Todo pastor necessita estar preparado para aconselhar um sofredor; Em alguns casos, ele é o único recurso disponível

Como pastores, muito freqüentemente nos sentimos limitados na assistência a pessoas que sofreram perdas. Lembro-me da primeira vez em que fui designado para substituir um pastor. Duas semanas depois da minha chegada, morreu alguém e tive que oficiar o funeral e confortar a família enlutada. Eu não tinha a menor idéia sobre como proceder, mas consegui um livro de Andrew Blackwood1, e em poucos minutos o li completamente. Durante todo o percurso em direção à casa enlutada, orei a Deus pedindo ajuda para o que iria fazer. Depois que a cerimônia terminou, um experiente colega me disse: “Jovem, se você necessitar de orientação sobre como confortar sofredores, podemos conversar a respeito disso”. Fui moído pelo constrangimento.

A partir daí, comecei a ler toda nova publicação sobre sofrimento, e cheguei a participar de um curso de cinco semanas sobre aconselhamento, na Universidade de Chicago. J. William Worden, um dos professores, nos levou a praticar princípios de aconselhamento através de encenações. Therese Rando deu aulas um dia inteiro no hospício de Michigan. Também assisti a palestras realizadas por especialistas ingleses, em Washington. Em toda chance que eu tinha, procurava aprender a confortar pessoas tristes. Decidi que nunca mais voltaria a ficar constrangido como naquela primeira vez. Com tantos recursos à mão, a maioria deles requerendo pouco gasto financeiro, eu não tinha desculpas para permanecer incompetente nessa área do pastorado.

Os pastores necessitam ser capazes no aconselhamento ao sofredor, embora nossa sociedade esteja cheia de ajudadores de todos os tipos. No primeiro instante, as pessoas se voltarão ao pastor, em busca de ajuda, antes de baterem às portas de outros tipos de tratamento.2 Em algumas vezes, o pastor será a única pessoa a quem recorrerão.

Porém, a competência pastoral não depende apenas do preparo acadêmico, mas também do conhecimento acerca das pessoas. A visitação pastoral revela muitas coisas sobre os membros, que determinam o tipo de apoio que lhes vamos dar, em ocasiões de sofrimento. Pastores que não fazem visitas pastorais são como médicos que tratam seus pacientes sem conhecer seu histórico de saúde.

Definição de conceito

Em primeiro lugar, vamos compreender o que significa cuidar no sofrimento. Therese Rando descreve o cuidado no sofrimento como uma série de processos, em vez de tarefas ou resultados. “Quando comparados a tarefas, eles [processos de cuidado no sofrimento] oferecem ao conselheiro resposta mais imediata, habilidade para intervir mais rápida e apropriadamente, alvos específicos para intervenção e progresso na avaliação da experiência do sofredor.”3

Tenho usado o processo de Rando como modelo sobre o qual poderia colocar a experiência atual da pessoa sofredora e, assim, determinar seu progresso ou área com a qual esteja perplexa. Aqui está uma versão parafraseada do referido processo:

  • Admitir que a perda aconteceu e tentar compreender como aconteceu.
  • Permitir toda a experiência da dor e falar sobre as perdas maiores e secundárias.
  • Pensar sobre o relacionamento e revisar memórias positivas e negativas.
  • Admitir que o relacionamento físico não pode mais acontecer e traçar um novo roteiro de vida.
  • Permitir-se ter um relacionamento de memória.
  • Desenvolver novos planos que não incluam o relacionamento perdido.

Você pode facilmente assumir que determinada pessoa está se ajustando muito bem a uma perda. Todos os crentes que perderam entes queridos deviam ter freqüentes contatos com a família e os amigos, após a perda. Depois que nosso filho de 22 anos morreu, em 1980, a maioria dos meus colegas admitiu que eu estava reagindo bem porque tinha freqüentado grupos de apoio, durante anos, antes de sua morte. Eles não viam os conflitos que existiam dentro de mim. Um dia, eu es­ tava visitando um moribundo de 22 anos na UTI do hospital em que eu era capelão. A tristeza inundou meu coração e as lágrimas rolaram, porém mantive a com­ postura até que a morte fosse consumada. Então, deixei o quarto, saí do hospital e fiquei ali apoiado numa coluna. Sem me recriminar, a enfermeira-chefe se aproxi­mou e juntou suas lágrimas às minhas. Eu até procurei mostrar certa firmeza, mas ela percebeu minha dor. A partir daquele dia, ela se tornou uma fonte de cura que me habilitou a trabalhar efetivamente na UTI por muitos anos.

