Lições dos ofícios israelitas do Antigo Testamento para líderes do século 21

No Antigo Testamento, é possível encontrar quatro modelos de liderança que servem de inspiração para o ministério pastoral: sacerdotal, monárquico, profético e sapiencial. A percepção e integração equilibrada dessas referências provê uma base bíblica para a compreensão e o exercício do ministério pastoral.

Modelo sacerdotal

Na dedicação do sacerdote ao serviço do santuário encontramos alguns princípios teológicos que devem nortear aspectos importantes do ministério pastoral. Dois deles se destacam. Em primeiro lugar, era requerida pureza dos que oficiavam no tabernáculo israelita. No rito de consagração ao sacerdócio, Deus ordenou que Arão e seus filhos fossem lavados com água (Lv 8:6), para posteriormente receberem o sangue do sacrifício sobre a ponta da orelha direita, do polegar da mão direita e do polegar do pé direito (Lv 8:23). Isso significava que o ouvir, o agir e o andar do sacerdote deveriam ser dedicados completamente a Deus.

Esse ato simboliza a pureza de caráter exigida dos que servem ao Senhor e sua igreja. Vivemos neste mundo impuro e somos atacados com diversos apelos ao pecado e às mais baixas paixões carnais. A pornografia veiculada na internet tem destruído lares e ministérios. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma organização com o propósito exclusivo de ajudar pastores viciados em pornografia virtual. Nunca devemos nos esquecer de que o virtual é apenas o primeiro passo para o real, material e físico. O modelo sacerdotal aponta para o compromisso inalienável com a pureza ética e moral daqueles que ministram em nome de Deus.

O segundo aspecto é derivado do rito de derramar o óleo da unção sobre o tabernáculo, seus móveis, e também sobre a cabeça de Arão e seus filhos (Lv 8:12). Além disso, as vestes sacerdotais eram elaboradas com os mesmos tecidos usados para confeccionar as cortinas do santuário (Lv 39:1-5). Isso demonstrava a identificação entre os sacerdotes e a “tenda da congregação”. Assim, todos os aspectos e dimensões da vida do sacerdote estavam ligados à realidade do santuário e seus ministérios. A implicação disso é clara: o verdadeiro pastor está identificado e comprometido com a missão da igreja que o chamou para o serviço.

Modelo monárquico

O segundo modelo encontrado no Antigo Testamento que serve de inspiração para o ofício pastoral vem da instituição da monarquia. Ele traz contribuições para as áreas de liderança e administração eclesiástica. Cabe ressaltar, porém, que o modelo monárquico, de acordo com o ideal bíblico, não se fundamenta no uso arbitrário do poder e da autoridade, mas na submissão incondicional do rei à vontade de Deus revelada em Sua Palavra. Em Israel, diferente do que ocorria em outras nações do antigo Oriente Médio, o rei não era divino e não estava acima da lei; ao contrário, era submisso a ela. No contexto da Bíblia, o monarca ideal é aquele que pauta sua administração pela justiça e pela obediência a Deus.

O ministério requer acurado senso de administração e liderança. É necessário dirigir comissões, elaborar e executar planos, coordenar a construção de igrejas e escolas e ainda motivar pessoas para cumprirem metas e programas. Essas responsabilidades podem dar a falsa impressão de que são seculares, ou menos espirituais do que outras tarefas pastorais.

Em síntese, o modelo monárquico nos ensina que as atividades administrativas devem ser executadas dentro dos parâmetros da vocação ministerial, em atitude de obediência e submissão aos princípios da Palavra de Deus.

Modelo profético

A terceira referência é o modelo profético. É difícil definir e explicar em poucas palavras a gama de atividades proféticas registradas no Antigo Testamento. Para simplificar, podemos dizer que os profetas eram porta-vozes de Deus, chamando o povo à renovação da aliança. Alguns chegam a afirmar que os profetas, principalmente os escritores, eram os promotores da aliança no sentido judicial da palavra. Em virtude disso, às vezes a missão profética era extremamente desconfortável, pois exigia do mensageiro entrega incondicional da vida nas mãos de Deus e obediência absoluta às Suas exigências. O profeta era visto por muitos como uma pessoa alienada e fora de sintonia com as tendências culturais. Enquanto o povo mergulhava na idolatria e o rei buscava alianças com nações pagãs, comprometendo a pureza da fé, cabia ao profeta repreendê-los em nome do Senhor.

Alguns profetas receberam a incumbência de personificar a mensagem a ser pregada: Jeremias foi instruído a não se casar (Jr 16:2); Ezequiel foi proibido de lamentar a morte da esposa (Ez 24:16) e Oseias precisou casar-se como uma prostituta. Outros pagaram com a própria vida o preço de sua lealdade à missão. Por isso, não é de admirar que alguns profetas tenham recebido o chamado para o ministério com extremo desconforto. Jonas, a princípio, fugiu do chamado. Isaías exclamou: “Ai de mim porque sou impuro e habito no meio de um povo impuro”. Contudo, quando Deus perguntou: “A quem enviarei?”, ele respondeu: “Eis me aqui, envia-me a mim” (Is 6:8). Ao receber o chamado, Jeremias exclamou: “Ah! Senhor Deus! Eis que não sei falar, porque não passo de uma criança” (Jr 1:6). Entretanto, Deus não deu opções ao profeta.

A alegria de alguns ao receber o chamado para o ministério parece demonstrar que eles não conhecem as responsabilidades e os desafios do pastorado. Alguns correm o risco de ver o ministério como uma escada para a ascensão social. Outros ambicionam liderar um departamento ou uma posição administrativa na Obra de Deus. Um pastor com esse espírito será infeliz, fará outros infelizes e trará opróbrio à causa do evangelho.

