Dicas para gerenciar conflitos na igreja local


Erico Tadeu Xavier

O termo “conflito” tem sido compreendido como “uma dissonância (tensão ou antagonismo) interpessoal e/ou intrapessoal intensa entre duas ou mais partes no que diz respeito a alvos, necessidades, desejos, valores, crenças, e/ou atitudes incompatíveis”.1 Por exemplo, no dicionário Houaiss, a palavra também é definida como choque, enfrentamento, discussão acalorada e altercação.2

Conflitos fazem parte da humanidade desde a entrada do pecado no mundo. Devido ao egoísmo que passou a reinar no coração, o ser humano tem buscado o triunfo em todas as situações possíveis. Desde um simples debate relacionado a assuntos triviais até questões complexas ligadas a poder, dinheiro e território, podemos constatar situações de conflito.

Conflito na Bíblia

O primeiro conflito apresentado nas Escrituras aconteceu no Éden. Ele é a causa primária de todas as discórdias que se seguiram. Caracterizou-se pelo distanciamento, falta de confiança, tentativa de isenção de responsabilidade, desejo de supremacia e, como consequência, culpa e relacionamentos rompidos. De todos os conflitos narrados na Bíblia, o principal é a grande controvérsia entre o bem e o mal, entre Cristo e Satanás (Gn 3; Ap 12).

A experiência do primeiro casal revela o elemento gerador de conflitos: a intromissão do inimigo na relação entre o homem e a mulher e na ligação de ambos com o Criador. No momento em que Eva se distanciou do companheiro e se tornou suscetível a ouvir um terceiro elemento, a discórdia se estabeleceu. A dúvida foi plantada no coração, e ela começou a questionar se Deus estava realmente correto ao proibi-la de desfrutar de algo que poderia ser bom.

Tudo o que veio na sequência foi trágico e doloroso: Eva culpou a serpente e, indiretamente, responsabilizou o Senhor por aquela tragédia; Adão, o companheiro amado, tornou-se acusador da própria esposa e procurou se livrar de sua culpa; um animal inocente se tornou vítima ao ser imolado para cobrir a nudez do primeiro casal; eles foram expulsos do Paraíso; o planeta sofreu os efeitos da queda; e pior, Adão e Eva viram o ódio sendo nutrido no coração do filho mais velho, levando-o a assassinar seu próprio irmão.

Assim como outros conflitos relatados nas Escrituras, esse primeiro revela que toda divergência precisa ser identificada, mediada e resolvida, para que não venha causar graves consequências às partes envolvidas.

No Novo Testamento, o livro de Atos retrata uma séria divergência entre os fiéis logo no início da igreja cristã. Lucas afirma que “naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus” (At 6:1). O motivo? As viúvas de fala grega não estavam sendo atendidas pelos cristãos de fala hebraica. Assim, a discordância residia em uma questão étnica, ainda que a mensagem central do evangelho anunciado pela igreja fosse a salvação a todos os habitantes do mundo.

Ellen White comentou a situação, dizendo: “Foi assim que, quando o número dos discípulos aumentou, o inimigo conseguiu despertar as suspeitas de alguns que, no passado, costumavam ter ciúme de irmãos na fé e descobrir defeitos em seus guias espirituais; com isso, ‘os judeus de fala grega entre eles queixaram-se dos judeus de fala hebraica’ (At 6:1, NVI). A causa da queixa que se alegava era a negligência na concessão de auxílio às viúvas gregas. Qualquer desigualdade seria contrária ao espírito do evangelho; contudo, Satanás havia conseguido despertar a suspeita. Medidas imediatas deveriam ser tomadas para remover todo motivo de descontentamento e evitar que o inimigo triunfasse em seus esforços de disseminar divisão entre os crentes.”3

