Quando o pastor precisa de atenção

Os salmos escritos por Davi após o pecado que cometeu com Bate-Seba ilustram bem o peso que a desobediência lança sobre o ser humano (Sl 32, 51). Há um alto nível de culpa, frustração e fracasso com o qual o pecador tem que lidar, algo que repercute diretamente em sua saúde mental. Além de adoecer quem o comete, o pecado também causa dor e sofrimento aos que lidam com as falhas de outros. Desse modo, pastores são vulneráveis a uma série de problemas de ordem emocional.

Geralmente, o pastor costuma se apresentar como mais satisfeito com seu trabalho do que a média da população, ao mesmo tempo que reporta um alto nível de estresse.1 A saúde mental do pastor pode ter um impacto significativo sobre sua família, suas igrejas e até as comunidades às quais sua influência alcança. De acordo com pesquisas, os pastores mais jovens são mais suscetíveis ao estresse e ao burnout.2 Entre os ministros que buscaram os serviços de saúde, a prevalência de transtornos de ordem mental foi de 12,5%, e 47% receberam algum tipo de diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida.3

Fatores de risco

Além da própria especificidade da atividade pastoral, problemas financeiros, conjugais, doutrinários, conflitos com líderes, membros da igreja e outros pastores e excesso de trabalho são os principais estressores identificados entre os ministros.4 Os problemas sistêmicos enfrentados por líderes religiosos têm um impacto maior em sua saúde geral do que incidentes específicos envolvendo membros da congregação.5

Como consequência dessa variedade de situações, os pastores são forçados a lidar com uma grande carga emocional. Em si, as emoções são neutras, ou seja, não são positivas nem negativas, e cumprem um importante papel na vida de todo ser humano na regulação comportamental. Busca-se o que produz boas emoções e evita-se o que gera emoções desagradáveis. O ponto é que as emoções e sensações desagradáveis também fazem parte da vida, e a dificuldade em lidar com elas é real. Ao administrar suas próprias angústias, poucos pastores buscam suporte emocional.

Transtornos comuns

Os principais diagnósticos entre pastores referem-se a transtornos depressivos (16,4%), de sono (12,9%) e ansiedade (9,4%).6 Comparativamente aos líderes de outras matrizes religiosas, ministros protestantes apresentam maior estresse relacionado ao trabalho,7 além do que são especialmente suscetíveis ao burnout.8

A busca por suporte psicológico e psiquiátrico diante de sintomas relacionados a doenças como transtornos de humor (depressão, transtorno afetivo bipolar), de ansiedade e relacionados a estressores (estresse, burnout) é, ainda, alvo de preconceitos e pouco conhecimento. A ausência da dor física e localizada ou de sinais corporais claros são elementos que dificultam o reconhecimento de problemas com a saúde mental. É como uma dor silenciosa e persistente.

Essas doenças são resultado da interação multifatorial entre padrões comportamentais e o organismo. Alguns desses fatores envolvem constituição genética, vulnerabilidade, sensibilização adquirida, repetição da situação, perspectiva temporal de futuro, estado emocional atual e história individual.

Alguns sintomas gerais envolvem mudança de humor, alteração de apetite e peso, insônia ou hipersonia, retardo ou agitação psicomotora, fadiga ou perda de energia, capacidade de concentração diminuída, sensações de culpa ou fracasso, perda de interesse em atividades consideradas agradáveis e até pensamentos mórbidos. É importante reconhecer esses estados mentais e a necessidade de suporte médico e psicológico.

Dificuldades para busca de auxílio

As noções envolvendo saúde e doença mental são fatores que podem facilitar ou dificultar a busca por ajuda especializada. Pastores podem ser resistentes aos conceitos da psicologia e não compreender as doenças mentais que enfrentam. Ministros com depressão e sintomas psicóticos que tratam seus problemas somente a partir de uma conceituação puramente religiosa são significativamente menos propensos à busca por ajuda profissional.9 Desse modo, crenças equivocadas quanto à saúde mental podem ser uma barreira importante que impede a busca de suporte profissional adequado. Algumas dessas incompreensões envolvem:

Confusão entre possessão e doença mental. Em relação à doença mental, as interações negativas acerca do tema incluem o abandono da igreja e da fé, equiparando a doença ao trabalho dos demônios e sugerindo que ela possa ser resultado do pecado pessoal.10

Muitas vezes, quando os pastores aconselham seus membros, tratam de aspectos espirituais como causa e solução para todos os problemas emocionais daqueles que os procuram, raramente associando tais problemas aos transtornos mentais.11 A possessão demoníaca pode acontecer independentemente de doença mental, doença mental pode ocorrer independentemente de uma possessão, e ambas podem estar associadas.12 Da mesma forma, ao lidar com suas próprias lutas, alguns pastores têm dificuldade de identificar a diferença entre questões psicológicas e espirituais.

Depressão como algo que mancha o ministério. Há uma acentuada confusão entre espiritualidade e estados depressivos. A tristeza é percebida como espiritualidade ao associá-la ao arrependimento e à culpa, mas quando ela se torna incapacitante, é vista como falta de Deus. A depressão é uma doença e não um defeito de caráter. Quando tratada, a recuperação é a regra e não a exceção. Os tratamentos são efetivos, embora seja alto o risco de recorrência.

Jesus afirmou: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em Mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; Eu venci o mundo” (Jo 16:33). Embora a tristeza faça parte de nossa experiência, Cristo nunca disse que deveríamos vencê-la sozinhos. Na hora da aflição, precisamos de suporte familiar, comunitário e profissional.

Antigamente ninguém sofria disso. No século 4 a.C., Hipócrates descreveu a “bílis negra” (melancholía, em grego) como um quadro de tristeza e apatia. Em 1686, Théophile Bonet descreveu o quadro “maníaco-melancholicus”, que equivale à compreensão atual do transtorno afetivo bipolar.

