A triste história de Ludwig Conradi e as lições que podemos aprender

Ludwig Richard Conradi foi o mais destacado líder da Igreja Adventista do Sétimo Dia na Europa, durante os anos 1890 a 1930. Ele assumiu a direção da Igreja em um estado embrionário e desenvolveu uma estrutura organizacional capaz de manter desenvolvimento próprio e também apoiar sua expansão em outros países.

Sendo mentor desse extraordinário progresso, Conradi contava com a confiança de seus subordinados e a simpatia da liderança mundial da Igreja. Era também dedicado estudioso de questões doutrinárias. No entanto, com o passar do tempo, começou a se distanciar das interpretações doutrinárias adventistas. Finalmente, uma série de insubordinações à liderança denominacional fez com que Conradi se tornasse amargurado e apóstata. Decepcionado, ele usou sua influência para atacar a compreensão adventista da doutrina do Santuário e criticar o ministério profético de Ellen G. White.

Ministro capaz

Conradi nasceu em 1856, em Karlsruhe, Alemanha. Seu empenho e avidez pelo aprendizado de línguas cativaram a atenção dos padres e, certamente seria um clérigo católico se não tivesse perdido o pai, ficando impossibilitado de custear os estudos. Isso o levou para os Estados Unidos, quando tinha 17 anos. Ao chegar nesse país, passou seis anos buscando emprego em diversas cidades, até que, ao trabalhar em uma fazenda no estado de Yowa, conheceu e aceitou a mensagem adventista.

Juntando economias e contando com o apoio da igreja local, foi para o Battle Creek College onde, trabalhando como tipógrafo, conseguiu concluir o curso teológico em um terço do tempo estimado. Naquela época, Tiago White, presidente da Associação Geral, o convidou para ser seu secretário pessoal, mas Conradi desejava atuar diretamente na pregação do evangelho. Respeitando essa decisão, o pastor White lhe deu alguns cartazes proféticos, incentivando-o na busca da concretização do sonho missionário. Conradi começou a trabalhar entre imigrantes alemães nos Estados Unidos. Em cinco anos, várias igrejas foram organizadas e mais de 700 pessoas aceitaram a mensagem.1

Em 1883, a Igreja Adventista na Europa perdeu seu líder, J. N. Andrews, ficando carente de alguém capaz de falar diferentes idiomas e de romper as barreiras culturais. Assim, em 1886, tendo-se revelado um evangelista de êxito, e também por sua origem, Conradi foi enviado ao campo missionário europeu.

Desafios

Ao chegar à Europa, Conradi atendeu ao pedido de um vendedor itinerante de Bíblias, para que visitasse interessados na Rússia. Conradi o acompanhou até a Crimeia, e trabalhou livremente até que o batismo de 40 pessoas e a organização de uma igreja despertaram a oposição das autoridades locais. Durante 40 dias, os dois homens ficaram encarcerados, sendo libertados graças à intervenção do embaixador norte-americano, um ex-paciente do Sanatório de Battle Creek.

Conradi passou então a trabalhar na Alemanha, que tinha apenas algumas dezenas de adventistas. “Dentro de cinco anos, foram organizados um instituto de treinamento para colportores e obreiros bíblicos, uma missão urbana e um complexo de publicações em Hamburgo.”2 Em 1890, os territórios alemão e russo ficaram sob sua liderança. Conradi entendeu que a colportagem era a estratégia perfeita para conquistar a Europa, especialmente onde a liberdade religiosa era restrita.3

Não demorou muito, a igreja na Alemanha passou a se sustentar financeiramente e pôde financiar obreiros para alguns campos missionários. Seu primeiro representante veio para o Brasil em 1895.4 Nessa época, Conradi acumulava uma série de funções, batizando pessoas, organizando igrejas, traduzindo livros, além dos trabalhos administrativos,5 sempre mantendo um ritmo acelerado nas atividades, dormindo apenas três a quatro horas por noite.6

