Reflexões a partir de experiências de Ellen White
O tema referente ao “estilo de vida” tem gerado discussões entre os membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia ao longo do tempo. De acordo com R. K. Hayden, a discordância “[…] sobre qual tipo de música é aceitável, o uso de joias, estilo de vestuário, o que devo comer, qual tipo de recreação devo praticar […] têm nos dividido em dois campos”.1
No entanto, quando analisamos o assunto sob a perspectiva do remanescente de Deus, tal discussão aparece em uma moldura diferente daquela em que estamos acostumados a ver. Esse fato pode ser explicado à luz da compreensão quanto à origem e missão desse grupo especial de representantes de Deus na escatologia bíblica.
Vale lembrar que, apesar de todas as disputas sobre quem está certo ou errado, essa é a sétima e última igreja da profecia apocalíptica, Laodiceia (Ap 3:14-22), o povo descrito por Jesus Cristo como Seu “remanescente final”. Dessa forma, é necessário refletir sobre algumas questões.
1. Estamos atentos às tendências e ao impacto do secularismo sobre a Igreja Adventista?
2. Será que isso tem contribuído para fragmentar a igreja e desviá-la de seu curso profético?
3. Qual tem sido nossa estratégia para tratar dessas questões? Podemos delinear de forma clara o ponto de equilíbrio?
4. Quais são os instrumentos que promoverão a unidade em meio à diversidade de opiniões e culturas? Como devemos aplicar os conselhos da revelação profética de Deus?
Diante da necessidade de unidade entre o remanescente é preciso destacar a “regra áurea” do cristianismo: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas” (Mt 7:12). Se desejamos preservar nossa identidade, precisamos aprender a aplicar esse princípio.
Ellen White e o remanescente
O termo “remanescente” é empregado de diversas maneiras nos escritos de Ellen White. Diante de tal variedade, há uma dupla predominância em sua aplicação, que apresenta um caráter religioso e teológico. O termo “remanescente” aparece em seus escritos com expressões sinônimas, como “fiéis”, “fiéis filhos de Deus”, “povo de Deus”, “os que mantêm sua lealdade a Deus”, “um pequeno grupo” e “os santos”. As formas variadas do termo revelam que a autora atribuiu ao assunto um destacado valor em seus escritos.
Esse grupo fiel é a ferramenta atuante de Deus para resguardar e proclamar Sua revelação salvífica ao mundo nos últimos dias. Ellen White ainda menciona que, embora seja um povo frágil, “por intermédio dele Deus Se propõe a preservar na Terra Seu conhecimento bem como Sua lei. Eles são os guardiões do verdadeiro culto, os guardadores dos santos oráculos”.2
Ellen White e o estilo de vida adventista
A contribuição de Ellen White ao estilo de vida dos adventistas do sétimo dia exerceu forte influência na igreja e na sociedade. De acordo com Bull e Lockhart, “de todas as alternativas de estilo de vida
norte-americano, o adventismo do sétimo dia é uma das mais habilmente diferenciadas, sistematicamente desenvolvidas e institucionalmente bem-sucedidas”.3
Nossos pioneiros adotaram o método de estudar a Bíblia de forma sistemática durante o estabelecimento das nossas doutrinas. Algumas vezes, Deus concedia uma visão a Ellen White que contribuía para confirmar o consenso geral do grupo e remover as dúvidas daqueles que não haviam compreendido determinada crença. De acordo com George Knight, o mesmo princípio não se aplica ao “papel desempenhado por Ellen G. White na área do estilo de vida”.4
Muito embora atualmente os adventistas tenham a tendência de considerar as doutrinas e o estilo de vida em um mesmo patamar de importância, não foi assim em seus primórdios. A constituição dos padrões que formam o estilo de vida vieram de forma gradativa. No entendimento de Knight, talvez a diferença girasse em torno do fato de que a doutrina define a denominação.5 A doutrina, portanto, foi uma questão fundamental e recebeu muita atenção dos primeiros adventistas sabatistas. Por sua vez, alguns assuntos, como por exemplo, o estilo de vida, tornaram-se secundários.
Olhando por essa perspectiva, pode-se compreender que cada aspecto que forma o estilo de vida adventista tem uma função não meramente comportamental, mas missiológica. Assim, as questões relativas ao estilo de vida devem ser consideradas “meios” para pregar a doutrina no contexto da salvação.
