A Evolução do Papado

(Continuação)

  • 14. O Decreto de Justiniano

Coincidindo com a aniquilamento dos vândalos chegou uma carta do imperador Justiniano, dirigida ao papa João de Roma, em que o imperador teólogo formulava uma declaração de crenças ortodoxas que estava enviando a todos os bispos de sua jurisdição. Êsse tratado de teologia foi esquecido há muito tempo, mas não a importante carta que o capeava, enviada ao papa João.

Êste é o famoso Decretum Justinianum, familiar a todo evangelista e professor adventista, que estabelece que o papa é o único responsável árbitro de tôda controvérsia religiosa que se produza na cristandade (1). Êste decreto foi promulgado no ano 533 A. D., cinco anos antes da expulsão dos ostrogodos de Roma.

Não é necessário encontrar o comêço do período dos 1.260 dias numa época indefinida entre os anos 533 e 538. Tempo houve em que se creu que o reconhecimento de Justiniano da supremacia eclesiástica do papado havia sido escrita no ano 538. A fixação de sua data precisa não anula o ano 538 como comêço dos 1.260 anos. Algumas das datas em que o Império reconheceu a Igreja de Roma são 275, 445 e 533. As datas entre as quais foram destruídas as tribos arianas inimigas de Roma, situam-se entre 493 e 538. Os passos dados no processo de eliminação das três pontas, e a elevação da “ponta pequena” à preeminência de potestade político-eclesiástica importante, são graduais. A data certa do comêço da profecia pode ser fixada com exatidão no ano 538, especialmente devido a que a história provê o outro extremo do período profético e é uma data exata também, ou seja, 1798.

  • 15. A Contribuição do Papa Gregório I

Quarenta anos depois do desaparecimento dos ostrogodos, ascendeu ao trono papal Gregório I, o Grande. Seu reinado desenvolveu-se nos catorze ativos anos que se estenderam entre 590 e 604. Os lombardos se haviam trasladado para a Itália e estavam ocupando o vácuo deixado pelos ostrogodos. Eram cristãos arianos quando entraram no Império, e não se preocupavam com os propósitos ou desejos do papado e do Império (1 2). Mas Gregório conseguiu introduzir entre êles o catolicismo romano, e mantê-los em cheque por meio de suas maquinações políticas.

O interêsse missionário de Gregório levou-o a enviar Agostinho à Inglaterra para implantar ali o catolicismo romano; tarefa que êle próprio teria de bom gôsto assumido. Agostinho teve pouco êxito em sua missão, mas o catolicismo romano estendeu-se gradualmente, a partir do sul da Inglaterra, fazendo retroceder a decadente igreja céltica. Os fracos reis anglosaxões da Inglaterra compreenderam que lhes convinha politicamente estar em boa harmonia com o continente. Respeitavam o poder da Igreja Romana. Gradualmente aceitaram os dogmas de Roma e a hegemonia dessa cidade em assuntos eclesiásticos (3). Quando o rei Northumbria, no concilio de Whitby, em 664, decidiu que se afiliaria à igreja cujo santo chefe, Pedro, a preside das portas do Céu, apartou-se da Igreja Celta; e desapareceu a última fortaleza política desta antiga forma de cristianismo (4). As obras de Gregório continuam sendo lidas, e sua influência se fêz sentir na Europa ocidental, através dos anos, aliás decadentes, que se seguiram para o papado.

  • 16. O Decreto do Imperador Focas

Alguma coisa se fêz em favor do reconhecimento da ortodoxia papal e sua supremacia eclesiástica, graças ao imperador do oriente, o usurpador Focas. Deu-se o reconhecimento (5), e Roma se sentiu sumamente satisfeita, pois procedia da sede da grande rival de Roma, a Igreja Ortodoxa Oriental. Era um passo mais no engrandecimento público do papado. Os comentaristas do passado trataram de fixar essa data, o ano 606, como o comêço dos 1.260 dias proféticos. Em realidade, tratar de que Constantinopla reconhecesse o senhorio de Roma, não tinha importância alguma no oriente, sendo, também, de muito pouco valor para Roma, no ocidente. Vale a pena, não obstante, mencionar êste fato.

  • 17. A Era Carlovíngia

A época de Carlos Magno foi testemunha de uma recuperação do poder papal, embora sempre sob a égide dos reis de França. O papa Zacarias pediu a Pepino que destruísse os lombardos, que continuavam sendo inimigos potenciais do papado, na Itália (6). Em troca de que o nomeassem rei dos francos, Pepino atacou e venceu os lombardos, e entregou ao papado, como propriedade pontifícia, vastas regiões da Itália central. Êste obséquio denominado a Doação de Pepino, assinala o comêço da história dos Estados papais (7). O papa estava-se convertendo, efetivamente, em um chefe temporal. Os lombardos, entretanto, continuaram cau-sando problemas ao papado, e foi tarefa do filho de Pepino, Carlos Magno, a sujeição completa dessas tribos. Realizado isto, acrescentou à sua coroa de rei dos francos, a de ferro, dos lombrados (8), e assim fundou o extenso Império Carlovíngio. Talvez como reconhecimento pelos favores prestados por Carlos Magno ao papado, e indubitàvelmente como um esfôrço da parte do papa para assumir alguma importância política perante Carlos Magno, ou por qualquer dêsses motivos, no dia de Ano Novo do ano 800, o papa Estêvão coroou Carlos Magno imperador do ocidente do Império Romano (9). Nenhum imperador havia governado o ocidente, desde o ano 476.

Esta foi a oportunidade do papado. Uma mulher governava em Constantinopla um império que desde a época de Justiniano pouco poderio exercera no ocidente. O antigo rival do papado, o patriar-cado de Constantinopla, estava desgarrado pela controvérsia iconoclasta — a destruição das imagens nas igrejas. Julgou o papado ser prudente intervir na restauração do poder imperial do ocidente, embora êste poder eclipsasse seu próprio poderio.

Talvez como compensação a êste vigoroso embora nascente poder imperial, o papa empregou nesta época outro método de engrandecimento. Apareceu na época carlovíngia um documento que pretendia ser uma doação do poder eclesiástico e político, feita ao papa por Constantino, virtualmente de todo o ocidente da Europa. Foi ela denominada a Doação de Constantino (10). Supunha-se que Constantino a houvesse promulgado quando mudou sua capital, de Roma para Constantinopla, no 331 A. D. A redação da Doação era tal que não haveria poder capaz de disputar legitimamente o domínio a Roma, negócio em que não pudesse imiscuir-se, nem território a respeito dos quais não tivesse algo oficial a dizer (11).

Lentamente, sem muito estardalhaço, êste estranho documento, se converteu na base das pretensões, crescentes e agressivas do papado. Durante quase um milênio, estas pretensões, esgrimidas por clérigos astutos, de mentalidade política, fizeram do papado uma figura dominante no ocidente da Europa, sòmente em meados do século XV foi pôsto em foco o julgamento da Doação, e evidenciada sua natureza totalmente fictícia, por meio da bem sucedida aplicação de altos métodos críticos, por parte do espanhol Lourenço Valia, cuja habilidade constitui até hoje a admiração dos eruditos (12). Nesse documento é o papa chamado, por primeira vez, Vicarius Filii Dei (Vigário do Filho de Deus). Nessa expressão latina foi que os que identificam o papado com a bêsta de Apocalipse 13 acharam o número 666. O processo de interpretação é bem conhecido de todos.

