O pastor e as armadilhas da exposição digital
Rafael Rossi
A revolução digital tem sido um dos mais intensos períodos já vivenciados pela humanidade. De repente, os gadgets passaram a ser considerados quase que uma extensão do corpo, enquanto as empresas de tecnologia não param de oferecer inovações e multiplicar possibilidades. Esse cenário tem resultado na mudança de hábitos, percepções e, finalmente, do estilo de vida dos usuários de tecnologia. Diante desse impacto, que afeta padrões e princípios éticos e espirituais, faz-se necessária uma reflexão de como os adventistas do sétimo dia devem se portar ao interagir com o mundo digital.
A velocidade com que essa revolução envolveu a sociedade não nos deu tempo suficiente para pensar sobre suas implicações, bem como acerca dos limites que devem ser impostos ao pacote de mudanças significativas na forma de viver e aprender. A igreja, chamada para influenciar o mundo à sua volta, sempre esteve diante do enorme desafio de não se conformar “com este século” (Rm 12:2), uma vez que muitos dos valores culturais defendidos são incompatíveis com as Escrituras e encontram-se em zona de conflito.1 Nesse caso, espera-se que a igreja influencie a cultura e não seja influenciada por ela, no que se refere aos princípios do evangelho.2
A imagem da igreja
Nessa nova cultura virtual, pastores e líderes eclesiásticos, com suas postagens e opiniões nas redes sociais, ajudam a formar a imagem que a igreja e suas instituições terão para o grande público. Assim, mais do que expor sua identidade pessoal, pastores e líderes são formadores da identidade denominacional. Como resultado, as percepções a respeito da igreja construídas com base no que se posta são potencializadas pelo volume de manifestações nas redes sociais.
Diante dessa realidade, jamais devemos nos esquecer de que esse “ministério digital” está sob as mesmas bases do ministério presencial. O modo pelo qual um pastor se comporta no ambiente virtual deve ser compatível com os princípios e a sublimidade do evangelho. Ao entrar nas redes sociais de um pastor, por exemplo, a expectativa é de encontrar assuntos que estejam relacionados com o pastoreio. Quando ele se envolve em polêmicas, gera um ruído de comunicação e, inevitavelmente, compromete a imagem do corpo ministerial, da igreja, além de sua própria imagem. Nesse sentido, a distorção da percepção do grande público em relação à igreja e ao ministério será diretamente proporcional ao número de “seguidores” que a pessoa que postou tem e o nível de engajamento alcançado com a postagem.
Como resultado, os usuários das redes, sejam eles membros ou não da igreja, podem adotar as seguintes posturas diante dos materiais questionáveis compartilhados: (1) imitar o comportamento; (2) distorcer o conteúdo; (3) nutrir uma visão ácida em relação ao ministério; (4) decepcionar-se com a postura dos pastores; (5) adotar um discurso crítico em relação à igreja e aos seus ministros; (6) e desconfiar da credibilidade da igreja.
Assim, pastores e líderes devem estar conscientes e identificar possíveis zonas de perigo para não comprometer sua imagem nem a da igreja. Todas as postagens, manifestações e, em alguns casos, até mesmo a não publicação de algo, acabam comunicando alguma coisa. Menosprezar valores, relativizar a verdade, demonstrar egocentrismo ou buscar aplausos estrategicamente resultará em crise de confiança em relação ao ministério, devido à incompatibilidade entre os interesses demonstrados e os princípios do evangelho.
Isso não quer dizer que, para se desenvolver um trabalho efetivo e relevante nas redes sociais, seja necessário adotar um estilo considerado “padrão”. Existem perfis variados, com abordagens específicas, que alcançam públicos diferentes. Há espaço para líderes e pastores desenvolverem um ministério consistente na internet, mas é fundamental conhecer as armadilhas resultantes da exposição digital, considerando, assim, a conduta adequada que se requer de um ministro no mundo virtual.
