Os hábitos do líder movido pelo Espírito

Marcos De Benedicto

O mundo passa por uma fase de transição sem paralelo na história, o que exige líderes fortes e equilibrados. Livros e cursos sofisticados sobre liderança se multiplicaram nos últimos anos.1 Porém, a maior necessidade é de líderes movidos pelo Espírito de Deus. O preparo técnico, obviamente, tem seu lugar. No entanto, sem o Espírito, todas as técnicas e rotinas da igreja são “maquinaria morta”.2 Liderar sem o Espírito é matar a liderança espiritual. Mas o que significa ser um líder movido pelo Espírito?

Primeiro, a definição. Liderança é a arte de inspirar outros a sonhar com novos mundos, sair da zona de acomodação e dar o máximo para transformar a realidade e deixar um legado para o bem comum. Liderança é uma atitude, não um título; visão, não inteligência; inspiração, não gerenciamento; propósito, não tarefa; influência, não coerção; autoridade, não imposição; confiança, não controle; ação, não discurso.

O conceito de liderança aparece logo na abertura da Bíblia. “A primeira palavra da Bíblia Hebraica, bereshit, geralmente traduzida como ‘no princípio’ (Gn 1:1), sintetiza a essência da liderança: é derivada da palavra rosh, que literalmente significa ‘cabeça” e é o termo técnico normalmente usado para designar quem está na liderança em determinada situação. Portanto, desde o início, o evento da criação é um ato de liderança. A criação é liderança por excelência.”3 Por falar em criação, a liderança pode ser comparada a uma galáxia, em que Deus ocupa o centro e as estrelas orbitam ao redor Dele. O Espírito, ativo na criação, lidera esse movimento.

A relação entre Espírito e liderança é bem evidente ao longo da Bíblia. “A maioria das referências no Pentateuco a ruah como Espírito tem que ver com algum tipo de habilidade de liderança outorgada pelo ruah para uma tarefa específica”, observa Wilf Hildebrandt.4 O Antigo Testamento descreve vários líderes capacitados pelo Espírito para exercer uma liderança forte e efetiva: José (Gn 41:38), Moisés e os 70 anciãos (Nm 11:16-29), Josué (Nm 27:18; Dt 34:9), Otoniel (Jz 3:9, 10), Gideão (Jz 6:34), Jefté (Jz 11:29), Sansão (Jz 13:25; 14:19; 15:14), Saul (1Sm 10:10; 11:6), Davi (1Sm 16:13) e Daniel (Dn 4:8, 9).

No 8o século a.C., o profeta Isaías (11:1-5) pintou o quadro do Messias como um Líder capacitado pelo Espírito do Senhor e cheio de sabedoria e entendimento, que julgaria com justiça e equidade; o Ungido que levaria boas-novas aos sofredores, cuidaria dos corações quebrantados e trocaria o pranto pelo óleo da alegria (61:1-3). Esse perfil de um Líder pacífico e espiritual, a figura de um Rei escatológico ideal que inauguraria uma nova era, indica um forte contraste “intencional” com o estilo dos líderes de Israel ao longo da história.5

Mais tarde, Zacarias mencionou o líder que iria reconstruir o templo, em meio à oposição, e então anunciou: “Não por força nem por poder, mas pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4:6). O termo “força” (chayil) é usado em outras partes do Antigo Testamento em referência à habilidade, eficiência, riqueza e ao exército na esfera humana, mas nunca em relação à dimensão divina. Já a palavra “poder” (koach) é empregada para descrever proezas físicas, intelectuais ou econômicas de indivíduos ou grupos, mas tem uma relação especial com a ação divina.6 Essas duas palavras destacam o contraste entre a força meramente humana e o poder divino. Ainda hoje, para construir o “templo”, o líder precisa depender do Espírito de Deus.

Líderes autoritários, violentos e orgulhosos podem conseguir bons resultados, mas machucam os liderados, além de representar mal a Deus. Por isso, a Bíblia valoriza o modelo de liderança espiritual, os líderes “guiados pelo Espírito para realizar uma missão designada por Ele” e cuja “sensibilidade ao Espírito molda seus motivos e informa seus métodos”.7 John Adair defende que 50% das nossas motivações vêm de dentro de nós, enquanto 50% vêm do ambiente exterior, especialmente da liderança.8 Mas o ideal é que o Espírito motive 100% das nossas ações.

