Pergunta 25
Os adventistas do sétimo dia procuram vincular Daniel 9 com Daniel 8. Com que fundamento sustentais (1) que os 2300 dias (tardes e manhãs) de Daniel começam ao mesmo tempo que as setenta semanas de anos de Daniel 9; e (2) que a setuagésima semana já se cumpriu completamente? (3) Visto que sustentais isto, qual é então vossa interpretação de Daniel 9:27?
Sendo que estas perguntas centralizam-se princípalmente em Daniel 9, examinemos êste capítulo a fim de obter um quadro total, tendo assim a necessária base para as respostas. A profecia das setenta semanas de anos é uma das mais fascinantes e vitais a serem encontradas em tôda a Palavra profética. Trata do plano de Deus para a redenção do homem, e prediz o tempo do primeiro advento de Cristo, como o Messias, e também o tempo de Sua morte, quando Êle realizou um completo e vicário sacrifício expiatório pelos pecados do mundo.
A profecia das setenta semanas tem que ver com os judeus, a Terra Santa, a Cidade Santa e o santuário — o centro da verdade, do Templo e depois da rejeição do Cordeiro de Deus por Seu antigo povo. Notai o cenário do capítulo: Dario, o medo, estava sôbre o trono. Daniel orava e intercedia diante de Deus a respeito da trágica condição de seu apóstata e desobediente povo, e da desolação de Jerusalém e do santuário (versos 3-19).
1. Daniel 9 — a chave que explica o capítulo 8. — Os símbolos proféticos de Daniel 8:2-14 —a saber, o “carneiro” como a Medo-Pérsia, o “bode” como a Grécia, e a ponta que “se tornou muito forte” como o poder que viria em seguida, que foi Roma — haviam todos sido explicados por Gabriel, o mensageiro celestial, nos versículos 15 a 26. Is o é todos exceto o tempo simbólico abrangido pelos 2.300 dias, com os eventos que assinalavam seu início e conclusão.
Devido à repentina doença de Daniel ao lhe ser explicada a visão do capítulo 8, Gabriel foi impossibilitado de exclarecer êste restante aspecto de tempo — os 2.300 dias dos versículos 13, 14 e 26. A terrível perspectiva da tremenda perseguição a sobrevir ao povo de Deus evidentemente fêz com que o idoso profeta enfraquecesse e adoecesse de modo repentino (verso 27). Assim a explicação foi interrompida abruptamente nesse ponto.
Cumpre notar que a parte que não foi explicada dizia respeito ao “santuário e ao exército,” que deviam ser “pisados” durante 2.300 “dias” (tardes e manhãs), havendo especiais eventos a ocorrerem em sua conclusão (versículos 13, 14 e 26). Abrangia um poder perseguidor que se levantaria contra o Príncipe dos príncipes, que prosperaria, e faria o que lhe aprouvesse contra o povo de Deus, mas que finalmente seria “quebrado sem esfôrço de mãos humanas.”
Esta revelação impressionou profundamente o profeta e, como já foi mencionado, bem pode ter sido a causa de sua enfermidade. O capítulo 8 termina com algumas questões ainda não respondidas. Mais tarde, enquanto Daniel meditava sôbre a visão e sua afinidade com a condição de seu povo, instou fervorosamente com Deus pela terminação do cativeiro de Israel e seu regresso à Palestina. Sua oração obteve rápida resposta, pois Gabriel foi enviado para confortá-lo e revelar o plano de Deus mais plenamente.
Gabriel explicara anteriormente tudo a Daniel, menos a parte do tempo da visão simbólica do capítulo 8. Agora êle reaparece para completar a explanação em termos literais (Daniel 9:21 e 22) e para elucidar esta parte restante. O anjo emprega as impressivas palavras: “Entende a visão.” Esta expressão provê a chave para a explanação, pois o vocábulo “visão” aparece dez vêzes no capítulo 8. Convém notar, porém, que em Daniel 8 e 9 são usadas duas palavras hebraicas no texto original: chazon e mar’eh, que diferem um pouco no significado. Nas traduções em português foi empregada apenas uma palavra — “visão — para expressar estas idéias ligeiramente diferentes, e como resultado, nem sempre tem sido compreendida a exata intenção do original.
2. Os vocábulos podem sugerir conceitos diferentes. – As palavras hebraicas para “visão” podem ser significativas. É possível que quando é usada a palavra chazon, se faça referência à visão como um todo. Por outro lado, onde é empregado o vocábulo mar’eh, talvez seja feita alusão às coisas especiais vistas e ouvidas na chazon. 1 Um aspecto visto na chazon total foram os “dois mil e trezentos dias” de Daniel 8:14. Esta cena especial é mencionada como “a visão [mar’eh] da tarde e da manhã” (verso 26).
Quando o anjo Gabriel, “que eu [Daniel] tinha presenciado na minha visão [chazon] ao princípio” (Dan. 9:21), voltou para completar a explicação da visão, êle chamou a atenção de Daniel explicitamente para a visão (mar’eh), ao dizer: “Entende a visão [mareh]” (verso 23).
Importa lembrar que de acôrdo com Daniel 8:26 e 27, foi a mar’eh “da tarde e da manhã” que Daniel não entendeu. Não foi a visão como um todo, pois sòmente a cena da tarde e da manhã ficara sem ser explicada.
