Aprenda com personagens bíblicos a lidar com o esgotamento emocional

A Organização Mundial da Saúde estima que, em breve, “os transtornos mentais atingirão cerca de 700 milhões de pessoas no mundo, representando 13% do total de todas as enfermidades”. No Brasil, dados do Instituto Nacional do Seguro Social revelam que “em 2014 essa instituição pagou auxílios-doença resultantes de transtornos mentais e comportamentais para mais de 220 mil pessoas”.1 São números expressivos que indicam quão intensamente esses problemas têm afetado os seres humanos.

Contudo, será que eles também afetam pessoas religiosas? Estariam os ministros de Deus imunes a esse mal do século?

Embora seja um líder no sentido daquele que “deve ser ouvido, acatado e seguido”,2 a função do pastor também está associada à ideia de utilidade e serviço, significando que ele é alguém que atua com o propósito de contribuir, orientar e cuidar.3 O ministro precisa fazer isso dando atenção, prioritariamente, ao âmbito espiritual de cada um, não se esquecendo de que cada pessoa está inserida em uma realidade que inclui outras práticas além das religiosas, e que enfrenta questões que vão além das necessidades espirituais.

Jesus Se referiu a Si mesmo como o “bom pastor” (Jo 10:11), a fim de transmitir o conceito de identidade de um líder com seu povo.4 Para Simão Pedro, Ele disse: “Pastoreie Minhas ovelhas” e, ainda, “apascente Minhas ovelhas” (Jo 21:16, 17). Valendo-se de uma imagem bem conhecida por Seus discípulos, Ele lhes transmitiu a preciosa lição acerca daqueles que lideram.

Ellen G. White escreveu: “O pastor cuidava de seu rebanho dia e noite. Durante o dia guiava-o às pastagens verdes e agradáveis, às margens do rio, através de colinas rochosas e florestas. À noite vigiava-o, guardando-o do ataque de animais selvagens e de ladrões que sempre rondavam por perto. Com ternura cuidava das ovelhas fracas e doentes. Tomava os cordeirinhos em seus braços e os levava no colo. […] O pastor ia adiante de suas ovelhas e enfrentava por elas todos os perigos.”5 Se uma delas se perdia, ele enfrentava os riscos da noite, os temporais, percorria vales e montanhas sem descansar, até que a perdida fosse encontrada.

O cuidado pastoral é uma experiência de encontro e se dá num movimento de reciprocidade e de intersubjetividade. Portanto, ele consiste em relações interpessoais que muitas vezes se caracterizam por circunstâncias nas quais se “tem por objetivo prestar ajuda a indivíduos que se encontram predominantemente frustrados e insatisfeitos, no sentido de recuperar suas realizações e seu bem-estar”.6 Nesses encontros, o significado do existir, do agir, do modo de pensar a vida e as convicções do pastor e do membro se entrecruzam, ora se aproximando ora se distanciando, mas sempre em busca de resultados que promovam o bem-estar.

Vítimas do esgotamento

De modo geral, bem-estar é entendido como estado saudável de condição física, mental, emocional, social e espiritual.7 Saúde mental é um estado de equilíbrio no qual “um indivíduo utiliza suas habilidades para lidar com as tensões normais da vida, trabalhar de forma produtiva e fazer contribuições à sua comunidade”.8 É a condição necessária para que as pessoas tenham capacidade de pensar, emocionar-se, interagir e cuidar dos diversos âmbitos da vida.

Por sua vez, o esgotamento mental é debilitante e se caracteriza a partir do acúmulo de problemas, dificuldades, obrigações e frustrações que promovem desequilíbrio emocional. Problemas domésticos, remorsos por pecados cometidos e a crença em doutrinas errôneas também “desequilibram a mente”.9 O esgotamento prejudica “o desempenho da pessoa na vida familiar, na vida social, na vida pessoal, no trabalho, nos estudos, na compreensão de si mesmo e dos outros, na possibilidade de autocrítica, na tolerância aos problemas, e na possibilidade de ter prazer na vida em geral”.10 Seus sintomas podem ser variados, e geralmente incluem pensamentos negativos, alteração de humor, falta de ânimo, atitudes ríspidas e agressivas, depreciação dos relacionamentos familiares e pessoais, diminuição do gosto por atividades que antes eram consideradas prazerosas e, inclusive, reações psicossomáticas. Em algumas situações, o esgotamento mental pode provocar o desejo de morte, e mesmo o suicídio.11