Aqui vale mencionar que um bom líder não aparece de uma hora para outra, como pelo despertar de um gene. Para Warren Bennis, “o mito mais perigoso sobre liderança é que os líderes nascem [prontos] – que existe um fator genético na liderança”.9 Um grande líder não se faz sem agonia, sofrimento e refinamento do caráter. O crisol é o teste de fogo do líder até o limite do ser, em que a escória é consumida e ele sai purificado e transformado, mostrando de que material é feito. Ellen White confirma: “Homens de força e poder nesta causa que Deus usará para Sua glória são aqueles que foram contestados, contrariados e frustrados em seus planos.”10

Embora o clichê evangélico ensine que Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos, o contrário também pode ser verdade: o Espírito Santo aproveita a experiência prévia para formar o líder. Se você imaginar o mapa da sua vida desde seu nascimento, passando pela faculdade, até o estágio atual, perceberá pontos que foram usados pelo Espírito para potencializar sua liderança.

Qualidades do líder espiritual

Indo ao aspecto mais prático, qual líder espiritual você mais admira? Por que ele o influenciou? Quais características dele você mais aprecia? Incontestavelmente, o maior modelo de Líder movido pelo Espírito é Jesus. Com base na vida, na experiência, nos ensinos e no legado Dele, conforme registrados por Lucas em seus dois livros, vou enumerar dez hábitos do líder movido pelo Espírito. Há outros, como ousadia e unidade, mas num artigo não é possível falar de tudo.

Afirmação

Enquanto Jesus estava orando, numa cena cósmica, “o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea como pomba; e ouviu-se uma voz do céu: Tu és o Meu Filho amado, em Ti Me comprazo” (Lc 3:21, 22). Por meio da ação do Espírito e de uma carinhosa declaração de filiação divina e status especial, vemos Deus afirmando a identidade de Jesus como o novo Líder de Seu povo, assim como havia feito em relação a Josué (Js 1:5-9; 4:14). Em consonância com essa atitude, Jesus sempre afirmou e elevou as pessoas. Líderes fortes afirmam, líderes inseguros rebaixam.

Submissão

Após Seu batismo, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto (Lc 4:1) e voltou do deserto “no poder do Espírito” (v. 14). O movimento de ir e vir no poder do Espírito prefigurava a trajetória de uma vida inteira sob o controle do Espírito. Liderança espiritual começa com a liderança da própria vida pelo Espírito Santo. “Se você quer liderar, invista pelo menos 50% de seu tempo liderando você mesmo”, ensinou Dee Hock, fundador da VISA.11 Eu diria: se você deseja liderar com poder, invista 100% do seu tempo submetendo-se ao Espírito. Quem não sabe seguir não pode liderar. Aliás, o conceito de liderado ou seguidor está sendo redefinido e valorizado.12

Unção

Lucas 4:16 a 21 é o texto programático do ministério de Jesus como Cristo (ou Ungido), termo que aparece mais de 500 vezes no Novo Testamento.13 “O Espírito do Senhor está sobre Mim, pelo que Me ungiu”, disse Jesus (Lc 4:18). Nos tempos bíblicos, a unção era feita com óleo, um produto muito valorizado nos “salões” de beleza, nos “hospitais” e nos rituais do templo. O óleo da unção, que continha azeite, mirra, canela e outros ingredientes aromáticos, passou a ser um belo símbolo do chamado e do poder para realizar uma tarefa especial. Se você fosse um sacerdote, profeta ou rei, seria “empossado” através da unção com óleo santo. O óleo não tem poder em si, mas representa o poder de Deus sendo derramado sobre a pessoa escolhida para uma missão. Antes de impactar outros “espíritos”, o líder deve ser impactado pelo Espírito.

Propósito

O Espírito do Senhor ungiu Jesus “para…” (Lc 4:18). A unção do líder ocorre para uma finalidade, que não é a exaltação pessoal. Jesus foi ungido para levar liberdade aos prisioneiros da vida, curar corações quebrantados e anunciar o ano da graça do Senhor. Todos os dias, Ele “recebia novo batismo do Espírito Santo. Nas primeiras horas do novo dia, o Senhor O despertava de Seu repouso, e Sua alma e lábios eram ungidos de graça para que a pudesse transmitir a outros”.14 O líder movido pelo Espírito tem como propósito libertar, curar, revelar graça e promover a glória de Deus. Liderar sem um propósito é como fazer uma viagem sem destino.

