Um ministério profético voltado para o reavivamento

O livro de Joel foi composto sob as circunstâncias da uma invasão da cidade de Jerusalém, por inimigos mesopotâmicos, seja a Assíria, em 701 a.C, ou Babilônia em uma de suas duas invasões em 598 a.C. ou 588 a.C.1 Na primeira metade do livro, o profeta descreve a prevalecente calamidade e, na segunda metade, a futura libertação. Apesar das incertezas quanto à data de composição do livro e da invasão mencionada nele, o impacto dele permanece invencível e sustentável.

É válido também observar que a seção de Joel 2:28-32 constitui o capítulo três nas Escrituras Hebraicas, o que consequentemente leva o atual capítulo três a ser o quatro. Mais uma vez, o tema do derramamento do Espírito Santo é destacado pelo fato de as Escrituras fazerem com que essa pequena ação de apenas cinco versos represente, sozinha, um dos capítulos da obra do profeta.

Por fim, três destaques podem ser dados à obra de Joel: Ele constrói sua mensagem sobre o conceito da Aliança; 2 apresenta de forma proeminente o conceito do “Dia do Senhor” e traz a elaboração mais compreensiva da doutrina referida pelos estudiosos como a democratização do Espírito Santo.

Reavivamento e reforma

Ao passo que, em muitos aspectos, aparentemente não existe consenso dos estudiosos acerca da data, unidade, perspectiva teológica e literalidade das imagens, a atenção daqueles que estudam Joel tem sido dirigida para a ênfase do profeta sobre “as ideias e estruturas da aliança, particularmente aquelas sansões da aliança mosaica”.3 É justamente a presença desse conceito que nos ajuda a inferir alguns elementos do reavivamento e reforma em sua mensagem, como veremos em seguida.

Arrependimento. O primeiro desses elementos é o arrependimento. Curiosamente, não existe menção dos pecados que foram cometidos pelos receptores da mensagem. Porém, uma série de maldições contidas nos termos da aliança é listada pelo profeta (compare Jl 1:4-12, 16-20; 2:1-11 com Lv 26:14-19; Dt 28:15-68). As maldições que cairiam sobre o povo de Deus, caso desobedecesse à aliança, alcançou-o nos dias de Joel, especialmente a devastação da agricultura, destruição dos animais e invasão por uma nação estrangeira. De acordo com Stuart, “do ponto de vista das maldições, invasão, seca e desolação, evidentemente são as maiores punições da infidelidade à aliança mosaica”.4

É necessário lembrar que Joel está falando para um povo que conhecia muito bem os termos desse concerto e que, certamente, reconheceu na descrição dessas maldições o resultado de seus próprios pecados.

Quanto à identificação dos gafanhotos invasores, existe também a discussão se seriam eles literais ou metafóricos. Estudiosos que se opõem à compreensão literal dos gafanhotos questionam o fato de que o campo nativo dos gafanhotos é o sul, e não o norte, como foi mencionado por Joel (2:20). Além disso, em alguns momentos, exércitos são comparados a gafanhotos, seja por símiles ou metáforas (Jz 6:5; 7:12; Na 3:15, 16; Jr 46:23). Se forem compreendidos metaforicamente, isso se ajusta perfeitamente ao cenário da invasão babilônica ou assírica.

Em seu comentário, Jamieson, Fausset e Brown defendem uma compreensão metafórica desses invasores. Para eles, “o exercito do norte” não é apenas uma expressão geográfica de onde o invasor procede, mas o termo indicaria sua origem, ou seja, Assíria ou Babilônia. Segundo eles, essas duas nações são “o tipo e os precussores de todos os inimigos de Israel”.5 O Comentário Bíblico Adventista também concorda com essa perspectiva e, segundo ele, dependendo da data suposta para essa invasão, ela se refere aos assírios ou aos babilônios. E acrescenta: “A devastação causada pelos babilônios poderia ter sido evitada pelo sincero arrependimento e reforma.”6

Outro conceito destacado no livro de Joel é o do “dia do Senhor”. Esse tema está presente em todas as quatro maiores seções do livro. Ele não é apenas um elemento adicionado aos seus oráculos, como acontece com outros profetas do Antigo Testamento. “Esse conceito é tão proeminente em Joel que ele pode ser comparado a um motor que impulsiona a profecia.” De acordo com von Rad, “o dia do Senhor é melhor entendido como tendo sua origem numa guerra santa israelita”.7

Joel vê dois “dias do Senhor”: o primeiro deles está em andamento (1:1-2:17) e deve ser entendido no contexto das maldições. O exército inimigo que invade e devasta a cidade atua como instrumento de Deus na punição da desobediência (2:1, 11, 25). Já o segundo “dia do Senhor” está no futuro, (2:18-3:21).

