilhe-se”.

O problema é achar que sabemos tudo, porém temos que aprender com esse pequenino inseto porque ainda não aprendemos o básico.3 É preciso observar o trabalho, a administração e a política econômica dessa minúscula criatura. Podem ser princípios diferentes dos seus ou dos promovidos pela sociedade, mas são mais sábios.

Precisamos reconhecer que não nascemos sabendo tudo. Por isso, com humildade, precisamos nos sentar e aprender com a formiga. No fim de Provérbios, Salomão a considera como um dos quatro seres mais sábios da Terra. Ninguém gosta de ouvir o que deve fazer com seu dinheiro. Todo pastor que administra sua casa se sente confiante de que está fazendo a coisa certa e o melhor, mesmo que não esteja. Muitos não foram instruídos sobre economia nem sobre a correta administração dos recursos. Geralmente, copiamos o que nossos pais fizeram. Por teimosia ou vergonha, não vemos outra maneira de agir.

Se vivemos em constante endividamento, isso pode nos trazer angústia, medo e a impossibilidade de ajudar os outros. Reconhecer nossas limitações na gestão financeira não é simples, mas é necessário. Olhe para a formiga, humilhe-se e aprenda com ela.

Trabalhar

O segundo princípio está no verso 7: “Ela não tem nem chefe, nem supervisor, nem governante”, contudo, decide fazer o trabalho por si mesma, sem instruções ou ordens. Se como pastores trabalhamos direito e fazemos a coisa certa apenas porque nos ordenam fazê-lo, não estamos fazendo porque é nosso dever, mas por temer àqueles que nos mandam. Por outro lado, se fazemos isso somente por causa do salário, nos tornamos súditos de Mamom.

Aqui, Salomão apresenta um princípio muito interessante. O trabalho faz parte da vida e é bom. O propósito do trabalho não é o dinheiro, mas o trabalho em si concede a bênção de prover o alimento. O trabalho realizado em verdadeira união não promove a desconfiança do dirigente.4

Em nossa sociedade, muitas pessoas trabalham apenas para obter maiores ganhos pessoais. No entanto, Deus chama nossa atenção para a formiga. Ela trabalha em comunidade e não o faz para desperdiçar seus recursos, mas para seu sustento. Ela não consome rapidamente tudo o que conseguiu, mas se ocupa em poupar e armazenar.

Precisamos aprender a trabalhar sem temer falta de alimento ou de recursos. Jesus disse que os pagãos é que sentem temor e angústia quanto ao futuro, porque servem primeiro ao mundo e não ao reino de Deus.5 Trabalhe sem se preocupar, como a formiga, e Deus cuidará do seu sustento.

Garantir

O terceiro princípio está no versículo 8: “[Ela] armazena as suas provisões no verão e na época da colheita ajunta seu alimento”. Resumindo, aprenda a provisionar para o futuro. Assim como a formiga ajunta no verão para enfrentar o rigor e a miséria do inverno, aprenda a se prevenir contra uma crise potencial e se preparar para ela. Isso nos lembra da provisão de José para os sete anos de escassez no Egito (Gn 41:34-36).

O verbo “armazenar”, no hebraico, é a palavra kwn’y que está no modo hiphil e pode ser traduzido como “preparar” (Sl 147:8), “estar preparado” (Jr 46:14), “dirigir os passos” (Pv 16:9), “confirmar” (2Sm 5:12), e “predispor, dispor” (Sl 119:133; 1Sm 7:3).6 A prevenção é sabedoria. Não é desconfiança de Deus nem falta de fé. Pelo contrário, na falta dela surge a dúvida, a incerteza e até a falta de fé. “Economia” ou “poupança” é outra forma de se referir à prevenção.

Poupar exige determinação e disposição para agir. A formiga armazena seu alimento nas estações próprias, morde a ponta do grão para evitar que germine e o guarda nos cubículos do formigueiro até que precise dele.7 Um rabino, comentando sobre a vida curta da formiga, disse: “Em toda a sua vida ela necessita apenas de um grão e meio, mas ainda assim ajunta tantos grãos. Por que faz isso? Porque diz: Talvez o Santo, bendito seja Ele, decretará mais vida para mim, e eu terei grãos prontos para comer.”8

Não é simplesmente se tenho poupado certa quantia ou não, mas onde desejo chegar. Se não houver um plano não haverá vislumbre do futuro, e o medo e a ansiedade ocuparão seu lugar. Decisões e atitudes sábias no ministério dificilmente surgirão de um pastor estressado, sufocado pelas dívidas e abalado financeiramente. Cada pastor deve sentar com sua família e estabelecer quanto podem poupar como parte fixa do seu orçamento. Isso deve ser uma determinação, e não uma opção. Significa garantir o sustento enquanto “o inverno” não chega.

Como seria maravilhoso ver nossos irmãos crescerem na fé e em estabilidade financeira em seus lares por meio de uma administração adequada! Quão sábio seria nosso ministério sem os fantasmas do medo d o futuro!

Depois de observar a formiga, deixo como apelo final o conselho bíblico: procuremos poupar durante o inverno para termos no verão, ou vamos nos esforçar um pouco mais para acumular uma reserva de um verão a outro. Assim, poderemos dizer: “Talvez o Santo, bendito seja Ele, me decrete mais vida e terei grãos para comer.”

Referências

1 Juliana Elias, “Quer ter quanto para aposentar? Veja quanto poupar na previdência privada”, disponível em <tinyurl.com/y5bv238c>, acesso em 5/10/2020.

2 Jaques Doukhan, El Libro de Proverbios: El temor de Dios es el principio de la sabiduría (Buenos Aires: Aces, 2014).

3 Matthew Henry e Francisco Lacueva, Comentário Bíblico de Matthew Henry (Barcelona: Clie, 1999),

p. 669, 670.

4 Lembra-me a comunidade celestial, na qual todos os seres trabalham em perfeito amor para com os demais.

5 Mateus 6:24-34.

6 Moisés Chávez, Diccionario de Hebreo Bíblico (El Paso, TX: Editorial Mundo Hispano, 1992), p. 277.

7 El Tesoro del Conocimiento Bíblico: Referencias bíblicas y pasajes paralelos (Bellingham, WA: Logos, 2011), Provérbios 6:6.

8 Midrash, Devarim Rabbah 5:2.

Jonatán Moreyra, pastor em Jardín América, Argentina