No entanto, Deus usou a crise para dar entendimento aos apóstolos sobre a necessidade de organização, para que a igreja prosperasse cada vez mais e de forma ordenada. “Convocando uma reunião dos fiéis, os apóstolos foram levados pelo Espírito Santo a esboçar um plano para otimizar a organização de todas as forças ativas da igreja. Os apóstolos declararam que havia chegado o tempo em que os líderes espirituais deveriam ser aliviados da tarefa de atender às necessidades materiais dos pobres e de outros encargos semelhantes, de modo que pudessem estar livres para levar avante a obra de pregar o evangelho. ‘Irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da Palavra’ (At 6:3, 4).
Esse conselho foi seguido e, por meio de oração e imposição de mãos, sete homens escolhidos foram solenemente separados para seus deveres como diáconos.”4

Portanto, crises fazem parte da experiência humana e podem servir como ponto de partida para novas oportunidades, desde que sejam bem gerenciadas.

Conflitos na igreja

A igreja é composta por diversos tipos de pessoas. Isso significa membros de diferentes idades, culturas, níveis de maturidade, escolaridade e experiência espiritual. Não podemos nos esquecer de que o inimigo semeia o joio, e este tem a aparência de trigo, vive com o trigo, mas não é trigo (Mt 13:25-32). Essa variedade de características pode se tornar um elemento gerador de conflitos, mas também pode ser fator de aprendizagem e desenvolvimento de paciência e perdão, se for encarada com humildade e otimismo.

Geralmente, os conflitos na igreja contemporânea surgem por diferentes motivos: disputa por cargos; ambição pelo poder ou status; discordância doutrinária ou administrativa; ausência de planejamento; liderança frágil; falta de comprometimento ou reconhecimento; sobrecarga de atividades; má gestão dos recursos financeiros; maledicência; entre outras causas.

Quando ocorre uma divergência entre os membros da igreja, todos são prejudicados. Mesmo as pessoas que não estão diretamente envolvidas são afetadas por causa da vergonha e da difamação do nome de Cristo. A missão e o crescimento da igreja dependem dos bons relacionamentos. Quando há conflitos, eles são tremendamente prejudicados.

Aprender a solucioná-los, portanto, deve ser uma das prioridades do pastor. A ausência de bons métodos na resolução ou no gerenciamento de divergências pode penalizar os relacionamentos e os ministérios da comunidade.

De modo geral, é muito alto o preço pago pelos conflitos não resolvidos na igreja. Eles fragilizam a vitalidade espiritual dos envolvidos, desviam o foco da missão, interrompem a comunicação, provocam decisões unilaterais que produzem alienação e desconfiança, substituem a unidade por facções, transformam amigos em antagonistas, tornam o testemunho negativo, causam infidelidade nos dízimos e nas ofertas, levam alguns a abandonar a fé, aumentam a tensão nos que permanecem, reduzem ou aniquilam os ministérios vitais e prejudicam a reputação da igreja na comunidade.

Como resolver?

A seguir, apresento algumas sugestões práticas para lidar com os conflitos interpessoais no contexto da igreja.

Admita que, mesmo sendo cristãos, todos somos suscetíveis ao erro. “Não é possível prever o alcance das palavras boas e amáveis que proferimos, de qualquer esforço sincero feito para aliviar as cargas aos nossos semelhantes. Certo é, porém, que os que erram só podem ser encaminhados com um espírito de mansidão, bondade e terno amor.”5

Nunca deixe um conflito sem solução. Normalmente, quando existem conflitos envolvendo membros da igreja, nenhuma das partes sente que é seu dever tomar a iniciativa de procurar a outra para dialogar e resolver a questão. Cabe então ao pastor ou líder usar de bom senso e, principalmente, discernimento espiritual para encontrar a solução para o problema, tendo em mente que uma igreja dividida não prospera. Deixar de solucionar uma divergência pode acarretar consequências desastrosas à vida espiritual dos envolvidos e causar danos terríveis à obra de Deus.

Sempre use o diálogo para resolver conflitos. O melhor caminho para chegar a um denominador comum nos desentendimentos é a conversa. Um ditado comum no ambiente jurídico diz que “é melhor um mau acordo do que uma boa demanda”. O pastor ou líder de igreja deve orientar a congregação de que a resolução dos conflitos é imprescindível para o bom relacionamento entre irmãos. É inconcebível a ideia de que, para se resolver divergências, devemos, como cristãos, procurar a justiça comum. Deus promete conceder sabedoria e iluminação do Espírito Santo a todos que, com coração sincero, buscam solução para seus conflitos interpessoais.