VICARIVS FILII DEI

5+1+100 +1+5  1+50+1%1+ 500+1=666

Entre os que empregaram êste método de identificação se encontram os adventistas (13). Não é questão de que se haja arranjado êsse título para que dê o número 666, pois, com efeito, o dá, porque a objeção com base em que a palavra “filho” em latim se pronuncia fili e não filii é explicada pela união das duas letras i finais. O fato é que a palavra latina completa é filii; a raiz é a palavra fili; o segundo i constitui a desinência no caso genitivo singular. É correto empregar dois i na palavra filii. Com efeito, os exemplares existentes da Doação apresentam esta maneira.

O problema, então, não consiste em que se possa encontrar o número 666 nesse título mas em como foi empregado no passado. É êle usado na falsa doação de Constantino; não é encontrado em nenhum documento anterior. Mas a legitimidade do título como pretensão papal não pode pôr-se em pauta de julgamento, porque a fórmula Vicarivs Christi (Vigário de Cristo) é empregada muitas vêzes referente ao papa. Inocêncio III fêz dela um título oficial do papa (14). Quando êste pretende ser o vigário de Cristo, pretende, também, naturalmente, ser o vigário do Filho de Deus. Faz ela parte das pretensões papais apresentadas na profecia, embora esta frase não seja encontrada em nenhum documento anterior a Carlos Magno, época em que surgiu a Doação de Constantino.

Qual tem sido o seu uso ulterior?

Na Idade Média, os primeiros anos de esforços feitos pelo papado a fim de codificar suas pretensões e dogmas, bem como os cânones próprios, e os dos concílios, estão representados por documentos infortunados, tais como os Decretos Pseudo-Isidorianos, de que faz parte a Doação de Constantino. Esta coleção é uma “fraude religiosa” perpetrada para aumentar o poderio do papado, e muitos de seus supostos decretos são fictícios, se não em sua base histórica, pelo menos em sua redação (15). Mas no século XII a obra da codificação doi empreendida novamente por Graciano, sacerdote italiano versado na Lei, e o resultado de seus árduos labôres foi o famoso “Decretum” de Graciano.

Graciano foi pouco escrupuloso ao fazer esta compilação. Incluiu documentos tais como a Doação de Constantino, que os eruditos católicos romanos preferiríam hoje não estivessem no “Decretum”. Esta obra nunca foi citada oficialmente como declaração autorizada da lei canônica da Igreja Católica, Romana. Mas se o uso significa alguma coisa, então ninguém pode impugnar com êxito que o “Decretum” de Graciano não haja exercido influência para fundamentar, e mesmo edificar o poder papal e católico romano. Foi êle citado constantemente através dos séculos. Foi e continua sendo usado nos seminários católico-romanos para a instrução dos futuros sacerdotes. Ninguém pode professar conhecer a história da lei canônica da Igreja Católica, Romana sem estar profundamente versado no “Decretum”. Foi-lhe concedido na igreja o uso pleno conferido aos documentos oficiais.

No “Decretum Gratiani” a expressão Vicarius Filii Dei é usada uma única vez, como citação da Doação de Constantino. Mas não existe uma única edição do “Decretum” de que tenhamos notícia, em que esta expressão não apareça.

Ferrari, excelente enciclopedista jesuíta do século XVIII, cita esta expressão em sua “Prompta Bibliotheca’’ ou “Biblioteca Manual.” No segundo artigo “Papa” (16), cita a Doação de Constantino tal como se encontra no “Decretum”, reconhecendo desta maneira que o título pertence legitimamente ao papa.

Não é, porém, no latim, mas no inglês, que êste título é mais comum. O cardeal Manning, da Igreja Anglicana, e convertido depois ao catolicismo romano, durante o movimento de Oxford de começos do século XIX, escreveu um livro cujo título é “The Temporal Sovereignity of the Popes” (A Soberania Temporal dos Papas). Nêle, seus argumentos para explicar o desenvolvimento da soberania papal estão bem estruturados. Mostra quão lógico foi o desenvolvimento desta soberania e como, segundo êle, se produziu de acôrdo com a vontade de Deus. Em seus argumentos chama ao papa Vigário do Filho de Deus, em onze ocasiões diferentes (17). Não se pode dizer que êsse livro expresse a opinião de um só homem. Quando os cardeais escrevem não necessitam do imprimatur. Como príncipes da igreja falam em nome dela.

Êste, segundo se crê, é o alcance do emprêgo do título Vicarius Filii Dei para a Igreja Católica, Romana. Não tem havido provas de que êste título haja aparecido em uma coroa papal. Não é usado no juramento da coroação do papa, mas aparece na literatura católica de ordem elevada e expressa exatamente a mesma idéia que o título Vicarius Christi, empregado com referência ao papa, numerosas vêzes e oficialmente.

  • 18. O Papa Gregório VII

O primeiro papa a fazer emprêgo franco dos princípios implicados na Doação de Constantino foi um homem grande aos próprios olhos e que, embora haja morrido no destêrro, foi um grande dirigente da Igreja Católica, Romana. Foi êle Gregório VII. Graças às atividades reformadoras do sistema monástico de Cluny (18) e à sinceridade de suas próprias normas eclesiásticas, levou a cabo reformas muito necessárias no seio da Igreja. Admoestou reis e, em Canosa, fêz comparecer perante si, de joelhos, o jovem imperador Henrique IV, monarca que lhe pediu que o perdoasse e livrasse da desgraça da excomunhão (19). Sem dúvida Gregório foi o patrocinador e não o autor do famoso “Dictatus,” em que estão contidas as pretensões mais avançadas já feitas pelo papado (20). Henrique III, pai e predecessor do imperador Henrique IV, tratara de reformar o papado por meio de uma ata imperial. Gregório VII assumiu a reforma, manteve-as nas mãos papais, e dedicou a vida à luta contra certos males especialmente políticos, que êle sentia que interferiam com o progresso da Igreja e com desenvolvimento do poder papal.

  • 19. O Papa Inocêncio III

O papado chegou ao auge de sua glória durante o pontificado do orgulhoso e ambicioso papa Inocêncio III (1198-1216). Fazer uma lista do que realizou para impor e fortalecer a autoridade do papado, implicaria virtualmente em escrever uma história do período central da Idade Média. Meia dezena de reis, na Europa, a êle se submeteram para render-lhe homenagem, sendo êle o mais conhecido João Ninguém da Inglaterra. A ascensão dos imperadores do Santo Império Romano Germânico estava sob seu domínio. Com sua aprovação, tácita os cruzados tomaram a cidade de Constantinopla, sede da Igreja Ortodoxa Oriental, tão odiada pela igreja de Roma (21). Suas contribuições teológicas culminaram no pronunciamento do Concilio de Latrão, em 1215, sôbre o dogma da transubstanciação: que o pão e o vinho em sua natureza íntima, são realmente os próprios corpo e sangue de Cristo (22).

