Como implementar ministérios de acordo com os dons na igreja local
No livro Message, Mission and Unity of the Church, Denis Fortin explica que o Novo Testamento demonstra com facilidade que o Espírito Santo é o responsável pelos vários ministérios da igreja. Ele ainda acrescenta que “a obra e atividade do Espírito Santo não podem ser circunscritas a um método radical para as atividades existentes”.1 Com isso em mente, quando falamos acerca da transformação de uma congregação numa comunidade que implemente seus respectivos ministérios, talvez venha à mente a ideia de que precisamos nos desfazer dos departamentos existentes, criando, assim, uma nova estrutura de funcionamento. Contudo, esse não é o propósito deste artigo.
É importante nos lembrarmos de que os departamentos constituem uma estrutura que beneficia o funcionamento congregacional em muitos aspectos. Eles foram organizados ao longo dos anos visando suprir as mais diversas necessidades da igreja. Por isso, minha intenção é sugerir alternativas para que os departamentos considerem a inter-relação entre os dons de seus membros e seus respectivos ministérios, a fim de promover a missão da igreja.
Do departamento ao ministério
Na Bíblia, a maioria das passagens que destacam os dons espirituais (Rm 12:4-8;
1Co 12:2-11, 27-31; Ef 4:7-16; 1Pe 4:8-11) compara a igreja ao “corpo humano”, no qual todos os membros possuem uma função específica. A intenção é mostrar o funcionamento orgânico regido por diferentes dons e ministérios. De acordo com Efésios 4, quando todos os membros do corpo trabalham corretamente, ele é edificado segundo a unidade e estatura de Cristo (Ef 4:13).
Diante disso, precisamos compreender claramente que, enquanto os membros da igreja não descobrirem seu propósito pessoal no reino de Deus, sua vida como cristãos não terá sentido algum. Eles apresentarão rápidos sinais de desânimo e estarão cada vez mais próximos da apostasia. Assim, um membro só poderá descobrir sua função a partir do momento em que identificar claramente seu dom e, por conseguinte, o ministério específico em que deve servir. De fato, a maioria dos cristãos não está preocupada com a aplicação de seus dons na missão apenas porque não foi educada para isso. Portanto, devemos aproveitar urgentemente essa grande quantidade de talentos desperdiçados.
Nesse contexto, os líderes de departamento exercem um papel fundamental para que os membros coloquem em prática seus respectivos dons e, com efeito, seus ministérios. A fim de alcançar esse objetivo, é necessária uma mudança na maneira de conduzir o departamento. Para que haja a transição do conceito de departamento, num sentido restrito e meramente administrativo, para ministério, o diretor precisará: 1) ter consciência de que sua eleição à liderança tem por objetivo auxiliar os crentes de sua igreja na descoberta de seus dons específicos, a fim de aplicá-los em seu ministério e; 2) reconhecer que sua responsabilidade é planejar atividades, levando em conta os dons individuais de cada membro, em vez de preparar programas à igreja. Em última análise, sua incumbência é discipular seus companheiros para que desenvolvam suas competências.
Por exemplo, o Ministério da Mulher não se constitui um ministério apenas por receber esse título. Se a diretoria contribuiu para ajudar as mulheres a exercerem seus próprios ministérios, pode sim, ser considerado um ministério. Entretanto, se após um tempo de trabalho, as mulheres da igreja apenas acompanharam as atividades desenvolvidas pela diretoria, se seus dons não foram descobertos, nem desenvolvidos nem aplicados em ministérios; se elas continuaram ociosas, então, não pode ser genuinamente considerado um ministério, e sim um departamento. Para ser um ministério legítimo, as mulheres da igreja devem ser treinadas para descobrir em quais tarefas específicas elas poderiam atuar de acordo com seus dons e as necessidades locais.
Contudo, a partir do mesmo exemplo acima, poderíamos indagar: quais seriam os ministérios específicos atribuídos às mulheres? De fato, essa pergunta só poderá ser respondida à luz das necessidades e aptidões de cada uma dentro de seu contexto como igreja. De maneira mais genérica, poderíamos inseri-las em atividades que previnem a gravidez na adolescência, em estudos bíblicos, trabalhos individuais com pessoas depressivas, visitação de doentes, educação culinária, alfabetização de adultos, atendimentos psicopedagógicos, entre outras ações. A simples existência de um Ministério da Mulher, com todas as suas funções administrativas preenchidas, não representa um acréscimo real à missão. Isso pode ser dito em relação a todos os outros departamentos da igreja local. À luz de
1 Coríntios 12:4-6, cada departamento deve envolver os membros em atividades regidas por seus ministérios específicos, a partir do conhecimento de seus dons pessoais.