“A promessa do Espírito Santo não se refere apenas a uma realidade futura. Também aponta para uma necessidade presente”

Confissão. As maldições mencionadas em Joel evidenciam, portanto, que houve desobediência e pecado. Então, diante da aflição, o povo é convidado a se converter e se arrepender com súplica, jejuns, orações, cingidos com pano de saco, e assembleias solenes (Jl 1:13, 14; 2:12-17). Essa forma de arrependimento encontra eco em outros momentos de busca e oração na Bíblia. Pode-se mencionar, por exemplo, as orações de Neemias e Daniel.

Um fato a ser destacado é que quando aparecem nos livros de Neemias e Daniel (Ne 1:4; Dn 9:3), esses mesmos elementos são seguidos de confissão. Aqui, a humilhação intensifica o arrependimento e o reconhecimento dos pecados, levando o adorador a confessá-los (Ne 1:6, 7; Dn 9:4-19). Daniel e Neemias não apenas confessam seus pecados, mas reconhecem que as tragédias sobrevieram em forma de maldições, por causa da desobediência à aliança, tal como Deus havia anunciado por intermédio de Moisés (Ne 1:8; Dn 9:11, 13, 14). Além disso, toda confissão era precedida pela reafirmação do caráter misericordioso de Deus, como ocorre em Joel 2:13. Nas descrições de Neemias e Daniel, destaca-se ainda a fidelidade de Deus à Sua aliança. Logo, a confissão é um elemento decorrente da atitude de súplica e humilhação diante de Deus, e estava implícito no apelo de Joel para que o povo buscasse a Deus dessa forma. Especialmente porque confiavam na misericórdia de um Deus fiel à Sua aliança.

Reforma e restauração. O arrependimento, a confissão e súplica de perdão deveriam ser seguidos pelo abandono do pecado. Em outras palavras, pela reforma de vida.

Sendo que Deus é onisciente e vê o que está no coração e na mente, esses passos mencionados não podiam ser apenas demonstrações externas ou mesmo limitadas àquele momento. Uma verdadeira reforma se fazia necessária. O profeta chamou o povo a “converter-se de todo o coração” e a “rasgar o coração, não as vestes” (Jl 2:12, 13).

O apelo de Joel 2:12, 13 é seguido por uma promessa, assim traduzida por Stuart: “Quem sabe Ele [Deus] não Se voltará e mostrará compaixão e fará que bênçãos permaneçam depois disso [i.e. invasão]. Ofertas de manjares e libações pertencem ao Senhor vosso Deus!” (v. 14).8 Essa promessa, provavelmente, foi construída e está amparada sobre as próprias disposições da aliança. Nelas havia também a promessa de restauração das bênçãos da aliança, segundo a qual mesmo que o povo pecasse, fosse desobediente e recebesse as mais terríveis maldições, se buscasse a Deus de todo o coração, então Ele o ouviria, retornaria Seu favor para com ele e o restauraria à sua terra (Lv 26:40-45; Dt 30:3).

É essa promessa que Neemias reclama em sua oração de confissão (Ne 8:8-11) e parece estar subentendida em Joel 1:14, como afirmado anteriormente.

As maldições que devastaram a agricultura, trazendo fome e invasão inimiga, são revertidas pela restauração das bênçãos da recompensa agrícola e a vitória do Senhor sobre o exército inimigo (Jl 2:18-26).

A restauração é completada com o restabelecimento do relacionamento da aliança, envolvendo a presença de Deus com Seu povo: “Então vocês saberão que Eu estou no meio de Israel. Eu sou o Senhor, o seu Deus, e não há nenhum outro” (Jl 2:27).

“A grande obra do evangelho não deverá ser encerrada com menor manifestação do poder de Deus que assinalou seu início”

O segundo “dia do Senhor” apresentado por Joel se refere a um cumprimento futuro e, em certo sentido, também está ligado ao processo de restauração das bênçãos da aliança. Nos dias de Joel, a promessa de restauração dessas bênçãos incluiu a destruição do exército invasor (Jl 2:20). Também envolve o julgamento das nações pelo que fizeram ao povo de Deus (3:2-7, 12, 14, 19), das quais o exército do norte, que invadiu Jerusalém, e outros povos inimigos funcionaram como tipo (v. 19). O segundo “dia do Senhor” é tanto julgamento das nações inimigas como a vindicação do povo de Deus, pois o Senhor vem realizar a ceifa (v. 13). Aqui, o Israel espiritual, o povo da nova aliança em Cristo, desfrutará da presença eterna de Deus na Nova Jerusalém (vs. 17, 18, 19, 20, 21); Ap 21:3). Aliança restaurada não necessariamente depois das penalidades de seus pecados, mas pelo que sofreram por estar ao lado de Cristo. Esse dia traz a certeza da vitória do povo de Deus.