A dimensão profética do ministério é uma advertência. Nem sempre o pastor estará na igreja ou na cidade de seus sonhos. Talvez ele seja chamado a exercer o ministério em lugares inóspitos e de poucos recursos. Em consequência, isso demandará sacrifícios que vão incluir sua família. Foi assim com Amós. Ele era natural de Judá, mas Deus o comissionou a exercer seu ministério no reino do Norte. Em uma de suas pregações, ele confrontou Amazias, um falso profeta profissional pago pelo rei para dizer-lhe o que queria ouvir. Amazias ficou incomodado com Amós e ordenou-lhe: “Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza.” Amós respondeu: “Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boieiro e colhedor de sicômoros. Mas o Senhor me tirou de após o gado e o Senhor me disse: Vai e profetiza ao meu povo de Israel.” Como Amós, o pastor deve ter consciência do seu chamado e estar pronto para servir onde Deus mandar.

Modelo sapiencial

Os sábios do mundo antigo geralmente ficavam no palácio dos reis e serviam como conselheiros. Em Provérbios, eles são mencionados como aqueles que ensinam por meio de enigmas e parábolas. A Bíblia menciona, entre outros, os sábios do Egito, a mulher sábia de Tecoa, Daniel e, mais do que qualquer outro, Salomão, o rei que recebeu do Senhor a sabedoria como dádiva especial. Nas Escrituras, uma seção toda é dedicada à literatura sapiencial. Nela estão os livros de Jó, Provérbios e Eclesiastes. Além disso, vários salmos são considerados sapienciais, começando com o Salmo 1. Esse texto chama de bem-aventurado aquele que tem “prazer […] na lei do Senhor”, e medita nela “de dia e de noite” (Sl 1:2).

Em Provérbios, Salomão dá este conselho que se aplica a pastores contemporâneos: “Filho meu, se aceitares as minhas palavras e esconderes contigo os meus mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido e para inclinares o coração ao entendimento, e, se clamares por inteligência, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus. Porque o Senhor dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o entendimento” (Pv 2:1-6).

O modelo sapiencial provê um corretivo para a visão pragmática que reduz o ministério pastoral ao serviço prático e considera a atividade intelectual como sendo de menor importância. Na cosmovisão bíblica, servimos a Deus não somente com as mãos, mas também com o intelecto. Um pastor não deve se contentar com a estagnação intelectual. Deve se dedicar a ler e a compreender os escritos inspirados, bem como a investir tempo e recursos na aquisição e leitura de bons livros. Assim, a igreja será corretamente alimentada por pastores sábios, e não por líderes obtusos que não fazem mais do que entreter a congregação com as últimas piadas retiradas da internet.

O modelo perfeito

Ao lançarmos um olhar panorâmico sobre o Novo Testamento, percebemos que na pessoa e no ministério de Jesus todos esses modelos se encontram e se cumprem. Cristo é o Sumo-Sacerdote por excelência, como afirma a Carta aos Hebreus. Cristo é o Rei que procede da linhagem davídica, como revelado na genealogia apresentada em Mateus. Cristo é o Profeta, cuja missão incluiu o cumprimento
do ofício profético. Não nos esqueçamos do
sermão escatológico (Mt 24), em que Ele descortinou diante dos discípulos uma visão apocalíptica da história. Cristo é o Sábio. As muitas parábolas registradas nos evangelhos ecoam a sabedoria do Antigo Testamento.

Jesus Cristo é o modelo perfeito para inspirar e nortear nosso pastorado. O apóstolo Paulo compreendeu o ministério como uma extensão da morte e ressurreição de Cristo. Portanto, isso implica morte diária para as coisas mais cobiçadas pela nossa cultura e aumento diário da presença de Jesus entre nós.

Com uma visão cruciforme de ministério, fazia sentido para Paulo exortar suas congregações a não “desanimar”. As dificuldades do pastorado não decorrem do clima cultural em que ele é vivenciado. Tanto as tristezas quanto as alegrias são consequências do próprio ministério. Elas ocorrem como inevitável subproduto de uma conexão orgânica do pastor com a morte e ressurreição de Jesus. Ninguém que diz “fui crucificado com Cristo” pode atribuir suas lutas ou vitórias ao contexto sócio-político em que exerce o pastorado.

À primeira vista, a teologia cruciforme do ministério parece um fardo para o pastor. Contudo, em realidade, ela o liberta das normas convencionais de sucesso, felicidade ou poder. A ênfase na cruz e na ressurreição não é a fonte de aflição do ministro. De fato, é seu meio de libertação, pois fornece um centro de gravidade que mantém o ministério girando ao redor de Cristo. Um pastor é um generalista não por ser membro de uma profissão útil, mas porque o crucificado e ressurreto o libertou para aplicar o evangelho a toda e qualquer circunstância. A glória do ministério vem da redenção realizada em Jesus Cristo. Graças a Ele, o chamado que ouvimos não é apenas “Onde estás?”, mas também “Segue-me!”.

Ao seguir a Cristo como Sumo-Sacerdote no Santuário Celestial, ao submeter-se a Ele como Rei e Senhor, ao seguir às instruções do maior de todos os profetas, ao receber na vida a Sabedoria de Deus, o pastor se torna apto a exercer um ministério cujos resultados não serão aprovados somente por líderes humanos, mas pelo Cordeiro de Deus, o Supremo Pastor (1Pe 5:4). Quando adentrarem os portais da Nova Jerusalém, os verdadeiros ministros estarão acompanhados das multidões que eles tiveram a oportunidade de conduzir ao Senhor.