Davi, quando sobrecarregado pela angústia de seus pecados e com sua mente esgotada por causa deles, gemia todo o tempo, sentia os ossos envelhecidos e desprezava a vida maldizendo o dia de seu nascimento (Sl 32:3, 4; 51:5). Talvez Elias também tenha passado por um episódio de esgotamento em razão das incertezas e dúvidas quanto ao futuro, reforçadas pela ameaça de Jezabel à sua vida.12
Isso foi tão intenso que ele desejou a morte (1Rs 19:4). Entretanto, eles se sentiram amparados pelo perdão e pela graça divina, e se restabeleceram. Após confessar seu pecado, Davi louvou ao Senhor,
regozijando-se porque Ele lhe restituiu a alegria (Sl 32:5, 11; 51:12, 10). Elias se alegrou no
Senhor. Deus não abandonou Seu servo fiel em sua hora de provação.13 Elias retornou ao seu ministério, enfrentou os desafios, superou as dificuldades, e um dia ascendeu “com os anjos de Deus à presença de Sua glória”.14

Qualquer pessoa está sujeita ao esgotamento mental e suas consequências; contudo, existe um grupo significativamente mais vulnerável a essa condição, formado por “aqueles que atuam em áreas onde lidam com angústias alheias”.15 Ao trabalhar com a tristeza, a ansiedade, o sentimento de culpa, a dor, a desesperança, a morte e outros eventos inerentes à condição dos outros, esses profissionais sentem as ressonâncias dessas situações. Estão, assim, em uma posição inigualável, na qual se conhece profundamente a condição humana,16 marcada pela ação do pecado que destituiu o homem da glória de Deus (Rm 3:23). Além de ser afetados, os prejuízos de sua situação se estendem aos que estão ao seu redor.

A angústia de Davi

No Salmo 27, Davi fez uma oração e apresentou um pedido: “que eu possa morar na Casa do Senhor por toda a minha vida” (v. 4). Ele havia sido um homem de muitos inimigos; pois, desde quando derrotou Golias (1Sm 17), muitos outros adversários de Israel foram enfrentados por ele. No entanto, quando Davi fez essa oração, o desafeto era alguém de sua própria casa, Saul, o rei de seu povo (1Sm 10:1, 24), seu próprio sogro (1Sm 18:20, 27).

Saul havia sido escolhido por Deus para atender a um clamor dos israelitas, que desejavam ter um rei “como todas as outras nações” (1Sm 8:5). “Ele não fez tentativas para manter pela força seu direito ao trono. Em seu lar, pacificamente se ocupou com os deveres de lavrador, deixando inteiramente a Deus o estabelecimento de sua autoridade.”17 Inicialmente, Saul evidenciou uma condição mental e emocional saudável e equilibrada, que refletiu em suas atitudes e comportamentos. Samuel derramou azeite sobre a cabeça de Saul e disse: “Não te ungiu, porventura, o Senhor por príncipe sobre a Sua herança?” (1Sm 10:1).18 Em certo sentido, o serviço de Saul era um pastoreio.

Deus lhe proporcionou um coração renovado e uma atitude mental orientada, que possibilitaram bem-estar a ele e a toda a nação que estava sob seus cuidados.19 Entretanto, passados alguns anos, Saul evidenciou uma condição mental distinta daquela inicialmente apresentada, o que afetou intensamente suas emoções e seu comportamento. Sobrecarregado por variadas situações, tornou-se presunçoso, impaciente, desanimado, incrédulo, inquieto, impulsivo, ansioso e angustiado. Suas faculdades se tornaram esgotadas, desequilibradas e pervertidas, e isso trouxe desagradáveis consequências sobre ele, sua família e toda a nação.20

O Senhor rejeitou Saul como rei, mas ele não aceitou nem reconheceu sua própria condição. Antes, buscou em Davi um “bode expiatório” para o que estava acontecendo, acusando-o de usurpador e traidor. Como consequência, decidiu matá-lo (1Sm 19:1). Saul sabia que Deus o havia abandonado e que a ascensão de Davi ao trono de Israel em seu lugar não era uma escolha humana, mas uma deliberação divina. Logo, pensar em Davi como um traidor era alimentar pensamentos distorcidos acerca da realidade.

Davi foi diretamente afetado pela inadequada condição do rei. Ele precisou fugir e deixar para trás sua casa, a esposa, os amigos e tudo de que desfrutava. Entretanto, encontrou na Casa do Senhor um lugar de paz (Sl 27). Saul não quis reconhecer sua condição nem buscar solução para ela e, por fim, tirou a própria vida (1Sm 31:4).

