Na introdução de O Grande Conflito, Ellen G. White declara o seguinte: “Em alguns casos em que algum historiador agrupou os fatos de tal modo a proporcionar, em breve, uma visão compreensiva do assunto, ou resumiu convenientemente os pormenores, suas palavras foram citadas textualmente.”1

Mencionamos anteriormente que 12% do material de O Grande Conflito consiste de citações de diversos autores, especialmente historiadores. Quando eram feitos os planos para a nova edição em língua alemã, houve volumosa correspondência, principalmente por parte de Conradi, sobre as autoridades citadas na obra. Algumas modificações foram autorizadas.2 A versão castelhana contém um capítulo adicional à obra original em inglês. Trata-se do capítulo décimo terceiro: “O Despertar da Espanha”, que foi escrito pelos Pastores C. C. Crisler e H. R. Hall, com a devida autorização da autora. Isto eleva um pouco mais a porcentagem calculada por Nichols, na edição castelhana.

Quando Ellen G. White visitou a Europa, em 1885-1887, sugeriu-se que fosse preparada uma edição de O Grande Conflito que pudesse ser distribuída pelos colportores ao público em geral. A edição de 1888 não somente contém adições à anterior, mas nela foram inseridas as numerosas citações de outros autores que figuram nas edições correntes.

Sempre se considerou que, nesse sentido, a obra era diferente das outras, até mesmo de suas próprias companheiras da chamada Série Conflito.Não há referência a outros autores nos demais livros como em O Grande Conflito. Evidentemente, porém, eles contêm idéias extraídas de outros autores, embora não na forma de citações copiadas diretamente, e, sim, na forma de paráfrases. Notemos o seguinte exemplo, muito especial, da definição da revelação:

“Não são as palavras da Bíblia que foram inspiradas, não são os pensamentos da Bíblia que foram inspirados; os homens que escreveram a Bíblia são os que foram inspirados. A inspiração não atua nas palavras do homem, nem nos pensamentos do homem, mas no próprio homem; de maneira que ele, por sua própria espontaneidade, sob a inspiração do Espírito Santo, concebe certos pensamentos.”4

“Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens é que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões, mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos.”5

É evidente que Ellen G. White utilizou muita coisa de Stowe em sua definição. Stowe disse que “não são os pensamentos da Bíblia que foram inspirados”, e ela omitiu essa frase. Também omitiu a expressão “por sua própria espontaneidade”. Em vez de dizer “concebe certos pensamentos”, ela disse “é possuído de pensamentos”.6 Ellen G. White utilizou idéias de Stowe, mas não totalmente. Sua definição assemelha-se muito à de Stowe, mas não é igual. A de Ellen G. White é mais sintética e mais clara que a de Stowe. Este fato é característico em Ellen G. White quando faz uso de outros autores: clarifica, seleciona e sintetiza.

Esse uso de palavras, idéias ou linhas de pensamento de outros autores constitui uma surpresa para muitos na Igreja. O Pastor N. Wilson mencionou-o numa comunicação através da Review and Herald.1 A Associação Geral tomou uma resolução de seis pontos, o primeiro dos quais declara o seguinte:

“Reconhecemos que Ellen G. White, em seus escritos, serviu-se de diversas fontes numa forma mais extensa do que havíamos pensado anteriormente.”8

Foram efetuados vários estudos sobre isso por parte de indivíduos e grupos. O grupo de Publicações White, o secretário, os três associados, dois assistentes e o Pastor A. L. White realizaram estudos comparativos de O Desejado de Todas as Nações com seis obras sobre a vida de Cristo que Ellen G. White havia consultado. Alguns deles figuram na coleção de livros que fazia parte da biblioteca do casal White, a qual, em sua maioria, pertence agora ao Patrimônio White. 9 O estudo foi muito revelador. É evidente que quem lançou o problema ao público exagerou bastante. Também o é o fato de que Ellen G. White reflete algumas linhas de pensamento, embora não tenha sido encontrada declaração alguma copiada textualmente.

Depois que for concluído o trabalho que o Dr. F. Veltman realiza atualmente para procurar estabelecer a relação literária que possa existir entre alguns livros de Ellen G. White e outros autores, a Igreja poderá dispor de uma informação oficial, objetiva e não tendenciosa. A metodologia seguida por W. Rea e suas declarações não partilhadas pela Igreja causaram a esse indivíduo a perda de suas credenciais e um pouco de inquietação a certos elementos da comunidade adventista.