Simplesmente ouça

Quando sou perguntado sobre como trabalho com os sofredores, respondo: “Escuto, escuto e escuto”. Ouça sem interromper dando conselhos ou tentando afastar a dor. O abrandamento da dor acontece quando ela é expressada a um ouvido paciente. Nos últimos trinta anos, tenho ouvido pessoas expressar suas mágoas sem tentar consertá-las. Inúmeras vezes, elas têm respondido dizendo: “Muito obrigado por me ouvir. Agora, me sinto melhor.” Outra resposta comum é: “É muito bom saber que o que sinto é normal e que não estou enlouquecendo”. Os pastores também não precisam assumir o papel de defensores de Deus nem responder aos por quês do sofrimento das pessoas. Elas não esperam respostas; simplesmente querem expressar sua angústia e ansiedade.

Certa ocasião, juntamente com um professor de Novo Testamento, fiz algumas palestras em um congresso da Sociedade Americana de Câncer. Ele me disse que quase tinha cancelado o compromisso de falar naquele encontro, porque sua esposa tinha morrido professor de Novo Testamento. Finalmente, conclui que a Bíblia não foi escrita para responder a essa questão. Foi escrita para nos ensinar como podemos sair da sujeira em que nos encontramos. Mas, em minha busca, me deparei com perguntas para as quais encontrei respostas: Acaso, Deus leva a sério meu sofrimento? O que Ele está fazendo a respeito disso? O que Ele fez? O que fará? A Bíblia responde a essas interrogações, e as respostas que dá me transmitem segurança.”

Penso nesse amigo professor todas as vezes em que uma pessoa sofrendo sen­ta à minha frente e me pergunta: “Por quê?” Ela quer liberdade para perguntar, sem ser julgada nem condenada.

Mudando o foco

No início de um revés, as pessoas focalizam quase exclusivamente as doenças, os acidentes e a forma da morte que lhe deram origem. Elas repetem isso muitas vezes. Esse processo é importante porque ajuda a admitir que a perda realmente aconteceu. Mas, chega um momento em que necessitam mudar o foco da maneira como ocorreu a perda, e começar a focalizar o relacionamento. Este deve ser re-visitado parte por parte, não em seu todo. Tais pessoas necessitam admitir que nenhuma parte pode ser considerada simultaneamente. Durante certo tempo, esse exercício as leva de um relacionamento de presença para o de memória. Esse processo não pode ser apressado; leva tempo.

Algumas pessoas encontram auxílio, ao criarem um memorial para seu ente querido. É por isso que, às vezes, vemos cruzes e flores ao longo de uma estrada em que ocorreu algum acidente com morte. Em certos lugares, algumas pessoas em sofrimento costumam doar ofertas para um fundo memorial na igreja. Nesse caso, os pastores devem perguntar à família sobre o modo como desejam que a oferta seja usada.

Freqüentemente, ouço pessoas dizendo a algum sofredor: “Já se passou um ano desde que tudo aconteceu. Você já devia ter superado essa perda”. Porém, a mera passagem do tempo não pode ser considerada o melhor indicador para o ajuste à nova situação. E preciso agir. O pastor procura agir na direção de afirmar e expressar esperança no progresso da recuperação experimentada pelo indivíduo.

Lições essenciais

Uma das maiores recompensas do aconselhamento pastoral ocorre quando as pessoas escolhem agir avaliando suas qualidades pessoais e fazendo planos para utilizar essas qualidades. Quando elas mostram interesse em avançar, isso demonstra que estão muitos quilômetros em direção ao seu ajustamento. Haverá ocasiões em que o irmão sofredor emperrará em alguma parte do processo de ajustamento. Em tais casos, o pastor precisa observar se pode continuar ajudando o necessitado ou se o encaminhará a um psicólogo.

Quando trabalhei como capelão, um médico me convidou para acompanhar um paciente a quem ele iria examinar. Depois de analisarmos vários métodos de diagnose, ele disse: “Os resultados dos exames laboratoriais são indispensáveis para dar um diagnóstico, mas o instrumento essencial é o ouvido do médico. No ato de ouvir, encontramos vestígios que nos habilitam a fazer as perguntas certas.”

O trabalho com médicos, no atendimento de pessoas que enfrentam algum tipo de sofrimento, me ensinou três lições importantes: ouvir, observar e fazer as perguntas certas. Uma quarta lição eu aprendi dos profissionais de saúde mental; e essa é que, quando uma situação está além de sua especialidade, não hesite em encaminhar a pessoa ao profissional que pode ajudá-la. Todas as quatro lições são essenciais para o ministério pastoral em favor dos sofredores.

