Esta seção é disposta de modo a expor primeiro o desafio do manuscrito do oponente a sólidos conceitos adventistas do sétimo dia em diversos setores. Esse desafio é impresso em grifo, as citações diretas do manuscrito encontram-se entre aspas, e a relação das páginas aparece entre parêntesis. Em seguida vem uma pergunta em negrito, a qual sintetiza a importante questão suscitada pelo desafio. Então é dada a resposta. Essas respostas não pretendem ser exaustivas. Destinam-se a prover razões concisas, ponderadas e bem fundadas para as interpretações do adventismo do sétimo dia nesses setores.

  • 1. A Natureza da Profecia

A compreensão que se tem da natureza da profecia determinará inevitavelmente como serão interpretadas as profecias bíblicas e questões correlatas no livro de Hebreus. Isto pode ser notado de modo especial na maneira como o oponente emprega a Escritura para mostrar que, de acordo com o livro de Hebreus, o Dia da Expiação antitípico começou em 31 A.D., e não em 1844. Uma das principais suposições para isso é que todas as profecias do Velho Testamento deveriam ter-se cumprido no primeiro século A.D. Uma suposição correspondente é que o Novo Testamento indica que Cristo voltaria dentro desse século. Com base nessas suposições, o oponente infere o seguinte: 1) Teria de haver um antítipo do primeiro século para o Dia da Expiação, e não em 1844; e 2) os períodos de tempo em Daniel e Apocalipse representam um tempo literal, e não profético, a cumprir-se antes do regresso de Cristo no primeiro século. Assim, o princípio do dia-ano não é uma hermenêutica bíblica integral.

1. Todas as profecias do Velho Testamento, incluindo as profecias de tempo, do livro de Daniel, deveriam ter-se cumprido no primeiro século A.D. “A evidência de S. Mat. 24:34 (S. Mar. 13:30) torna claro que não fazia parte do plano original de Deus que o pecado durasse vários séculos após a cruz. Tais profecias como Dan. 7:25; 8:14; Apoc. 11: 2; 12:16; 13:5, ter-se-iam cumprido em muito menor escala se a Igreja prontamente houvesse abraçado o evangelho, pondo-se então a proclamá-lo em sua pureza. ” (Pág. 306, em grifo no original.)

A seguinte série de perguntas e respostas foi cuidadosamente preparada para apresentar uma sinopse dos conceitos sobre o santuário, sobre o juízo investigativo e sobre questões correlatas adotados pelo Dr. Ford e examinados pela Comissão Revisora do Santuário. Tanto quanto possível, os conceitos foram expressos usando-se as palavras do oponente (ou as palavras de autoridades que ele cita com aprovação), da maneira como se encontram em seu manuscrito: “Daniel 8:14, o Dia da Expiação e o Juízo Investigativo”. Envidou-se o máximo esforço para usar tais expressões de modo acurado e dentro do contexto.

P• É verdade que todas as profecias do Velho Testamento deveriam ter-se cumprido por ocasião do primeiro advento de Cristo?

R. Ao responder a esta pergunta, cumpre salientar que nem toda a literatura profética do Velho Testamento é de idêntica natureza. Há essencialmente dois grandes tipos de literatura profética: 1) Profecia geral, representada, por exemplo, em Isaías, Jeremias, Amós, etc.; e 2) profecia apocalíptica, como a de Daniel.

Segundo é reconhecido amplamente, a profecia geral tem uma perspectiva que se concentra principalmente no próprio tempo dos profetas, embora também tenha perspectivas mais amplas que vão além de seu âmbito local, contendo dimensões de natureza cósmica que culminam no grande dia do Senhor e num Novo Céu e numa Nova Terra (ver Isaías 2; 24-27; 65; 66; Zacarias 9-14). Por causa dessas duas dimensões, pode-se às vezes notar que a profecia geral tem um aspecto de duplo cumprimento, ou dois focos: um local, contemporâneo, e uma futura perspectiva universal. (Isto não é o mesmo que o princípio apotelesmático, o qual permite múltiplos cumprimentos.)

A profecia apocalíptica, em contraste, tem um escopo universal. Ela não se ocupa tanto com uma estrutura local e contemporânea da História como com os atos históricos de salvação da* parte de Deus por toda a extensão da história humana, o grande conflito entre o bem e o mal. Vemos, portanto, em Daniel 2, 7, 8, 11 e 12, uma exposição dos poderes mundiais em sucessão progressiva, desde o tempo de Daniel até o julgamento que antecede o Advento e além do estabelecimento universal do eterno reino de Deus. Além disso, notamos que o profeta apocalíptico, embora abranja a extensão da História, focaliza os acontecimentos do tempo do fim. Ademais, grande parte da profecia apocalíptica é expressa em figuras e símbolos comunicados por sonhos e visões, mas representando realidades históricas.