Foi o papa Inocêncio III quem autorizou a des-truição dos cultos albigenses (21 22 23 24).

Depois de Inocêncio III o papado passou dias maus. Veio o cativeiro babilônio, quando os papas estiveram sob o jugo da coroa francêsa em Avinhão (24). A isso se seguiu um mal pior, o grande cisma, quando houve dois e até três papas que pretendiam o título ao mesmo tempo (25). Aparentava que a autoridade governativa da Igreja Católica, Romana, encarnada no papa como cabeça única, houvesse estado por desaparecer, e que os bispos reunidos em concilio pudessem ser reconhecidos como os detentores da direção da Igreja. Mas o papado recuperou-se, e antes de que começasse a Reforma, havia reassumido sua elevada função.

  • 20. O Concilio de Trento

Foi a Reforma que compeliu a Igreja Católica à cristalização de seus dogmas. Tomás de Aquino realizara êste serviço em sua qualidade de teólogo (26), mas depois do Concilio de Trento (1547-1563) (27) surgiu uma igreia surpreendentemente limpa, cabalmente estabelecida, tendo a seu serviço, para realizar obra produtiva, um poderoso auxiliar: os jesuítas.

  • 21. O Cativeiro do papa, em 1798

Duzentos anos mais tarde sobreveio a ferida mortal. (Apoc. 12:3, 12.) O papado nunca havia sido progressista nem tolerante no govêrno dos territórios sob seu domínio. O povo italiano estava cansado da opressão dos duques e papas. Quando os exércitos de França revolucionária entraram na Itália, com o rótulo de libertadores, muitos os receberam com alegria. O papado resistiu à intromissão dos exércitos francêses, e em 1798, o general Berthier destronou o papa Pio VI, privou-o dos Estados papais, e encerrou-o em prisão, onde faleceu (28). O papado foi privado do poder temporal.

A Concordata de 1801, firmada entre Napoleão e o papa, concedeu ao papado, em certa medida, uma restauração, mas em 1809 o papa se converteu em prisioneiro de Napoleão, e somente por ocasião de seu libertamento, em 1814, pôde regressar a Roma com todo o seu poder temporal restaurado.

Com a volta dos antigos regimes como reação às tendências republicanas da era napoleônica, produziu-se um reavivamento do papado, para o que muito contribuíram os ativos jesuítas, como uma fôrça dinâmica da política européia.

  • 22. O Desastre de 1870

O desastre sobreveio ao papado na última parte do século XIX, devido aos esforços dos italianos para reunir suas províncias dispersas num reino único da Itália. Durante uns vinte anos que poderiamos situar em meados do século, os estadistas patriotas trataram de conseguir a unificação do província italiana. Um após outro, os duques das cidades livres se submeteram ou a isso foram obrigados. Decidido a conservar os Estados papais, o papado foi o último a sucumbir. Em 1870, as tropas italianas ocuparam os Estados pontifícios, que desde então entraram a formar parte do reino da Itália. O papa foi privado de seu poder temporal; Roma, em lugar de ser uma cidade papal, converteu-se na capital política do reino da Itália; e o papa chegou a ser um prisioneiro voluntário no palácio do Vaticano, lamentando a perda dos Estados papais e de sua função de dirigente político.

  • 23. A Atitude do Papado em Face do Desastre

Mas, durante êsses mesmos dias, tão obscuros para o papado, porém tão brilhantes para os italianos que haviam sido libertados da opressão do jugo papal, foi que o papado exerceu uma de suas mais notáveis pretensões, o direito de proclamar dogmas.

  • a. A Imaculada Conceição

No dia 8 de dezembro de 1854, o papa Pio IX definiu como “de fé” o dogma da imaculada conceição da Virgem Maria. Começando com Duns Scot, filósofo celta do século XIII, durante centúrias havia sido mantido que Maria fôra concebida por Ana, sem pecado. Isso se tornou um dogma, cuja aceitação foi requerida dos fiéis há apenas um século:

“Visto que nunca deixamos, com humildade e jejum, de apresentar nossas orações e as da igreja a Deus Pai por intermédio de Seu Filho, para que Êle Se digne de dirigir e confirmar nossa opinião pelo poder do Espírito Santo, depois de implorar a proteção de tôda a côrte celestial, e depois de invocar de joelhos o Espírito Santo, o Paráclito, sob Sua inspiração pronunciamos, declaramos e definimos, para glória da Santa e Indivisível Trindade e honra e ornamento da Santa Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e crescimento da religião cristã pela autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo e dos bem-aventurados apóstolos São Pedro e São Paulo, e com base na nossa própria autoridade, que foi revelada por Deus a doutrina que sustém que a bem-aventurada Virgem Maria, desde o primeiro instante de sua concepção, por singular graça e privilégio de Deus todo-poderoso, e em vista dos méritos de Cristo Jesus o Salvador da humanidade, foi preservada livre de tôda mancha de pecado do original, e [que esta doutrina] há de ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis. Por conseguinte, se alguém presumisse pensar em seu coração de maneira outra que não a que definimos (o que Deus não permita), os tais devem saber e compreender cabalmente que são condenados por seu próprio julgamento, que naufragaram no que concerne à fé, que se apartaram da unidade da igreja e, além disso, que por êsse mesmo ato, se sujeitam às penas estabelecidas em lei, se, por palavra ou por escrito, ou por qualquer outro meio externo, se atreverem a manifestar o que pensam em seu coração.” (29)

  • b. O “Compêndio de Erros”

Exatamente dez anos mais tarde, o mesmo papa promulgou o “Compêndio de Erros,” um documento provàvelmente tão reacionário no ambiente do seu tempo, como jamais outro qualquer foi promulgado por potestade alguma. Está sustido pela autoridade papal, se bem que não seja um decreto dogmático:

“O compêndio dos principais erros de nosso tempo, os quais estão estigmatizados nas alocuções consistoriais, as encíclicas e outras cartas apostólicas de nosso Santíssimo Senhor, o Papa Pio IX.

“I – PANTEÍSMO, NATURALISMO E RACIONALISMO ABSOLUTO.

“1. Não existe ser divino supremo, sapientíssimo e providentíssimo, separado do universo; Deus não é outra coisa que não a Natureza, e está, portanto, sujeito a mutação. Com efeito, Deus Se manifesta no homem e no mundo, e tôdas as coisas são de Deus e têm sua própria substância em Deus. Deus é, portanto, uma e a mesma coisa com o mundo, e daí que o espírito e a matéria, a necessidade e a liberdade, a verdade e a falsidade, o bem e o mal, a justiça e a injustiça, sejam uma mesma coisa.

“2. Deve-se negar tôda atuação divina sôbre o homem e o mundo.

“3. A razão humana, sem depender de Deus, é o único árbitro da verdade e da falsidade, do bem e do mal; é a única lei para si mesma, e é suficiente, por sua fôrça natural, para alcançar o bem-estar dos homens e das nações.

“Alocução Maxima quidem, 9 de junho de 1862. “

4. Tôdas as verdades da religião derivam da fôrça negativa da razão humana; daí que a razão seja a regra mestra mediante a qual o homem po-de e deve chegar ao conhecimento de tôdas as verdades, qualquer que seja a sua espécie.