Ouvir e observar

A natureza do revés pode ser afetada por muitos eventos e circunstâncias, entre os quais enumeramos os seguintes:

  • Perdas recentes e múltiplas.
  • Divórcio indesejado.
  • Histórico de doença mental.
  • Relacionamento conturbado com perda pessoal.
  • Insuficiente sistema de apoio.
  • Forte dependência da pessoa que foi perdida.
  • Desconhecimento emocional – dificuldade para expressar sentimentos.
  • Perda considerável que poderia ter sido evitada.
  • Perda seguida de doença prolongada.
  • Perda súbita, inesperada.
  • Colapso da família nuclear (pai, mãe e filhos solteiros).
  • Morte violenta, traumática e .
  • Morte de um filho (antiga ou recente).
  • Legado familiar de estoicismo.
  • Perceptível responsabilidade pela perda.

Alguns desses indicadores podem sinalizar que a pessoa em sofrimento pode ter dificuldade para se adaptar à perda recentemente sofrida. Por isso, é importante manter contato regularmente com a pessoa. É preciso saber que a mudança no processo de recuperação da mágoa continua acontecendo, independentemente da velocidade. Sessões regulares de apoio previnem as pessoas contra a permissão de que a dor controle a vida delas. Descontrole de sentimentos e colocar-se à mercê da dor são atitudes que levam ao desespero. Permitir que a angústia tome seu curso indiscriminadamente faz com que o sofrimento nunca tenha fim.

Enfrentando o problema

Tendo observado esse medo e resignação, desenvolví uma abordagem que tem ajudado a muitos sofredores. Essa abordagem, do tipo “enfrente o problema”, tem sido fundamental na prevenção contra problemas complicados. A pessoa que sofre pode ser encorajada a adaptar as seguintes sugestões, levando em conta as diferenças individuais:

  • Cada dia, reserve tempo para ficar só em um lugar definido. Tenha papel e caneta à mão.
  • Escreva as lembranças relacionadas a esse lugar. Se escrever não for sua especialidade, escolha um lugar tão privado, de modo que você possa falar em voz alta.
  • Recapitule somente uma lembrança de cada vez. Escreva ou fale o que essa lembrança significa. Escreve ou fale como você se sente, não podendo concretizá-la de novo.
  • Escreva ou fale uma curta despedida ao que costumava vivenciar, mas já não pode fazê-lo. Repita essa despedida até acalmar as emoções fortes.
  • No dia seguinte, sempre repita a despedida feita no dia anterior, então prossiga com outra parte das lembranças.
  • Continue esse processo até que você sinta que o relacionamento físico passou a ser um relacionamento de memória.
  • Lembre-se de que você não está falando a despedida para a pessoa nem para suas lembranças. Você está falando para o que costumava ser e já não é. Gradualmente, isso descobrirá as lembranças que você tenta evitar. Elas se tomarão doces e não dolorosas lembranças.

Certo dia, um homem me contou a história de um pescador que tinha perdido a esposa. A filha desse pescador expôs a preocupação de que ele não estivesse sofrendo muito, porque não falava sobre o assunto nem chorava. Certo dia, o homem foi abordado e respondeu: “Não se preocupe comigo. Entro no barco, navego, e quando não mais consigo ver a terra, falo, choro e grito.” À sua maneira, ele estava assumindo o problema.

A questão-chave é encontrar essa maneira. Muitas pessoas acham que escrever é o melhor caminho, outras têm diferentes formas de abordagem. Cada pessoa sofre de modo diferente; portanto, existem muitas formas de encarar o sofrimento. O ponto fundamental é que as pessoas devem fazer algo sobre ele, em vez de se deixarem surpreender por ventos de tristeza.

Considerando que a recuperação de cada pedaço de lembrança requer tempo, haverá ocasiões em que alguma coisa trará à tona parte não processada dessas lembranças. Therese Rando chama isso de irrupção temporária e subseqüente do sofrimento.4 Não significa que não haja ajustamento, mas que esta parte das lembranças precisa ser processada. Precisamos falar a respeito disso às pessoas, a fim de que não sejam surpreendidas.

Dois anos após a morte da esposa de Ron, ele foi convidado para um evento numa instituição militar. Uma senhora começou a conversar com ele, de tal modo que o fez lembrar-se da esposa, anos atrás, na mesma situação, e ele não conseguiu conter o pranto. Interrogado pela senhora sobre o porquê do choro, ele explicou a razão das suas lágrimas. A senhora falou: “Não se preocupe, continue a chorar”. Ron tinha-se adaptado à vida sem a esposa, mas o encontro com outra mulher numa circunstância que o fez lembrar da esposa o levou a uma lembrança não processada.

