Apelo para uma nova era de pregação e adoração

Hyveth Williams

A proclamação da Palavra começou quando o próprio Deus falou aos israelitas (Êx 20:1-17). Foi algo tão poderoso que, quando o povo ouviu, “todos tremeram assustados. Ficaram a distância e disseram a Moisés: ‘Fala tu mesmo conosco, e ouviremos. Mas que Deus não fale conosco, para que não morramos’”.1

A palavra hebraica qara, “proclamar, chamar ou ler em voz alta”, expressa o sentido do que significa pregação ou proclamação no Antigo Testamento. Ela “denota principalmente a enunciação de um vocábulo ou mensagem específica, […] geralmente endereçado a um destinatário específico e […] com a pretensão de obter uma resposta específica”.2 O termo também aparece quando Deus assegura a Moisés: “Diante de você farei passar toda a Minha bondade, e diante de você proclamarei o Meu nome: o Senhor” (Êx 33:19; cf. Ne 6:7; Jn 3:2).

O apóstolo Pedro observou que Noé era “um pregador da justiça” (2Pe 2:5). No grego koiné, a palavra kerussō “significa (a) ser um arauto, ou em um sentido mais amplo, proclamar, publicar, pregar (Ap 5:2); (b) pregar o evangelho como um arauto (Mt 24:14); (c) pregar a Palavra (2Tm 4:2)”.3 Outros arautos notáveis foram João Batista (Mt 3:1) e o leproso a quem Jesus curou e que “começou a proclamar” (Mc 1:45) tudo a respeito do que o Salvador lhe havia feito. Jesus anunciou que o Espírito do Senhor O havia ungido para pregar o evangelho (Lc 4:18), e Seu último comissionamento aos discípulos foi: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas” (Mc 16:15). Depois da Sua ascensão, eles fizeram exatamente isso: “Todos os dias, no templo e de casa em casa, não deixavam de ensinar e proclamar que Jesus é o Cristo” (At 5:42).

A pregação ocupou parte significativa na vida e na adoração da igreja apostólica. Exegeticamente, as homilias polêmicas se tornaram um elemento predominante durante o período de 200 a 800 d.C.4, quando Orígenes, reconhecido como o pai do sermão como costume eclesiástico, explorou a exposição teológico-prática de um texto definido, chamado de homilia. Então, “nesse período de separação do culto divino em parte homilético-didática e parte mística, o sermão era missionário e apologético em seu estilo e adequado para instruir os catecúmenos”.5 Os sermões também “assumiram a forma de explicação e aplicação do texto, usando particularmente o método da alegoria que, a partir de então, tornou-se predominante e controlou o uso homilético das Escrituras até a Reforma”.6 Agostinho “se distinguiu por sua energia e incansabilidade como pregador”. Seus sermões eram “vigorosos nos aspectos da experiência, do testemunho pessoal, da dialética e das aplicações práticas […] e permeados com o evangelho”.7

Com a proliferação da comunicação em massa e o reavivamento na adoração, a pregação alcançou seu apogeu como a principal parte do culto em meados do século 20. Durante esse ressurgimento, mais da metade do tempo gasto na adoração era dedicado à pregação. No entanto, a diferenciação do sermão em relação ao restante da liturgia pode ter se originado na Idade Média, quando algumas partes do serviço litúrgico eram feitas em latim, e “o sermão exigia o uso do vernáculo da região”.8 Isso criou a sensação de que determinados elementos do culto (principalmente, a pregação) eram mais importantes do que outros. Alguns teólogos contemporâneos, como Michael Quicke, lamentam a recente mudança de paradigma no estilo e no conteúdo da adoração, na qual música, teatro, louvor, dança e apresentações de vídeo parecem estar usurpando a importância e a centralidade da pregação.

Alguns proponentes dessa mudança declaram que “quando os sermões são considerados primários, a adoração é reduzida à habilidade musical e à organização dos elementos do serviço litúrgico”9 como atividades “preliminares”. Os opositores, por sua vez, não se renderam enquanto o movimento ganhava força e popularidade. Alguns, como Albert Mohler, disseram: “A música preenche o espaço da maioria dos cultos evangélicos, e grande parte dessa música vem na forma de coros contemporâneos, marcados com precioso conteúdo teológico… [enquanto] muitas igrejas evangélicas parecem intensamente preocupadas em reproduzir apresentações musicais com qualidade de estúdio”, e acrescentou que essas mudanças estilísticas “infelizmente contribuíram para o atrito e, às vezes, até dividiram as igrejas”.10

T. David Gordon previu acertadamente o declínio iminente da música de adoração contemporânea:11 Os hinos eram/são comparativamente ruins, porque uma geração não pode competir com 50 gerações de escritores de hinos; os compositores perceberam quão difícil é escrever letras que não sejam apenas teologicamente boas, mas significativas, apropriadas e edificantes; não é “vantagem ter parte ou o total do serviço de adoração em uma linguagem contemporânea”, como a maioria das igrejas fazem agora;12 como todas as novidades, uma vez que a novidade desaparece, o que frequentemente sobra parece um pouco vazio; e a música é dirigida por equipes de louvor para um público difícil de orientar. Gordon também afirma que “adoração contemporânea é um paradoxo. Biblicamente, adoração é o que os anjos e as estrelas da manhã fizeram antes da criação.”13

