EDWARD HEPPENSTALL

(Professor de Teologia Cristã, SDA Theological Seminary)

RELIGIÃO, como têrmo universal, trata da relação do homem para com Deus ou deuses. Pressupõe que em alguma forma ou formas o homem tenha sido ou esteja sendo acareado com o sobrenatural. Isto varia entre as religiões do mundo. Para o cristão, religião é a relação pessoal com o Deus da Bíblia e o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. O homem foi defrontado com a revelação divina na atividade de Deus por meio de Jesus Cristo e de Sua Palavra.

Mas religião tem, também, um conteúdo racional e intelectual. Compete à teologia interpretar de maneira tal êsse conteúdo que as doutrinas formuladas constituam uma interpretação correta dêsse mesmo conteúdo. Tôda igreja e denominação tem uma teologia. Não se trata de ter ou não ter uma teologia. A questão é esta: Possuem a igreja e o crente cristão uma teologia correta e vital? O conhecimento teológico torna-se conhecimento de salvação em virtude da presença do Espírito Santo atuante por meio da Palavra e levando o crente à harmonia com a vontade de Deus. A fé viva não vicia a teologia correta, nem depende da apreensão intelectual de tudo quanto se possa conceber como pertencente a uma teologia sistemática.

Um mais completo conhecimento intelectual de teologia não produz necessàriamente experiência cristã mais vital, embora devesse-o. O conhecimento da doutrina intelectual concebido não deve ser considerado equivalente à fé vital em Deus. Doutrinas e interpretações teológicas são aspectos formais da fé viva. A Bíblia como tal não é uma série de discursos teológicos. Não é teologia sistemática. Raramente o escritor bíblico visa a produzir um tratado teológico sôbre qualquer doutrina. Paulo, no livro de Romanos, e em sua apresentação da ressurreição, em I Coríntios 15, aproxima-se o máximo possível.

A Essência do Cristianismo

Uma das maiores tendências hodiernas é a preocupação pelo que é chamado “a essência do cristianismo.” Isto é muitas vêzes tido como significativo do que possui validade para o viver diário e diferente de certos dogmas teológicos mantidos por várias igrejas da cristandade. Ao buscarmos interpretar a Bíblia e estruturar uma teologia, podemos chegar a eliminar da vida o cristianismo. O ensino e a pregação de doutrinas podem tornar-se apenas descrições verbais de realidades divinas. Torna-se, então, impossível que o instrutor ou pregador comunique fé e amor por meio da oratória.

Como líderes, instrutores e pregadores cristãos defrontamo-nos com estas duas preocupações: (1) tornar as doutrinas vitais na experiência religiosa contemporânea, e (2) interpretar o conteúdo intelectual da Bíblia em harmonia com a vontade de Deus de forma a constituí-la a verdade divina.

Um professor de teologia tirou de sua biblioteca certos livros sôbre a crença e a doutrina adventistas e passou a interrogar-me sôbre os pontos fundamentais dessa igreja. Por fim, disse: “Minha igreja interpreta isto de maneira diversa da sua. Você crê na Bíblia ou na interpretação adventista da Bíblia? Que direito têm vocês de considerar correta a sua interpretação e não a minha? Como sabem vocês que a sua teologia bíblica é a correta?”

Que teríeis respondido?

Tendências Modernas em Teologia

A inclinação moderna é do afastamento de um corpo de verdade teológica objetiva para uma experiência subjetiva de Deus. Para a teologia a decisão é crucial. Não é a da teologia contra a sua negação absoluta. Mas multidões hoje pretendem a realidade religiosa e uma experiência com Deus em certo conhecimento intuitivo fora da revelação objetiva da verdade bíblica, e muitas vêzes a ela contrária. A doutrina não mais é importante, dizem. O que vale é a experiência. Para êsses a teologia fica subordinada à psicologia. A prova da verdade é psicológica.

Mero engano é fazer a suposta experiência religiosa tomar o lugar da Escritura e da revelação objetiva contida na Palavra de Deus. Fora de dúvida é que não pode haver religião bíblica sem experimentar a forma de fé cristã apresentada nas Escrituras. Mas crença e fé não podem ser tidas como não intelectuais. A verdadeira fé tem por base o verdadeiro conhecimento (Rom. 10:17). O que, então, constitui realmente o conhecimento que salva? Até onde pode a pessoa crer o êrro ou pouco ou nada crer e ainda pretender o recebimento da graça salvadora?