“Encíclica de 9 de novembro de 1846. Qui plu-ribus.

“Encíclica de 17 de março de 1856, Singulari quidem.

“Alocução Maxima quidem de 9 de junho de 1862.

“5. A revelação divina é imperfeita e, portanto, sujeita a progresso contínuo e indefinido; correspondente ao progresso da razão humana.

“Encíclica de 9 de novembro de 1846, Qui pluribus.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“6. A fé cristã contradiz a razão humana; e a revelação divina não sòmente não beneficia, mas prejudica o aperfeiçoamento do homem.

“Encíclica de 9 de novembro de 1846, Qui pluribus.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“7. As profecias e os milagres apresentados e descritos nas Sagradas Escrituras são resultantes da imaginação de alguns poetas, e os mistérios da fé cristã são resultantes da investigação filosófica. Nos livros de ambos os Testamentos encontramos invenções míticas, e o próprio Jesus Cristo é um mito.

“Encíclica de 9 de novembro de 1846, Qui pluribus.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“II. RACIONALISMO MODERADO.

“8. Assim como a razão humana está no mesmo nível da religião, os assuntos teológicos devem ser tratados da mesma maneira que os filosóficos.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de dezembro de 1854.

“9. Todos os dogmas da religião cristã são, sem exceção, objeto do conhecimento científico ou filosófico, e a razão humana, instruída somente pela história, é capaz de chegar, por sua própria natureza e princípios, ao verdadeiro conhecimento até dos dogmas mais abstrusos; sempre que êsses dogmas sejam propostos como matéria que esteja ao alcance da razão humana.

“Carta ad Archiep. Frising. Gravíssimas, de 11 de dezembro de 1862.

“Ao mesmo, Tuas libenter, de 21 de dezembro de 1863.

“10. Da mesma maneira que o filósofo é uma coisa e a filosofia outra, aquêle tem o direito e o dever de submeter-se à autoridade que haja reconhecido como verdadeira, mas não necessita nem deve submeter-se a nenhuma autoridade.

“Carta ad Archiep. Frising. Gravíssimas, de 11 de dezembro de 1862.

“Ao mesmo, Tuas libenter, de 21 de dezembro de 1863.

“II. A igreja nunca deveria sentir animadversão à filosofia, mas tolerar os erros desta, deixando a ela própria o cuidado de corrigir-se.

“Carta ad Archiep. Frising. Gravíssimas, de 11 de dezembro de 1862.

“12. Os decretos da sé apostólica e das congregações romanas dificultam o progresso da ciência.

“Carta ad Archiep. Frising. Gravíssimas, de 21 de dezembro de 1863.

“13. Os métodos e princípios por cujo meio os antigos doutores escolásticos cultivavam a teologia, não preenchem os requisitos da época e os progressos da ciência.

“Carta ad Archiep. Frising. Tuas libenter, de 21 de dezembro de 1863.

“14. A filosofia deve ser tratada sem ter em conta a revelação sobrenatural.

“Carta ad Archiep. Frising. Tuas libenter, de 21 de dezembro de 1863.

“N. B. — Ao sistema racionalista pertencem em grande parte os erros de Antônio Günther, condenado na carta do cardeal arcebispo de Colônia, Eximiam tuam, de 15 de junho de 1857, e na do bispo de Breslau, Dolore haud mediocri, de 30 de abril de 1860.

“III. O INDIFERENTISMO E A ATITUDE DOS LATITUDINÁRIOS.

“15. Todo homem dirigido pela luz da razão tem a liberdade de professar e abraçar a religião que creia verdadeira.

“Carta apostólica, Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“16. O homem pode encontrar e obter em qualquer religião o caminho da salvação eterna.

“Carta encíclica, de 9 de novembro de 1846, Qui pluribus.

“Alocução Ubi primum, de 17 de dezembro de 1847.

“Carta encíclica de 17 de março de 1856, Singulari quidem.

“17. Podemos admitir pelo menos uma bem fundada esperança de que todos os que de alguma maneira estão na verdadeira igreja de Cristo, alcançarão a salvação eterna.

“Alocução Singulari quadam, de 9 de dezembro de 1854.

“Carta encíclica. Quanto conficiamur, de 17 de agôsto de 1863.

“18. O Protestantismo não passa de outra forma da mesma verdadeira religião cristã, em que é possível agradar a Deus tão bem quanto na Igreja Católica.

“Carta encíclica Noscitis et Nobiscum, de 8 de dezembro de 1849.

“IV. SOCIALISMO, COMUNISMO, SOCIEDADES SECRETAS, SOCIEDADES BÍBLICAS, SOCIEDADES LIBERAIS.

“As pestes dêste gênero são freqüentemente condenadas nos têrmos mais severos nas encíclicas Qui pluribus, de 9 de novembro de 1846; na alocução Quibus quantisque, de 20 de abril de 1849; na encíclica Noscitis et Nobiscum, de 8 de dezembro de 1849; na alocução Singulari quadam, de 9 de dezembro de 1854; na encíclica Quanto conficiamur moerore, de 10 de agôsto de 1863.

“V. ERROS CONCERNENTES À IGREJA E A SEUS DIREITOS.

“19. A igreja não é uma sociedade verdadeira perfeita e inteiramente livre, nem goza de direitos peculiares e perpétuos conferidos por seu Divino Fundador, mas compete ao poder civil decidir quais são os direitos e as limitações dentro dos quais a igreja pode exercer autoridade.

“Alocução Singulari quadam, de 9 de dezembro de 1854.

“Alocução Multis gravibusque, de 17 de dezembro de 1860.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“20. O poder eclesiástico não deve exercer sua autoridade sem a permissão e o assentimento do govêrno civil.

“Alocução Meminit unusquisque, de 30 de setembro de 1861.

“21. A igreja não tem a autoridade de definir dogmaticamente que a religião da Igreja Católica é a única verdadeira.

“Carta apostólica Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“22. As obrigações que unem os mestres e autores católicos, aplicam-se somente às coisas que são propostas para a crença universal como dogmas de fé, pelo infalível julgamento da Igreja.

“Carta ad Archiep. Frising. Tuas libenter, de 21 de dezembro de 1863.

“23. Os pontífices romanos e os concílios ecumênicos excederam os limites de sua autoridade e cometeram erros ao definir assuntos de fé e moral.

“Carta apostólica Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“24. A igreja não tem o direito de impor-se pela fôrça, nem de recorrer direta ou indiretamente ao poder temporal.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“25. Além da autoridade inerente ao apiscopado, concede-se-lhe outro poder temporal por meio da autoridade civil, quer expressa quer tacitamente, cujo poder é a êste respeito revogável também pela autoridade civil quando a esta convenha.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“26. A igreja não tem o direito inerente e legítimo de aquisição e possessão.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de dezembro de 1856.

“Cartas encíclicas Incredibili, de 17 de setembro de 1863.

“27. Os ministros da igreja e o pontífice romano, devem ser excluídos absolutamente de todo cargo e domínio nos assuntos temporais.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“28. Os bispos não têm o direito de promulgar suas cartas apostólicas, sem a permissão do govêrno.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de dezembro de 1856.

