Transforme comunidades urbanas por meio do plantio de igrejas

Gerson P. Santos

Na antiguidade, a maioria das pessoas tinha um estilo de vida rural, dependia da agricultura e precisava caçar para sobreviver. Por volta de 1800, somente 3% da população mundial vivia nas cidades. Atualmente, a maior parte vive nos centros urbanos, que continuam aumentando rapidamente. De acordo com a ONU, o mundo está passando pela maior onda de crescimento urbano da história.1

Essa mudança radical nos desafia a encontrar a melhor forma de pregar o evangelho e ministrar nessas áreas de grande densidade populacional. Há aproximadamente 100 anos, Ellen G. White escreveu: “O trabalho nas cidades é a obra essencial para este tempo. Quando as cidades forem trabalhadas como Deus deseja, o resultado será colocar em ação um poderoso movimento como nunca foi testemunhado.”2 O rápido crescimento da população mundial, nos grandes centros urbanos, confirma o conceito de que a missão urbana é hoje mais necessária do que foi há um século.

Fazer discípulos

A grande comissão estabelecida por Cristo enfatiza de maneira inequívoca a ordem para fazer discípulos. O principal objetivo da grande comissão não poderá ser alcançado se discípulos não forem formados.3 Jesus desafiou Seus discípulos, e esse comissionamento também alcança cada um de nós. Ao aceitarmos o Salvador, aceitamos participar da grande comissão.4

Ser um discípulo é ser um seguidor de Cristo e, para segui-Lo, é necessário entender quem Ele é, conceitualmente e pessoalmente. O processo de discipulado é uma experiência individual. Ninguém se torna discípulo somente lendo um livro ou participando de um seminário sobre o assunto. Não funciona assim. O conhecimento de Deus vem por meio do relacionamento com uma pessoa, e essa pessoa é Jesus. Ao aceitarmos o convite de Cristo, iniciamos uma jornada que, finalmente, nos levará ao Céu. “E a vida eterna é essa que Te conheçam a Ti, como único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17:3).

O primeiro passo desse processo é passar tempo com o Mestre, sendo transformado pela contemplação. Somente depois dessa experiência pessoal, estaremos capacitados a testemunhar por Ele. Ao seguir esse caminho de crescimento para nos tornarmos discípulos, somos habilitados a capacitar outros. Jesus “escolheu doze, designando-os apóstolos, para que estivessem com Ele, e os enviasse a pregar” (Mc 3:14).

O evangelismo da amizade não é uma estratégia, é um modo de vida. A amizade está fundamentada em três ações: falar, ouvir e fazer coisas juntos. Para ser amigo de alguém, requer-se um mínimo de tempo. Além disso, exige-se energia emocional, e isso pode ser exaustivo. Felizmente, nem todos os que aparecem na lista de “amigos” de nossa rede social são amigos chegados. Seria impossível manter milhares de relacionamentos ao nível pessoal. Você já observou que, quanto mais contatos uma pessoa tem, mais superficial são seus relacionamentos? Tentar manter vínculo com o máximo possível de pessoas certamente provocará rupturas nas relações com aqueles que estão mais perto de nós.

Cristo usou a expressão “Siga-Me”, que atualmente é símbolo da maioria das redes sociais. Discipulado é um processo que está relacionado com o conceito de “seguir”. Na Bíblia, encontramos Jesus usando o “Segue-Me” para várias pessoas as quais chamou. Seu convite envolve um relacionamento pessoal, ainda que a tecnologia ofereça ferramentas e crie oportunidades para se envolver em testemunhar e alcançar pessoas dentro do nosso contexto local ou da comunidade global.

É perceptível como as pessoas que vivem nos grandes centros urbanos têm necessidade de amizades genuínas. Elas estão carentes de relacionamentos com pessoas reais, que se importam o suficiente para ser honestas e leais. Um exemplo dessa realidade é o ministério A Gente Cuida, que está ligado a uma igreja há pouco plantada na Vila Madalena, em São Paulo. Essa congregação surgiu da necessidade de desenvolver uma coordenação mais expressiva das várias atividades que estavam sendo realizadas na comunidade. Uma dessas atividades é o “Desabafa”.