O exemplo de Pedro

Pedro foi outro personagem bíblico que viveu momentos de esgotamento mental e emocional. Os últimos dias haviam sido intensos: a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a ação popular aclamando seu Mestre, o Getsêmani, a fuga dos demais discípulos, tudo isso mobilizou suas estruturas psicoemocionais a ponto de sua fisionomia vividamente expressar abatimento.21 Assolado por pensamentos pessimistas e com medo de ser tratado como Jesus, Pedro negou ser um de Seus seguidores (Mt 26:69-74). Ao ouvir o galo cantar, lembrou-se das palavras do Mestre. Seu olhar encontrou o olhar de Cristo, e ele caiu em si (Lc 22:61).

Em angústia mental, Pedro se viu como um traidor ingrato, falso e teve o coração quebrantado a ponto de se sentir torturado, vagueando sem destino certo, envolvido por um impactante remorso. Ele chorou copiosamente, prestes a desejar a morte.22 No entanto, esse não foi seu fim. A Pedro foi concedida a oportunidade de sentir novamente paz mental. O contato com Jesus restabeleceu sua fragilizada condição, trazendo-lhe refrigério. “Embora parecesse a Pedro que tudo estava perdido, incluindo a si mesmo, o amor do Salvador o ergueu e o resgatou.”23 Anos depois, ele aconselhou: “Portanto, mantenham sua mente preparada; sede sóbrios e esperai inteiramente na graça” (1Pe 1:13).

Conclusão

O esgotamento mental pode levar o ministro a pensar que seu trabalho não é importante, suas relações são insignificantes, sua vida está cheia de injustiças e que sua própria existência não tem razão de ser. Muitas vezes, a insatisfação com a função que desempenha, a busca incessante por resultados, a falta de vinculação social duradoura e as frequentes angústias que outros lhe apresentam podem afetá-lo
significativamente. Por isso, o Mestre nos convida: “Vinde vós, aqui à parte, e repousai um pouco” (Mc 6:31). “Cristo é cheio de ternura e compaixão para com todos os que se acham a Seu serviço.”24

Atitudes preventivas também ajudam, como exercícios físicos, recreação, relacionamentos afetivos sólidos e atitudes positivas. Além disso, condutas recuperativas como reconhecer a condição de esgotamento, buscar apoios empáticos, recorrer aos serviços de um psicoterapeuta, reorganizar a dinâmica diária e estabelecer laços familiares e sociais significativos são fundamentais. Acima de tudo, e principalmente, estar com Jesus todo instante. 

Referências

  • 1 Carolina Sanchez Miranda, “Esgotamento Mental”, <linkedin.com>.
  • 2 Benedito Milioni, Dicionário de Termos de Recursos Humanos (São Paulo: Fênix, 2003).
  • 3 Eloy Anello, “Liderança moral”, em Núcleo de Pesquisa Sobre Governança Global (Porto Alegre, RS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010).
  • 4 Miroslav Kis, “Reavaliando a identidade pastoral”, Ministério, mai-jun 2004, p. 28-31.
  • 5 Ellen G. White, Vida de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), p. 75, 76.
  • 6 Yolanda Cintrão Forghieri, Psicologia Fenomenológica (São Paulo, SP: Pioneira, 2004), p. 319.
  • 7 ONUBR/OMS, <nacoesunidas.org>.
  • 8 SBIE, “Como identificar e diferenciar os sintomas do esgotamento físico e mental”, <sbie.com.br>.
  • 9 Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), v. 1,
    p. 59.
  • 10 Maia Prime, “O que é transtorno mental?”, <maiaprime.com.br>.
  • 11 Álvaro Roberto C. Merlo, “Sofrimento silenciado, patologia da solidão e suicídio no trabalho: a questão da atenção à saúde”, em O Sujeito no Trabalho: Entre a Saúde e a Patologia (Curitiba, PR: Juruá, 2013).
  • 12 Ellen G. White, Profetas e Reis (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014).
  • 13 Ibid.
  • 14 Ibid., p. 228.
  • 15 Marisa Graziela M. M. Vandevelde, “Esgotamento mental”, <marisapsicologa.com.br>.
  • 16 Rachel Naomi Remen, O Paciente Como Ser Humano (São Paulo, SP: Summus, 1993).
  • 17 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 612.
  • 18 Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia [CBASD] (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), v. 2, p. 526.
  • 19 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 613.
  • 20 Ibid., p. 627-630.
  • 21 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), p. 680.
  • 22 Ibid., p. 682.
  • 23 CBASD, v. 2, p. 573
  • 24 Ellen G. White. O Desejado de Todas as Nações, p. 343.