“29. As dispensas concedidas pelo pontífice romano deveriam ser consideradas nulas, a menos que tenham sido solicitadas pelo govêrno civil.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de dezembro de 1856.

“30. A imunidade da igreja e das pessoas eclesiásticas deriva em sua origem do poder civil.

“Carta apostólica Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“31. Os tribunais eclesiásticos que tratam dos assuntos temporais do clero, quer sejam civis quer criminais, deveriam ser abolidos por todos os meios, sejam êles sem a anuência da santa sé, ou contra seu protesto.

“Alocução Acerbissimum, de 27 de setembro de 1852.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de dezembro de 1856.

“32. A imunidade pessoal que libera o clero do serviço militar deve ser abolida, sem que isso implique em violação do direito natural ou da eqüidade. Sua abolição a requer o progresso civil, especialmente em uma sociedade constituída com base em princípios liberais de govêrno.

“Carta do arcebispo de Montreal, Singularis no-bisque, de 29 de setembro de 1864.

“33. Não lhe corresponde exclusivamente a jurisdição eclesiástica, quer seja por direito próprio quer inerente, a direção no ensino dos temas teológicos.

“Carta ad Archiep. Frising. Tuas libenter, de 21 de dezembro de 1863.

“34. O ensino dos que comparam o soberano pontífice a um soberano livre que atua na igreja universal, é uma doutrina que prevaleceu na Idade Média.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“35. Não deveria haver obstáculo à sentença de um concilio geral, nem para o voto de todos os povos do universo, no sentido de transferir a soberania pontifícia do bispo da cidade de Roma para qualquer outro bispo e a qualquer outra cidade.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“36. A decisão de um concilio nacional não deveria admitir nenhuma discussão subseqüente, e o poder civil deveria considerar concluído um assunto decidido por êsse concilio nacional.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“37. Deveriam ser fundadas igrejas nacionais, depois de haverem sido separadas definitivamente do pontífice romano.

“Alocução Multis gravibusque, de 17 de dezembro de 1860 .

“Alocução lamdudum cernimus, de 18 de março de 1861.

“38. Os pontífices romanos contribuíram com seu procedimento demasiado arbitrário, para a divisão da igreja em ocidental e oriental.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“VI. ERROS RELACIONADOS COM A SOCIEDADE CIVIL, CONSIDERADOS EM SUA ESSÊNCIA E EM SUA RELAÇÃO PARA COM A IGREJA.

“39. A comunidade é a origem e a fonte de todos os direitos, e possui-os ilimitados.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“40. O ensino da igreja católica opõe-se ao bem-estar e ao interêsse da sociedade.

“Carta encíclica Qui pluribus, de 9 de novembro de 1846.

“Alocução Quibus quantisque, de 20 de abril de 1849.

“41. O poder civil, ainda que exercido por um soberano incrédulo, possui poder indireto e negativo sôbre os assuntos religiosos. Portanto, não sòmente possui o direito chamado exequatur, mas o (assim chamado) appellatio ab abusu.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“42. No caso de que as leis dos poderes entrem em conflito, a civil deveria prevalecer.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“43. O poder civil tem o direito de quebrantar e declarar nulas as convenções (comumente chama-das concordatas) concluídas com a sé apostólica, relativas ao uso de direitos que se referem à imunidade eclesiástica, sem o consentimento da santa sé, e mesmo contra a sua autoridade.

“Alocução Ín Consistoriali, de 1º. de novembro de 1850.

“Alocução Multis gravibusque, de 17 de dezembro de 1860.

“44. A autoridade civil pode intervir em assuntos relativos à religião, à moral e ao govêrno espiritual. Daí que tenha controle sôbre as instruções que para a orientação das consciências promulguem, em conformidade com sua missão, os pastôres da igreja. Além disso, possui autoridade para promulgar decretos, tanto em assuntos relativos à administração dos sacramentos divinos, como às disposições necessárias para a sua recepção.

“Alocução In Consistoriali, de 1o. de novembro de 1850.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“45. A direção total da escolas públicas, em que é instruída a juventude dos países cristãos, exceto (até certo ponto) o caso dos seminários episcopais, pode e deve pertencer ao poder civil; e em tal grau, que não se deve reconhecer outra autoridade com direito algum a intervir na disciplina das escolas, nos planos de estudo, nas colações de grau, ou na escolha e aprovação dos professores.

“Alocução In Consistoriali, de 1o. de novembro de 1850.

“Alocução Quibus luctuosissimis, de 5 de setembro de 1851.

“46. Muito mais: mesmo nos seminários clericais, os métodos de estudos a adotar-se estarão sujeitos à autoridade civil.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de dezembro de 1856.

“47. A melhor teoria da sociedade civil requer que as escolas públicas abertas para as crianças de tôdas as classes, e, geralmente, tôdas as instituições públicas em que se espera seja ministrada instrução quanto à filosofia e letras, e se dirija a instrução dos jovens, devam estar livres de tôda a autoridade, direção e interferência eclesiástica, e plenamente submetidas ao poder civil e político, em conformidade com a vontade dos dirigentes e com a opinião predominante da época.

“Carta ao arcebispo de Friburgo, Quum non sine, de 14 de julho de 1864.

“48. O sistema de instrução juvenil, que consiste em separá-los da fé católica e da autoridade da igreja, e ensinar-lhes exclusivamente ou pelo menos primàriamente o conhecimento das coisas naturais e os fins terrenos da vida social, deve ser aprovado pelos católicos.

“Carta ao arcebispo de Friburgo, Quum non sine, de 14 de julho de 1864.

“49. O poder civil tem o direito de impedir que os ministros da religião e os fiéis se comuniquem livre e mùtuamente um com outro e com o pontífice romano.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“50. A autoridade secular possui, como atribuição inerente, o direito de nomear bispos, e pode requerer dêles que tomem posse de sua diocese antes de haverem recebido a instituição canônica e as cartas apostólicas da santa fé.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de dezembro de 1856.

“51. E, também, o govêrno secular tem o direito de depor de suas funções pastorais os bispos, e não está obrigado a obedecer ao pontífice romano nas coisas que se referem às sedes episcopais e à nomeação dos bispos.

“Carta apostólica Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“Alocução Acerhissimum, de 27 de setembro de 1852.

“52. O govêrno tem de si mesmo o direito de alterar a idade prescrita pela igreja para as pessoas que desejam ingressar na religião, tanto homens como mulheres, e pode obrigar todos os estabelecimentos religiosos a não admitirem ninguém aos votos sagrados sem sua permissão.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de setembro de 1856.

“53. As leis promulgadas para a proteção dos estabelecimentos religiosos, e a segurança de seus direitos e deveres, devem ser abolidas. Ainda mais, o govêrno civil pode prestar seu apoio a todos quantos queiram abandonar a vida religiosa que empreenderam e anular seus votos. O govêrno pode suprimir também as ordens religiosas, as igrejas-colégios, e os simples benefícios, mesmo os que pertencem a patronatos privados, e pode submeter seus bens e rendas a administração e disposição do poder civil.

“Alocução Acerhissimum, de 27 de setembro de 1852.

“Alocução Probe memineritis, de 22 de junho de 1855.