Outro aspecto importante da profecia apocalíptica é sua continuidade horizontal e histórica. A História é retratada como direcional, uma sucessão contínua que está sob o domínio de Deus e chega cada vez mais perto da gloriosa consumação. Esta perspectiva esquematiza a história mundial e delineia os poderes que devem desempenhar uma parte nela. A profecia apocalíptica realça o fato de que Deus está no comando e a história da salvação avança de acordo com a Sua presciência. Um império após o outro aparece no palco da ação exatamente como foi predito, não somente de acordo com o esquema profetizado, mas também de acordo com a duração de seu domínio sobre o povo de Deus, segundo é indicado pelas predições de tempo específicas. É essa especificidade no desdobramento da história que milita contra a aplicação do duplo cumprimento à profecia apocalíptica. A literatura apocalíptica tem em torno de si uma incondicionalidade e inevitabilidade que confere a suas predições um aspecto absoluto. Deus domina sobre as atividades humanas, pois Ele é soberano. Não importa o que façam os poderes do mal, o bem irá triunfar de acordo com a presciência de Deus. Em harmonia com este ponto de vista, vemos em Daniel o surgimento de impérios mundiais específicos e do poder da ponta pequena, com um tempo de supremacia predeterminado e um período de tempo após o qual Deus intervirá em favor de Seu povo (ver Dan. 7:25; 8:14). A meticulosa análise dessas profecias apocalípticas revela que elas não terminam no primeiro advento. Nessa ocasião o quarto império mundial — Roma — estava em pleno domínio, e o poder da ponta pequena ainda não aparecera no cenário, indicando que só se cumprira uma parte da profecia e muito ainda estava para ocorrer. Conseqüentemente, pelo que diz respeito às profecias de Daniel, não era plano de Deus, depois que Ele deu a Daniel essa antevisão profética da história da salvação, que todas as profecias do Velho Testamento se cumprissem no primeiro advento.

Não há cumprimento duplo ou múltiplo dos impérios mundiais de Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma. Mesmo que Roma seja encarada em Daniel 8 em suas fases pagã e papal, ela ainda é uma só Roma. Assim como os impérios mundiais têm um só cumprimento, também a “ponta pequena” de Daniel 7 tem um só cumprimento em Roma papal, isto é, o cristianismo decaído, e a “ponta mui pequena” de Daniel 8 tem um só cumprimento em Roma, em suas duas fases. Semelhantemente, o reino de pedra de Daniel 2 e o “reino eterno” de Daniel 7, cuja inauguração é descrita em Daniel 12:1-4, têm um só cumprimento na consumação final, quando a velha era der lugar à nova era, e a História, da maneira como é conhecida, deixar de existir.

É verdade que para Deus todas as coisas são possíveis; mas Sua palavra profética a Daniel revela que a História não se consumaria no reino eterno, dentro do primeiro século A.D. É inútil para nós, que temos tido o privilégio de ver o seguro cumprimento das profecias de Daniel durante a vasta extensão da História, desenvolver teorias a respeito do que poderia ter acontecido, mas realmente não ocorreu.

A condição sugerida mais acima para explicar por que essas profecias de Daniel não encontraram seu pretenso cumprimento no primeiro século A. D. é que a Igreja não abraçou prontamente o evangelho nem o proclamou em sua pureza. Este não é o quadro da igreja apostólica que nos é transmitido pelo Novo Testamento, desde o livro de Atos ao Apocalipse. Se essas profecias deixaram de cumprir-se porque a igreja apostólica não cumpriu a sua tarefa, qual a certeza que existe de que a Igreja Adventista, ou qualquer outra igreja, conseguirá cumprir essa condição para o cumprimento dessas profecias e a volta de Cristo? Com que base bíblica se pode afirmar que a igreja primitiva não cumpriu as expectativas de Deus a seu respeito, e que esta foi a razão por que Cristo não voltou naquela geração?

2. “Todo o peso do testemunho do Novo Testamento [está em que] o plano ideal de Deus era que Jesus houvesse voltado no primeiro século A.D., não muito depois de Sua ascensão ao Céu. Isto é claramente ensinado desde S. Mateus ao Apocalipse.” (Pág. 295, em grifo no original.)

P• É este o testemunho unânime do Novo Testamento?