Não se Trata de um Fato Desconhecido

O Pastor W. C. White fez menção do uso, por parte de Ellen G. White, de materiais de outros autores. Além disso, explicou em diversas ocasiões o procedimento que sua mãe seguiu na preparação de seus livros.

Em 1928, numa carta escrita ao Pastor L. E. Froom, (ele disse o seguinte:

“Quanto à leitura de obras de autores contemporâneos durante o tempo da preparação desses livros, há muito pouco que dizer, porque quando a irmã White os estava escrevendo dispunha de pouco tempo para ler. Antes de escrever sobre a vida de Cristo e durante o tempo em que escreveu até certo ponto, ela leu algo das obras de Hanna, Fleetwood, Farrar e Geike. Nunca soube que tenha lido a Edersheim. De vez em quando faz referência a Andrews, especialmente em relação com a cronologia. … Muitas vezes, quando lia Hanna, Farrar ou Fleetwood, continuava com a descrição de uma cena que lhe tinha sido apresentada vividamente, mas fora olvidada, e que ela podia descrever agora com mais detalhes do que os que havia lido. … Admirava a linguagem com que outros escritores apresentavam a seus leitores as cenas que Deus lhe apresentara em visão.”10

E acrescenta noutra parte da mesma carta:

“Em muitos de seus manuscritos… usava aspas. Noutros, não, e seu hábito de usar parte de algumas sentenças que se encontram nos escritos de outros autores e recheá-los em parte com sua própria composição, não se baseava em nenhum plano definido nem foi questionado por seus copistas… e revisores de pormenores de redação até cerca de 1885 e também depois desse ano.”

Os acontecimentos relacionados com o grande conflito entre Cristo e Satanás ela os recebeu em cenas panorâmicas. Teve, pois, que completar as formas esqueléticas recebidas do Senhor com fatos da História, “bastante conhecidos e universalmente reconhecidos; … que ninguém pode negar.”11 Esses ratos não constituem, pois, uma revelação, visto que figuram nos textos de História. Deus não revela o que está ao alcance do conhecimento do homem. Foi o que ocorreu com as muitas partes históricas da Bíblia. Lucas recolheu informações para seu livro. Não é que o Espírito Santo lhe revelou o que ele escreveu, pois eram fatos conhecidos. O Espírito atuou sobre Lucas, e seus livros constituem palavra inspirada de Deus.

O assunto da revelação tem dividido o mundo evangélico pelo menos em dois grupos. O primeiro compõe-se dos que crêem que toda a Escritura é inspirada e verdadeira; isso abrange todas as referências geográficas, históricas, cronológicas e científicas. O segundo grupo compõe-se dos que crêem que só é inspirado o que tem que ver com a salvação e com as doutrinas. A autoridade da Bíblia, dizem, está no âmbito da fé e da prática; Deus permitiu que Seus porta-vozes usassem seus conhecimentos limitados, e por isso escaparam algumas discrepâncias e faltas.

Harold Lindsay, durante algum tempo redator-chefe de Christianity Today e homem preeminente no mundo evangélico, escreve o seguinte:

“Quando dizemos que a Bíblia é a Palavra de Deus, não faz diferença se os seus escritores obtiveram as informações através de uma revelação direta de Deus, como no caso do Apocalipse; ou se eles buscaram material, como o fez Lucas, ou se adquiriram o conhecimento utilizando fontes existentes, relatórios da corte real ou mesmo da boca de outros. A pergunta que devemos fazer a nós mesmos é se o que eles escreveram, não importa de onde tenham obtido o conhecimento, é digno de confiança.”12

Ellen G. White e o Uso de Materiais Históricos

Em 1935 o Pastor W. C. White dirigiu uma série de estudos na Escola Bíblica Avançada do Colégio União do Pacífico, na Califórnia. Nessa ocasião ele referiu-se ao uso de outros autores por parte de Ellen G. White, especialmente historiadores. Como naquele tempo não existiam as tendências críticas e revisionistas que estão em voga hoje em dia, o assunto não causou muito interesse.13 Notemos algumas declarações formuladas então:

“Quando o historiador apresentava o que ela também queria fazer, mas em linguagem muito extensa, para que pudesse utilizá-la parafraseava a declaração, usando algumas das palavras do livro e as suas próprias. Dessa maneira podia apresentar declarações sólidas e abarcantes, mas em forma concisa…. A Sra. White nunca declarou ser uma autoridade em pormenores históricos. Nunca escreveu para corrigir os historiadores…. Considerava útil o conhecimento da História para melhor compreensão do grande conflito travado nos céus e na Terra em torno do eterno destino do homem; e também que os registros dos conflitos e das vitórias do homem nos tempos passados tinham um propósito instrutivo. …”14

O uso, pois, da História se revestia, antes, de propósitos práticos. Não se tratava tanto de confirmar o que os historiadores declaram, como de preencher, de maneira fidedigna, as lacunas resultantes do fato de que ela só recebeu idéias básicas relacionadas com o conflito milenar entre Cristo e Satanás. Recorreu, portanto, aos escritores que mencionavam esses fatos da História que eram de domínio público. Não se trata, pois, de uma revelação. Pode ser afirmada a mesma coisa a respeito do uso de materiais de outros autores quando ela comenta outros acontecimentos bíblicos, como no caso de O Desejado de Todas as Nações. A originalidade, que é uma condição indispensável na revelação, não o é, necessariamente, no caso da inspiração.

Deus, a Fonte de Luz Verdadeira

No uso que Ellen G. White faz de alguns materiais de outros autores, chama a atenção sua capacidade seletiva. Tomemos, por exemplo, o caso de Urias Smith, de cujos materiais ela lançou mão em determinadas circunstâncias. Ela nunca adotou as idéias de Smith relacionadas com o Armagedom. Para ela o Armagedom faz parte do conflito milenar: sua última manifestação. Trata-se de uma batalha espiritual. A Turquia não aparece nos escritos de Ellen G. White como na interpretação de Smith. Além disso, a Cristologia de Smith era semiariana. Mas na que é apresentada por Ellen G. White não há manifestação alguma de arianismo.14

As visões lhe forneceram, pois, elementos básicos. Além disso, o Espírito Santo podia impressioná-la em suas pregações, conversações, discernimento e sensibilidade, devido a sua familiaridade com as Escrituras e as coisas de Deus. Isso lhe permitia detectar o que era bom e correto nas declarações de outros autores e utilizá-las depois segundo fosse conveniente.

Quem isto escreve comparou pormenorizadamente alguns capítulos de sete livros que poderiam ter sido consultados por Ellen G. White quando preparava O Desejado de Todas as Nações, especialmente os trechos relacionados com a infância e a juventude de Cristo, com o que ela escreveu. As conclusões foram as seguintes:15

  • 1. É evidente que há semelhança de pormenores entre o que escreve Ellen G. White e alguns desses autores, especialmente Hanna e Fleetwood.
  • 2. Essa semelhança se manifesta no uso de textos bíblicos, algumas palavras e idéias, mas nunca na forma de citações diretas.
  • 3. Há notáveis dessemelhanças entre esses autores e Ellen G. White, mas as semelhanças são mais comuns.
  • 4. Há muito mais material extrabíblico em Ellen G. White do que nos referidos autores.
  • 5. Ellen G. White faz mais aplicações à vida que os outros autores, e mesmo que todos eles juntos, dos fatos da vida do Menino Jesus. (Nove no capítulo “Em Criança”.)
  • 6. Ellen G. White centraliza muito mais a Cristo que os referidos autores. Alguns deles se concentram mais nos aspectos históricos, geográficos e descritivos, principalmente de lugares relacionados com Sua infância.
  • 7. Nenhum dos autores introduz a característica sobresselente e mui definida em Ellen G. White: a da controvérsia básica entre Cristo e Satanás que campeia em todos os livros da Série Conflito.
  • 8. Alguns dos autores revelam certas características similares entre si, co-mo se houvessem consultado fontes comuns.