“Alocução Cum soepe, de 26 de junho de 1855. 

54. Os reis e príncipes não sòmente estão isentos da jurisdição da igreja, mas são superiores a esta em todo assunto de litígio que ocorra em sua jurisdição.

“Carta apostólica Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“55. A Igreja deveria estar separada do Estado, e o Estado da Igreja.

“Alocução Acerhissimum, de 27 de setembro de 1852.

“VII. ERROS RELATIVOS À ÉTICA NATU-RAL E CRISTÃ.

“56. As leis morais não estão sujeitas à sanção divina, e não há necessidade de que as leis humanas devam conformar-se com a lei natural, nem receber a sanção de Deus.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“57. O conhecimento das coisas relativas à filosofia e à moral, bem como às leis civis, pode e deve apartar-se da autoridade divina e eclesiástica.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“58. Não devem ser reconhecidas outras fôrças além das que residem na matéria; e todo ensino e excelência moral deveria consistir na acumulação, por todos os meios possível, de maiores riquezas, e no gôzo dos prazeres.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“Carta encíclica Quanto conficiamur, de 10 de agôsto de 1863.

“59. O direito consiste nos fatos materiais, e todos os deveres humanos não passam de palavras vãs, e todos os atos humanos têm a fôrça do direito.

” Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“60. A autoridade não é mais do que o resultado da superioridade numérica e da fôrça natural.

“Alocução Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“61. Um ato injusto, se tem êxito, não inflige nenhuma injúria à santidade do direito.

“Alocução lamdudum cernimus, de 18 de março de 1861.

“62. Deveriam ser proclamados os princípios da não intervenção, como são chamados, e a êles deveriamos aderir.

“Alocução Novos et ante, de 28 de setembro de 1860.

“63. É permissível recusar obediência aos príncipes legítimos; ainda mais, é permissível levantar-se em insurreição contra êles.

“Carta encíclica Qui pluribus, de 9 de novembro de 1846.

“Alocução Quisque vestrum, de 4 de outubro de 1847.

“Carta encíclica Noscitis et nobiscum, de 8 de dezembro de 1849.

“Carta apostólica Cum catholica, de 26 de março de 1860.

“64. A violação de um voto sagrado, e até os atos mais malvados e iníquos, que repugnam à lei eterna, não são condenáveis, senão perfeitamente legais e dignos de mais elevado louvor, quando praticados por amor à pátria.

“Alocução Quibus quantisque, de 20 de abril de 1849.

“VIII. ERROS RELATIVOS AO MATRIMÔNIO CRISTÃO.

“65. Não é possível tolerar, de maneira alguma, a tese de que Cristo elevou o matrimônio à dignidade de sacramento.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“66. O sacramento do matrimônio é somente um apêndice do contrato matrimonial e, por isso mesmo, pode ser separado perfeitamente dêle. O sacramento, em si mesmo, em nada mais consiste que na bênção nupcial.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“67. De acôrdo com a lei natural, o vínculo matrimonial não é indissolúvel, e em muitos casos o divórcio, apropriadamente assim chamado, pode ser pronunciado pela autoridade civil.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“Alocução Acerbissimum, de 27 de setembro de 1852.

“68. A igreja não tem autoridade para estabelecer impedimentos ao matrimônio. A autoridade civil sim, possui essa autoridade, e pode relevar os impedimentos que existam para o matrimônio.

“Carta apostólica Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“69. A igreja só em épocas ulteriores começou a apresentar impedimentos para o matrimônio, e fêz uso, neste caso, de direitos que não lhe pertenciam, pôsto que os tomou do poder civil.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“70. Os cânones do concilio de Trento, que pronunciam censura de anátema contra quem nega à igreja o direito de estabelecer impedimentos dirimentes, ou não são dogmáticos, ou devem ser compreendidos como referentes somente a tal poder usurpado.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“71. A forma de solenizar o matrimônio prescrita por êsse concilio, sob pena de nulidade, não se aplica aos casos em que a lei civil não estabeleceu que se faça de outro modo, e onde decreta que esta nova forma deva ser realizada para validade do matrimônio.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“72. Bonifácio VIII é o primeiro a declarar que o voto de castidade pronunciado por ocasião da ordenação, anula o matrimônio.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“73. O mero contrato civil pode, entre os cristãos, constituir um verdadeiro matrimônio; e é falso que o matrimônio contraído entre cristãos é sem-pre um sacramento, ou que o contrato seja nulo se o sacramento fôr excluído.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“Carta ao rei da Sardenha, de 9 de setembro de 1852.

“Alocução Acerbissimum, de 27 de setembro de 1852.

“Alocução Multis gravibusque, de 17 de dezembro de 1860.

“74. As causas matrimoniais e os esponsais pertencem, em virtude de sua própria natureza, à jurisdição civil.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“Alocução Acerbissimum, de 27 de setembro de 1852.

“N. B. — Outros dois erros propendem para esta direção: Os que se referem à abolição do celibato dos sacerdotes, e à preferência devida ao estado do matrimônio sôbre o da virgindade. Êstes foram prescritos; o primeiro, na encíclica Qui pluribus, de 9 de novembro de 1846; e a segunda, na carta apostólica Multiplices inter, de 10 de junho de 1851.

“IX. ERROS RELATIVOS AO PODER CI-VIL E AO SOBERANO PONTÍFICE.

“75. Os filhos da igreja cristã e católica não estão de acôrdo quanto à compatibilidade do poder temporal com o espiritual.

“Carta apostólica Ad apostolicae, de 22 de agôsto de 1851.

“76. A abolição do poder temporal, de que está invesida a santa sé, contribuiria, na maior medida que seja dado conceber, para a liberdade e prosperidade da igreja.

“Alocução Quibus quantisque, de 20 de abril de 1849.

“N. B. — Além dêstes erros, explicitamente apontados, muitos outros há implicados, refutados pela doutrina proposta, que devem suster muito firmemente todos os católicos, no tocante à soberania temporal do pontífice romano. Estas doutrinas estão claramente estabelecidas nas alocuções Quibus quantisque, de 20 de abril de 1849, e Si semper antea, de 20 de maio de 1850; na carta apostólica Quum Catholica Ecclesia, de 26 de março de 1860; nas alocuções Novos, de 28 de setembro de 1860; Iamdudum, de 18 de março de 1861, e Maxima quidem, de 9 de junho de 1862.

“X. ERROS QUE SE REFEREM AO LIBERALISMO MODERNO.

“78 (sic). Na atualidade não é obrigatório que a religião católica seja sustida como a única religião do Estado, com exclusão de tôda outra forma de culto.

“Alocução Nemo vestrum, de 26 de julho de 1855.

“78. Quando prudentemente previsto pela lei, em alguns países chamados católicos, as pessoas que passam a residir dentro de seus limites gozarão do rito público de seu próprio culto.

“Alocução Acerbissimum, de 27 de setembro de 1852.

“79. Além disso, é falso que a liberdade civil para qualquer forma de culto, e a plena autoridade concedida a todos de manifestar aberta e públicamente suas opiniões e idéias, de qualquer espécie que elas sejam, conduz mais fàcilmente a corromper a moral e a mente das pessoas, que a propagação da peste da indiferença.

