Os evangélicos julgam encontrar poderosa escora em Romanos 14 para fazerem carga contra as leis higiênicas da Bíblia e a observância sabática.
Em exegese, como em tudo o mais, deve-se aplicar a chamada motivação a fim de colhermos o sentido exato que o autor quis transmitir pelas palavras. Duas preliminares se devem estabelecer: o que motivou Paulo a escrever a epístola, e o motivou a escrever certas expressões constantes do capítulo 14.
Diz W. W. Rand, no seu autorizado “Dic-cionário De La Santa Biblia” (edição de 1890, pág. 560): “Segundo se depreende da própria epístola, o motivo que teve Paulo para escrevê-la foram as desinteligências que surgiam entre os conversos judeus e os conversos gentios, não sòmente em Roma, mas em tôdas as partes. O judeu, quanto aos seus privilégios, sentia-se superior ao gentio, o qual, por sua vez, não reconhecia tal superioridade, e se sentia desgostoso quando tal se lhe afirmava.” rem, de imediato, todos os ritos cerimoniais … O próprio Paulo, após sua conversão, estêve em muitas festas, e conquanto ensinasse que a circuncisão nada era, circuncidou a Timóteo, e concordou em fazer um voto de acordo com estipulações de antigo código.” Assim os judeus, embora ligados à nascente igreja cristã, queriam continuar observando as festividades judaicas, como a páscoa, Lua nova, jubileu, e outros sábados festivais, “que eram sombras das coisas futuras”. Tudo desnecessário, pois êste cerimonialismo fôra cravado na cruz. O pior, porém, é que êsses judaizantes queriam impor aos gentios estas observâncias. E os gentios, por seu turno, escandalizavam-se com tais costumes, e irritavam-se quando os judeus os constrangiam. De tudo isto resultavam contendas e disputas que comprometiam a causa do Evangelho. Simultâneamente surgira o problema alimentar. Dois fatos contribuíram para isso. Nas cidades, os pagãos sacrificavam rêzes aos seus ídolos. Note-se que era carne bovina. Imolavam bois e vitelos a Júpiter, Mercúrio, Diana, Minerva, Ceres e outros deuses mitológicos, em meio a ritos licenciosos. Dêles se originaram as bacanais, saturnais, lupercais, etc. Após a imolação, a carne era vendida, a baixo preço, aos açougueiros que a colocavam junto das demais carnes que vendiam. Diz o nosso “The SDA Bible Commentary”: “A carta aos Coríntios fôra escrita menos de um ano antes da carta aos romanos. Deve-se concluir de I Cor. 8 e Rom. 14 que Paulo trata essencialmente do mesmo problema .. . De acordo com antiga prática, os sacerdotes do paganismo empenhavam-se à larga na mercância dos sacrifícios animais oferecidos aos ídolos.” Uma espécie de simonia pagã. Achavam os judaizantes que não se devia, em nenhuma hipótese, comprar carne nos açougues, porque não se podia ter certeza se a mesma fôra ou não sacrificada aos ídolos. O outro fato que criava forte preconceito contra os gentios conversos prendia-se aos judeus essênios que aceitavam a mensagem cristã. Diz M. C. Wilcox, em seu “Studies in Romans”: “Alguns membros da igreja em Roma haviam sido membros dos Essênios — seita judaica muito estrita, ascética, cujos membros eram em geral vegetarianos, cumpridores estritos da lei mosaica, observando com exação tanto as festividades anuais e sábados quanto o dia semanal de repouso. Sua fé não alcançara ainda a plenitude do sacrifício e da obra completa de Cristo.” Também o erudito comentador Arthur S. Peake, em seu “A Commentary on the Bible”, declara: “Alguns círculos ascéticos na igreja de Roma, trazidos talvez pelos judeus de dogmas essênios (v. Lightfoot), praticavam o vegetarismo; outros consideravam muitos dias como sagrados. Sôbre tais assuntos, os cristãos não deviam julgar nem contender entre si”.