Os líderes dos departamentos poderão produzir um impacto na missão somente se assumirem sua função como pastores-mestres, o que inclui pastoreio e ensino. Que tipo de ensino? Acerca dos dons espirituais e dos ministérios. Deve haver uma união de forças entre todos os líderes para que os membros estejam envolvidos na missão. Essa realidade ocorrerá apenas quando as habilidades individuais forem identificadas e aplicadas nos respectivos ministérios.
Nesse sentido, qualquer atividade promovida pela igreja que envolva os membros na missão, por generalizada ou coletiva que seja, assume uma característica individual. Isso ocorre justamente porque o membro possui uma função exclusiva no reino de Deus, embora seja orientado coletivamente. Assim, além dos trabalhos missionários convencionais como distribuir folhetos, visitar ou dar estudos bíblicos, existem muitas outras atividades que podem ser realizadas a partir de competências pessoais que, muitas vezes, não costumam ser encaradas como ferramentas para a missão. Por exemplo, se um determinado grupo de pessoas quiser evangelizar crianças de uma comunidade, ele poderá fazer uso de trabalhos com encenação de bonecos e, a partir daí, após conquistar a simpatia delas, apresentar algum conteúdo bíblico. Desse modo, ambas as atividades estarão envolvidas na missão.
Departamento (tradicional) | Departamento (ministérios) |
Os líderes desenvolvem as atividades sem levar em conta os dons. | Os líderes veem nos dons a base para o desenvolvimento de todas as suas atividades. |
O foco principal está nas atividades. | O foco principal está nas pessoas. |
O diretor faz e os membros observam. | Os membros atuam e o diretor, sua equipe e o ancião conselheiro coordenam o que os membros fazem. |
O importante é que o diretor, sua equipe e o ancião conselheiro exerçam seus próprios dons e ministérios. | O importante é que os membros exerçam os dons e ministérios deles. |
A meta reside no trabalho da diretoria. | A meta reside no trabalho dos membros em geral. |
Não há preocupação em tirar as pessoas da inatividade. | A preocupação é o envolvimento de todos na missão. |
Não há interesse na descoberta dos dons e ministérios individuais dos membros. | Há um profundo interesse em descobrir os dons e em desenvolver os ministérios dos membros da igreja. |
O membro da igreja não sabe sua função no plano divino para a igreja local. | O membro da igreja sabe qual é sua função na estrutura missionária da igreja local. |
O diretor trabalha de forma independente ou departamentalizada em relação aos demais cargos. | O diretor trabalha interligado aos demais líderes, pois todos estão buscando o desenvolvimento dos dons dos membros para a ministração de necessidades específicas na missão. |
O diretor não visa ao desenvolvimento individual dos membros. | O diretor busca identificar na igreja todos os membros que têm dons e ministérios que se afinam com o departamento que ele dirige. |
Cada diretor pensa só em si e no que gostaria de realizar. | Os diretores se tornam apoiadores dos ministérios dos membros. |
Grande índice de apostasia. | Diminuição da apostasia. |
As atividades são planejadas baseadas no pensamento dos líderes. | As atividades são planejadas com o objetivo de suprir necessidades locais. |
Enquanto a igreja estiver estritamente interessada em concentrar seus esforços e atenção nos métodos de evangelização convencionais, ela conseguirá envolver apenas uma porcentagem mínima de seus membros que, na maioria dos casos, sempre está envolvida com alguma atividade na congregação. A fim de que todos estejam engajados na missão utilizando seus dons particulares, é necessária a conscientização sobre a existência de ministérios específicos que, embora pessoais, contribuem para o desenvolvimento do corpo de Cristo. Evidentemente, não estou alegando que a igreja necessite abandonar o funcionamento de seus ministérios convencionais, pelo contrário: é necessário torná-los cada vez mais funcionais, contando com os dons específicos de cada membro. Se isso não ocorre, todas as possibilidades de engajamento dentro da missão ficam limitadas e, por consequência, o crescimento da igreja é comprometido.
