O ministério é invevitavelmente uma série de penosas decisões, amiúde sob a forma de escolhas entre o bem da igreja institucional e a necessidade ou o conforto do indivíduo. Além disso, tais escolhas são freqüentemente a variedade menos atraente entre o menor de dois males. Comissões de igreja, mesas administrativas de associações e concílios denominacionais tomam numerosas decisões, mês após mês, e ano após ano, que afetam profundamente a vida de muitas pessoas e que ocasionam ruptura e dor. Membros são disciplinados, excluídos da comunhão da igreja ou dispensados de seus cargos. Pastores são removidos de seus pastorados; professores são destituídos de suas posições.

Jim Kok, capelão no Pine Rest Christian Hospital, sugeriu que a Igreja estabeleça um Dia Anual de Lamentação — não apenas lamentação generalizada, mas lamentação específica da Igreja pelo sofrimento, dor e pesar infligidos a seus membros por suas decisões. Ele escreve: “Seria um dia em que enfrentaríamos a verdade sobre nós mesmos e sentiriamos tristeza pela maneira como magoamos pessoas — em nome de Cristo, e porque talvez cometemos algum erro ao tomar decisões que afetaram a vida das pessoas.”1

Kok reforça seu apelo para essa manifestação de pesar citando um exemplo: “Recentemente uma escola dispensou os serviços de uma jovem professora porque ela se divorciou do marido. Essa decisão foi devastadora para a professora e muito desconcertante para os seus alunos. Ninguém jamais saberá as conseqüências duradouras, para melhor ou para pior, em suas vidas. Disseram-me que a destituição foi efetuada em consideração aos alunos. Parece que a convicção era que aceitar uma pessoa divorciada como professora constitui um modelo negativo para as crianças e, suponho, é considerado um incentivo ao divórcio.

Não sei quais eram os sentimentos dos que tomaram essa decisão ou a atitude relacionada com ela. No entanto, tenho algumas convicções acerca do que deveriam ter sido. Procuremos expressá-las em forma de oração:

“‘Senhor, acabamos de decidir o perpétuo afastamento de uma senhora de sua sala de aula e de seus alunos porque ela é divorciada. Condoemo-nos dela ao fazer isso. Sentimos profunda tristeza por seus alunos que sentirão falta dela. Estamos pesarosos porque seus colegas também sentirão falta dessa pessoa. Cremos que foi uma medida correta e que Tu nos conduziste a essa decisão. Desejamos fazer o que é correto para a comunidade cristã, para a escola e para a vida das crianças. Mas não podemos fazê-lo sem magoar pessoas. Talvez alguns até sejam desviados de Ti por causa disso. A professora cujos serviços estamos dispensando ficará profundamente prejudicada numa ocasião em que necessita de amparo e animação da comunidade cristã. Ó Senhor, lamentamos encontrar-nos nesta situação: ter de magoar pessoas e até dar motivo para duvidarem de Ti. Cremos, porém, que agimos corretamente. Contudo, Senhor, nos recessos de nosso coração há também o obsedante receio de que podemos estar errados. Da maneira como compreendemos as coisas, achamos que não. Mas podemos estar enganados. E imploramos o Teu perdão se, devido às limitações de nossa condição humana, nós nos equivocamos. Aceita nossos esforços, Senhor. Apresentamos hesitantemente nossa decisão e a defendemos. Cura, conforta e ampara aqueles aos quais magoamos ao fazer o que acreditamos ser Tua vontade. Fortalece-nos e anima-nos ao ter de realizar este ato tão desagradável. Amém!’”2

Mesmo que pudéssemos saber ao certo que nossas decisões estavam objetivamente corretas, não deveriamos lamentar a dor e a ruptura que elas ocasionam na vida dos outros?

O ministério requer profundo envolvimento humano. A dor desse envolvimento pode ser esmagadora, e é apropriado que o pastor tenha alguma isolação, não somente para seu próprio bem, mas para o bem daqueles aos quais ele ministra. Dois conceitos, aplicados pragmaticamente, podem ajudar a prover a espécie de objetividade necessária: 1) o conceito da Igreja como instituição humana sob a direção de Deus, e 2) o conceito do ministério como profissão dentro dessa instituição.

Em primeiro lugar, embora reconheçamos a singularidade da Igreja como organismo espiritual, o corpo de Cristo, não devemos negar seu aspecto humano como organização, como “entidade sociológica que tem cultos, comissões, grupos de senhoras, organizações de homens, programas educacionais, grupos de jovens, e problemas”.Como sociedade humana, a Igreja deve determinar seu plano de ação e ter o necessário poder social para agir à luz de suas decisões. Neste sentido a Igreja é política, manifestando “os padrões de relações e ação por meio dos quais é determinada a maneira de proceder e exercido o poder social”.4 Toda organização humana contém elementos políticos, e a Igreja não é uma exceção. Através de uma variedade de meios, nomeamos, escolhemos, elegemos, controlamos decisões e exercemos influência. Sugerir que a vida da Igreja tem elementos políticos não significa que ela é má e deve ser evitada. Ser humano significa ser político. Mas, como cristãos, sensíveis à fragilidade de nossa situação humana, aceitamos este aspecto de nossa existência como estando sempre sob o juízo de Deus.

Esse conceito serve de base para o segundo: o do pastor como profissional e seu chamado para o cargo ministerial como o chamado para uma profissão. Tais escritores como Tiago Glasse2 e Davi C. Jacobsen3 desenvolveram minuciosamente essa interpretação. De modo especial, Jacobsen mostra seu valor para as decisões tomadas na igreja. As profissões clássicas, como o Direito e a Medicina, diz ele, encerram implícita profissão de fé numa pessoa ou conceito. O médico professa sua fé na arte de curar e nos instrumentos e métodos dessa profissão. Assim também, o advogado, do ponto de vista profissional, professa fé no Estado e em seu sistema de leis. Ele precisa ter fé nos juizes e nos tribunais, e, com certas limitações, fé em seus colegas de trabalho.

