PERGUNTA 40

Qual é o ensino adventista acerca da imortalidade da alma? Que entendeis pelos termos “alma” e “espírito,” e qual a relação entre ambos? São termos sinônimos e permutáveis?

Sobre esta questão por muito tempo tem havido duas escolas de pensamento. Alguns têm afirmado que o homem foi criado mortal, quanto ao que respeita a seu físico, mas que possui uma entidade imortal denominada “alma” ou “espírito.” Outros, com a mesma convicção, crêem que de forma alguma foi o homem criado imortal.1 Crêem que o homem não possui uma etérea alma, ou espírito, que sobrevive à morte como entidade consciente, à parte do corpo.

Antes de podermos considerar a questão da imortalidade, quer inata quer condicional, será conveniente definirmos nossos termos; por isso responderemos primeiro à segunda pergunta. Num caso como este, em que há diferença de compreensão do sentido das palavras, devemos deixar que a própria Bíblia, com o auxílio dos usos da língua original, defina os termos.

Sentido Bíblico de “Alma”

No antigo Testamento a palavra alma é traduzida de nephesh, palavra hebraica que ocorre 755 vezes no Antigo Testamento. É na maioria das vezes traduzida por “alma.” Também se traduz, porém, de muitas outras maneiras.

Nephesh provém da raiz naphash, verbo que ocorre apenas três vezes no Antigo Testamento (Êxo. 23:12; 31:17; II Sam. 16:14), todas as vezes significando “reviver” ou “refrigerar-se.” O verbo parece remontar ao sentido básico de respirar.

Pode-se derivar uma definição de nephesh da narrativa bíblica da criação do homem (Gên. 2:7). O registo declara que quando Deus deu vida ao corpo que formara, o homem literalmente “passou a ser alma vivente.” A “alma” não existira previamente, mas veio à existência ao ser criado Adão. Vem à existência uma nova alma toda vez que nasce uma criança. Cada nascimento representa nova unidade de vida, singularmente diversa e separada de unidades similares. A nova unidade jamais pode fundir-se em outra unidade. Terá sempre sua individualidade. Poderá haver inumeráveis indivíduos semelhantes, mas nenhum será justamente essa unidade. Esta qualidade única de individualidade parece ser a idéia acentuada no termo hebraico nephesh.

Nephesh aplica-se não somente a homens mas também a animais. A cláusula: “Povoem-se as águas de enxames de seres viventes” (Gên. 1:20) é literalmente: “enxameiem as águas enxames de almas de vida [indivíduos de vida].” Logo, tanto os animais como os seres humanos são “almas.”

Esta idéia básica de ser a “alma” o indivíduo, e não a parte constituinte do indivíduo, parece ser a base das várias ocorrências de nephesh. É, portanto, mais exato dizer que determinada pessoa é uma alma, do que dizer que ela tem uma alma. É o que está claramente expresso em Gên. 2:7: “O homem passou a ser alma vivente.”

Da idéia básica de um nephesh ser um indivíduo, ou pessoa, procede o uso idiomático de nephesh para o pronome pessoal. Expressões como “minha alma” são idiomatismos para significar “eu,” “me;” “tua alma,” por “tu;” “a alma deles,” por “eles.”

Visto como cada novo nephesh representa Página 23 nova unidade de vida, nephesh é muitas vezes usado como sinônimo de “vida.” Em 119 casos a Bíblia traduz nephesh por “vida,” e há outros casos em que “vida” teria sido tradução mais exata.

A maioria das vezes em que ocorre nephesh, a palavra poderia ser apropriadamente traduzida por “pessoa,” “indivíduo,” “vida,” ou pelo pronome pessoal. [Parece que neste caso a nossa Bíblia, em português, nos favorece mais que a inglesa. Onde a inglesa diz “as almas que lhe cresceram em Harã” (Gên. 12:5), a nossa tradução atualizada diz “as pessoas que lhe acresceram. …” Em Lev. 19:8, onde a inglesa diz: “A alma será eliminada” a nossa diz: “Qualquer. . . será eliminado.”]

Volvendo ao Novo Testamento, vemos que a palavra “alma” é traduzida da palavra grega psuche, com o sentido de “vida,” “fôlego,” ou “alma.” Psuche é traduzido quarenta vezes no Novo Testamento como “vida,” ou “vidas,” com o claro sentido comumente atribuído à palavra “vida” (S. Mat. 2:20; 6:25; 16:25). É traduzido cinqüenta e oito vezes por “alma” ou “almas” (S. Mat. 10:28; 11:29; 12:18). Em alguns destes casos significa simplesmente “pessoas” (Atos 7:14; 27:37; I S. Ped. 3:20). [É interessante notarmos que, nestas três referências, onde a Almeida antiga dá “alma,” a atualizada dá “pessoa”] Em outros casos é traduzido por algum pronome pessoal, ou seu equivalente (S. Mat. 12:18; II Cor. 12:15). Por vezes se refere às emoções (S. Mar. 14:34;

S. Luc. 2:35), aos apetites naturais (Apoc. 18: 14), ao ânimo ou mente (Atos 14:2; Filip. 1: 27), ou ao coração (Efés. 6:6). Não existe coisa alguma na palavra psuche em si que, mesmo remotamente, implique numa entidade consciente, capaz de sobreviver à morte do corpo. E não existe nada no uso bíblico da palavra que indique que os autores da Bíblia mantivessem essa crença.