Questões apropriadas

Durante o processo de aconselhamento a uma mãe em sofrimento, notei suas lágrimas, quando ela mencionou a morte de sua filha viciada em drogas. Imaginando que ela sentia alguma responsabilidade pelo que acontecera, lhe perguntei: “A senhora acha que seu estilo de vida teve algum papel na morte da garota?” Ela simplesmente respondeu que nós dois tínhamos acabado de descobrir a questão-chave do seu sofrimento.

Outra mulher sofria por causa da morte do filho num acidente automobilístico. Seu marido dirigia o automóvel e perdeu o controle numa pista molhada. Depois de ouvi-la por vinte minutos, perguntei: “Quem a senhora culpa pelo acidente?” Imediatamente, ela apontou o esposo, afirmando que ele sempre dirigia muito rápido. O acidente tinha acontecido seis meses antes, e ela ainda não tinha dito nada ao esposo. Falou-me também que seu casamento estava escapando ao controle. Tudo isso veio à luz em resposta a uma pergunta.

Freqüentemente, pergunto: “Como está sua vida agora, depois da perda?” Isso sempre leva às perdas secundárias, que devem ser processadas junto com as primárias. Falhar na identificação do sofrimento por causa das perdas secundárias pode ser a principal causa para o agravamento da angústia. Porém, fazer as perguntas certas é resultado de ouvir e observar.

A vez do especialista

Alguns pastores preferem fazer uma recomendação a um especialista quando têm certeza de que o revés foi agravado, mas isso não é simples. Therese Rando afirma: “A linha divisória entre o sofrimento grave e o simples é nebulosa e pode mudar constantemente. Tal mudança é devida não somente aos avanços na coleta de dados nessa área, mas também ao fato de que nenhuma determinação de anormalidade pode ser feita, sem considerarmos os fatores que influenciam a resposta à perda. As reações à perda somente podem ser interpretadas no contexto dos fatores circunscritos à perda particular para um enlutado particular em circunstâncias particulares nas quais ela ocorreu.”5

A simples observação das reações ao sofrimento não determina de modo confiável sua gravidade. O pastor necessita olhar o pesar como um processo de mudança, do desequilíbrio para a restauração do equilíbrio e da vida com propósito. Se houver demora ou distorção nesse processo, poderá ocorrer o agravamento do problema.

Quando desconfio de que uma pessoa emperrou em algum ponto dessa caminhada, converso com ela. Normalmente, as pessoas sentem quando estão emperradas. Então, podemos identificar o obstáculo e determinar se é preciso buscar ajuda especializada. Os pastores devem informar o sofredor sobre os benefícios dessa ajuda, não esquecendo de lhes assegurar a continuidade da assistência espiritual. A pessoa jamais deve se sentir descartada.

Recomendar um membro de igreja a um psicólogo ou psiquiatra, entretanto, exige certos cuidados. Por isso, os pastores devem ter uma lista de nomes confiáveis. Um bom especialista deve ficar contente, ao responder suas perguntas. Aqui estão algumas que você pode fazer:

  • Que tipo de clientes você prefere?
  • Recebeu treinamento para aconselhar casos graves?
  • Qual é sua abordagem, durante o aconselhamento ?
  • Quanto tempo gasta normalmente com os clientes?
  • Quais são suas credenciais?
  • Descreva sua visão sobre o relacionamento entre religião e saúde mental.
  • Sente-se incomodado com o fato de o pastor continuar assistindo seu cliente, durante o tempo em que ele estiver em tratamento?

Preenchidos os requisitos, faça os arranjos para o tratamento. Informe o conselheiro sobre as razões pelas quais você recomenda o paciente. Solicite que mantenha contato com você. Caso o paciente deseje que você o acompanhe no primeiro encontro, diga isso ao profissional e confirme sua presença.

O apoio do pastor e dos outros membros da congregação facilita a vida de quem atravessa o processo de sofrimento e dor, causados por alguma perda. Essa é a atividade mais compensadora do meu ministério. Minha oração é para que essa também seja sua experiência.

Referências:

  • 1 Andrew Blackwood, The Funeral (Philadel-phia: Westminster, 1942).
  • 2 William Miller e Kathleen A. Jackson, Practical Psychology for Pastors (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1995), p. 2.
  • 3 Therese Rando, Threatment of Complicated. Mourning (Champaign, IL: Research Press, 1993), p. 44.
  • 4 Ibid.
  • 5 Ibid., p. 12.