R. Conquanto o Novo Testamento acentue a breve volta de Cristo, ele também adverte contra o otimismo exagerado acerca de uma volta iminente. A carta de Paulo aos tessalonicenses realça este ponto. Esses crentes tinham a impressão de que o dia do Senhor era iminente. Para corrigir esta impressão errônea, Paulo lhes fala de acontecimentos que teriam de ocorrer antes do Segundo Advento. Como é indicado em II Tessalonicenses 2, Paulo lhes diz que antes da vinda de Cristo teriam de dar-se importantes ocorrências no mundo religioso, e recomenda que não sejam enganados sobre este assunto (ver o verso 3). Então o apóstolo passa a salientar que antes da volta de Cristo se manifestaria a apostasia, e o poder tão claramente descrito por Daniel se levantaria para fazer guerra contra o povo de Deus. Até que se manifestasse esse poder iníquo, seria inútil aguardarem o Segundo Advento. Paulo disse portanto: “Esse dia não virá sem que ocorra primeiro a apostasia e seja revelado o homem do pecado”, o qual se estabeleceria dentro da Igreja, “a ponto de assentar-se no templo de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus.” Versos 3 e 4. Ellen G. White faz os seguintes comentários sobre este ponto: “Não poderemos esperar pelo advento de nosso Senhor senão depois da grande apostasia e do longo período do domínio do ‘homem do pecado’. Este ‘homem do pecado’, que também é denominado ‘mistério da injustiça’, ‘filho da perdição’ e ‘o iníquo’, representa o papado, que, conforme foi anunciado pelos profetas, deveria manter sua supremacia durante 1.260 anos. Este período terminou em 1798. A vinda de Cristo não poderia ocorrer antes daquele tempo.” — O Grande Conflito, pág. 355. Grifo acrescentado.

O testemunho de Paulo mostra que nem todo o peso do Novo Testamento indica que a volta de Cristo se daria no primeiro século.

3. A declaração de Cristo: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isso aconteça” (S. Mat. 24: 34) demonstra “a esmagadora evidência de que Cristo estava dizendo que pretendia voltar para aquela própria geração à qual Se dirigia. O fato decisivo é que a expressão ‘esta geração’ ocorre catorze vezes nos evangelhos e sempre se refere aos contemporâneos de Cristo.” (Pág. 297, em grifo no original.)

P • Esta conclusão é correta?

R. S. Mateus 24:34 faz parte do último discurso de Cristo, no qual Ele responde a duas perguntas diferentes. A primeira tem que ver com a destruição de Jerusalém; a segunda, com o fim do mundo (ver o verso 3). Pela estrutura do sermão, muitos têm comentado que Jesus não tratou separadamente da destruição de Jerusalém e de Sua volta pessoal. Parece que por compaixão para com os Seus discípulos Ele misturou o relato dessas duas grandes crises. Ao comparar a História com esse discurso, são descobertos certos aspectos que se aplicam somente à nação judaica, outros que dizem respeito aos que viverem no fim do tempo, e outros ainda que são aplicáveis a ambas as classes de pessoas.

S. Mateus 24:15-20 refere-se à queda de Jerusalém. Os versos 21 e 22 descrevem sucintamente o período compreendido entre a destruição de Jerusalém e os sinais do Segundo Advento. Ellen G. White faz esta interessante observação sobre esse intervalo: “Entre estes dois acontecimentos [a queda de Jerusalém e o Segundo Advento], jaziam abertos aos olhos de Cristo longos séculos de trevas, séculos assinalados para Sua igreja por sangue e lágrimas e agonia. A contemplação dessas cenas não podiam então os discípulos suportar, e Jesus passou-as com breve menção.” — O Desejado de Todas as Nações, ed. popular, pág. 606.

Comentando novamente sobre esse período de tribulação, ela disse: “Em poucas e breves declarações de tremendo significado, (Cristo) predisse o que os governadores deste mundo haveriam de impor à igreja de Deus.” — O Grande Conflito, pág. 36.

O começo da tribulação pode ser datado a partir da queda de Jerusalém, e, de acordo com S. Mateus 24:29, seu fim ocorreu por ocasião dos sinais no Sol, na Lua e nas estrelas — o dia escuro de 1780 e a queda das estrelas em 1833. Este período, portanto, abrange o tempo de tribulação que a Igreja sofreu em resultado das perseguições pagãs e papais. De S. Mateus 24:32 e 33 pode-se deduzir que esses sinais cósmicos são advertências especiais destinadas a levar as pessoas ao arrependimento e a servir de animação para o povo de Deus. É neste contexto imediato que encontramos a mensagem de S. Mateus 24:34, de que a geração que vivesse por ocasião do fim dessa tribulação não morreria antes de ver os sinais cósmicos do verso 29. Comentando sobre o Dia Escuro e a queda das estrelas em 1833, disse Ellen G. White: “Cristo deu sinais de Sua vinda. Declara que podemos conhecer quando Ele está perto, às portas. Ele diz daqueles que vêem estas coisas: ‘Não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam.’ Estes sinais apareceram. Agora sabemos com certeza que a vinda do Senhor está às portas.” — O Desejado de Todas as Nações, ed. popular, pág. 607. Grifo acrescentado.

Em outras palavras, todos esses sinais especiais deviam ocorrer dentro do período de vida de uma geração. Em vista da natureza do discurso de Cristo no Monte das Oliveiras, certamente não há uma evidência esmagadora de que Cristo tencionava dizer que Ele voltaria para a geração a que Se estava dirigindo. Pelo contrário, o contexto imediato de S. Mateus 24:34 parece relacionar este texto à geração que vivesse no tempo em que ocorreriam os sinais cósmicos especiais, no Sol, na Lua e nas estrelas.