Toda sexta-feira à noite, um grupo de jovens do A Gente Cuida se encontra na Avenida Paulista, centro financeiro da capital, e oferece um momento para aqueles que desejam “desabafar”. Eles disponibilizam um banquinho para os transeuntes sentarem e começam uma conversa descontraída para os que desejam descansar e dialogar um pouco. Certa noite, um jovem que havia perdido o pai e estava desapontado com Deus e com religião, parou e desabafou por muito tempo com um dos integrantes do grupo. Quando chegou em casa, naquela noite, ele orou: “Deus, se o Senhor existe, eu ouvi Sua voz hoje por meio daqueles jovens na rua.” Atualmente, ele participa e ajuda em um dos pequenos grupos do projeto A Gente Cuida.

As pessoas, em geral, são constantemente distraídas por ruídos à sua volta. Correndo de um lado para outro, os relacionamentos têm a tendência de se tornarem extremamente superficiais. Jesus está à procura de discípulos comprometidos que estejam dispostos a construir relações verdadeiras com aqueles que estão ansiosos por essa experiência autêntica. Enquanto a sociedade se torna cada vez mais tecnológica, aumenta a necessidade de relacionamentos genuínos.

A missão da igreja

A grande comissão é a nossa missão (Mt 28). Nosso chamado é para fazer discípulos. O alvo de cada discípulo é formar novos discípulos. O processo de discipulado e desenvolvimento espiritual é aperfeiçoado por intermédio do relacionamento pessoal. Ele é mais eficiente quando ocorre em grupos, pequenos grupos, que podem promover diversidade, reconhecendo diferenças pessoais.

Três ou quatro pequenos grupos que estejam conectados com os mesmos valores de crescimento espiritual e concentrados em servir a comunidade podem se unir para formar uma nova congregação. Uma igreja nova é mais eficiente para fazer novos discípulos, recebê-los e assimilá-los também. Isso nos mostra que plantar novas igrejas é um método evangelístico eficiente. Além disso, mantém os recém-batizados e evita a apostasia.

A Bíblia usa a palavra igreja pelo menos de duas formas. Quando usada no sentido geral, refere-se ao povo redimido de Deus em todos os lugares e tempos (Mt 16:18; 1Co 12:28; Ef 1:22, 23; 3:10). Num sentido particular, igreja se refere a uma assembleia ou congregação local (1Co 1:2; 1Ts 1:1).5

Geralmente, ouvimos a pergunta: “Onde fica sua igreja?” Embora igreja, como povo de Deus, não seja um edifício, as Escrituras usam várias metáforas para descrevê-la: corpo, edifício, templo, entre outras. Assim é muito comum as pessoas descreverem “o edifício da igreja” como sendo a igreja. Outras vezes, referimo-nos à igreja como sinônimo de serviço religioso: “Que hora é sua igreja?”, tomando o serviço religioso como igreja.

Talvez fosse melhor utilizar uma nova expressão como povo de Deus ou comunidade de crentes para descrever as pessoas, e não confundir com o serviço religioso ou edifício em que elas se reúnem. Principalmente porque a igreja apostólica não se encontrava em edifícios grandes, e sim nas casas dos recém-convertidos. Sendo assim, conforme o modelo bíblico, um prédio pode ajudar numa variedade de atividades oferecidas pela igreja, mas tê-lo não é requerimento para existência de uma.

De modo geral, todas as organizações religiosas procuram promover o bem e a justiça; entretanto, a igreja não tem um fim em si mesma e sua missão é cumprir o propósito divino de continuar a obra que Jesus Cristo iniciou, “buscar e salvar o perdido” (Lc 19:10). Assim, a igreja “foi organizada para servir, e sua missão é levar o evangelho ao mundo”.6 Portanto, podemos afirmar que a igreja não tem uma missão, a missão tem uma igreja. Ela não é um aquário de santos, mas um hospital de pecadores. Às vezes, até a equipe do hospital fica doente! Embora o hospital não dispense ninguém por estar doente, pode dispensar aquele que não está disposto a ser tratado.

O que compõe a igreja

A palavra igreja, do grego, ekklesia, em seu sentido original, referia-se simplesmente a um ajuntamento de pessoas; literalmente, chamados para fora. Jesus deu um significado espiritual a esse termo para descrever Seu povo. É interessante ressaltar que o modelo bíblico de igreja era muito simples; porém, o modelo de discipulado requeria alto comprometimento. Atualmente, temos um modelo complexo de igreja, que requer elevado custo de investimento e praticamente não se espera nada do membro (nem falamos em discípulo). A maior expectativa é de que o membro não faça nada de errado, e seja alguém exemplar.