Por volta de 1900, a igreja na Alemanha estava bem estruturada e apoiando campos missionários. Contando com uma igreja de apenas quatro mil membros batizados, Conradi entendeu que o predomínio da Alemanha sob suas colônias africanas não podia ser desperdiçado. Após contornar dificuldades burocráticas e contatar funcionários de alto escalão do governo, ele conseguiu apoio e liberdade para trabalhar nas colônias alemãs.7

Mudança de rumo

Quando chegou ao continente europeu, em 1886, Conradi foi para a Suíça onde encontrou Ellen G. White, acompanhou-a em algumas viagens e foi tradutor dela em várias ocasiões. Numa ocasião em que ele foi preso na Crimeia, ela lhe enviou uma confortadora carta: “Querido irmão… Podemos ver agora mais claramente algumas das dificuldades que existem no caminho daqueles que querem obedecer a Deus… Mantenha a coragem… Nós cuidaremos de sua esposa e de sua criança de maneira especial… Não nos esquecemos de você e temos apresentado seu caso ao mais elevado tribunal.”8

Alguns anos depois do início do trabalho na Europa, Conradi escreveu para Ellen G. White, fazendo uma confissão: “Embora meu desejo fosse trabalhar por união, nem sempre eu tinha o sentimento correto para com a sua pessoa.”9 É importante mencionar que, alguns anos antes do batismo de Conradi, em Iowa, um movimento dissidente se havia levantado contra o trabalho do casal White,10 o que contribuiu para que ele despertasse preconceitos contra o casal White, antes mesmo de conhecê-lo.11

Ellen G. White fugia do modelo alemão de uma boa dona de casa –restrita apenas às atividades domésticas. Para Conradi, era difícil tolerá-la tomando parte nas reuniões da Igreja, influenciando decisões e, às vezes, repreendendo líderes.12

Em 1888, na assembleia de Mineápolis, Conradi se posicionou ao lado dos que rejeitaram as exposições de Waggoner e Jones sobre justificação pela fé, sendo considerado um dos críticos mais ferrenhos da dupla.13

Porém, três anos depois, pediu perdão à Sra. White e confessou que, ao se dirigir a Mineápolis, estava experimentando profunda crise espiritual. Escreveu ele: “Esperei ser ajudado, mas a reunião de Mineápolis somente adicionou escuridão. Suas palavras se provaram verdadeiras em meu caso. Tentei superar através do trabalho, o que por vezes ajudou… mas a escravidão continuou. Posso agora apreciar suas admoestações do passado e ver luz onde antes via trevas.”14

Estando na Austrália, Ellen G. White lhe enviou uma carta com advertências pessoais, repreendendo-o por um pecado que resultou na perda de suas funções administrativas. Então, ele deixou a Alemanha e foi apoiar alguns campos missionários.15 Em 1897, enquanto viajava pela Rússia, Conradi escreveu para ela, dizendo estar agradecido “a Cristo, o qual provou ser um amigo fiel e meu Sumo Sacerdote… Não quero arruinar Seu trabalho [de Deus] por causa do passado… estarei satisfeito se você tiver alguma luz ou exortação e conselho”.16

Apesar disso, Conradi passou a duvidar de citações do livro Primeiros Escritos que não se harmonizavam com o entendimento dele sobre o termo “diário” (Dn 8:12), e a entender que as três mensagens angélicas foram proclamadas por Lutero, o que desconsiderava a importância do movimento milerita e a origem do adventismo. Imaginou que havia diferentes níveis de inspiração e que nem tudo o que Ellen G. White escrevia precisava ser considerado totalmente inspirado. Com o tempo, essa concepção o levou a considerar que pouco do que ela havia escrito era de fato inspirado, concluindo que ela não era profetiza verdadeira.

