Vimos, com satisfação, sair a lume o muito anunciado léxico hebraico-português, de autoria do Sr. Sábado Dinotos, israelita nascido em nosso país, e militante em atividades culturais. Por certo, a existência de um calepino com verbetes hebreus transpostos em nossa língua, ser-nos-á cômodo na consulta de palavras em busca de significado, evitando-se o manuseio do surrado “Hebrew-English” de R. Avinoam, ou outros congêneres, o que exige uma tradução adicional do vocábulo inglês para o português. Cansativo e maçante o cotejo obrigatório de três idiomas de índole desigual entre si.

O “Dicionário Hebraico-Português”, de S. Dinotos, constitui, sem dúvida, trabalho pioneiro — primeira obra, no gênero, publicada em nosso idioma. Composta e impressa na Imprensa Metodista, tem o mérito, de uma façanha tipográfica digna de nota. Sabido é que inexistem caracteres hebraicos em nossas gráficas. Além disso requer-se linotipista, paginador e revisor especializados. Nosso mestre W. Kerr, de saudosa memória, precisou mandar compor nos Estados Unidos sua conhecidíssima gramática.

A feitura gráfica do dicionário não é, contudo, perfeita. Nota-se que foram utilizados tipos fundidos das letras consonantais hebraicas, mas os sinais massoréticos foram desenhados à mão e depois se fizeram clichês, o que se torna evidente à vista de traços mal desenhados, irregulares, sem a perfeição e simetria com que aparecem nas Bíblias impressas. Em algumas letras, êstes sinais são grossos demais ou muito junto delas, e, às vêzes, por excesso de tintagem na impressão, chegam a formar pequenos borrões, prejudicando a clareza da palavra. Nota-se, particularmente, a irregularidade do qameç gadhôl. (9)

O curioso é que, na bibliografia citada, consta o “Seventh-Day Adventist Bible Dictionary,” e nos prolegômenos, no “Agradecimento”, refere-se à Igreja Adventista “pelos conselhos, sugestões, esclarecimentos, fornecimentos de dados.” Desta forma nossa igreja é incluída entre outras entidades colaboradoras na elaboração do léxico, o que é de estranhar-se dados os poucos adventistas cultores do hebraico no Brasil.

Procurando fugir ao ramerrão dos dicionários comuns, o autor cita, não raro, o sentido do vocábulo em outras línguas, faz exposições etimológicas. À guisa de exemplo, citamos:

“Shemague, gorduras, citadas em Gên. 27:28. O mesmo que em japonês abura, e em inglês fat.”

“Shêmesh, Sol, o astro solar . . . Corresponde ao grego fos, fotos e ao russo svet, e Pitheu o emprega no sentido de “luminosidade.”

No entanto, às vêzes, o autor descamba para a inexatidão e para a fantasia. Eis um exemplo:

“On, Ísis, a deusa egípcia que formava ao lado de Rá, e de Osíris, a trindade egípcia — da qual era um dos sacerdotes o sogro de José (Gên. 41:50). (Obs.: Desde os Setenta que esta palavra vem sendo vertida de forma errada, dando-lhe o sentido de ‘Cidade de On’ ou Heliópolis),”Ora, a bem da verdade deve-se dizer que a trindade egípcia se constituía de Ísis, Osíris e Horus. A divindade Rá (Amon-Rá) era distinta e separada, deus solar, patrono de Tebas, mas não integrava a trindade mitológica.

Outro “cochilo”, bem mais grave, encontra-se no corpo do comentário que faz do verbête IAVE (Jeová). Dentre os complexos e discutíveis significados que apresenta para o Nome Inefável, há êste disparate: “Deva, o ser sagrado da religião hinduísta. O inimigo da religião mazdeísta contrário a Ormuzde, que, erroneamente, para o cristianismo significava o diabo.” Isto, além de absurdo, chega a ser irreverente!

Outra fantasia onomástica o autor tece em tôrno do verbête Aser. Eis um trecho:

“Asher, nome próprio e masculino de Atílio, nome de um filho de Tiakos e de Sílvias, que se constituiu numa tribo que, levada para o exílio, se localizou no Mediterrâneo, atualmente chamada Itália.”

Aí está uma fábula. Troca-se sem-cerimoniosamente os nomes bíblicos de Aser, Jacó e Zilpa, respectivamente por Atílio, Tiakos e Sílvias. E finaliza o comentário do verbête:

“A Itália (Asher) é a tribo que figurava a ‘vara de ferro’ com a qual o mundo seria regido antes que os povos fôssem congregados de nôvo.”

Noutro lugar, verte o nome próprio Rubem por Lusitano.

Como o dicionarista afirma que, entre outros, os adventistas lhe deram orientação, não cremos, nem remotamente, que algum escritor ou obreiro nosso lhe tenha dado orientação desta espécie.

Melhor ficaria se o dicionarista se limitasse exclusivamente ao significado básico dos verbêtes hebraicos, sem deformá-los às vêzes com interpretações nefelibatas. 

Êstes senões, no entanto, não desmerecem o valor da obra no seu sentido lexicográfico, e será muito valiosa para os estudiosos do Sephat ebêr. 

(9) Sinal da vogal a, fechada.