“Alocução Nunquam fore, de 15 de setembro de 1856.

“80. O pontífice romano pode e deve reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização introduzidos ultimamente, e estar em conformidade com tudo isso.

“Alocução lamdudum cernimus, de 18 de março de 1861 (30).

  • c. A Infalibilidade Papal

Em 18 de julho de 1870, o Concilio do Vaticano, controlado pelos jesuítas, enunciou o dogma da infalibilidade do papa, em qualquer pronunciamento feito ex catbedra, em assuntos relacionados com a fé e a moral. Sempre se havia pressentido que a igreja era infalível. Durante muito tempo se admitira generalizadamente que o papa era infalível. Em 1870, êsse sentir chegou a ser um dogma da igreja:

“O que Concerne à Infalibilidade do Pontífice Romano.

“Além disso, que a suprema autoridade de ensinar está também incluída no primado apostólico, que o pontífice romano, como sucessor de Pedro, príncipe dos apóstolos, possui sôbre tôda a igreja, esta santa sé sempre o susteve, a prática perpétua da igreja o confirma, e os concílios ecumênicos também o têm declarado, especialmente os em que se uniram o oriente e o ocidente no tocante à fé e à caridade. Porque os Padres do Quarto Concilio de Constantinopla, seguindo as pegadas dos predecessores, promulgaram esta solene sentença: A primeira condição da salvação consiste em guardar a regra da verdadeira fé. E porque a sentença de nosso Senhor Jesus Cristo não pode ser desprezada, quando diz: ‘Tu és Pedro, e sôbre esta pedra edificarei a Minha igreja’ [S. Mat. 18:18], estas coisas que dissemos foram aprovadas pelos acontecimentos, porque na sé apostólica, a religião católica e sua santa e bem conhecida doutrina sempre foram mantidas incontaminadas. Desejosos, portanto, de não separar no mínimo grau que seja a fé e doutrina desta sé, esperamos poder estar na única comunhão, que a santa sé predica, na qual está a completa e verdadeira solidez da religião cristã. [Da Fórmula de Santo Homisdas, subscrita pelos Padres do Oitavo Concilio Geral (Quarto de Constantinopla), celebrado em 869 A. D. (Labbé, “Concílios,” Vol. V, págs. 583 e 622.)] E, com a aprovação do Segundo Concilio de Lião, os gregos professaram que a Santa Igreja Romana goza da suprema primazia e preeminência sôbre tôda a Igreja Católica, a qual é verdadeira e hu-mildemente reconhecida como quem a recebeu com a plenitude do poder do próprio Senhor na pessoa do bem-aventurado São Pedro, Príncipe ou Cabeça dos Apóstolos, cujo sucessor é o pontífice romano; e assim como a sé apostólica está perante todos os demais obrigada a defender a verdade da fé, também, se surge alguma questão relativa à fé. deve ser definida por seu julgamento. [Das Atas do XIV Concilio Geral (Segundo de Lião), celebrado em 1274 A.D.) (Labbé, Vol. XIV,-pág. 512.)] Finalmente, o concilio de Florença definiu: [Das atas do XVII Concilio Geral celebrado em 1438 A.D. (Labbé, Vol. XVIII, pág. 526.)] Que o pontífice romano é o verdadeiro Vigário de Cristo, e cabeça de tôda a igreja, e o pai e mestre de todos os cristãos; e que a êle por meio do bem-aventurado São Pedro, lhe foi entregue por nosso Senhor Jesus Cristo o pleno poder de alimentar, dirigir e governar tôda a igreja. [S. João 21:15-17.]

“A fim de cumprir êste dever pastoral, nossos predecessores fizeram esforços incansáveis para que a saudável doutrina de Cristo pudesse ser propagada entre tôdas as nações da Terra, e com igual cuidado vigiaram para que pudesse manter-se genuína e pura onde quer que a recebessem. Por-tanto, os bispos de todo o mundo, reunidos agora em sínodo, de acôrdo com o costume amplamente estabelecido pelas igrejas [de uma carta de São Cirilo de Alexandria, ao papa São Celestino I, do ano 422 A. D. (Vol. 9, pár. 2, ano 36, ed. de Paris, do ano 1638)] e a forma de antiga regra [(de um escrito de Santo Inocêncio I ao concilio de Milevis, 402 A. D. (Labbé, Vol. III, pág. 47)], enviaram palavra a esta sé apostólica, especialmente quanto aos perigos que surgiram em assuntos de fé. Que ali as perdas da fé podem ser mais efetivamente reparadas quando a fé não falha. [De uma carta de São Bernardo ao Papa Inocêncio II, de 1130 (Epístola 191, Vol. 4, pág. 433, ed. de Paris de 1742).] e os pontífices romanos, em conformidade com as exigências das épocas e as circunstâncias, às vêzes reuniram concílios ecumênicos, ou auscultaram a opinião da igreja disseminada em todo o mundo, às vêzes por meio de sínodos particulares, outras, usando outros auxiliares que supriram a divina providência, definiram que deveriam manter-se aquelas coisas que, com a ajuda de Deus, haviam reconhecido estarem em confor-midade com as Sagradas Escrituras e a tradição apostólica. Porque o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de Pedro, para que sua revelação pudesse dar a conhecer novas doutrinas, mas para, por meio de sua ajuda, poder manter inviolável e fielmente exposta a revelação ou depósito de fé entregue por meio dos apóstolos. E como, por certo, todos os veneráveis padres abraçaram e todos os santos doutores ortodoxos têm venerado e seguido sua doutrina apostólica: sabendo muito plenamente que esta sé de São Pedro permanece sempre livre de tôda mancha de êrro, segundo a divina promessa que nosso Salvador fêz ao príncipe dos discípulos ‘roguei por ti para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos.’ [S. Luc. 22:32. Ver também as Atas do VI Concilio Geral, celebrado em 680 A. D. (Labbé, Vol. VII, pág. 659).]

“Êste dom, pois, de fé verdadeira e nunca vacilante, concedido pelo Céu a São Pedro e a seus sucessores nesta cadeira, para que pudessem cumprir seu elevado ministério em prol da salvação de todos, para que tôda a grei de Cristo, apartada do alimento venenoso do êrro, pudesse ser nutrida pelos pastos da doutrina celestial; para evitar tôda ocasião de cisma, para que tôda a igreja se mantivesse unida e assentada sôbre seu fundamento, permanecesse firme contra as portas do inferno.

“Mas posto que nessa mesma época, em que a eficácia saudável do ministério apostólico é o de que mais se necessita, encontram-se não poucos que se apartaram de sua autoridade, julgamos por tudo ncessário afirmar solenemente a prerrogativa que o Filho Unigênito de Deus nos outorgou para que a exercêssemos junto com o supremo ministério pastoral.