Às vêzes têm sido verdade que a vitalidade da fé cristã precedeu a formulação e a clara compreensão da verdade doutrinária. Mas uma tal experiência nunca é contrária à sã doutrina. Tem sido dito que nossa teologia pode ser mais elevada do que a nossa vida devocional. Mas também pode ser dito que nossa vida devocional e experiência cristã não podem ser mais elevadas do que a nossa apreensão e compreensão de Deus e de Sua verdade, ou, noutras palavras, de nossa teologia.

Os mais decisivos têrmos teológicos são: “revelação” e “inspiração.” Ambos declaram que Deus falou por meio de Seu Filho e de Seus servos escolhidos, os profetas, de maneira inteiramente diversa da que Deus nos fala a nós hoje. Nega categoricamente que o homem, ainda que cristão, seja a fonte da verdade e doutrina cristãs, e a sua prova. A teologia cristã não determina o que seja a verdadeira doutrina ou a sã teologia. O pôr em foco a sã teologia é obra do Espírito Santo. Se assim não fôsse a autoridade do homem e a autoridade da Igreja seriam primárias. Essa é a atitude dos católicos, romanos. Mas a Palavra de Deus existiu antes da igreja. Ela trouxe à existência a igreja. Portanto não podia a igreja ser anterior em autoridade. Tudo quanto a Igreja fêz nos primeiros séculos foi reconhecer o que já estava estabelecido e crido como sendo a Palavra de Deus. Nenhuma corporação organizada de homens no primeiro século determinou o que era verdadeira teologia. Muito embora os primeiros séculos assinalados por controvérsia teológica, êsses litigantes não constituíram a autoridade primária de Deus.

Os crentes tornaram-se uma corporação organizada porque experimentaram a atuação do Espírito Santo, como declarou Cristo, para “guiá-los em tôda a verdade.” A verdadeira teologia cristã primeiramente crê nas Escrituras como Palavra de Deus. Busca pôr a vida em harmonia com essa Palavra e submeter todo o ser ao seu julgamento. O único fator vital de unificação consiste na liderança do Espírito de Deus por meio da Divina Palavra. Se a Bíblia não mais fôr digna de confiança como a fonte de nossa teologia, então as doutrinas que os homens formulam têm que permanecer para sempre como o produto de homens pecadores e de um incompetente raciocínio humano.

A Revelação Acima da Igreja

Como poderia qualquer igreja existir anteriormente à revelação? Não poderia haver Igreja sem que primeiramente Deus tivesse falado. Se Deus fala a todos os homens em tôdas as igrejas e con-gregações na mesma maneira em que falou em Sua Divina Palavra, então Cristo tem de contradizer-Se. O Espírito nunca encaminhará os homens à convicção de que uma revelação original da verdade estava errada. Cristo não pode desmentir-Se. Tôda a verdade doutrinária tem que ser tal qual é, não porque a Igreja o declara, mas porque a Bíblia mostra ser verdade. A igreja é final e possui plena autoridade sòmente quando é fiel à Palavra revelada. Se uma igreja ou um crente quer crescer e manter-se vivo, precisa constantemente provar suas crenças e a sua vida pela Palavra revelada. Qualquer coisa menos que isto levará à submissão à autoridade dos homens e não de Deus.

Ainda mais, tem o homem que não aprisionar-se à verdade de Deus por interpretações humanas. É sempre possível que os líderes ilustrados da igreja, que são homens falíveis, se afastem da Palavra de Deus e sejam desobedientes e tirem conclusões errôneas. Deus não pode confiar a Sua autoridade a homens. Porque Êle está, então, a mercê do homem, cuja mente está entorpecida pelo pecado e, assim, incompetente para julgar, só por si, o que é a verdade.

Como podemos nós confiar na interpretação hu-mana e ainda assim apelar para a mesma Palavra como nossa autoridade? A autoridade derivada nunca pode ser a fonte da autoridade de que é derivada. Uma sã teologia só provém da Escritura. E quem é chamado para pregar tem que continuamente vigiar, orar e estudar para evitar de misturar os raciocínios filosóficos e as opiniões de homens com a revelação da mente divina.