Não pode haver dúvida quanto a esta identificação “da visão.” S. R. Driver, famoso comentarista (The Book of Daniel, 1936, pág. 133), reconheceu isto, e escreveu que a “visão ao princípio” (Dan. 9:21) referia-se ao capítulo 8:16. A ligação entre os capítulos 8 e 9 parece inevitável, e o idêntico assunto dos dois capítulos torna-se evidente por si mesmo. A seqüência no capítulo 9 não é pois uma visão nova e independente, mas sim o prosseguimento da explanação literal da “visão” simbólica do capítulo 8. 2
Desejamos salientar que no capítulo 9 Gabriel não estava introduzindo uma nova sucessão profética. Estava simplesmente continuando e completando a explicação interrompida, reatando o fio do assunto onde o deixara na sua anterior aparição ao profeta, mencionada no capítulo 8. Suas últimas palavras, na ocasião precedente, reforçaram o fato de que “a visão” (mar’eh) das 2.300 tardes e manhãs era “verdadeira,” e que o período abrangido por elas devia estender-se a “dias ainda mui distantes” no futuro.
Em vista dêstes fatos, que achamos concludentes, os adventistas do sétimo dia — juntamente com grande número de eruditos dos tempos passados — crêem terminantemente que Daniel 9 fornece a chave para decifrar o aspecto do tempo de Daniel 8 — os 2.300 dias-anos. A nosso ver, os dois capítulos são inseparáveis, e para que possa haver qualquer explicação do aspecto do tempo de Daniel 8:14 e 26, precisam ser interpretados desta maneira.
Evidentemente, Daniel 9 foi dado para suprir conhecimento antecipado sôbre o tempo da unção de Jesus como o Messias — “Cristo” significa “ungido” no grego, correspondendo portanto ao vocábulo hebraico Mashiach — em preparação para Seu ministério público. E Keil, com muitos outros, identifica mashiach nagid como o Cristo. 3 4 A alusão aí não é à Sua encarnação ou nascimento, mas a Sua unção no momento de Seu batismo, pois é então que Êle foi ungido pelo Espírito Santo (Atos 10: 37 e 38) e manifestado como o Cristo, ou Messias. Assim é que André disse a seu irmão Pedro: “Achamos o Messias (que quer dizer Cristo [“ungido”])” (S. João 1:41).
3. “DETERMINADAS” SIGNIFICA “DESIGNADAS,” “DECRETADAS,” “SEPARADAS.” — Gabriel volta-se imediatamente para o aspecto do tempo da visão, e declara: “Setenta semanas estão determinadas sôbre o teu povo {os judeus] e sôbre a tua santa cidade [Jerusalém]” (verso 24). A palavra hebraica chathak, traduzida por “determinadas,” não aparece em qualquer outra parte da Bíblia, não sendo portanto possível apresentar outros empregos bíblicos dêste vocábulo, para ajudar a esclarecer o significado da passagem em apreço.
A edição de 1832 do léxico de Gesenius define chathak como “determinar,” “destinar,” e em caldaico, “cortar,” “decidir.” Mas a edição de 1846 dá-lhe o significado de “cortar,” “dividir” e também de “decretar,” “determinar.” O Students Hebrew and Chaldee Dictionary de 1914 define-a como “cortar, decidir, determinar, decretar,” e Rotherham em sua Empha-sized Bible salienta o significado de “dividir.” Êle passa então a mostrar que o período são as “setenta semanas.” Estas, naturalmente, são tempo; portanto é tempo que é “separado de um todo.” Assim como um pedaço de material é separado ou cortado de um rôlo de material, não se poderia dizer apropriadamente que o período das setenta semanas é cortado [ou subtraído] de um período de tempo mais longo?
Êste conceito, neste caso particular, é admitido por certas autoridades bíblicas. Barnes, comentando o verso 24, declara: “O significado parece ser que esta porção de tempo — as setenta semanas — foi separada [grifo seu] da totalidade da duração, ou cortada dêle, por assim dizer, e designada por si mesma para um propósito definido.” Além disso, o Pulpit Commentary, sôbre êsse verso, concorda com êste pensamento, pois observa: “Significa ‘separar.’ Pode portanto referir-se a estas semanas como sendo ‘separadas’ do tempo em geral; Conseqüentemente ‘determinadas’.”
Diante dêste reconhecimento do significado do uso da palavra “separadas,” bem podemos perguntar: É o período das setenta semanas “separado” do tempo em geral ou num sentido específico? Devemos lembrar-nos de que na visão simbólica de Daniel 8, se fêz referência ao período dos 2.300 dias. Isto ficou sem ser explicado. Se Daniel 9 é a explicação desta parte da visão — que não foi explicada — a explanação teria inevitàvelmente de tratar com o tempo. Mas o único tempo profético mencionado na visão de Daniel 9 são as setenta semanas. Não podemos concluir logicamente, portanto, que quando Gabriel trata das setenta semanas, ou 490 anos, êle esteja explicando a primeira parte da profecia dos 2.300 dias? Êste período (490 anos) foi destinado aos judeus com seu santuário na Terra; o restante do período (2.300 anos) atingiría então a época da igreja cristã, com o santuário no Céu. — Questions on Doctrine, págs. 268-275.