Pode ser significativo notar também que entre os comentaristas antigos e modernos, a expressão “esta geração” não é necessariamente interpretada como se referindo aos que estavam ouvindo a Cristo; isto é, eles não são forçosamente os Seus contemporâneos. Entre as sugestões para a identificação das palavras: “esta geração” (he genea haute), encontram-se as seguintes: 1) raça ou povo judeu, no sentido de que a raça ou o povo judeu não pereceria antes que Cristo viesse outra vez (como p. ex.: Jerônimo, Bietenhard, N. I. V. (margem: “raça”), H. Schniewind, F. Busch, H. Bietenhart, A. Meinertz, Bauer-Arndt-Gingrich); 2) “humanidade em geral”, no sentido de que a raça humana, como tal, permaneceria até que Ele voltasse (H. Conzelmann); 3) “este tipo” ou “esta espécie”, a saber: a perversa e incrédula natureza do homem continuará até o eschaton (W. Michaelis); 4) os “discípulos” ou “cristãos” continuarão até o Segundo Advento (Crisóstomo, Vítor de Antioquia, Teofilato).

4. A projetada volta de Cristo no primeiro século significa que as profecias de tempo de Daniel e Apocalipse, “tais como: Dan. 7:25; 8:14; Apoc. 11:2; 12:16; 13:

5, ter-se-iam cumprido numa escala muito menor, se a Igreja prontamente houvesse abraçado o evangelho e se o houvesse proclamado em sua pureza.” (Pág. 306, em grifo no original.) 

P• Essas profecias de tempo poderiam ter-se cumprido no primeiro século?

R. Cumpre reconhecer que o cumprimento, no primeiro século, dessas profecias apocalípticas, só seria possível se o princípio do dia-ano não for uma hermenêutica bíblica inerente. Como essas profecias ter-se-iam cumprido em tão curto espaço de tempo é um assunto que requer considerável especulação. Isto pode ser interessante do ponto de vista acadêmico, mas inútil no tocante a sua relevância prática. O possível cumprimento hipotético dessas profecias no primeiro século é destituído de todo significado real em virtude do fato de que a volta de Cristo não ocorreu no primeiro século.

Não há razão por que o princípio do dia-ano não deva ser aceito como princípio bíblico, especialmente quando o cumprimento histórico das profecias de tempo mencionadas acima provê ampla evidência de sua validez. E neste contexto que a função da profecia, de inspirar a fé, se manifesta como a segura palavra profética e como “uma candeia que brilha em lugar tenebroso” (II S. Ped. 1:19) até o Segundo Advento. (Para mais informações sobre o princípio do dia-ano, ver a seção “A Purificação do Santuário e o Juízo Investigativo no Velho Testamento”, número 13.)

Alega-se às vezes que Cristo não poderia ter vindo antes de 1844 A.D. se realmente a profecia dos 2.300 dias-anos fosse incondicional, atingindo assim a essa data. O argumento continua dizendo que Cristo poderia ter vindo antes de 1844 A.D., e, portanto, a profecia dos 2.300 dias-anos deve ser condicional. É verdade que uma profecia incondicional de 2.300 dias-anos teria impedido que Cristo voltasse antes de 1844 A.D.?

Deus, em Sua presciência, (a qual não deve ser confundida com a predestinação), deu a profecia dos 2.300 dias-anos de Daniel 8:14 com a intenção de que seu único cumprimento ocorresse em 1844 A.D., após o que o santuário celestial experimentaria a divina atividade purificadora. Essa presciência divina comunicada pela visão profético-apocalíptica envolve o conhecimento antecipado de pormenores históricos, incluindo definidas especificações de tempo. O livro de Daniel dá testemunho da experiência do domínio de Deus sobre a História. Em retrospecto, o estudante do livro de Daniel discerne que a História não é governada pelo capricho ou pelas poderosas ambições de governantes e nações, mas pelo benéfico propósito e plano de Deus. Do ponto de vista bíblico, nada acontece por acaso ou capricho, pois o soberano propósito e plano de Deus é salientado na antiga profecia do Velho Testamento: “Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará.” Isa. 14:24; cp. 5:19; 19:17; 28:29; Amós 3:7; Miq. 4:12; Jer. 50:45.

Na Escritura, a História é o desdobramento do plano e propósito de Deus, uma sucessão de acontecimentos previstos e então anunciados a Seus profetas por meio de predições. Na profecia clássica surge o aspecto condicional, especialmente com respeito ao propósito de Deus para o antigo Israel, baseado no concerto e na obediência voluntária desse povo às obrigações desse concerto. Na profecia apocalíptica não há, porém, tal condicionalidade. Em contraste com a profecia clássica, o escopo da profecia apocalíptica é universal e sua natureza é cósmica. Ela não se acha ligada a um concerto entre Deus e o mundo, não estando portanto condicionada por obrigações neste sentido.

