Sérgio Vassallo
Em agosto de 2018, eu e minha esposa, Liliane, chegamos a Sucre, capital constitucional da Bolívia, com a missão de pastorear o distrito Sucre Norte. A população local é formada por pessoas que falam o castelhano, na área urbana, e o quéchua, na área rural.
O território do meu distrito é muito desafiador, em virtude das longas distâncias a ser percorridas, das mudanças climáticas imprevisíveis e dos acessos precários. Entretanto, para mim, o maior desafio era entender o idioma quéchua. Como poderia me comunicar bem com os irmãos da igreja?
Diante das lutas, comecei a orar com minha esposa, pedindo a Deus que providenciasse os meios necessários para cumprir a missão que nos foi confiada. Foi então que conheci David Aguilar, ancião de uma de minhas igrejas. Pedi-lhe que me ajudasse como guia e intérprete, o que me foi muito especial. Entendi que Deus tem respostas para cada dificuldade e que não há barreiras para Ele.
Com a ajuda de David, comecei a visitar as igrejas da área rural. Em nossa primeira jornada, saímos em uma motocicleta e percorremos 93 km por uma estrada totalmente esburacada. Na segunda viagem, não pudemos usar a estrada, em virtude das fortes chuvas. Assim, viajamos a pé por seis horas e tivemos que cruzar o rio Pilcomayo. As vitórias em meio às dificuldades e as manifestações da providência divina fortaleceram nosso trabalho com as comunidades rurais.
Contudo, a viagem mais marcante foi a que fiz à igreja de Media Luna, a congregação mais distante e de difícil acesso do distrito. Começamos a jornada e paramos em Oronkota, uma de minhas igrejas na área rural. Descobrimos ali que não havia trilha para Media Luna. A única maneira de chegar ao lugar era margeando vales e colinas e cruzando rios que, naquela época do ano, transbordavam por causa das chuvas. Os irmãos de Oronkota, prevendo que eu não aguentaria a caminhada, olharam meus calçados e disseram: “Estes sapatos não são adequados para o caminho pedregoso.”
Às 10 da manhã, começamos a caminhar. Enquanto cruzávamos as poucas aldeias do trajeto, os moradores se mostravam incrédulos e diziam em quéchua: “Seu pastor, por ser ‘gringo’, nunca chegará a Media Luna.” Apesar da falta de estímulo, continuamos a viagem. Graças a Deus, as águas do rio haviam baixado; assim, conseguimos cruzá-lo sem dificuldades.
No entanto, quando veio a noite, e com ela o frio e a fome, confesso que me perguntei: “Isso realmente é necessário? Eu poderia fazer essa viagem em maio, depois das chuvas.” Foi então que me veio à memória as palavras de um pastor experiente: “Um pastor deve estar onde estão suas ovelhas.” Isso me fez refletir, em silêncio: “Os irmãos de Media Luna estão esperando seu pastor”. O Espírito Santo me animou a continuar. Eu sabia que minha esposa orava para que eu alcançasse nossos irmãos da área rural com a mensagem de esperança.
De repente, fome e cansaço desapareceram. O relógio marcava quase meia-noite quando David me disse: “Chegamos a Media Luna!” Depois de 14 horas de caminhada, estávamos exaustos, mas felizes. A face de meus irmãos refletia alegria e motivação, porque seu pastor estava com eles. Fiquei ali alguns dias para visitar as pessoas, batizar novos membros e pregar no sábado. Essa foi uma experiência da qual jamais me esquecerei.
Ao regressar, fizemos o mesmo caminho. Dessa vez, saímos às 5 horas da manhã e demoramos 10 horas para chegar a Oronkota. Permaneci com eles por uma semana, trabalhando por aquela igreja. Um detalhe, porém, não passou despercebido: enquanto os visitava, usava o sapato que eles diziam ser inadequado para caminhar a Media Luna. Nosso Deus é um Deus de milagres!
Essa experiência me ensinou que devemos ter a mesma paixão demonstrada por Jesus Cristo, nosso Salvador. Somos a extensão de Suas mãos na Terra para levar salvação e esperança aos que sofrem, seja no campo ou na cidade. Assim como Ele deixou tudo, devemos deixar em muitas ocasiões nossa zona de conforto para cumprir a missão. Exerçamos nosso ministério com essa mesma motivação.
Sérgio Vassallo é pastor em Sucre, Bolívia