“Portatnto, apegando-nos fielmente à tradição recebida desde o comêço da fé cristã, para glória de Deus nosso Salvador, exaltação da religião Católica e salvação do povo cristão, com a aprovação do sagrado concilio, ensinamos o definimos que é dogma divinamente revelado que o pontífice romano, quando fala ex cathedra, isto é, quando no desempenho de seu ministério de pastor e mestre de todos os cristãos, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina atinente à fé ou à moral que deve ser mantida pela igreja universal, graças à divina ajuda prometida ao bem-aventurado São Pedro, está possuído da infalibilidade com que o divino Redentor quis que Sua igreja estivesse dotada para definir doutrinas atinentes à fé ou à moral. Portanto, tais definições do pontífice romano são irreformáveis [de acôrdo com as palavras empregadas pelo papa Nicolau I, nota 13, e o sínodo de Quedlimburgo, celebrado em 1085 A.D.: ‘A ninguém é permitido revisar nem firmar julgamento sôbre o que êle julgou.’ (Labbé. Vol. IX, pág. 678)], por si mesmas, e não de acôrdo com o assentimento da igreja.

“E se alguém, o que não queira Deus, presume contradizer esta definição: seja anátema.

“Dado em Roma, em sessão solene e pública celebrada na basílica do Vaticano, no ano de Nosso Senhor 1870, em 3 de julho do ano 25 de nosso pontificado.” (30)

A oposição ao dogma da infalibilidade foi forte durante o Concilio e depois, quando se tornou obrigatória a sua proclamação. Os bispos, não obstante, com notável zêlo, submeteram-se às necessidades eclesiásticas de sua situação. Nenhum dêles se opos a esta medida até ao ponto de ser excomungado. Até o bispo Hefele, historiador dos concílios eclesiásticos, submeteu-se em abril de 1871. Resistiram, porém, a êste decreto papal, especialmente na Alemanha, numerosos eruditos, entre os quais se encontram Döllinger, que foi excomungado em 1871. Outros dissidentes se lhe uniram para formar o grupo de católicos tradicionais, que muito teve que ver com o movimento denominado Kulturkampf, de fins do século XIX, na Alemanha. O historiador Lord Acton foi, na Inglaterra, notável opositor católico ao dogma da infalibilidade.

24. A Cura da Ferida

O papa Pio IX morreu em 1878 em circunstâncias em que os assuntos de índole internacional do papado se encontravam em confusão, e as relações com os governos da Europa em muitos casos eram menos que cordiais. O novo reino da Itália vigiava a política papal. O novo império germânico de Bismarck dizia: “Não iremos a Canosa.” A França era uma República constituída depois do colapso do govêrno de Napoleão III, e estava tão pouco disposta a suster o papado como o estivera Napoleão. O congresso dos Estados Unidos recusou, em 1867, votar os fundos para manter sua embaixada que, durante 21 anos, fôra, mantida nos Estados papais, abstenção que foi mantida até 1940.

Lentamente o papado recuperou sua dignidade internacional e sua influência. A imigração aumentou grandemente o número de católicos, romanos nos Estados Unidos, particularmente nas cidades, e êste país converteu-se numa das mais importantes fontes de rendas do papado. A influência política de Roma melhorou em outros países durante os primeiros anos do século XX. Quando, em 1939, estalou a segunda guerra mundial, esta conflagração pôs os países católicos, romanos, em situação de beligerância e em campos opostos das frentes de batalha. Nessas circunstâncias o papado pôde manter posição de neutralidade sem sacrificar sua eficiência ao tratar os problemas que essa situação produzia.

O período que se seguiu à primeira guerra mundial, por sua parte, viu o alastramento do socialismo na Europa, o colapso dos reinos e o crescimento dessa intransigência anticlerical que, sob os nomes de “modernismo” e “liberalismo”, os papas haviam condenado tão francamente durante o século XIX. Em França e na Itália pouca atenção era dispensada ao papa. A Polônia, país muito católico, estava muito preocupada com os problemas que lhe criava sua condição de nação nova, e a católica Checoslováquia organizou o que chegou a ser virtualmente uma Igreja Católica nacional. A Áustria e a Hungria foram pouco menos difíceis para o papado.

Logo que o govêrno facista de Mussolini tomou as rédeas do govêrno na Itália, em 1922, o problema do papado converteu-se em um problema muito específico e real. No que concernia à autoridade dos bispos, o controle dos matrimônios, da juventude, da educação, o papado e o govêrno facista pareciam irreconciliáveis. Quem estudou as relações que se estabeleceram entre os dois poderes, tece seus argumentos sôbre ambos os extremos do problema, e se pergunta se Mussolini e o papa foram inimigos perpétuos ou aliados secretos. Provàvelmente foram de tempo em tempo uma e outra coisas, ou uma ou outra, segundo o ditaram as circunstâncias.

O que é sabido com certeza é que firmaram, em 1929, uma concordata que, depois de mais de vinte anos, surge com uma significação muito real. Por meio do Tratado de Latrão, firmado em 11 de fevereiro de 1929, por Pietro, cardeal Gasparri, secretário de Estado do papa, e por Benito Mussolini, em sua qualidade de chefe do govêrno italiano, o papado foi, uma vez mais, reconhecido como Estado político, que abrangia pequena porção da cidade de Roma, com a extensão de 44 hectares, em tôrno do Vaticano, e com a população de 1.200 almas. Isso não passa de uma vaga restauração dos domínios perdidos que o papa uma vez governou. Mas o reconhecimento da cidade do Vaticano como território do papa, faz dêle, uma vez mais, um dirigente político, e confere-lhe posição reconhecida entre os soberanos do mundo. A ferida mortal fôra curada. (Apoc. 13:3 e 12.)

Reflexões de um Contemporâneo

FRANK CRANE

JUSTAMOS colocados em um mundo, rico não sòmente em alimento para o nosso corpo, mas ainda em alimentos deleitosos para o espírito. O universo está cheio de leis deliciosas, de harmonias radiosas, de tesouros de alegria, de beleza delirante. Vá à fonte e beba. Deixe de rolar nas delícias sua alma.

Há outras “Venus de Milo”, outras “Monna Lisa”, há outras “Ilíadas”, outras “Phedras”, outros “Parsifais”, outras “Nonas Sinfonias”. Por que não havemos de encontrá-los?

Os homens nada criam . . . Descobrem, simplesmente.

Tôda a beleza, tôda a verdade, tôda a integridade se encontra na Natureza; e, na Natureza, bem entendido, se encontra o Homem.

O artista descobre . . . Aponta-nos o que nos era verdade. Faz que caia o véu.

Os animais são imitadores. É também o que somos; mas nossas imitações são de qualidade inferior, imitamos, reproduzimos.

O que fazemos, na verdade, quando somos impelidos a inventar alguma coisa, é apenas uma escolha no imenso “stock” da Natureza.

Como disse Tertuliano: “O que se inventou já existia. No reino da arte, nossas mais extravagantes fantasias nada são em comparação com as obras da Natureza.” O grande escultor Augusto Rodin, disse: “O homem é incapaz de criar. Consegue apenas aproximar-se da Natureza, com submissão, com amor. Nada equivale ao estudo perseverante. Sòmente com êle se descobre o segrêdo da vida. Dedique sua vida pacientemente, apaixonadamente, para compreender a vida. Que lucro, se chegar a compreendê-la! Quem recuaria ante o esfôrço necessário, ante a aprendizagem indispensável, por mais longa e laboriosa que fôsse, se entrevisse a felicidade de compreender?”