Liderança e crescimento
Estudos demonstram que as igrejas que experimentam crescimento significativo de seus membros costumam capacitá-los a desenvolver seus respectivos ministérios, tanto nas atividades eclesiásticas quanto na comunidade em que estão inseridos.2
Mike Regele e Mark Schulz enfatizam que “ao contrário da maioria das instituições, a igreja não pode limitar sua atenção a certos grupos de pessoas”.3 Por sua vez, Bill Hybels destaca que a razão para o crescimento da igreja e a manutenção de seus membros é justamente a estrutura organizada para o desenvolvimento de ministérios que facilitem a assimilação de novos crentes. Para ele, é essencial motivar as oportunidades para o discipulado, expandir as opções de serviço e formar novos líderes.4 Dessa forma, segundo Hybels, dos sete passos estratégicos que identificam uma igreja que cresce, um deles corresponde a “realizar os ministérios de acordo com os dons espirituais”.5 Por último, Christian Schwarz também destaca os ministérios orientados pelos dons, como marca fundamental para a expansão natural da igreja.6
No contexto adventista, o livro Nisto Cremos afirma: “Aqueles que recebem os dons espirituais devem servir especialmente o grupo de crentes, treinando-os para os vários tipos de ministérios, de acordo com os dons recebidos. Isso faz a igreja amadurecer, levando-a à plena estatura de Cristo. Esses ministérios incrementam a estabilidade espiritual da igreja.”7
Uma das dificuldades existentes quanto à implementação de ministérios de acordo com os dons está relacionada à liderança. Temos a necessidade de que os líderes selecionados para seus cargos compreendam que as pessoas envolvidas em seus departamentos devem utilizar os dons como resposta ao chamado de Deus.
Assim, pastores e líderes de uma congregação devem ajudar os membros a descobrir seus ministérios e, posteriormente, treiná-los a fim de que suas competências sejam colocadas em prática. Algumas breves sugestões para isso podem ser enumeradas:
1. O planejamento das ações da igreja, que envolve os membros, deve incluir os dons espirituais de cada um deles, quando possível.
2. Deve-se identificar as necessidades locais. É necessário que os líderes tenham conhecimento do ambiente social em que a igreja está inserida e, a partir do que pode ser realizado por seus membros, buscar atender positivamente às necessidades da comunidade.
3. Os membros precisam ter um conhecimento básico, claro e simples a respeito de como utilizar seus dons diariamente, em conformidade com a experiência da igreja apostólica.
4. Os líderes necessitam estar conscientes de que não devem trabalhar sozinhos. Eles têm apenas o papel de facilitadores para que os membros, sob sua responsabilidade, coloquem em prática o que podem realizar de melhor para o reino de Deus.
Conclusão
Os membros da igreja precisam estar cientes de como cruzar a ponte entre seus dons pessoais e os ministérios a eles relacionados. A menos que a liderança compreenda a importância individual de cada crente, a maioria deles não saberá como utilizar seus talentos para a missão. De fato, praticar uma atividade a esmo não significa exercer um ministério. Para que um serviço seja considerado um ministério legítimo, é necessário que ele seja exercido com base nos dons individuais. Muitos ministérios, contudo, poderão ser identificados a partir de atividades diárias, ou seja, de algo que estará comumente associado àquilo que é prazeroso ao membro. O dom individual de cada cristão esconde um ministério acalentado em seu coração e necessita ser expresso como serviço para o reino de Deus. Por isso, o trabalho não pode ser imposto, ou seja, determinado, sem considerar as aptidões dos membros e as necessidades da comunidade local.
Por fim, quando ajudamos outros a descobrir seus dons e aplicá-los em ministérios, não estamos apenas auxiliando-os no crescimento espiritual, mas também crescendo em termos de maturidade cristã.8
Referências
- 1 Denis Fortin, “The Holy Spirit and the Church”, em Ángel Manuel Rodriguez (ed). Message, Mission and Unity of the Church (Hagerstown: Review and Herald Publishing Association, 2013), p. 320, 321 (itálico acrescentado).
- 2 Eddie Gibbs, Para Onde Vai a Igreja? (Curitiba: Editora Esperança, 2012), p. 23.
- 3 Mike Regele; Mark Schulz, The Death of the Church (Grand Rapids: Zondervan, 1995), p. 1.
- 4 Bill e Lynne Hybels, Redescobrindo a Igreja (São Paulo: Editora Hagnos, 2003), p. 169.
- 5 Ibid.
- 6 Christian Schwarz, O Desenvolvimento Natural da Igreja (Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1996), p. 22-38.
- 7 Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Nisto Cremos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 271.
- 8 Curtis James, Encountering God by Serving Others. Disponível em <npfcc.org>. Acesso em 30/12/2010.