Autoridade

Jesus deu autoridade aos discípulos sobre o poder do inimigo e exultou no Espírito pela vitória deles (Lc 10:18-21). Jesus é o modelo absoluto de líder com poder. Ele tinha poder sobre o povo, os líderes, a natureza, as doenças e até os demônios. “Toda a autoridade Me foi dada no Céu e na Terra”, afirmou (Mt 28:18). O líder movido pelo Espírito tem poder espiritual, não apenas estrutural, pessoal nem autoritário (ver o quadro abaixo).

Missão

Jesus ordenou que os discípulos ficassem na cidade até que fossem revestidos do poder do alto (Lc 24:49). No âmbito espiritual, sair para liderar sem o poder do Espírito é um risco – o risco da ineficácia, do fracasso, do desânimo, da distorção, da vanglória. Por isso, antes de ir, é preciso ficar. “A ausência do Espírito é que torna tão destituído de poder o ministério evangélico.”15 Porém, a capacitação visa à missão. Quando os discípulos se mostraram preocupados com o “fim” em termos de tempo, Jesus disse que deviam se preocupar com o “fim” em termos de espaço (At 1:6-8). O controle sobre o fim do mundo pertence a Deus, enquanto a missão de chegar ao fim do mundo pertence a nós. O líder movido pelo Espírito, sempre preocupado com a missão e não com especulação, tem um coração missionário e resiliência para levar a missão até o fim.

Visão

No contexto do Pentecostes, Pedro apelou à profecia de Joel 2 para explicar aquele fenômeno espetacular: “os jovens terão visões, os velhos terão sonhos” (At 2:17, NVI). Geralmente, os jovens têm sonhos, mas não possuem visão, enquanto os velhos possuem visão, mas já não têm sonhos. A presença do Espírito reverte essa tendência. Ele coloca sonhos e visões na mente e no coração dos líderes. Cria visionários. O líder visionário vê além do horizonte, vislumbra possibilidades onde outros enxergam apenas impossibilidades, desenha um quadro mental da visão com base na missão, planeja com a mente e lidera com o coração, transforma o futuro em presente e o presente em futuro, age com vigor na busca dos objetivos e inspira a mesma visão nos liderados. Se a convicção motiva o líder, a visão inspira o próprio líder e os liderados. Sem a visão espiritual, o povo perece e o líder não sobrevive.

Integridade

Logo no início do cristianismo, o Espírito deu o tom da seriedade com que os líderes deveriam tratar os negócios de Deus. O episódio de Ananias e Safira (At 5) revela como Deus lida com o pecado. Ele não tolera fraude. “Por que vocês mentiram ao Espírito Santo?”, questionou Pedro (ver At 5:3, 9). O líder precisa desenvolver um estilo autêntico, íntegro e transparente. Seu nível de liderança jamais irá além de seu caráter. A falta de integridade compromete até as melhores habilidades. O líder deve seguir seu “verdadeiro Norte”, “a bússola interna”, um ponto fixo neste mundo giratório e instável, o sistema de localização com base nos “valores mais acalentados”.16 Na verdade, o mundo precisa de líderes “cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo”,17 mas quem estabelece o referencial é o Espírito.

Valores

“Vendo Simão que o Espírito era dado com a imposição das mãos dos apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro”, relata Lucas (At 8:18, NVI). Pedro respondeu: “Pereça com você o seu dinheiro!” (v. 20). Os primeiros líderes do cristianismo defendiam valores inegociáveis. Em nossa sociedade corrupta, em que tudo é comprável e vendável, é bom olhar para modelos assim. O líder movido pelo Espírito vale muito porque tem muitos valores. Esse tipo de líder acaba influenciando positivamente a cultura organizacional, local e, às vezes, nacional, “a soma total de crenças, rituais, regras, costumes, artefatos e instituições que caracterizam a população”.18 Tal líder não se preocupa somente com as pessoas e o desempenho, mas também com os valores, combinando esses elementos de maneira equilibrada.