A presciência de Deus tornou possível predizer, na profecia apocalíptica, a elevação e a queda de impérios mundiais e sua sucessão histórica de maneira muito fantástica. O mesmo se aplica aos pormenores históricos referentes à obra e à época exata do aparecimento do Messias (ver Dan. 9:24-27) e ao período de tempo concedido ao antigo Israel. Essa presciência abrangeu o período de tempo da supremacia sobre os santos do poder de oposição a Deus por parte da ponta pequena, em Daniel 7:25. Essa presciência também abrangeu o mais longo período de tempo profético conhecido na Escritura — a profecia dos 2.300 dias-anos de Daniel 8:14. A presciência divina nada tem que ver com o fatalismo, nem denota que a vontade do homem é determinada de modo causai, privando-o da liberdade de escolha. Significa, porém, que Deus tem suprema autoridade sobre a História.

Se fizéssemos a conjetura de que Cristo poderia ter voltado à Terra antes de 1844 A.D., ainda não seria evidente que nesse caso a profecia dos 2.300 dias-anos é condicional. A razão para isto é bem simples e enunciada claramente em Daniel 8:26: “A visão da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva [sela] a visão, porque se refere a dias ainda mui distantes.” O Selamento da visão significa principalmente que sua parte relacionada com o tempo — as “tardes e as manhãs” — que realmente é “verdadeira”, deveria ser selada no sentido de que seu pormenor do tempo exato teria de permanecer encoberto até essa época, a qual ocorreria em “dias ainda mui distantes”. O Selamento ou encobrimento da parte relacionada com o tempo possibilitaria que Cristo viesse num ponto anterior na História, pelo menos no plano teórico, sem de maneira alguma tornar a profecia dos 2.300 dias-anos condicional ou fazendo com que se referisse a outro período de tempo que não fosse o que Deus tinha em vista, a saber: 457 A.C. a 1844 A.D. No plano teórico e especulativo, o Selamento da visão possibilitaria que Cristo viesse antes de 1844, se este fosse o desígnio de Deus. O fato de que a visão, por assim dizer, foi desselada na última parte do século dezoito e no começo do século dezenove, sendo pela primeira vez discernida, de maneira clara e ampla, a parte referente ao tempo, permitiu que houvesse outras opções da parte de Deus, sem tomar a profecia dos 2.300 dias-anos condicional ou fazendo com que se aplicasse a alguma outra coisa.

No entanto, é melhor passar do domínio da teoria e especulação para o âmbito da realidade. E a realidade é que, na presciência de Deus, foi feita a predição desse longo período de tempo e que ele encontrou seu único cumprimento divinamente designado nos acontecimentos de 1844 A.D., quando começou no santuário celestial uma nova fase de ministério envolvendo a purificação, a restauração, o ato de endireitar e a vindicação. O ano de 1844 também assinala a época em que não mais haveria nenhuma profecia de tempo a ser cumprida. Assim todos os seres humanos vivem agora num tempo de graça, emprestado por Deus, antes que o glorioso Segundo Advento de Cristo seja experimentado por Seu povo.

5. “A íntima relação entre a profecia de Daniel 8 e a história do povo de Deus entre 171-165 A.C. demonstra que… a profecia teve sua primeira significação para o povo ao qual foi dada originalmente. O conceito sobre a profecia que a considera irrelevante para os ouvintes ou leitores originais extinguiu-se há muito tempo na erudição cristã. ” (Pág. 394.)

P• As profecias, incluindo as de Daniel, têm um cumprimento primário ou uma aplicação aos ouvintes originais?

R. A íntima relação entre Daniel 8 e a perseguição judaica durante o reinado de Antíoco Epifânio (segundo a alegação acima) é incorreta e não pode ser estabelecida com base em sólida exegese e dados históricos. Não constitui, portanto, um apoio bem fundado para a idéia de que a profecia é primariamente relevante para os leitores originais. Mesmo que o episódio de Antíoco Epifânio fosse a intenção da profecia, o argumento (de que a profecia deve aplicar-se em primeiro lugar aos ouvintes originais) ainda seria falho porque os recebedores originais da profecia já haviam desaparecido do cenário há uns quatro séculos antes do “cumprimento” da profecia por Antíoco Epifânio. O oponente confirma essa lacuna de quatro séculos ao afirmar que, a despeito de sua aplicação da ponta pequena a Antíoco Epifânio, com isto ele não está negando a “autoria do sexto século para Daniel” (Pág. 391).

Devido aos diversos tipos de profecia (ver o que foi mencionado sob o N? 1), devemos ser cautelosos quanto a exigir que toda profecia seja aplicável aos ouvintes e leitores originais. Esta precaução aplica-se principalmente às profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse, as quais contêm paralelismos proféticos, sendo que cada um deles abrange a história desde o tempo do profeta até o fim do tempo. A relevância desse tipo de profecia para os ouvintes originais só vai até onde sua situação histórica é abrangida pelo simbolismo profético. Para eles, os símbolos proféticos que ainda não se cumpriram atuam simplesmente como garantia de que Deus dirige as atividades humanas e que Seu triunfo é certo. Visto que a maior parte das profecias não se aplica à sua situação contemporânea, eles não podem ter certeza do cumprimento específico.