Talvez uma das razões, entre outras, para o uso de materiais de outros autores se encontre na idéia expressada em pelo menos dois lugares de seus escritos: Cristo é “o originador de todas as antigas gemas da verdade”, as quais, através da obra do inimigo, chegaram a parecer “desligadas de sua autêntica posição e colocadas na trama do erro”. A obra de Cristo consistia, em parte, em resgatar essas verdades obscurecidas e dar-lhes outra vez seu brilho original. “Cristo podia usar qualquer dessas antigas verdades sem com isso tomar emprestadas as mais ínfimas partículas, pois Ele originara a todas elas.”16

O segundo lugar em que aparece uma idéia similar é no livro Educação:

“O mundo tem tido seus grandes ensinadores, homens de poderoso intelecto e vasto poder investigativo, homens cujas palavras têm estimulado o pensamento e revelado extensos campos ao saber; tais homens têm sido honrados como guias e benfeitores do gênero humano; há, porém, Alguém que Se acha acima deles. Podemos delinear a série dos ensinadores do mundo, no passado, até ao ponto a que atingem os registros da História; a luz, porém, existiu antes deles. Assim como a Lua e as estrelas do nosso sistema planetário resplandecem pela luz refletida do Sol, assim também os grandes pensadores do mundo, tanto quanto são verdadeiros os seus ensinos, refletem os raios do Sol da Justiça. Cada raio de pensamento, cada lampejo do intelecto, procede da Luz do mundo.”17

Assim como alguns de nós ficamos surpresos ao notar que Ellen G. White fez uso de palavras e idéias de outros autores, também poderia surpreender-nos o fato de que essa prática foi seguida por alguns escritores públicos. O princípio expressado nas duas declarações precedentes poderia ser uma boa maneira de aceitar o fato para a Bíblia, bem como para os escritos de Ellen G. White.

Referências

  • 1. O Grande Conflito, Introdução, pág. 13.
  • 2. White Estate Document File, n? 86.
  • 3. A “Série Conflito” compõe-se dos livros Patriarcas e Profetas, Profetas e Reis, O Desejado de Todas as Nações, Atos dos Apóstolos e O Grande Conflito.
  • 4. C. E. Stowe, Origin and History of the Books of the Bible, pág. 20. (O grifo é nosso.)
  • 5. Mensagens Escolhidas, livro 1, pág. 21. (Grifo acrescentado.)
  • 6. O original inglês diz: “is imbued with thoughts”. A versão castelhana verte a forma verbal “is”, utilizada por EGW, por “está”. Sendo que a revelação (ou inspiração) não é um estado do recebedor da mesma, e, sim, uma circunstância criada por aquele que inspira, é preferível a forma derivada do verbo “ser”.
  • 7. Review and Herald, 20 de março de 1980. “O relatório dessa competente comissão indica que, em seus escritos, Ellen G. White usou outras fontes de que até agora não nos havíamos inteirado ou que não havíamos percebido.”
  • 8. Voto 8.031, de 5 de fevereiro
  • de 1980.
  • 9. O casal White deixou uma biblioteca de uns 600 volumes, entre os quais figura The Life of Christ, de W. Hanna. W. C. White recorda que nalgumas ocasiões seus pais liam juntos, às vezes por uma hora, livros, especialmente de História. Ellen G. White completou com informações extraídas de outras fontes o material básico sobre o qual recebeu revelação. (Selected Messages, livro 3, págs. 459 e 462.)
  • 10. W. C. White, Carta a L. E. Froom, 8 de janeiro de 1928.
  • 11. O Grande Conflito, Introdução, pág. 12.
  • 12. Harold Lindsay, The Battle for the Bible, pág. 30.
  • 13. W. C. White, Estudos Apresentados na Escola Bíblica Avançada, Colégio União do Pacífico, í8-6-1935. O Pastor A. Aeschlimann referiu a quem isto escreve que ele assistiu a esses cursos, mas não lhe chamaram a atenção as indicações específicas então formuladas pelo Pastor White.
  • 14. Ver coleção sistematizada de citações sobre Cristologia contidas em Questions on Doctrine, Apêndices A e B, págs. 641-660.
  • 15. Albott, Lyman, A Life of Christ; Farrar, Frederic, Life of Christ, Fleetwood, John, The Life of our Lord and Saviour, Jesus Christ; Geike, C., The Life and Words of Christ; Hanna, William, The Life of Christ; Edersheim, A. O., Life and Times of Jesus the Messiah; March, Daniel, Walks and Homes.
  • 16. Ellen G. White, Manuscrito 25, 1890.
  • 17. Educação, pág. 13 e 14.