Configuração do futuro

Lucas registra que, em certa ocasião, um profeta chamado Ágabo predisse, pelo Espírito, uma grande fome (At 11:28). Com base na revelação, os líderes procuraram antecipar o problema e reconfigurar o futuro. Isso é liderança em sua melhor expressão. Peter Senge classifica liderança como “a capacidade de uma comunidade humana configurar seu futuro e, especificamente, de sustentar os processos de mudança significativos, necessários para que isso aconteça”.19

Algumas pessoas e igrejas têm dificuldade para fazer mudanças e, por isso, não conseguem reconfigurar o futuro. Mas o Espírito pode desejar mudanças. Nos últimos anos, temos ouvido muitas vezes sobre a necessidade de reforma. Segundo Delbert Baker, isso inclui quatro áreas: (1) reorganização das ideias (conceitos); (2) reorganização das teorias (conjunto de pressuposições); (3) reorganização dos hábitos (rotina de comportamentos); e (4) reorganização das práticas (ações e métodos).20 O líder movido pelo Espírito não teme mudar quando a mudança é a coisa certa a se fazer.

Concluindo, você terá mais êxito e conseguirá motivar mais gente se for um líder movido pelo Espírito. Lidere com submissão, unção, propósito, autoridade, visão, integridade. Lidere com amor, discernimento, eficácia, cabeça e coração. Lidere com resiliência. Lidere para a eternidade.

O crisol é o teste de fogo do líder até o limite do ser, em que a escória é consumida e ele sai purificado e transformado, mostrando de que material é feito.

Referências

1 Uma abordagem mais científica sobre o tema teve início em 1979, quando o primeiro programa de doutorado (PhD) na área foi aberto na Universidade de San Diego (EUA). Para um estudo sobre programas e linhas de pesquisas sobre liderança, ver Daina D. Mazutis, Zoe Morris e Karyn Olsen, “Leadership at the Graduate Studies and Postdoctoral Levels” (University of Western Ontario, 2011).

2 LeRoy Edwin Froom, A Vinda do Consolador (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), p. 131.

3 Jacques B. Doukhan, “Creation Is Leadership”, em Servants and Friends: A Biblical Theology of Leadership, ed. Skip Bell (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2014), p. 31.

4 Wilf Hildebrandt, An Old Theology of the Spirit of God (Peabody, MA: Hendrickson, 1994), p. 22.

5 Wonsuk Ma, Until the Spirit Comes: The Spirit of God in the Book of Isaiah (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999), p. 206.

6 Mark J. Boda, The Book of Zechariah (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2016), p. 288.

7 J. Lee Whittington, Biblical Perspectives on Leadership and Organizations (Nova York: Palgrave Macmillan, 2015), p. 29.

8 John Adair, Leadership and Motivation: The Fifty-Fifty Rule and the Eight Key Principles of Motivating Others (Londres e Filadélfia: Kogan Page, 2006), p. 2, 38.

9 Warren Bennis, Managing People Is Like Herding Cats (Provo, UT: Executive Excellence Publishing, 1999), p. 163.

10 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2002), v. 3, p. 494.

11 Dee Hock, “Dee Hock on Management”, Fast Company, outubro/novembro de 1996.

12 Ver Ronald E. Riggio, Ira Chaleff e Jean Lipman-Blumen (eds.), The Art of Followership: How Great Followers Create Great Leaders and Organizations (San Francisco: Jossey-Bass, 2008).

13 Massiah aparece 38 vezes no Antigo Testamento e Christos 529 no Novo Testamento.

14 Ellen G. White, Parábolas de Jesus, 9a ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 139.

15 Ellen G. White, Testemunhos Seletos, 5a ed. (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985), v. 3, p. 212.

16 Bill George com Peter Sims, True North: Discover Your Authentic Leadership (San Francisco: Jossey-Bass, 2007), xxiii.

17 Ellen G. White, Educação, 6a ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 57.

18 John M. Ivancevich e Robert Konopaske e Michael T. Matteson, Organizational Behavior and Management, 10a ed. (Nova York: McGraw-Hill, 2013), p. 34.

19 Peter M. Senge, A Dança das Mudanças (Rio de Janeiro: Elsevier, 1999), p. 28.

20 Delbert W. Baker, “Eschatology and Last Day Leadership: Introducing the Strong Adventist Leader”, palestra apresentada na 4a Conferência Bíblica Internacional, realizada em Roma, de 11 a 21 de junho de 2018, p. 24.

Poder estruturalPoder pessoalPoder autoritárioPoder espiritual
PosiçãoRecompensaTecnologiaPersonalidadeCarismaCompetênciaAmeaçaCoerçãoControleAmorInspiraçãoServiço

Marcos De Benedicto, editor-chefe da Casa Publicadora Brasileira