Padrões comportamentais
Ao se analisar a função e o valor dos padrões comportamentais na formação do estilo de vida, pode-se identificar a existência de pelo menos três níveis: absoluto, temporal e cultural.
Padrões absolutos são regras que se aplicam em todos os tempos, a todas as pessoas e em todas as circunstâncias. Por exemplo: os dez mandamentos são exigências comportamentais absolutas. A cobiça é sempre algo errado. O adultério não é permitido. Adorar falsos deuses é idolatria. Essas regras se aplicam tanto na África quanto na Europa ou demais partes do mundo. Pessoas educadas precisam delas tanto quanto os iletrados.
Os escritos de Ellen White exaltam os padrões absolutos. Por meio deles, entendemos a justificação pela fé, o sacrifício de Cristo aceito por Deus em nosso favor e também a santificação. Esta última, é um processo vitalício no qual se aprende a viver de acordo com esses padrões absolutos. Enquanto olharmos para Jesus, Ele nos dará poder para superar constantemente os obstáculos e crescer na compreensão desses valores divinos.
Padrões temporais são obrigações para o povo de Deus em todo lugar, mas não para todos os tempos. Por exemplo, no Antigo Testamento, nenhum homem poderia se tornar judeu sem ter sido circuncidado. Todos os judeus, não importa onde morassem, celebravam a Páscoa. Hoje, porém, nem a circuncisão nem a observância da Páscoa são exigências para os cristãos.
Ellen White contextualizou questões dessa natureza em seu tempo. Elas incluíam o batismo por imersão, lava-pés e cerimônia da comunhão. O batismo é o meio oficial de entrada para a igreja. O lava-
pés, o uso de pão sem fermento e do suco da uva são mundiais no adventismo. Eles permanecerão até a segunda vinda de Cristo. No entanto, nenhum deles era obrigatório antes de Jesus vir à Terra.
Cada aspecto que forma o estilo de vida adventista tem uma função não meramente comportamental, mas missiológica.
Um exemplo interessante que se destacou durante as primeiras décadas do adventismo foi o da nomenclatura dos dias da semana. Ao comentar a respeito desse assunto, Gerald Wheeler destaca que os adventistas, assim como outros grupos conservadores, opunham-se a qualquer elemento que eles pensavam ter origem ou conotação pagã. Desse modo, até evitavam chamar os dias da semana pelo nome, porque esses derivam dos nomes de deuses pagãos. Por muitos anos, a Review and Herald usou apenas primeiro dia, segundo dia, etc. Atualmente, esse fato não provoca grande preocupação. Poucos veem isso como uma ameaça ao cristianismo ou ao adventismo.6
Padrões culturais representam práticas que podem ser locais ou mundiais. Às vezes, elas envolvem padrões temporais. Por exemplo, certo pastor, num sábado muito quente, pregou sem o paletó. Entretanto, disseram-lhe que, naquele lugar, era inadmissível pregar sem usar paletó e gravata. Padrões culturais costumam legislar a respeito de questões como vestimenta, entre outras. No passado, numa assembleia da Associação Geral da Igreja Adventista, foi proibido o uso de cavanhaques e bigodes. Contudo, na cultura atual, esses padrões não transmitem a mensagem negativa que transmitiam na cultura que os baniu.
Outra situação diz respeito ao uso da aliança de casamento nos Estados Unidos. Retirá-la do dedo era uma condição preliminar para o batismo na Igreja Adventista. O fato de a remoção da aliança não ser um consenso global na denominação é também significativo para o entendimento das normas e do estilo de vida no adventismo.
Ellen White se deparou com essa experiência quando seu filho William se casou com May Lacey, uma australiana. May e William trocaram alianças na cerimônia de casamento por causa do forte simbolismo para a família da noiva. Nessa ocasião, Ellen White apoiou a decisão da nora. Anos depois, quando o casal se mudou para os Estados Unidos, May deixou de usar a aliança em função de estar vivendo numa comunidade em que o assunto era visto de outra maneira.