Reavivamento e promessa do Espírito. Talvez a seção mais conhecida do livro de Joel seja a que trata do derramamento do Espírito Santo sobre o povo de Deus (2:28-32). A promessa é precedida pela expressão “naqueles dias”, ou “depois disso”. Essa é uma forma bíblica usual para apontar um tempo futuro indefinido da era da restauração (Jr 31:29, 33; 33:15, 16; Zc 8:23), sendo que a mais comum é o singular “naquele tempo”, literalmente, “naquele dia”.9

É em Joel que encontramos a mais elaborada doutrina da democratização do Espírito Santo. Ele é limitado ao privilégio de poucos (Nm 11:29). Todos, filhos e filhas, jovens e velhos, servos e servas, receberiam o Espírito. “Aqui, profecias, sonhos e visões são feitos os símbolos da manifestação completa de Si mesmo a todo Seu povo.”10

Quando é observado o pano de fundo de Joel e suas ligações com outros escritos do Antigo Testamento, pode-se notar que essa promessa não está fora do contexto do livro. Ela também é resultado da restauração das bênçãos da aliança: “Então eles saberão que Eu sou o Senhor, o seu Deus, pois, embora os tenha enviado para o exílio entre as nações, Eu os reunirei em sua própria terra, sem deixar um único deles para trás. Não mais esconderei deles o rosto, pois derramarei o Meu Espírito sobre a nação de Israel. Palavra do Soberano, o Senhor” (Ez 39:28, 29).

Esse era o plano de Deus para o Israel restaurado. Contudo, “devido ao fracasso do povo, e a consequente rejeição da nação judaica, as promessas não foram cumpridas para o Israel literal. Elas foram transferidas para o Israel espiritual”.11

No dia de Pentecostes, Pedro identificou o derramamento do Espírito Santo como cumprimento parcial da profecia de Joel.12 Porém, sua plenitude ainda está reservada para os cristãos que aguardam o segundo pentecostes.

Necessidade atual

Para Stuart, a promessa encontrada no livro de Joel é “talvez a ligação mais marcante de salvação com espiritualidade no Antigo Testamento”.13 E, certamente, é a chuva serôdia que nos preparará para as últimas pragas e a segunda vinda de Cristo, bem como nos habilitará a pregar de forma plena e poderosa a terceira mensagem angélica. “A grande obra do evangelho não deverá ser encerrada com menor manifestação do poder de Deus que a que assinalou seu início.”14

Entretanto, a promessa do Espírito Santo não se refere apenas a uma esperança e necessidade futura. Ela também aponta para uma grande necessidade presente. É o Espírito Santo (a chuva temporã que temos hoje) que nos conduz nos estágios de crescimento espiritual diário. A menos que a primeira chuva faça sua obra, a menos que obtenhamos “vitória sobre toda tentação, orgulho, egoísmo, amor ao mundo, e sobre toda palavra e ação errada”, “não poderemos compartilhar o refrigério”15 da chuva serôdia.

Portanto, a igreja de hoje também precisa orar pedindo “uma operação mais profunda do Espírito em seu povo”,16 já que sem essas chuvas a terra não produzia safras. Busque- mos esse poder, pois quem pro- meteu é fiel à Sua aliança e às Suas promessas.

Referências:

  • 1 Douglas Stuart, World Biblical Commentary: Hoseah-Jonah (Dallas: Word Incorporated, 2002), p. 223.
  • 2 Felipe A. Massoti, Paulo A. B. Leite, A Teoria da Intertextualidade e as Escrituras, disponível em http://www.unasp-ec.com/revistas/index. php/kerygma/article/view/47/41.
  • 3 Douglas Stuart, Op. Cit., p. 235.
  • 4 Ibid., p.230.
  • 5 Robert Jamieson, A. R. Fausset, David Brown, A Commentary, Critical and Explanatory, on the Old and New Testament (Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, 1997), Jl 2:20.
  • 6 The Seventh-day Adventist Bible Commentary, v. 4, p. 944.
  • 7 Apud Douglas Stuart, Op. Cit., p. 230, 231.
  • 8 Ibid., p. 247.
  • 9 Ibid., p. 261.
  • 10 Robert Jamieson, A. R. Fausset, David Brown, Op. Cit., Jl 2:28.
  • 11 The Seventh-day Adventist Bible Commentary, v. 4, p. 246.
  • 12 Ibid.
  • 13 Douglas Stuart, Op. Cit., p. 258.
  • 14 Ellen G. White, O Grande Conflito, ed Condensada, p. 359.
  • 15 ___________, Primeiros Escritos, p. 71. 16 Warren W. Wiersbe, Comentário Bíblico Expositivo (Santo André, SP: Geográfica, 2012), v. 4, p. 420.