Nossa primeira conclusão quando pensamos em igreja, de acordo com o modelo bíblico, é de que o termo se refere a pessoas, não a lugares nem edifícios. O Novo Testamento também não proíbe que a igreja se reúna em outro lugar que não seja uma casa. Mais importante do que o local do encontro, é o fato de que a igreja deve estar concentrada na missão. “Para ser considerada cristã, a igreja deve continuamente examinar-se para que não se torne uma instituição centralizada em si mesma, ou em seu edifício, ou mesmo em sua doutrina. A igreja de Cristo é centralizada Nele e concentrada nas pessoas.”7 É um grupo de cristãos chamados para aprender a amar a Deus e uns aos outros, revelar esse amor ao mundo, de onde foram chamados, e convidar outros para que se unam ao povo do Senhor. A igreja deve ser um oásis, um lugar de cura para as dores da vida.

O apóstolo Paulo escolheu iniciar novas congregações em cidades estratégicas. Em sua segunda viagem missionária, ele estabeleceu uma igreja em Tessalônica, e ela se tornou um modelo para outras (1Ts 1:7-8). Peter Wagner declarou que plantar igrejas é o mais eficiente método evangelístico. Ellen G. White também afirmou: “Igrejas devem ser plantadas. […] Não deveria haver pedidos para que pastores fixos fossem colocados em nossas igrejas […] a igreja deve ser educada e capacitada para fazer um trabalho eficiente. Seus membros devem ser obreiros cristãos, devotados ao Senhor”.8

Para que isso se torne realidade, igrejas grandes ou centrais de distritos devem se tornar centros evangelísticos e de treinamento de obreiros, facilitando o processo de multiplicação de novas congregações. Os pastores devem ser treinadores e capacitadores, enquanto os anciãos devem fazer a obra pastoral local, cuidando do rebanho. Esse parece ser o modelo de igreja do Novo Testamento e também o sistema pelo qual o movimento adventista experimentou rápido crescimento em seu início. Como ouvi recentemente, “a igreja apostólica cresceu rapidamente porque não tinha membros, somente discípulos.”

Assim, como todos são chamados para ser discípulos, todo discípulo pode se tornar um plantador de igrejas. Nossas diferenças de estilo, personalidade e dons espirituais afetarão o tipo de igreja que iremos plantar e nossa função dentro dessa nova congregação. Tal igreja será um ambiente propício para a formação de novos discípulos e sua assimilação no corpo de Cristo.

Recentemente, visitei o pastor Tim Madding. Ele está desenvolvendo um projeto inovador dentro de nosso modelo eclesiástico, estabelecendo uma nova congregação em Silver Spring, Estados Unidos. Segundo Madding, esse projeto recém-iniciado não é uma nova igreja no sentido de criar toda a estrutura de liderança, departamentos e diferentes comissões. Eles estão utilizando um modelo multisite de plantio de igreja, o que favorece a maximização de recursos locais nos serviços oferecidos à comunidade. Tem o objetivo de alcançar pessoas que estejam desconectadas da igreja ou procurando uma oportunidade para ser mais ativas, fazendo a diferença na comunidade.

Jesus declarou a Seus discípulos: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. Peçam, pois, ao Senhor da colheita que envie trabalhadores para a Sua colheita” (Mt 9:37-38). Sem dúvida, a seara é muito grande, e “a essência da chuva serôdia não pode vir até que a maior parte da igreja esteja […] trabalhando com Deus”.9 Não fomos chamados neste tempo para fazer um trabalho mais eficiente; fomos chamados para concluir a missão. 

Referências

  • 1 United Nations Population Fund, “Urbanization”, <unfpa.org>, outubro de 2016.
  • 2 Ellen G. White, Ministério para as Cidades (Tatuí, SP: CPB, 2012), p. 9.
  • 3 C. Peter Wagner, Strategies for Church Growth, (Ventura, CA: Regal Books, 1987), p. 50.
  • 4 Ellen G. White, Letter 262, 1903, <egwwritings.org>.
  • 5 The Ministerial Association, Elder’s Handbook (Silver Spring, MD: General Conference of Seventh-day Adventists, 1994), p. 13.
  • 6 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, <egwwritings.org>, p. 9.
  • 7 The Ministerial Association, p. 15.
  • 8 Ellen G. White, Important Testimony, 1903, PH038, <egwwritings.org>.
  • 9 Ellen G. White, Review and Herald, 21/07/1896, <egwwritings.org>.