A boa exegese não prescinde de enquadrar os fatos narrados, em sua moldura histórica. Expandindo-se o cristianismo na Ásia Menor e sul da Europa — em grande parte devido ao estafante trabalho missionário de Paulo — o Evangelho era abraçado por gentios e judeus, pois êstes se achavam espalhados por tôda a parte. Assim em várias localidades se formavam igrejas, como em Roma, Corinto, Galácia, Colossos, Éfeso — grandes centros do paganismo. Os judeus, embora aceitassem a verdade evangélica, conservavam restos de sua tradição, não deixando de pronto muitas práticas da lei cerimonial, tão aferrados estavam a elas. Diz o nosso “The SDA Bible Commentary”: “De fato, os primeiros cristãos não foram solicitados a deixarem repentinamente de comparecer às festas judaicas anuais ou repudiarem, de imediato, todos os ritos cerimoniais … O próprio Paulo, após sua conversão, estêve em muitas festas, e conquanto ensinasse que a circuncisão nada era, circuncidou a Timóteo, e concordou em fazer um voto de acordo com estipulações de antigo código.” Assim os judeus, embora ligados à nascente igreja cristã, queriam continuar observando as festividades judaicas, como a páscoa, Lua nova, jubileu, e outros sábados festivais, “que eram sombras das coisas futuras”. Tudo desnecessário, pois êste cerimonialismo fôra cravado na cruz. O pior, porém, é que êsses judaizantes queriam impor aos gentios estas observâncias. E os gentios, por seu turno, escandalizavam-se com tais costumes, e irritavam-se quando os judeus os constrangiam. De tudo isto resultavam contendas e disputas que comprometiam a causa do Evangelho. Simultâneamente surgira o problema alimentar. Dois fatos contribuíram para isso. Nas cidades, os pagãos sacrificavam rêzes aos seus ídolos. Note-se que era carne bovina. Imolavam bois e vitelos a Júpiter, Mercúrio, Diana, Minerva, Ceres e outros deuses mitológicos, em meio a ritos licenciosos. Dêles se originaram as bacanais, saturnais, lupercais, etc. Após a imolação, a carne era vendida, a baixo preço, aos açougueiros que a colocavam junto das demais carnes que vendiam. Diz o nosso “The SDA Bible Commentary”: “A carta aos Coríntios fôra escrita menos de um ano antes da carta aos romanos. Deve-se concluir de I Cor. 8 e Rom. 14 que Paulo trata essencialmente do mesmo problema .. . De acordo com antiga prática, os sacerdotes do paganismo empenhavam-se à larga na mercância dos sacrifícios animais oferecidos aos ídolos.” Uma espécie de simonia pagã. Achavam os judaizantes que não se devia, em nenhuma hipótese, comprar carne nos açougues, porque não se podia ter certeza
À luz desta moldura histórica, podemos, sem dificuldade, compreender certas expressões paulinas. Nada há, neste capítulo, de derrogatório sôbre leis higiênicas, e muito menos do sábado do quarto mandamento. J. P. Lange, em seu ‘ famoso comentário, cita Tholuck: “Tanto em relação aos preceitos sôbre alimentos, quanto aos referentes aos dias santos judaicos (Col. 2:16), e de modo especial ao sábado, os judeus cristãos não puderam livrar-se, e encontramos a observância do sábado mesmo no quinto século da igreja. Ver Const. Apost. 25.”
O primeiro versículo refere ao “débil na fé.” O nosso comentário esclarece: “Isto é, aquêle que tinha limitada compreensão dos princípios da justiça, ansioso por salvar-se e disposto a fazer tudo quanto cria que dêle se exigia. Contudo na imaturidade de sua experiência cristã (ver Heb. 5:11 a 6:2) e provàvelmente em decorrência de sua crença e educação anteriores, êle procurava assegurar a salvação pela observância de certos preceitos e regulamentos que na realidade não” se exigiam dêle. Para êle tais preceitos assumiam a maior importância. Julgava-os absolutamente necessários à salvação, e ficava escandalizado e confuso ao ver outros cristãos ao seu redor, sem dúvida mais amadurecidos e experientes, que não partilhavam dêstes escrúpulos.”
Infelizmente inda hoje há membros de nossa igreja, sem dúvida bem intencionados, que caem em extremos, superestimando e exaltando certos aspectos da mensagem em detrimento de outros de maior importância. Não estarão acaso invertendo a pirâmide (ápice para o solo e base para o alto)? Não haverá o risco de pretenderem a salvação pelos princípios?
O verso 5 declara: “Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias.” A palavra “iguais”, em grifo na versão comum de Almeida, não se acha no original grego e foi acrescentada pelo tradutor para complementar o sentido. Comentando êste verso, escreve o autorizado Adão Clarke (metodista): “… a palavra hemera, ‘dia’ no grego, deve aqui ser tomada no sentido de tempo, festival, pois em tal sentido é freqüentemente empregada. A referência aí feita (Rom. 14:5) prende-se a instituições judaicas, e especialmente seus festivais, tais como a páscoa, pentecostes, festa dos taber-náculos, Lua nova, jubileu, etc. … Os gentios convertidos consideravam . .. que todos êstes festivais não obrigavam mais o cristão. Nós (os tradutores) acrescentamos aqui a palavra iguais, e fazemos o texto dizer o que, estou certo, jamais foi pretendido, isto é, que não há distinção de dias, nem mesmo do sábado.”
Jamiesson, Fausset e Brown afirmam em seu comentário: “. .. será difícil mostrar que o apóstolo tenha rebaixado o sábado de ma-neira a ser classificado por seus leitores entre as transitórias festas judaicas, e sòmente os ‘débeis na fé’ podiam supor estarem ainda em vigor — enfermos que deveriam ser tratados com amor pelos que tinham mais luz.”
O sábado jamais foi tema de controvérsia entre os cristãos primitivos, e Paulo não tratou dêle.