Armadilhas digitais
Recentemente, conversei com um pastor que se sentia bastante sobrecarregado. Durante o diálogo, acabamos entrando na questão do uso das redes sociais. Em determinado momento, ele confessou que se sentia impelido a compartilhar continuamente seus sermões, textos, opiniões e fotos a seus seguidores. No final, concluímos que essa “obrigação” de expor constantemente sua rotina nas mídias sociais estava demandando dele muito tempo, sendo um dos principais motivos de seu esgotamento. Há recursos nos smartphones que dão um diagnóstico diário das horas gastas em cada aplicativo. Se esses indicadores forem altos, provavelmente o usuário esteja se desgastando ao estar envolvido nas redes sociais.
Além disso, as redes sociais podem favorecer a vaidade. Assim, elas servem como recurso para que seus usuários satisfaçam o ego ao receber aprovação referente a qualquer coisa que postem ou façam. Em realidade, muitas postagens são irrelevantes; contudo, curiosamente, elas despertam a atenção de uma fatia considerável do público. Nessa dinâmica, gera-se um sistema de postagens vagas e sem propósito retroalimentado por curtidas e comentários que pouco agregam à vida das pessoas e consomem uma quantidade significativa de tempo e disposição.
Ademais, Jean M. Twenge, em seu livro iGen, indica estudos que associam o uso excessivo de celulares por adolescentes a neuroses, baixa autoestima, impulsividade, falta de empatia, crises de identidade e imagem própria, distúrbios no sono, ansiedade, estresse e depressão. O impacto é tão grande que a autora chega a afirmar que estamos próximos da pior crise de saúde mental da história. Os efeitos não atingem apenas crianças e adolescentes, mas ultrapassa limites de idade.3
Uma expressão inglesa ilustra o sentimento perigoso que o crescimento da exposição digital tem causado: “fear of missing out”, ou seja, medo de ficar de fora. Esse temor leva a pessoa a olhar o celular o tempo todo para não se sentir por fora de nada. O resultado é um ciclo vicioso. Sentimentos como a ansiedade são desenvolvidos, resultando em um estado de angústia ao se tocar na tela do celular, abrir aplicativos ou checar se há novas mensagens.
Procedimento equilibrado
A Igreja Adventista na América do Sul tem produzido documentos com orientações para ajudar pastores e líderes a se portarem nesse novo ambiente. A exposição em redes sociais é julgada pela subjetividade das pessoas. E como não se tem controle sobre essa subjetividade, os critérios e as avaliações do que se publica devem ser analisados de uma perspectiva mais profunda do que apenas a interpretação elementar do que foi postado.
A manutenção e a proteção dos parâmetros que estabelecem a identidade da igreja são preciosos e fundamentais. Manifestações ruidosas ou práticas que não fazem parte da essência da igreja não deveriam ser postadas nas redes sociais. O movimento adventista nasceu de um desapontamento profético que depois se estabeleceu com o compromisso de estudar profundamente e ensinar a Bíblia, além de viver todos os seus ensinamentos. Por isso, pastores e líderes, ao se posicionarem nas redes sociais, devem refletir o mesmo ideal. Ellen White, cofundadora da Igreja Adventista, não vivenciou a revolução digital, mas seus conselhos quanto ao que se deve ou não publicar contêm princípios aplicáveis aos nossos dias.