O ministro do evangelho também é um profissional. De acordo com Jacobsen, em primeiro lugar pode-se dizer que sua profissão de fé está voltada para Deus. Mas, como pastor ordenado, ele também professa fé na Igreja visível. Reiteradas vezes, em seu papel de liderança, requer-se que ele expresse sua fé no corpo visível, a Igreja, como instituição humana sob a direção de Deus. Há ocasiões em que o crescimento e a estabilidade da Igreja como instituição humana é a principal responsabilidade profis-sional do dirigente de igreja.

Naturalmente, como pessoa, o pastor é convidado a mais profunda lealdade — a colocar sua fé unicamente em Deus, mas como profissional dentro do corpo visível ele é convidado a ter fé nesse corpo visível. Isto não significa que ele não tenha restrições quanto a sua estrutura ou eficiência atuais, mas não duvida de que ela deve existir. E labutara em prol de seu constante progresso. “Não pode ser cínico e criticar arrogantemente essa igreja e ainda continuar sendo um profissional.”4

Este conceito do ministério como profissão entre outras profissões pode tanto “produzir liberdade como ansiedade” em face de decisões difíceis. Produzirá ansiedade quando o crescimento e a estabilidade da instituição parecem ser alcançados à custa de valores humanos. Em considerações à maioria, terão de ser feitas algumas escolhas em detrimento do indivíduo. Se um pastor ou um dirigente denominacional sabe que aqueles que estão sob os seus cuidados não são suficientemente amadurecidos ou são “incapazes de absorver o impacto de uma decisão que radicalmente é demasiado amorosa para com uma pessoa”,3 ele pode decidir o que for para o bem da instituição. Como profissional comprometido com a instituição visível, ele deve ser capaz de fazê-lo com “calculada e cultivada calma”, em vez de sucumbir sob o peso da aflição. Mas, isso de o pastor tomar todas as decisões indiscriminadamente em atenção à maioria, seria abandonar sua responsabilidade pastoral.

Jacobsen nos traz à memória que de todos os dilemas enfrentados pelo pastor, esse é o mais difícil. Ilustração: O valioso auxiliar de um pastor ofendeu a neurótica esposa do primeiro ancião. Todas as tentativas de reconciliação falharam. O pastor e sua igreja terão de tomar a decisão de desgostar a uma família de ampla influência ou perder os serviços de muito apreciado e apoiado membro do quadro de auxiliares. Qualquer que seja a escolha, o pastor não poderá evitar a decisão nem o dano resultante. Como profissional, ele compreende que a igreja deve reagir, como o corpo de Cristo, com amor por todas as partes envolvidas. Ele reco-nhece que ela é também uma instituição humana que talvez não reaja com amor, mas de modo ofensivo e procurando preservar sua própria existência.

Se, após cuidadoso estudo, ele chegar à conclusão de que os benefícios e os encargos propendem a favor de uma decisão voltada para a maioria, deve apoiar essa decisão, embora seja penosa. Jacobsen afirma: “O pastor é chamado para uma tarefa que é essencial à instituição. Ele é chamado para ser um profissional competente, e não um perfeccionista sentimental. Deve ser sensível à necessidade e à dinâmica grupai que fere o corpo visível, em detrimento de alguns. Mas a sensibilidade não deve paralisá-lo.”5

De um modo ou outro, com ou sem o pastor, são tomadas decisões penosas, que muitas vezes ferem e magoam as pessoas envolvidas. Embora sejam tomadas com cuidado e oração, essas decisões devem ser acompanhadas de um senso de tristeza e humildade. Sempre devemos estar inteirados de nossa visão restrita, de nossas percepções deturpadas, e de nossas parcialidades, preconceitos e enganos pessoais.

Um Dia Anual de Lamentação na Igreja! Um Dia de Lamentação por causa das decisões que somos compelidos a tomar! Teria de ser um dia em que puséssemos de lado nossos argumentos, nossas razões e nossas racionalizações. Seria um dia de reconhecermos a nua e crua verdade de que a despeito de fervorosas orações e cuidadosa consideração, “em nossa fraqueza e mortalidade, em nosso caráter finito e em nossas limitações como seres humanos, sabemos que magoamos, prejudicamos e até desencaminhamos pessoas ao fazer o que julgávamos ser correto, imparcial, justo e fiel”6 à vontade de Deus.

Amold Kurtz, professor de Liderança e Administração de Igreja no Seminário Teológico da Universidade Andrews

Bibliografia

1. Jim Kok, The Chaplains Newsletter, vol. 12, nº 2, Pine Rest Christian Hospital, Grand Rapids, Michigan.

2. Ibidem.

3. Robert Worley. Change in the Church: A Source of Hope (Philadelphia’s Westminster Press, 1971), pág. 15.

4. James Gustafson, Treasure in Earthen Vessels (Nova Iorque: Harper and Row Publishers. 1961), pág. 100.

5. James Glasse. Profession: Minister (Nashville, Tenn.: Abingdon Press, 1968).

6. David C. Jacobsen, The Positive Use of the Ministers Role (Philadelphia: The Westminster Press, 1967).

7. Jacobsen. op. cit., pág. 23.

8. Idem, pág. 24.

9. Idem. pág. 25.

10. Jim Kok. op. cit., pág. 2.