Outros, como David Williams, opinam que “quando a música de adoração é determinada pelas nossas preferências, nós nos entronizamos”.14

Mesmo as igrejas tradicionais, em que o estilo musical continua sendo hinos e cânticos, não escapam do debate. As pressões, a diminuição da participação e do apoio financeiro, fazem com que muitos se rendam, mesmo sob coação, à nova onda em que a música é mais dominante do que a pregação.15

Um novo fenômeno?

Antes ainda do estabelecimento da igreja, a mulher samaritana, junto ao poço de Jacó, discutiu com Jesus sobre o local de adoração. Ela argumentou: “Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar” (Jo 4:20). A resposta de Jesus deve fazer com que todos os que se degladiam quanto à adoração abaixem suas armas: “Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura” (Jo 4:23).

É claro que “a adoração a Deus será libertada da escravidão do lugar”16, mas podemos antecipar que ela irá se perder nas guerras sobre estilo e conteúdo? Uma vez que o termo proskuneo (adoração) significa “fazer reverência, reverenciar” e “é usado como uma atitude de respeito ou reverência”,17 na batalha entre pregação e música, ambos protagonistas e antagonistas estão adorando “o que” eles fazem ou não sabem. Nenhum dos grupos está adorando o “Quem” está implícito (ou seja, o Pai). Se o fizessem, jamais iriam permitir que essa controvérsia provocasse divisão ou prejuízo à igreja em sua missão de salvar os perdidos.

Infelizmente, “convencidos da importância da pregação, alguns pregadores erroneamente se declaram os mais importantes veículos da adoração. Investindo todo o seu esforço na produção de sermões e alegando sua importância na proclamação do evangelho, eles podem colocar de lado a adoração como questão secundária”, afirma Michael Quicke. Em sua arrogância, tais pregadores “veem o sermão como ‘uma espécie de transatlântico homilético, precedido por alguns rebocadores litúrgicos’”.18 Quicke cita John Killinger, que diz: “Não há substituto para a pregação na adoração. Ela fornece o impulso proclamador sem o qual a igreja nunca é formada e a adoração nunca acontece.”19

Pastores que relegam tudo, exceto a pregação, para a gaveta de baixo das preliminares, afirma Quicke, refletem visões míopes de pregação e adoração. “Muitas vezes, sem perceber quão limitada sua visão se tornou, a pregação míope perde de vista a perspectiva de Deus na adoração.” Ele também observa que “a pregação míope é marcada por certas características:”20 “abordagens errôneas; teologia de adoração frágil; uso indireto das Escrituras; amnésia litúrgica; ambivalência em relação à música; e sermões irreverentes”.21

Apelo para uma nova adoração

Visto que a pregação representa papel preponderante em apoio à música e outras adições contemporâneas à adoração, como podem aqueles que estão buscando conhecer Jesus saber sobre Ele sem que a Palavra de Deus lhes seja pregada (Rm 10:14, 15)? Por outro lado, por que a pregação deve dominar a adoração, se a música tem o poder de tocar a alma com precisão e emoções tão surpreendentes?

Deus criou o mundo com Sua palavra (Gn 1; Hb 11:3); revelou-Se ao mundo e à humanidade como a Palavra (Jo 1:1; 1Tm 3:16; 2Pe 1:21); realiza Suas obras (Jo 9:4) de redenção, recriação, reconciliação e restauração por meio da Palavra (Mt 9:22; Mc 5:8; Lc 4:39; Jo 11:43); e converte pessoas pela Sua Palavra (1Pe 1:23).

Uma pesquisa realizada em 2002 pelo Instituto Barna, nos Estados Unidos, concluiu que os participantes das chamadas “guerras sobre adoração” ignoram o assunto real da adoração: “A maioria das pessoas que brigam por sua preferência musical o faz porque não entende a relação entre música, comunicação, Deus e adoração. Elas fomentam o problema, concentrando-se em como agradar as pessoas com música ou oferecer estilos de música para satisfazer os gostos de todos, em vez de lidar com a questão de maior relevância […] e investir em promover uma adoração fervorosa a um Deus santo e digno.”22

Existe um anseio angustiante por uma “pregação ardente”. Não com uma linguagem “ameaçadora, cruel, bárbara nem alarmante”. Não no sentido de gritos, expressões faciais assustadoras e temor. “[A] palavra ardente tem os seguintes sinônimos: robusta, intensa, forte, poderosa, apaixonada, fervorosa, enfática, precisa.”23 Ela deve ser a espinha dorsal da pregação profética – dizer a verdade com poder e desafiar o status quo – que nutre, alimenta e confere relevância e criatividade para equilibrar o modelo prevalecente de pregação.