“O profeta que tem um sonho conte o sonho; e aquêle em quem está a Minha palavra, fale a Minha palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor. Não é a Minha palavra como o fogo, diz o Senhor, e como um martelo que esmiuça a penha? Portanto, eis que Eu sou contra os profetas, diz o Senhor, que furtam as Minhas palavras, cada um ao seu companheiro. Eis que Eu sou contra os profetas, diz o Senhor, que usam de sua língua e dizem: Êle disse. Eis que Eu sou contra os que profetizam sonhos mentirosos, diz o Senhor, e os contam, e fazem errar o Meu povo com as suas mentiras e com as suas leviandades; pois Eu não os enviei, nem lhes dei ordem; e não trouxeram proveito nenhum a êste povo, diz o Senhor. Quando pois te perguntar êste povo, ou qualquer profeta, ou sacerdote, dizendo: Qual é o pêso do Senhor? Então lhe dirás: Que pêso? Que vos deixarei, diz o Senhor. . . . Assim direis, cada um ao seu companheiro, e cada um ao seu irmão: Que respondeu o Senhor? e que falou o Senhor? Mas nunca mais vos lembrareis do pêso do Senhor? porque a cada um lhe servirá de pêso a sua própria palavra; pois torceis as palavras do Deus vivo, do Senhor dos Exércitos, o nosso Deus” (Jer. 23:28-36).

Sempre têm a Igreja e o crente que volver à Palavra de Deus e buscar andar em conformidade com as Escrituras divinas, reveladas e inspiradas. Os livros da Bíblia foram inspirados muito antes de os concílios da igreja haverem feito qualquer declaração a êles referente. Foram inspirados no momento em que foram escritos. Pela formação do cânon, a Igreja simplesmente reconheceu e confirmou o que fôra sabido e crido em todo tempo concernente à inspiração dos livros da Bíblia. Assim a Palavra permanece como a única verdadeira fonte da teologia bíblica.

A Bíblia como autoridade permanece à parte da experiência humana como a norma revelada e inspirada, e a regra de fé. Os homens convencem-se disto ao serem guiados pelo Espírito Santo para reconhecerem a Bíblia como sendo a Palavra de Deus. Isto é verdade não obstante qualquer testemunho experimental que o homem possar dar. Êsse anterior reconhecimento da parte do homem e a aceitação de coração ocorre na experiência cristã. A teologia cristã é sã e válida, não por ser a expressão da experiência cristã, mas porque o Espírito Santo por meio da Palavra cria, julga, purifica e promove a experiência cristã, e os que são assim desenvolvidos constituem a Igreja; e assim a Igreja, ou o corpo de Cristo, é desenvolvida.

“Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre” (I S. Ped. 4:11).

“Fale a Palavra de Deus” é a base de uma sã teologia. Um jovem de notável capacidade intelec-tual explicou-me por que não mais podia crer “a verdade”. Encontrara “discordâncias”. Os problemas, segundo êle pensava, tinham que ser resolvidos para que pudesse continuar crendo na Bíblia. Fiz-lhe ver que seu problema parecia ser de autoridade. Perguntei-lhe se cria que o homem é pecador. Sim, não havia dúvida quanto a isso. Como, então, podia a mente dominada pelo pecado ser considerada competente para julgar a Bíblia e uma autoridade a ela anterior, quanto ao que constitui a verdade?

O Espírito Santo Acima do Raciocínio Humano

A convicção quanto à verdade da teologia e da doutrina é concedida pelo Espírito Santo (S. João 16:13). Isto requer uma humildade da mente que reconheça as deficiências e a incompetência do raciocínio humano, um desengano da capacidade da mente humana para determinar e provar o que seja a verdade.

A crença adventista não é o produto da sabe-doria nem da experiência humanas. A Sra. E. G. White declara isto com clareza em A Ciência do Bom Viver, pág. 107: “A régia faculdade da razão, santificada pela graça divina, deve ter domínio em nossa vida”. A razão santificada é razão guiada pelo Espírito Santo. O grau em que a razão é competente para determinar o que é verdade e o que é êrro, só pode ser determinado pelo Espírito Santo. Mas a razão santificada nunca ultrapassará os limites traçados pelo Espírito Santo. No momento em que alguém busca ultrapassar êsse ponto, começa a enfraquecer a firmeza nas verdades básicas; segue-se a negação da crença.