Além disso, cumpre ter em mente que uma parte do livro de Daniel devia ser selada, “porque se refere a dias ainda mui distantes” (Dan. 8:26). “Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim. ” Dan. 12:4; cp. verso 9. Insistir, portanto, que Daniel devia ser compreendido pelos seus leitores originais é contrário à natureza do próprio livro e às suas claras afirmações internas. Este conceito do Selamento do livro de Daniel geralmente era aceito pela erudição cristã durante a Reforma e na era posterior. Infelizmente, após a rejeição geral do Movimento do Segundo Advento, na década de 1840, bem como de sua interpretação histórica da profecia, a mensagem do segundo anjo começou a sua proclamação, e a queda moral de Babilônia tornou-se um fato, resultando na perda da compreensão profética entre os eruditos cristãos. Os atuais princípios de interpretação profética defendidos pela erudição cristã não devem, portanto, ser considerados normativos para os adventistas, por causa do conflito dos eruditos com o conceito bíblico da continuidade histórica da profecia sobre o qual se baseia a Igreja Adventista do Sétimo Dia, como movimento profético.

É esclarecedor considerar as idéias de Ellen G. White sobre essas questões. Referindo-se a Daniel e Apocalipse, ela escreveu: “Essas mensagens foram dadas, não para aqueles que enunciaram as profecias, mas para nós que vivemos entre as cenas de seu cumprimento.” — Mensagens Escolhidas, livro 2, pág. 114. “Cada um dos antigos profetas falou menos para seu próprio tempo do que para o nosso, de modo que suas profecias estão em vigência para nós.” — Idem, livro 3, pág. 338. No tocante à própria compreensão de Daniel do que lhe foi mostrado, ela disse o seguinte: “Suas maravilhosas profecias, tais como registradas por ele nos capítulos sete a doze do livro que traz o seu nome, não foram inteiramente compreendidas mesmo pelo próprio profeta.” — Profetas e Reis, pág. 547. “A parte de sua profecia que se refere aos últimos dias, Daniel teve ordem de fechar e selar, até ‘o tempo do fim’. . .. Desde 1798, porém, o livro de Daniel foi descerrado. ” — O Grande Conflito, págs. 354 e 355.

6. A doutrina adventista do sétimo dia sobre o santuário e o juízo investigativo em Daniel 8:14 não é bíblica e viola o contexto dessa passagem. ‘Afigura-se a este autor [Ford] que o princípio apotelesmático é a própria chave de que necessitamos para autenticar nossa aplicação denominacional de Daniel 8:14 a nosso próprio tempo e obra. . . . Por apotelesmático queremos dizer cumprimento duplo ou múltiplo. ” (Pág. 345, parte em grifo no original). “Este princípio afirma que uma profecia cumprida, ou cumprida em parte, ou não cumprida no tempo designado, pode ter um cumprimento posterior, recorrente ou consumado.’’ (Página 485.)

P• Quão útil é a aplicação do princípio “apotelesmático” a Daniel 8:14: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”?

R. A idéia de que a profecia pode ter mais de um cumprimento não é nova nos círculos adventistas ou não adventistas. Algumas profecias do Velho Testamento têm sido interpretadas como tendo o primeiro cumprimento no tempo do antigo Israel e um cumprimento posterior em Cristo, na Igreja ou na Nova Terra. O que é novo é a aplicação do princípio apotelesmático do cumprimento múltiplo às profecias de tempo de Daniel e Apocalipse, que são classificadas como profecia apocalíptica. Quando este princípio é aplicado à ponta pequena de Daniel 8, ele faz com que ela não só represente Roma — pagã e papal — mas também Antíoco Epifânio, bem como um anticristo final pouco antes do Segundo Advento, e provavelmente também um anticristo restaurado no fim do milênio. As seguintes declarações extraídas do manuscrito demonstrarão o amplo espectro de significações atribuídas a Daniel 8:14 devido ao emprego do princípio apotelesmático:

“O verso [Dan. 8:14] do mesmo modo que Dan. 2:44; 7:9-13; 12:1 e 9:24-27, é apotelesmático em sua aplicação, ajustando-se não somente à vitória sobre o anticristo típico, Antíoco, em 165 A.C., mas também à grande redenção da cruz e sua derradeira aplicação no juízo final. . . . Também se aplica a todo avivamento da religião verdadeira em que os princípios do reino de Deus, refletidos no santuário pelas tábuas de pedra e pelo propiciatório, são proclamados de novo, como em 1844. ” (Pág. 356, parte em grifo no original.)

“Vindicar o santuário significa fazer cessar a transgressão, dar fim ao pecado, expiar a iniqüidade e, simultaneamente, trazer a justiça eterna para todos os que crêem — e, além disso, confirmar toda a profecia pela realização, incluindo o estabelecimento do novo templo — primeiro a igreja cristã e, em segundo lugar, a Nova Terra com sua Nova Jerusalém como o trono de Deus e o templo eterno. ” (Pág. 420.)