A história da fuga de Elias e de como Deus o tratou é um testemunho de um episódio depressivo (1Rs 19). Ou seja, a depressão já foi descrita há muito tempo. A diferença é que, atualmente, pode-se contar com mais recursos para seu tratamento.

O que tem de estressante no trabalho de um pastor? Em parte, por causa dos papéis importantes que desempenham, os ministros frequentemente se defrontam com situações estressantes, entre elas, a acomodação das demandas do trabalho e da família e a pressão por resultados, muitas vezes inerente ao próprio pastor, que precisa deles para validar continuamente seu chamado.

Entretanto, a questão é que, por vezes, alguns ministros tomam para si mesmos responsabilidades que são incapazes de carregar e acabam sofrendo por isso.

A psicologia se opõe à religião? Alguns pastores nutrem certa desconfiança quanto à psicologia, seus valores e suas formas de atuação. Contudo, religião e psicologia podem atuar de maneira complementar e precisam superar a desconfiança mútua. A religião é parte constitutiva da história individual, e o bem-estar do ser humano passa pela compreensão do seu discurso por parte do terapeuta. A religião pode ser um aliado da psicoterapia ao oferecer suporte da comunidade, adesão ao tratamento e resistência ao sofrimento. Por outro lado, a experiência religiosa pode ser mais rica quando nos sentimos emocionalmente saudáveis.

A importância da psicoeducação

A busca por auxílio psicológico é algo que também amplia a utilidade do pastor no trabalho com sua congregação. Em primeiro lugar, porque poderá tratar melhor as próprias inquietações, distinguindo-as daquelas trazidas pelos membros de sua igreja no aconselhamento. Em segundo lugar, porque redunda na ampliação de seus conhecimentos sobre as questões referentes à saúde mental.

De modo geral, os ministros são o primeiro contato das pessoas que buscam auxílio em relação a problemas emocionais.13 Entretanto, muitos entre eles não se sentem adequadamente capacitados para lidar com essas questões.14 O conhecimento relacionado à saúde e doença mental ajudaria os pastores a enxergar os profissionais da área como aliados, não concorrentes.

Os pastores podem desempenhar um papel relevante na prevenção de doenças mentais e no apoio às pessoas no processo de reabilitação. O suporte das comunidades religiosas a grupos mais propensos a problemas relacionados à saúde mental é um resultado expressivo da psicoeducação de pastores. Por exemplo, sabe-se que a prática religiosa permite que os idosos lidem de maneira mais efetiva com problemas de saúde mental.15 Os socialmente excluídos também podem encontrar em comunidades religiosas suporte necessário para lidar com suas próprias dificuldades relacionadas à rejeição e à ansiedade.16

Em resumo, a busca de ajuda psicológica por pastores, além de promover saúde individual, pode prover experiências e conhecimentos a esses líderes que resultarão em bem-estar coletivo para suas famílias, igrejas e a comunidade sob sua influência. 

Referências

1 Andrew J. Weaver et al., “Mental health issues among clergy and other religious professionals: A review of research”. Journal of Pastoral Care & Counseling, v. 56, n. 4, p. 393-403.

2 Maureen H. Miner, “Changes in burnout over the first 12 months in ministry: Links with stress and orientation to ministry”. Mental Health, Religion and Culture, v. 10, n. 1, p. 9-16.

3 Francisco Lotufo-Neto, “The prevalence of mental disorders among clergy in São Paulo, Brazil”. Journal of Psychology and Theology, v. 24, n. 4, p. 313-322.

4 Ibid.

5 Marjorie H. Royle, Insights into Stress Among Parish Clergy in the UCC (Nova Jersey: Clay Pots Research, 2005).

6 Lotufo-Neto.

7 Kevin J. Flanelly et al., “A review of mortality research in clergy and other religious professionals”, Journal of Religion and Health, v. 41, n. 1, p. 57-68.

8 Benjamin R. Doolittle, “Burnout and coping among parish-based clergy”, Mental Health, Religion and Culture, v. 10, n. 1, p. 31-38.

9 Mikyong Kim-Goh, “Conceptualization of mental illness among Korean-American clergymen and implications for mental health service delivery”, Community Mental Health Journal, v. 29, n. 5, p. 405-412.

10 Matthew S. Stanford, “Demon or disorder: A survey of attitudes toward mental illness in the Christian church”, Mental Health, Religion & Culture, v. 10, n. 5, p. 445-449.

11 Matthew Stanford e David Philpott, “Baptist senior pastors’ knowledge and perceptions of mental illness”, Mental Health, Religion & Culture, v. 14, n. 3, p. 281-290.

12 Samuel Southard, “Demonizing and mental illness (2) the problem of assessment: Los Angeles”, Pastoral Psychology, v. 34, n. 4, p. 264-287.

13 Janeé R. Avent, Craig S. Cashwell e Shelly Brown-Jeffy, “African American pastors on mental health, coping, and help seeking”, Counseling & Values, v. 60, n. 1, p. 32-47.

14 Kim Stansbury e Mitzi Schumacher, “An exploration of mental health literacy among African American clergy”, Journal of Gerontological Social Work, v. 51, n. 1-2, p. 126-142.

15 Paul Brat, “Aging, mental health and the faith community”, Journal of Religious Gerontology, v. 13, n. 2, p. 45-54.

16 Lynne Friedli, “Social and spiritual capital: Building ‘emotional resilience’ in communities and individuals”, Political Theology, v. 2, n. 2, p. 55-64.

Willian de Oliveira, mestre em Liderança, é professor da Faculdade Adventista da Bahia