Aceite a solução encontrada. A solução almejada nem sempre será a solução possível. A igreja é composta de seres humanos, cada qual com personalidade singular. O que é satisfatório para um pode não ser para o outro. Por isso, temos necessidade de estar constantemente em comunhão com Deus, rogando pela sabedoria divina para solucionar as demandas da igreja do Senhor.

Tenha disposição para solucionar o problema. Mansidão (Gl 6:1), humildade (Tg 4:10), inclinação para perdoar (Ef 4:31, 32) e paciência (Tg 1:19, 20) são características que Cristo deseja que comuniquemos a Seus filhos. São elementos essenciais para reconstruir os relacionamentos quebrados e transfomá-los em duradouros.

Considere seu âmbito de atuação. É necessário que o pastor ou líder tenha consciência de que as coisas podem fugir do controle quando se trata de solucionar conflitos. Mesmo que você faça o que for possível e necessário, pode se chegar a um ponto do qual você não deve ultrapassar. É preciso respeitar esse limite, até mesmo para preservar a saúde emocional.

Cuide para que o conflito não se propague. A divergência pode tomar proporções catastróficas, e até insolúveis, se for propagada e mais pessoas tomarem conhecimento dela. Geralmente, alguns tomam partido favorecendo um em detrimento do outro, comentários exagerados e depreciativos surgem e a mágoa pode aumentar, causando feridas que demoram para cicatrizar. A melhor atitude é procurar diretamente os envolvidos e convidá-los para o diálogo franco e aberto, sob a direção do Espírito do Senhor.

Não tenha medo de pedir ajuda. “Na multidão de conselheiros há segurança” (Pv 11:14). Pode haver situações em que seja necessária a presença de outras pessoas com mais experiência, ou até mesmo profissionais de áreas específicas, para que a solução seja encontrada. Portanto, não hesite nem se constranja em pedir ajuda.

Conclusão

Enquanto estivermos na Terra teremos que lidar com divergências na igreja, pois nossa comunidade é formada de pessoas que continuam com sua natureza pecadora e egoísta. No entanto, a melhor ferramenta à nossa disposição é o diálogo, e a melhor atitude sempre será o perdão.

Conflitos são oportunidades que temos para exercitar o perdão e seguir em frente. O perdão, porém, antes de ser um sentimento, é uma decisão. Existem situações em que é necessário decidir perdoar e, a partir daí, o sentimento será produzido no coração. Talvez um dos maiores causadores de conflitos tanto na igreja quanto fora dela seja procurar nos outros um ideal de conduta segundo nossa medida. Precisamos buscar a unidade sem nos esquecer de que a diversidade confere beleza ao corpo de Cristo. Quando compreendermos isso estaremos maduros para sermos promotores de paz. “Bem-
aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9).

“‘Deus não é de confusão, e sim de paz. Como em todas as igrejas dos santos’ (1Co 14:33), Ele requer que o método e a ordem sejam observados na administração dos negócios da igreja hoje, como foram no passado. Deseja que Sua obra seja levada avante com eficácia e precisão, de modo que possa colocar sobre ela o selo de Sua aprovação. Cristão deve se unir com cristão, e igreja com igreja, cooperando o instrumento humano com o divino, estando cada agente subordinado ao Espírito Santo, e tudo harmonizado para dar ao mundo as boas-novas da graça de Deus.”

Referências

1 Stella Ting-Toomey, “Toward a Theory of Conflict and Culture”, Communication, Culture and Organizational Processes (Thousand Oaks, CA: Sage, 1985), p. 72.

2 Dicionário eletrônico Houaiss, “conflito”, versão 3.0.

3 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 88.

4 Ibid., p. 89.

5 Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v. 5, p. 613.

6 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 96.

Erico Tadeu Xavier, doutor em Teologia, é professor na Faculdade de Teologia do Instituto Adventista Paranaense