Análise das declarações de Ellen G. White a respeito das funções do pastor

Quando estudamos a história da Igreja Adventista do Sétimo Dia, percebemos que vários pioneiros e líderes entenderam que o evangelismo público ou itinerante é o modelo de liderança pastoral. Entre esses estavam J. L. McElhany, I. H. Evans, Carly B. Haynes, A. G. Daniells e Roy A. Anderson. Na defesa dessa ideia, todos eles se apegavam a algumas declarações de Ellen G. White. Eis algumas dessas afirmações: “Depois de fazer uma viagem missionária, Paulo e Barnabé realizaram o roteiro visitando as igrejas que haviam edificado, e escolhendo homens para se unirem a eles no trabalho. Assim também os servos de Deus devem trabalhar hoje, selecionando e treinando jovens valorosos como cobreiros.”1 “Se nossos pastores em vez de pairarem sobre as igrejas para manter nelas o sopro da vida, fossem adiante com o trabalho para com aqueles que estão fora do rebanho, os que estão na igreja receberiam uma corrente vital do Céu ao ouvirem que pessoas foram levadas ao Cordeiro de Deus. Eles deveriam orar em favor dos obreiros, e suas orações seriam como uma foice afiada nos campos da colheita.”2

“Os pastores que estão pairando sobre suas igrejas, pregando àqueles que já conhecem a verdade, fariam melhor em ir a lugares que ainda estão nas trevas. A menos que façam isso, eles próprios e suas congregações vão se tornar anões espirituais.”3 “Não eduquem as igrejas a esperar constantemente auxílio pastoral […] Armados com a espada do Espírito, devemos ir à batalha, erguendo a palavra da vida e buscando salvar os perdidos.”4

Modelo pastoral

Por outro lado, a visão de que o pastor deve cuidar do rebanho foi defendida por líderes como H. M. S. Richards, J. D. Rhodes, Orley Berg, entre outros. Esses também encontraram apoio nos escritos de Ellen G. White,: “Estamos vivendo em um tempo muito solene. Todo o trabalho a ser feito requer diligência. Isso é especialmente verdade em relação ao trabalho do pastor, que deve cuidar e alimentar o rebanho de Deus.”5 “Seu trabalho não é meramente permanecer na escrivaninha. Ele apenas começa ali. Ele deve visitar as muitas famílias e levar Cristo até eles, levar seus sermões em suas ações e em suas palavras. Quando visitar uma família deve perguntar sobre sua condição. É ele o pastor do rebanho? […] Ele deve conversar com todos os membros, tanto na linguagem dos pais, como dos filhos. O pastor deve alimentar o rebanho do qual Deus o fez guardião.”6 “Deve ser um pregador, mas também deve atuar como pastor.”7

De acordo com os escritos da mencionada autora, o modelo pastoral de trabalho inclui a educação dos membros da igreja na fidelidade a Deus em todos os aspectos da verdade. “Tem havido negligência por parte dos pastores. Eles não têm apelado ao coração dos seus ouvintes a respeito da necessidade de ser fiel. Não têm educado a igreja em todos os pontos da verdade, nem trabalhado com zelo para trazê-los na disciplina e mantê-los interessados em cada ramo da Causa de Deus. Foi-me mostrado que se a igreja fosse educada adequadamente, eles teriam avançado muito mais do que sua condição presente. A negligência dos pastores tem tornado o povo descuidado e infiel. Os membros não sentem sua responsabilidade individual, mas desculpam a si mesmos por causa da negligência dos ministros em fazer o trabalho do pastor.”8

O pastor Arthur G. Daniells entendia que os pastores devem visitar suas igrejas
apenas de vez em quando, e empregar a maior parte do tempo no evangelismo público. Porém, falando à igreja em Vermont, Ellen G. White afirmou: “A igreja de Vermont não necessita simplesmente de pregadores que visitem as congregações, orem e exortem o povo ocasionalmente. Um clamor por obreiros poderia se erguer consistentemente entre o povo de Deus em Vermont. Precisa-se de obreiros zelosos e consagrados para fortalecer as coisas que permanecem, ministrando as necessidades espirituais dos membros.”9 “Mas aqueles que simplesmente visitam as igrejas uma vez ou outra […] não devem se manter do tesouro do Senhor.”10

Também advertiu os pastores a gastar a maior parte do seu tempo no cuidado e na educação missionária da igreja: “Se os pastores dessem mais atenção a manter seu rebanho ativamente ocupado na obra, haveriam de realizar mais benefícios, ter mais tempo para estudar e fazer visitas missionárias, e também evitar muitas causas de atrito […] Assim, o pastor pode educar homens e mulheres para se empenharem nas responsabilidades da boa obra que tanto está sofrendo por falta de obreiros […] Igreja que trabalha é igreja que progride.”11 “O verdadeiro pastor terá interesse em tudo o que diz respeito ao bem-estar do rebanho, alimentando-o, guiando-o e defendendo-o.”12

Contradição?