Concordamos plenamente com os seguintes períodos do conhecido exegeta britânico, Dr. H. Wheeler Robinson, antigo diretor do Regents Park College, de Londres, publicados em seu livro Hebrew Psychology:

Nephesh de modo algum é traduzido adequadamente por “alma.” Seu emprego literário mostra que há três sentidos mais ou menos distintos cobertos por essa palavra…. O primeiro grupo relaciona-se com o principio de vida, sem acentuar o que nós chamaríamos seu aspecto físico. Assim, o capitão israelita, ameaçado de destruição, diz a Elias:

“Seja, peço-te, preciosa aos teus olhos a minha nephesh e a nephesh [vida] destes cinqüenta, teus servos.” II Reis 1:13. [A trad, atualizada dá “vida,” em vez de alma.]

Aqui o sentido verdadeiro é “vida” [como dá a nossa atualizada, assim como em Jer. 38:16; onde a inglesa e nossa Almeida dão “alma,” aquela dá “vida.”]

Permanece um segundo grupo de usos, o único que pode ser devidamente denominado sentido físico (embora, no hebraico, “físico” abranja muito do que nós chamaríamos fisiológico; esse grupo simplesmente não distingue os dois.) Neste grupo nephesh denota o conhecimento humano em sua extensão plena, como em Jó 16:4: “Eu também poderia falar como vós falais; se a vossa nephesh [alma] estivesse em lugar da minha.”

Não há motivo para duvidar de que o sentido primário de nephesh era “fôlego,” tal qual o árabe nafsum — alma (nafasun — fôlego), embora haja apenas um exemplo, no Antigo Testamento, em que “fôlego” ou “hálito” é a tradução natural. Encontra-se em Jó 41:19-21.

Se, pois, formularmos a pergunta: “Que é o homem?” e procurarmos a resposta, não nos moldes teológicos antigos, mas nos moldes fisiológicos novos, veremos que, para o hebreu, o homem é uma unidade, e que essa unidade num corpo é um complexo de partes, derivando a vida e atividade de uma alma – fôlego, que não tem existência à parte do corpo.

Os hebreus jamais cogitaram de uma alma separada do corpo. — Citado pelo líder metodista, Artur S. Peake, em The People and the Book, Oxford: Clarendon Press, 1925.

Em harmonia com o supra dito nós, adventistas, cremos que, em geral, as Escrituras ensinam que a alma do homem representa o homem todo, e não uma parte independente de outras partes componentes da natureza do homem; e, mais, que a alma não pode existir à parte do corpo, pois o homem é uma unidade.

Definição Bíblica de “Espírito”

Alguns estudiosos da Bíblia, reconhecendo que a palavra “alma” como é usada no Antigo Testamento não apóia a idéia de possuir o homem uma parte componente separada, que sobrevive à morte do corpo, volveram-se para Eclesiastes 12:7 a fim de sustentar a doutrina de que o homem possui algo capaz de existir à parte do corpo. Diz essa passagem: “E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.”

A palavra “espírito,” nessa passagem, é traduzida da palavra hebraica ruach, que tem os vários sentidos de “fôlego,” “vento,” e “espírito.” No Antigo Testamento ruach é traduzido por “fôlego” do corpo 33 vezes, como em Ezeq. 37:5; “vento” 117 vezes, como em Gên. 8:1; “espírito” 76 vezes no sentido de vitalidade (Juí. 15:19; “ânimo” (Jos. 2:11); temperamento ou “ira” (Juí. 8:3); e referindo-se à disposição (Isa. 54:6). Ruach é também empregado para descrever o princípio vital do homem e dos animais 25 vezes, como em Sal. 146:4; a sede das emoções 3 vezes, como em I Sam. 1:15; a mente 9 vezes, como em Ezeq. 11:5; e o Espírito de Deus 94 vezes, como em Isa. 63:10. Em nenhuma das 379 vezes de seu emprego no Antigo Testamento, ruach denota que no homem exista uma entidade separada, capaz de vida consciente à parte do corpo físico. Em Ecl. 12:7, aquilo que volta a Deus, cremos, é o princípio de vida por Deus comunicado ao homem. [Na enumeração acima, os algarismos, nem sempre estão exatos em relação a nossa Bíblia em português. Seria preciso fazer uma contagem com base em nossa Bíblia, escolhendo de preferência a edição atualizada.]

(Continua no próximo número}

*A base de semelhante conclusão é a declaração de Deus ao homem, no Éden: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás.” Gên. 2:17. O fato de que o homem foi criado com a possibilidade de morrer caso pecasse, prova o não ser ele imortal.