“Assim, 1844 destinava-se a ser uma “restauração” — um avivamento das verdades que haviam sido calcadas aos pés ou que estavam prestes a sê-lo. A história da Igreja tem consistido de uma série de ‘mortes’ e ‘ressurreições’ — através das eras dominadas por Babilônia, Média-Pérsia, Grécia, Roma pagã e Roma papal. Depois de toda era de trevas veio uma nova manhã de restauração.” (Pág. 422.)

“Toda era de renovação das verdades simbolizadas no santuário pode ser considerada como um cumprimento de Daniel 8:14.” (Pág. 486.)

As citações acima permitem cerca de uma dúzia de possíveis cumprimentos de Daniel 8:14, demonstrando que este texto, de acordo com o manuscrito do oponente, passou a significar tudo, desde um avivamento da religião verdadeira entre os israelitas até a Nova Jerusalém da Nova Terra. Seu significado, deste modo, torna-se tão geral e pode ser reaplicado tantas vezes e de tantas maneiras, que pode representar quase toda coisa boa na história de Israel e no decorrer da história da Igreja, até o fim do milênio! A única exceção que o oponente faz à aplicação apotelesmática é o começo de um juízo investigativo no Céu, em 1844. A imposição de semelhante restrição parece ser bastante injustificada em vista da atitude tolerante para com, virtualmente, todas as outras possibilidades.

A ênfase do manuscrito à aplicação do princípio apotelesmático a Daniel 8:14 é surpreendente em vista de sua acusação de que tanto as primeiras interpretações deste versículo pelos adventistas do sétimo dia, como as atuais, não fazem caso do contexto de Daniel 8:11-13. Convém perguntar, portanto, se o contexto de Daniel 8:14 é levado em mais consideração pela costumeira interpretação adventista, a qual restringe a aplicação deste texto aos acontecimentos relacionados com o início do julgamento final no santuário celestial, ou pela interpretação liberal, que aplica Daniel 8:14 a quase todos os acontecimentos no decorrer da história da salvação — desprezando completamente, em muitos casos, o contexto específico do capítulo. É evidente que o princípio apotelesmático não possui um mecanismo de controle intrínseco que impeça a abundante especulação, tornando-o sem utilidade como instrumento exegético. Muitas das aplicações apotelesmáticas poderiam, portanto, ser designadas com mais acerto como usos homiléticos.

7. “Estando inteirados do princípio [apotelesmático], compreenderemos com facilidade por que muitos eruditos eminentes podem ser incluídos em cada uma das diferentes escolas de interpretação — preterismo, historicismo, futurismo, idealismo. Todas estão certas no que afirmam e erradas no que negam.” (Pág. 505.)

P• Quais são as inferências desta premissa filosófica e suas aplicações aos adventistas?

R. Cumpre salientar que a citação acima ilustra a imensa tarefa envolvida ao procurar reunir as principais escolas de interpretação profética sob a égide do princípio apotelesmático, com base no aforismo: “Todas estão certas no que afirmam e erradas no que negam.” Nunca dantes um comentarista tentou efetuar semelhante união. É um fato notório que a escola historicista de interpretação profética (a qual encara a profecia como sendo cumprida no decorrer da História, desde o tempo do profeta até o Segundo Advento, e é adotada pelos adventistas) tem sido antagônica à escola preterista de interpretação profética (a qual encara a profecia como estando cumprida no passado) e à escola futurista (a qual declara que o cumprimento ainda está no futuro). A escola futurista, da maneira como atualmente é adotada nos círculos evangélicos, encontra-se em clara oposição ao preterismo. Há alguma conformidade entre os historicistas e os futuristas, mas não depois que o futurismo dá seu grande salto no futuro. Tentar reunir essas escolas num harmonioso conjunto apotelesmático produziría inevitavelmente diversas tensões que não podem ser abrandadas por um princípio abstrato.

A Validez do aforismo que sustenta o princípio apotelesmático precisa ser confirmada adequadamente antes que possa ser aceito como sólido princípio de exegese bíblica. Não tem sido apresentada nenhuma derivação indutiva ou justicação filosófica para essa hipótese. A simples asserção de um aforismo não constitui uma prova de sua exatidão, e quem o propõe tem o dever de prová-lo. O princípio apotelesmático denota que na realidade não existe tal coisa como duas asserções mutuamente exclusivas quando elas são lançadas como proposições positivas. Assim, em última análise, isto significa que as proposições positivas são verdadeiras, ao passo que as proposições negativas são falsas ou não comprovadas. Se a linguagem humana é tão inexpressiva assim, será extremamente difícil efetuar considerações inteligíveis sobre a interpretação da profecia.