Há o perigo de que algumas pessoas, analisando superficialmente, encontrem alguma contradição nessas declarações, considerando que em algumas ocasiões, ela enfatizou o modelo itinerante de pastorado, mas também destacou o modelo pastoral de trabalho. Como é possível harmonizar tais afirmações? É importante compreendermos que, às vezes, ela falava a pastores que trabalhavam em novo território, onde não havia igrejas. Em outras ocasiões, ela se dirigia a pastores que trabalhavam em lugares em que a igreja havia sido estabelecida.

Na verdade, ela faz clara distinção entre o trabalho do pastor em um novo campo e o que foi designado para igrejas estabelecidas. Em lugares sem a presença da igreja, o pastor deve servir primeiramente como evangelista, conquistador de pessoas para Cristo. Entretanto, nas igrejas estabelecidas, seu trabalho primordial é cuidar do rebanho e alcançar os que ainda não foram alcançados pelo evangelho. Diz ela: “Ao trabalhar em lugares em que já se encontram alguns conversos, o pastor não deve tanto buscar, a princípio, converter os incrédulos, como exercitar os membros da igreja a fim de prestarem uma cooperação proveitosa.”13

Com a seguinte ilustração, Ellen G. White desenvolveu seu conceito de evangelismo pastoral: “Os pastores não devem sentir ser seu dever fazer todas as pregações e todos os trabalhos e todas as orações; cabe-lhes preparar auxiliares em todas as igrejas […] Em alguns casos, o pastor ocupa uma posição idêntica à do mestre de um grupo de operários, ou de um capitão de navio. Dele se espera que veja que os homens sobre quem se acha colocado façam a obra que lhe é designada, pronta e corretamente, e só em caso de emergência precisa executar os detalhes.”14 Ela continuou relatando a história do proprietário de um grande moinho que, certa ocasião, encontrou o superintendente fazendo alguns concertos simples em uma roda, enquanto meia dúzia de trabalhadores daquele setor observava ocasionalmente. Quando o proprietário soube o que se passava, chamou o encarregado ao escritório e o demitiu prontamente. “Esse incidente pode ser aplicado em alguns casos, e em outros, não. Mas muitos pastores falham em conseguir, ou em não tentar, que todos os membros da igreja se empenhem ativamente nos vários ramos da obra.”15

Em outra ocasião, o mesmo ponto foi abordado com uma analogia diferente: “A força de um exército é medida, em grande parte, pela eficiência dos homens em suas fileiras. O general sábio manda seus oficiais treinarem cada soldado para o serviço ativo. Ele procura desenvolver a mais alta eficiência da parte de todos […] E assim se dá no exército do Príncipe Emanuel. Aqueles a cujo cargo se encontram os interesses espirituais da igreja devem formular planos e meios pelos quais se dê a todos os seus membros alguma oportunidade de fazer uma parte na obra de Deus […] Poucos há que avaliem devidamente quanto se tem perdido por causa disso.”16

Ministério global

Essas lustrações nos ajudam a ver que Ellen G. White tinha um equilibrado conceito do ministério pastoral e do evangelismo. Não podemos cair no perigo de enfatizar demasiada e unilateralmente um aspecto em detrimento do outro.

A fim de que tenhamos uma igreja sadia, com uma experiência espiritual crescente, precisamos manter uma teologia equilibrada quanto ao ministério global. De acordo com esse conceito, o pastor deve atender a igreja, alimentando-a espiritualmente, atendendo as necessidades do rebanho e, ao mesmo tempo, inspirar, educar, treinar e capacitar a igreja, aperfeiçoando seus dons, para a missão de alcançar os que ainda estão fora do redil. Ele mesmo deve ser evangelista e levar a mensagem de salvação a lugares ainda não alcançados. 

Referências:

  • 1 Ellen G. White, Review and Herald, 19/08/1902, p. 8.
  • 2 General Conference Bulletin, 1901, p. 86.
  • 3 Ellen G. White, Review and Herald, 09/02/1905, p. 9.
  • 4 ___________, Ibid., 11/07/1899, p. 2.
  • 5 ___________, Testemunhos Para a Igreja, v. 4, p. 260.
  • 6 Ibid., v. 2, p. 618
  • 7 Ibid., v. 5, p. 528.
  • Ibid., p. 302.
  • 9 Ibid., v. 9, p. 649.
  • 10 Ibid.
  • 11 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, p. 198.
  • 12 Ibid., p. 190.
  • 13 Ellen G. White, Serviço Cristão, p. 70.
  • 14 Ibid., p. 69, 70.
  • 15 Ibid., p. 70, 71.
  • 16 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, p. 351.