Conclusão
Ao nos aproximarmos do desfecho da história humana, Deus concede a Seu povo orientações claras quanto ao valor e importância do estilo de vida. Conforme Ellen White afirma, é propósito divino nos levar de volta, “passo a passo, a Seu desígnio original”.7
No entanto, o remanescente continuará debatendo o tema do estilo de vida durante a caminhada. A tendência é de que essa questão se torne mais acalorada à medida que o tempo do fim se aproxima. Contudo, um coração compassivo e misericordioso servirá como imã para atrair as pessoas aos pés de Cristo, tanto os de fora quanto os de dentro. Assim, ocorrerá a verdadeira transformação que o Senhor deseja realizar em cada um de nós.
Quando o tema do estilo de vida se torna objeto de meros debates, em que opiniões pessoais passam a definir os padrões sem o aporte da revelação profética, surgem divisões entre o povo de Deus. Como consequência, perdemos nosso foco na missão da igreja.
Ao analisar o modo de promover o estilo de vida sem ter Cristo como centro, Hayden afirma que isso “não resultará em nada mais do que aumentar a população de fariseus na igreja”.8 Quando apresentamos o assunto sem ser cristocêntricos, contribuímos para a formação de cristãos que pensam e agem de forma polarizada e desequilibrada. Ellen White destaca que “Cristo não força, mas atrai as pessoas a Si. A única força que Ele usa é a do amor”.9 Ao abordar o risco de extremismo, a autora ainda afirma que “deveríamos assumir cada reforma com entusiasmo, mas evitando dar a impressão de que somos vacilantes e fanáticos”.10
A única segurança para o remanescente é conduzir a vida segundo os padrões estabelecidos por Deus em Sua revelação, jamais pelo modelo secular. Nesse momento escatológico, é preciso que o povo fiel seja guiado e governado por princípios sagrados, em vez de seguir as tendências, ideias e opiniões humanas. Ao destacar a influência do mundo sobre o remanescente, Ellen White declara: “A conformidade com o mundo é um pecado que está minando a espiritualidade de nosso povo, e prejudicando seriamente sua utilidade. Inútil é proclamar ao mundo a mensagem de advertência, enquanto a negamos nas realizações da vida diária.”11
Quando o tema do estilo de vida se torna objeto de meros debates, em que opiniões pessoais passam a definir os padrões sem o aporte da revelação profética, surgem divisões entre o povo de Deus. Como consequência, perdemos nosso foco na missão da igreja.
Vislumbrando o destino do povo de Deus, ao passar pelos últimos momentos da história, a autora afirma: “Estamos vivendo num tempo solene entre as cenas finais da história da Terra, e o povo de Deus não está desperto. Ele deve despertar e fazer maior progresso na reforma de seus hábitos de vida, alimentação, vestuário, trabalho e repouso. Em tudo isso deve glorificar a Deus, estar preparado para dar combate ao nosso grande inimigo e desfrutar as preciosas vitórias reservadas por Deus para os que exercem a temperança em todas as coisas, enquanto se empenham por alcançar uma coroa incorruptível.”12
Referências
- 1 R. K. Hayden, Life Styles of the Remnant – A Refreshing Look at the Principles of Christian Living (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2001), p. 25.
- 2 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: CPB, 1989), p. 677.
- 3 M. Bull e K. Lockhart, Seeking a Sanctuary – Seventh-day Adventism and the American Dream (Bloomington, IN: Indiana University Press, 1989), p. ix e 14.
- 4 George R. Knight, Uma Igreja Mundial – Breve História dos Adventistas do Sétimo Dia, (Tatuí, SP: CPB, 2000), p. 80.
- 5 Ibid.
- 6 G. Wheeler, “The Historical Basis of Adventist Standards”, Ministry, outubro de 1989, p. 9.
- 7 Ellen G. White, Eventos Finais (Tatuí, SP: CPB, 1995), p. 71.
- 8 Hayden, p. 30.
- 9 Ellen G. White, O Maior Discurso de Cristo (Tatuí, SP: CPB, 2009), p. 80.
- 10 Ellen G. White, Mensagens aos Jovens (Tatuí, SP: CPB, 2000), p. 559.
- 11 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: CPB, 1997), p. 127.
- 12 Ellen G. White, Testemunhos Seletos (Tatuí, SP: CPB, 1985), v. 3, p. 107.