Se a pregação continuar a recuar ou for relegada ao status de “atividades preliminares”, uma série de inovações questionáveis surgirá para ocupar seu lugar. Hoje é a música contemporânea, mas quem sabe o que o amanhã trará? No entanto, lutar por preferências na adoração não é a resposta ungida pelo Espírito Santo para resolver essas tensões.

A adoração contemporânea tem se tornado antropocêntrica, em vez de teocêntrica e cristocêntrica. Tradições e favoritismos não são diretrizes divinas para o conteúdo nem para a prática da adoração. Somos chamados para adorar o Senhor em espírito e verdade.

Não devemos minar a pregação a fim de substituir o evangelismo pelo entretenimento, sob o pretexto de tornar a adoração interessante e empolgante para atrair os não convertidos. O entretenimento é sedutor e atraente; no entanto, nas palavras de Robert Godfrey: “Devemos lembrar que entretenimento não é evangelismo.” As pessoas não são convertidas por um comediante no púlpito, um grupo dançante de louvor, nem pela euforia de uma banda fantástica, mas pelo evangelho de Jesus Cristo.

A adoração protestante tradicional sempre foi mais rígida em relação à reverência e pode parecer mecânica, formalista e sem emoção para alguns em nossa cultura, movida pela mídia e obcecada por ações. Outros podem enxergar a adoração contemporânea, com seu entusiasmo e alegria, muito focada na diversão e euforia à custa da reverência.

Conclusão

Recomendo aos defensores de ambas as abordagens avaliar se o conteúdo de sua adoração tem mantido o equilíbrio bíblico em que a pregação é a lâmpada para os pés dos adoradores (Sl 119:105) e a música os tem direcionado às obras salvíficas de Deus – de redenção, reconciliação e restauração. E, desse modo, colocar um fim na “batalha” que eles têm travado, transformando as batidas de suas espadas, do que eles sabem ou não sabem, em arados (Is 2:4) para cultivar uma nova era de pregação e adoração cristã. Então, o mundo saberá que Jesus é o Senhor, por causa do nosso amor uns pelos outros (Jo 13:35). 

Referências

1 Textos bíblicos são da Nova Versão Internacional.

2 R. Laird Harris, ed., Theological Wordbook of the Old Testament (Chicago, IL: Moody Press, 1980), v. 2, p. 810.

3 W. E. Vine, An Expository Dictionary of New Testament Words (Westwood, NJ: Fleming H. Revell Company, 1966).

4 Samuel Macauley Jackson, ed., The New Schaff-Herzog Religious Encyclopedia of Religious Knowledge (Nova York: Funk and Wagnalls, 1911),
v. 9, p. 159.

5 The New Schaff-Herzog Religious Encyclopedia,
v. 9, p. 159.

6 The New Schaff-Herzog Religious Encyclopedia,
v. 9, p. 159.

7 The New Schaff-Herzog Religious Encyclopedia,
v. 9, p. 160.

8 The New Schaff-Herzog Religious Encyclopedia,
v. 9, p. 161.

9 Michael J. Quicke, Preaching as Worship: An integrative approach to formation in your church (Grand Rapids, MI: Baker Books, 2011), p. 32.

10 Albert Mohler, “Expository Preaching – The Antidote to Anemic Worship”, <www.albertmohler.com/2013/08/19/expository -preaching-the-antidote-to-anemic-worship/>.

11 T. David Gordon, “The Imminent Decline of Contemporary Worship Music: Eight Reasons”, <secondnaturejournal.com/the-imminent-decline-of-contemporary-worship -music-eight-reasons>.

12 Malcolm Gladwell, The Tipping Point: How little things can make a big difference (Nova York: Little, Brown and Company, 2000).

13 Quicke, Preaching as Worship, p. 30.

14 Professor de Música e Adoração no Seminário Teológico Adventista.

15 David Williams.

16 Archibald Thomas Robertson, Word Pictures in the New Testament (Nashville, TN: Broadman Press, 1960), v. 5, p. 66.

17 Vine, An Expository Dictionary, p. 235.

18 Quicke, Preaching as Worship, p. 28.

19 Quicke, Preaching as Worship, p. 28.

20 Quicke, Preaching as Worship, p. 39.

21 Quicke, Preaching as Worship, p. 40-59.

22 “Focus on ‘Worship Wars’ Hides the Real Issues Regarding Connection to God”, <www.barna.org/ component/content/article/5-barna-update/45-barna-update-sp-657/85-focus-on-qworship-warsq-hides-the-real-issues-regarding-connection-to-god>.

23 Susan Scott, Fierce Conversations: Achieving success at work and in life, one conversation at a time (Nova York: Berkley Books, 1999), p. 7.

A adoração contemporânea tem se tornado antropocêntrica, em vez de teocêntrica e cristocêntrica. Tradições e favoritismos não são diretrizes divinas para o conteúdo nem para a prática da adoração.

Hyveth Williams, professora de Homilética no Seminário de Teologia da Universidade Andrews, Estados Unidos