Em 1901, Conradi foi eleito presidente da Divisão Europeia e, em 1903, agregou a função de vice-presidente da Associação Geral.17 Até então, ninguém havia notado seus desvios teológicos. Ao que tudo indica suas opiniões não eram percebidas pela liderança da Igreja, e ele passou a disseminar suas ideias e minimizar o trabalho de Ellen G. White, numa tentativa de “salvar”18 a Igreja da influência dela.

Em 1914, sua oposição já se havia tornado mais firme e declarada: “As chapas [para impressão do livro] Atos dos Apóstolos chegaram, mas eu me senti desanimado quando via a página do título e sobre ela a Sra. Ellen G. White… A Europa tem grande aversão a escritos religiosos e teológicos de mulheres.”19

Rompimento

A primeira guerra mundial, em 1914, surpreendeu a Igreja na Alemanha, sem orientação de como proceder com as questões de porte de armas e guarda do sábado. A comunicação com a sede americana se tornou difícil. Assumindo autonomia em relação ao restante da igreja mundial, os líderes alemães informaram oficialmente ao Estado alemão que os adventistas portariam armas e prestariam serviço militar aos sábados.20

Após o fim da guerra, uma delegação da Associação Geral foi à Alemanha, com o objetivo de resolver os equívocos. Boa parte dos líderes reconheceu o erro, mas Conradi ficou irredutível, dizendo ter tomado a decisão certa, segundo as exigências das circunstâncias.21 Em 1922, depois de presidir a Divisão Europeia por 22 anos, foi substituído pelo pastor L. H. Christian. Ofendido com a mudança, declarou: “Isso é demais para suportar; fazer tal coisa a um pioneiro maduro que construiu tudo por si mesmo, e agora tudo é dado a um jovem, rapaz inexperiente…”22

Nos anos seguintes, Conradi passou a escrever livros atacando a doutrina do santuário e buscando criar uma identidade independente para a Igreja europeia, em relação ao restante do mundo. Em 1931, líderes da Europa e da Associação Geral procuraram se reconciliar com o desgostoso pioneiro e convencê-lo do erro de suas ideias, mas ele se mostrou inflexível. No entanto, sua credencial foi mantida, sob o pacto de ele não mais atacar as doutrinas nem a liderança denominacional.23

Contudo, pouco tempo depois, Conradi quebrou o acordo e se tornou pastor da igreja batista do sétimo dia, levando consigo adventistas desgostosos. Chegou a organizar 27 igrejas batistas na Alemanha e reuniu quase 500 membros.24 Conradi morreu aos 83 anos, em 1939. Pouco antes de morrer, terminou de escrever um livro atacando José Bates, Guilherme Miller, o casal White e outros pioneiros. Seu filho, médico, continuou adventista, destacando-se pela manutenção do Sanatório de Zehlendorf, Berlim, durante a segunda guerra mundial.25

Triste legado

Conradi representou para a Igreja na Europa o que John H. Kellogg significou para a Igreja nos Estados Unidos.26 Porém, as consequências deixadas por ele foram mais duradouras e bem mais danosas. Conradi possuía muitas capacidades, oratória fascinante e forte carisma. No entanto, a convivência com ele era difícil. Em relação a ele, a atitude das pessoas variava entre admiração e aversão. “Conradi era visto como uma personalidade patriarcal e depois de ele ter falado não havia nada mais a declarar.”27

Além da influência administrativa, Conradi era também hábil político e escritor. Suas publicações somam aproximadamente 15 milhões de unidades.28 Somente o comentário sobre Daniel e Apocalipse foi reimpresso 40 vezes, totalizando quatro milhões de exemplates.29

Conradi também deixou forte rastro legalista. A experiência dos líderes que aceitaram a mensagem de justificação pela fé, apresentada em Mineápolis, resultou na recuperação de um adventismo doutrinariamente fragilizado. Em contraste, a atitude de Conradi impediu que sua visão administrativa se importasse com a verdade da justificação pela fé, ou se preocupasse com a correção da mentalidade legalista.