Muitos ledores superficiais dos escritos paulinos se embaraçam com o verso 14: “Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesmo imunda a não ser para aquêle que a tem por imunda, para êsse é imunda.” E, pelo sentido aparente do texto, concluem que não mais vigora a proibição do consumo de carnes imundas, notadamente a do porco. Note-se, de início, que a expressão “nenhuma coisa” (oyden no grego), é um idiomatismo — maneira peculiar de expressar que longe está de ter a amplitude de sentido que aparenta ter. Deve-se entender necessàriamente que “dos alimentos comumente usados pelos cristãos naquele tempo nada era por si mesmo imundo ou impróprio para o consumo”. Idiomatismos correlatos: o “nada” de S. Mar. 7:15, o “tudo” de Rom. 14:20, o “tôdas as coisas” de I Cor. 10:23, e o “em todo o mundo” de Rom. 1:8. Estas singulares expressões têm sentido restrito ao assunto a que se referem. Se, por exemplo, a frase “tôdas as coisas me são lícitas” significasse realmente tôdas as coisas, então Paulo estaria pregando a luxúria, a moda, o baile, o carnaval e qualquer outra prática mundana. A expressão “em todo o mundo é anunciada a vossa fé” se restringia a algumas dezenas de localidades da Ásia menor e sul da Europa, onde, nos primórdios do cristianismo, era conhecida a fé dos romanos.
Em relação às carnes sacrificadas aos ídolos, se alguém as julgasse imundas, não deveria comê-las. Contudo não devia julgar os que a comessem.
Nessa contextuação, não há dificuldade alguma em entender-se o que Paulo quis realmente dizer.
Os Livros Apócrifos
Costumamos dizer que os livros apócrifos não têm o sêlo da inspiração, registam muitas incongruências, foram rejeitados pelos concílios anteriores ao de Trento, e êste mesmo os aceitou em razão da campanha anti-Reforma. Realmente êstes fatos incontestáveis militam contra a canonicidade dos apócrifos, que foram escritos talvez por judeus piedosos, durante os quatrocentos anos em que silenciara a voz dos profetas. Desconhecem-se, em grande parte, seus verdadeiros autores, e fo-ram adicionados à Septuaginta, ou seja a versão grega do Velho Testamento, feita em Alexandria durante êsse período. Não se encontravam, portanto, no Cânon Hebraico do Velho Testamento, e nunca, em tempo algum foram, pelos judeus, considerados inspirados como os 39 livros do VT. Até que, em 1546, em plena efervescência da Contra-Reforma, a Igreja Católica convocou o concilio tridentino que, por conveniência, os incorporou ao cânon tradicional. São, portanto, um acréscimo, uma excrescência.
Apesar do valor histórico que alguns dêles possam possuir, e de certo valor moral e religioso, jamais poderão nivelar-se aos escritos canônicos. Os judeus sentiam que a inspiração profética se havia encerrado nos dias de Malaquias. É o que se depreende do célebre historiador Josefo (fim do primeiro século da era cristã), em seu famoso discurso contra Apion, no capítulo primeiro, oitavo parágrafo: “Desde Artaxerxes até os nossos dias, escreveram-se vários livros; mas não os consideramos dignos de confiança idêntica aos livros que os precederam, porque se interrompeu a sucessão dos profetas. Esta é a prova do respeito que temos pelas nossas Escrituras. Ainda que um grande intervalo nos separe do tempo em que elas foram encerradas, ninguém se atreveu a juntar-lhes ou tirar-lhes uma única sílaba; desde o dia de seu nascimento, todos os judeus são compelidos, como por instinto, a considerar as Escrituras como o próprio ensina-mento de Deus, e a ser-lhes fiéis, e, se tal fôr necessário, dar alegremente a sua vida por elas.’’ O próprio Jerônimo, a quem se deve a versão Vulgata (latina, oficial da Igreja Romana) faz distinção entre os escritos canônicos, como obras de autoridade, e os não-canônicos, que êle considera úteis para estudo privado ou mera leitura piedosa, mas que não deveriam ser utilizados para estabelecer qualquer doutrina.
Acrescente-se o fato de nenhum dêsses livros apócrifos terem sido jamais citados por Cristo, nem reconhecido como inspirado pela igreja primitiva. E agora um ponto histórico que nos esclarece a razão de certo apêgo a êsses livros, antes do concilio de Trento. Quando a Bíblia foi, pela primeira vez, traduzida para o Latim, no segundo século da era cristã, o seu Velho Testamento foi traduzido, notemos bem, não do Cânon He-braico — onde não se encontravam os apócrifos — mas da versão grega, Septuaginta, à qual tais livros haviam sido adicionados pe-los judeus da Dispersão do Egito, país êste onde, na sua maior parte, os apócrifos foram escritos. E mesmo a maior parte dos primeiros Pais da Igreja não os considerava inspirados. Posteriormente é que a tradição se foi apegando a êles. É bom têrmos êstes fatos em mente.