Em relação às respostas a críticas feitas sobre a mensagem adventista, ela recomendou: “Que procedimento devem seguir os defensores da verdade? Possuem eles a imutável, eterna Palavra de Deus, e devem revelar o fato de que possuem a verdade como é em Jesus? Suas palavras não devem ser ásperas nem incisivas. Em sua apresentação da verdade devem manifestar o amor, a mansidão e a amabilidade de Cristo. Que a verdade por si mesma produza efeito; a Palavra de Deus é aguda espada de dois gumes, e abrirá caminho até ao coração.”4
Quanto às polêmicas ou insinuações pessoais, Ellen White foi contundente ao dizer: “O Senhor quer que Seus obreiros O representem, o grande Obreiro Missionário. Manifestar algum tipo de precipitação sempre traz dano. […] Aquele que é descuidado e precipitado em proferir palavras ou em escrevê-las para publicação a ser espalhada pelo mundo, emitindo expressões que nunca mais poderão ser retiradas, está-se desqualificando para receber o legado da sagrada obra que recai neste tempo sobre os seguidores de Cristo. Os que costumam fazer severos ataques, estão formando hábitos que, pela repetição, se irão fortalecendo, e dos quais terão de arrepender-se”.5
Ela ainda refletiu acerca da reação dos líderes da igreja quanto a um assunto bastante sensível: a política: “Não é procedimento sábio criticar continuamente os atos dos governantes. Não nos compete atacar indivíduos nem instituições. […] Devemos descartar dos nossos escritos e palestras toda expressão que, tomada isoladamente, poderia ser mal interpretada e tida como contrária à lei e à ordem. Tudo deve ser cuidadosamente pesado para não passarmos por fomentadores de deslealdade à nossa pátria e às suas leis. Não é exigido de nós que desafiemos as autoridades. Virá o tempo em que, por defendermos a verdade bíblica, seremos considerados traidores. Mas não apressemos esse momento por meio de procedimento imprudente que desperte animosidade e luta.”6
Ainda sobre esse ponto, Ellen White profetizou algo que faz total sentido na atualidade: “Tempo virá em que expressões descuidadas de caráter denunciante, displicentemente proferidas ou escritas por nossos irmãos, serão usadas pelos nossos inimigos para nos condenar. Não serão usadas simplesmente para condenar os que as proferiram, mas atribuídas a toda a comunidade adventista. Nossos acusadores dirão que em tal e tal dia um dos nossos homens responsáveis falou assim e assim contra a administração das leis do governo. Muitos ficarão admirados ao ver quantas coisas foram conservadas e lembradas, as quais servirão de prova para os argumentos dos adversários. Muitos se surpreenderão de como foi atribuído às suas palavras um significado diferente do que era a sua intenção. Sejam nossos obreiros cuidadosos no falar, em todo tempo e sob quaisquer circunstâncias.”7
Finalmente, é necessário considerar o testemunho que damos por meio do que publicamos: “Não podemos ajudar os que não têm o temor de Cristo apontando as suas faltas. Não nos foi dada a tarefa de reprovar nem proferir ataques pessoais em nossos periódicos. Essa atitude é enganosa. Não devemos ser ‘facilmente levados à ira’. Lembremo-nos de que, por meio de nossa atitude espiritual demonstramos que estamos nos alimentando de Cristo, o Pão da Vida. Pelas nossas palavras, nosso temperamento e nossas ações, testificamos àqueles com quem entramos em contato, que o Espírito de Cristo habita em nós.”8
Conclusão
Os valores cristãos têm sido continuamente atacados por uma sociedade que fundamenta suas decisões na ciência, na lógica e em estatísticas. A cultura secular tende a ridicularizar a fé, tentando torná-la irrelevante para as pessoas. Nossa presença no ambiente digital, com todas as suas potencialidades, deve ser administrada com equilíbrio, sabedoria e estratégia, tendo sempre como alicerce os princípios bíblicos.
Uma das principais necessidades dos tempos atuais é oferecer, especialmente a pastores e líderes, ferramentas de educação digital para ampliar a visão estratégica do uso dos recursos virtuais, bem como reconhecer os riscos do mau uso deles. Todos os líderes são responsáveis pela construção da imagem da igreja, e estabelecer parâmetros de utilização das redes sociais reduzirá excessos, evitando uma percepção equivocada de nosso trabalho.
Há um vasto campo de possibilidades para a pregação do evangelho que são multiplicadas pelos recursos digitais. A ferramenta não pode se tornar armadilha. A possibilidade não deve ser a fatalidade. Atualmente, além de entregar o coração a Deus, é preciso reiterar a necessidade de entregar também as redes sociais ao serviço do Senhor.
Referências
1 H. Richard Niebuhr, Cristo e Cultura (Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1951), p. 67.
2 Niebuhr, Cristo e Cultura, p. 227.
3 Jean M. Twenge, iGen: Por que as crianças de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e completamente despreparadas para a vida adulta (São Paulo: nVersos, 2018).
4 Ellen G. White, O Outro Poder (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. 39.
5 Ellen G. White, O Outro Poder, p. 40, 41.
6 Ibid, p. 45.
7 Ibid, p. 45, 46.
8 Ibid, p. 44.
Além de entregar o coração a Deus, é preciso reiterar a necessidade de entregar também as redes sociais ao serviço do Senhor.
Rafael Rossi, líder de Comunicação para a Igreja Adventista na América do Sul