A exigência moderna é de construir a nossa teo-logia sob a base da crítica erudita. Deus não confere prêmio à ignorância. Requer Êle o melhor que a mente poder dar. Mas existem limites para a capacidade da mente humana. O pecado produziu isso. A única prova satisfatória é o testemunho pessoal da verdade e não meramente um argumento para ela. A pregação e a instrução da verdade não devem transformar-se num tratamento mecânico da Escritura e da doutrina. Isso produz apenas um cristianismo morto e uma ortodoxia de papel. Só o Espírito Santo pode tornar o homem cristão e crente na verdade. Os crentes primitivos testemunharam da verdade; isto é, revelaram a verdade tal como está contida na Palavra Eterna. Testemunhar é um têrmo usado com muito mais freqüência do que pregar ou argumentar. A intimação final de Cristo aos Seus ministros é: “Ser-Me-eis testemunhas” (Atos 1:8). Pelo testemunho, a verdade evidencia-se pelo seu próprio direito e não simplesmente pelo direito do argumento. De Jesus se declara ser “a testemunha verdadeira” (Apoc. 1:5). A obra do Espírito Santo é conferir aos homens o poder de “testificar” (S. João 15:26 e 27). O povo de Deus remanescente é descrito em Apocalipse 12:17 como tendo o testemunho de Jesus que, no capítulo 19:10 é definido como sendo o Espírito de Profecia. Possuidores dêsse testemunho do Cristo vivo, tornam-se êles testemunhas vivas. Como povo reconhecemos êsse testemunho nos escritos da Sra. Ellen G. White, a mensageira do Senhor para a Igreia Adventista. Entretanto, declaro com tôda a ênfase, que não são os argumentos teológicos nem a magnitude do conteúdo teológico que constitui a prova de genuinidade.

Nossa interpretação da profecia leva-nos a considerar o Velho e o Novo Testamentos as “duas testemunhas de Apoc. 11:3, e se quisermos ser testemunhas verbais dessa verdade, temos que dirigir a atenção dos homens Àquele de quem a Bíblia e o Espírito de Profecia dão testemunho. Não adoramos a Bíblia, mas Aquêle de quem as Escrituras dão testemunho — o Deus verdadeiro e vivo e Seu Filho, Jesus Cristo. “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de Mim testificam” (S. João 5:39).

Aplicação ao Adventismo

A Igreja Adventista hodierna tem que dar testemunho das doutrinas básicas das verdades primárias da Bíblia. Não pode haver temor dos homens nem da Igreja que é guiada pelo Espírito Santo. Ousamos confiar-nos à guia do Espírito Santo. Podemos temer a guia de homens e as interpretações humanas. O Espírito e o Espírito apenas é que nos pode guiar à verdade e à unidade de crença. Nenhuma outra pressão pode realizar isso. Unidade e harmonia não são tanto uma experiência do intelecto quanto do coração. Os homens dirigidos pelo Espírito são homens de quem fluem irreprimíveis torrentes do amor de Deus. A Sra. Ellen G. White expressou muito bem isto nas seguintes palavras:

“Conhecei e crede o amor que Deus nos tem a nós, e estareis seguros; êsse amor é uma fortaleza inexpugnável contra todos os enganos e assaltos de Satanás.” — Thoughts From the Mount of Blessing (1956), pág. 119.

Os acontecimentos desenvolvem-se hoje em dia ràpidamente até na esfera religiosa. O momento da decisão final para multidões de homens e mulheres de tôda parte pode estar mais próximo do que pensamos. E essa decisão será feita naquilo que é identificável como a verdadeira fé. É a verdade contra o êrro, Cristo contra o anticristo. A decisão para todos nós não pode demorar muito mais. Mas a fim de conhecer e experimentar a verdade, a decisão de cada homem tem de ser propriamente sua, na atmosfera de amorável camaradagem no seio da comunhão dos crentes.