A liderança de Conradi frente à Igreja na Europa inicialmente foi avaliada apenas pelo vigor das instituições, crescimento de membros, arrecadação de recursos e envio de missionários. Porém, sua qualificação moral e os reais motivos de suas decisões determinaram os resultados de sua influência como administrador e, principalmente, como guia espiritual.

Sua experiência é reveladora do elevado risco que acompanha o depósito de livre poder administrativo sobre os ombros de um só homem. A perpetuação de um líder exclusivo permitiu a manifestação de erros que certamente seriam evitados, caso ele não fosse o único a pautar o rumo da Igreja na Europa durante tantos anos.

Conradi foi um homem extraordinariamente capaz e eficiente, que poderia ser lembrado como ícone de competência na liderança adventista. Infelizmente, não foi capaz de se desvencilhar das mágoas, do orgulho e das pressuposições pessoais, o que veio a reduzir seu brilho até que se apagasse completamente.

“Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia!” (1Co 10:12).

Referência:

  • 1 Fredy Grob, Conradi and the Consequences of his Apostasy (Monografia apresentada no curso “CH History of the Seventh-day Adventist Church”; Universidade Andrews, 1974), p. 3.
  • 2 Richard W. Schwarz e Floyd Greenleaf, Portadores de Luz (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2009), p. 212.
  • 3 Ibid., p. 212, 276.
  • 4 Ibid., p. 276.
  • 5 Fredy Grob, Op. Cit., p. 6.
  • 6 Daniel Heinz, Adventist Heritage 12, n° 1 (1987), p. 17.
  • D. F. Hay, Record – Official Paper Seventh-day Adventist Church South Pacific Division, 23?11/1991, p. 4, 5; Janet Morris, Youth Instructor, p. 10/01/1911, p. 5.
  • 8 Ellen G. White, Manuscript Releases, v. 8, p. 411.
  • 9 Ibid.
  • 10 Seventh-day Adventist Encyclopedia (1996), ver “Marion Party”.
  • 11 Daniel Heinz, Ludwig Richard Conradi: MIssionar, Evangelist un Organisator der Siebenten-Tas-Adventisten in Europa (Frankfurt, AL: Peter Lang Europäischer Veerlag der Wissenschaften, 1998), p. 32.
  • 12 Fredy Grob, Op. Cit., p. 13; Richard Shwarz, Light Bearers to the Remnant, p. 475.
  • 13 Le Roy Edwin Froom, Movement of Destiny (Washington, D.C.: Review and Herald, 1971), p. 248, 259.
  • 14 D. A. Delafield, Ellen G. White in Europe (Grantham, Lincolnshire: Stanborough Press, 1957), p. 291.
  • 15 Daniel Heinz, Op. Cit., p. 95, 96.
  • 16 D. A. Delafield, Op. Cit., p. 291.
  • 17 Seventh-day Adventist Encyclopedia (1996), ver “Conradi, Louis Richard”.
  • 18 Herbert Douglass, Mensageira do Senhor (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), p. 441.
  • 19 Fredy Grob, Op. Cit., p. 13, 14.
  • 20 Richard Shwarz e Floyd Greenleaf, Op. Cit., p. 364, 365, 372.
  • 21 Ibid., p. 620.
  • 22 Richard Shwarz, Light Bearers to the Remnant (Mountain View, CA: Pacific Press, 1979), p. 476.
  • 23 Fredy Grob, Op. Cit., p. 9, 10.
  • 24 Le Roy Froom, Op. Cit., p. 621.
  • 25 L. H. Christian, Revista Adventista, fevereiro de 1947, p. 24.
  • 26 Johann Helmuth Gerhartd, L. R. Conradi: The Development of a Tragedy (Monografia do curso “History of the Seventh-day Adventist Church”: Universidade Andrews, 1977).
  • 27 Fredy Grob, Op. Cit., p. 12.
  • 28 Daniel Heinz, Adventist Heritage, p. 22, 24.
  • 29 Fredy Grob, Op. Cit., p. 19.