Na aplicação dessa premissa à interpretação profética dos adventistas do sétimo dia, incoerências e impossibilidades metodológicas tomar-se-ão manifestas. As asserções positivas das escolas preteristas e futuristas são aceitas, ao passo que afirmações historicistas, como a de que o princípio do dia-ano é bíblico e a de que o início do juízo investigativo ocorreu em 1844, são rejeitadas, a despeito do aforismo de que “todas estão certas no que afirmam e erradas no que negam”. Além disso, há a ausência de controles intrínsecos, o que torna a aplicação dessa premissa muito subjetiva e conduz à exigência de que os adventistas troquem suas afirmações pelas dos eruditos das tradições preterista e futurista, porque eles “estão certos no que afirmam”.

2. A PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO E O JUÍZO INVESTIGATIVO NO VELHO TESTAMENTO

1. Os adventistas do sétimo dia têm admitido que “o santuário de Daniel 8:14 significa o santuário no Céu. (Embora o contexto seja a respeito do santuário na Terra.)” (Pág. 290.) “Daniel 8:14 é realmente o verso mais importante, resumindo os seus assuntos-chave do santuário, do reino de Deus (simbolizado pelo santuário), do juízo”, etc. (Pág. 356; cp. págs. 357, 399, 400 e

421.)

P• Qual é a interpretação correta do santuário em Daniel 8:14 — o santuário terrestre, o santuário celestial, Deus, ou alguma outra coisa?

R. Compreender o significado da palavra santuário é um requisito prévio para compreender o significado da purificação, assim como compreender os 2.300 dias é, até certo ponto, um requisito prévio para compreender tanto a purificação como o santuário. Em outras palavras, se os 2.300 dias forem interpretados como sendo dias literais de 24 horas, então o santuário e sua “purificação” serão encarados sob um aspecto muito diferente do que se os 2.300 dias forem interpretados como simbólicos de tempo profético. O princípio do dia-ano tem sido confirmado por um número cada vez maior de passagens bíblicas, e assim a interpretação dos 2.300 dias como anos encontra-se numa base mais firme do que antes (ver a pergunta 9).

O vocábulo hebraico para “santuário” é qodesh, o qual tem uma ampla série de significados no Velho Testamento, onde aparece 469 vezes. Qodesh pode aplicar-se ao santuário ou templo terrestre (Êxo. 36:1; Lev. 4:6; Núm. 3:28; I Crôn. 22:19; II Crôn. 30: 15; Sal. 74:3; Isa. 43:28; Mal. 2: 12), ao santuário celestial (Sal. 60:6; 68:2; 102:19; 150:1), ao Lugar Santo (Êxo. 26:33; 28:29; 39: 1; I Reis 8:4) e ao Lugar Santíssimo (Lev. 16:2; Ezeq. 41:21).

Daniel 8:11 e 12 emprega uma palavra correlata para “santuário”: miqdash, a qual é formada com a raiz qadash, como acontece com o vocábulo qodesh. Miqdash também pode significar o santuário terrestre (Dan. 9:17; Êxo. 25:8; Sal. 73:17), o santuário celestial (Sal. 68:35; Jer. 17: 12) ou tanto o santuário terrestre como o celestial (Sal. 99:6). Suas 74 ocorrências no Velho Testamento também abrangem aplicações ao véu e ao altar (Lev. 21:23), aos utensílios sagrados (Núm. 10:21), às dádivas sagradas (Núm. 18:29) e ao Lugar Santíssimo (Lev. 16:33). Notai que a aplicação em Daniel 8:11 e 12, bem como no verso 14, ao santuário, é legítima e está dentro do âmbito dos significados bíblicos.

Se o assunto do santuário também se voltar para o Novo Testamento, a extensão dos significados será ainda mais ampla. É interessante que Guilherme Miller mencionou sete possibilidades diferentes para a interpretação do santuário de Daniel 8: 14. “Em sua exposição mais desenvolvida sobre o santuário, publicada em 1842, Miller indicou que o ‘santuário’ podia significar: 1) Jesus Cristo (Isa. 8:14; Ezeq. 10:16); 2) o Céu (Sal. 102: 19; 20:2); 3) Judá (Sal. 114:2); 4) o templo de Jerusalém (I Crôn. 22:19; Êxo. 25:8); 5) o Santo dos Santos (I Crôn. 28:10; Apoc. 4: 6); 6) a Terra (Isa. 60:13; I Reis 8:27; Apoc. 5:10; Apoc. 20:6; S. Mat. 6:20; Sal. 82:8; Apoc. 11: 15; Sal. 96:6-13); 7) os santos (I Cor. 3:16 e 17; II Cor. 6:16; Efés. 2:21 e 22).” (G. Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission, Grand Rapids, Eerdmans, 1977, pág. 34.) A estes sete conceitos o Dr. Ford acrescentaria mais um: “O santuário profanado era um símbolo do reino de Deus — um reino que requer vindicação.” (Pág. 357.) Se nos apegássemos ao princípio apotelesmático, seria legítimo apoiar uma variedade de significados como sendo apropriados. Visto, porém, que a Escritura não apóia o princípio apotelesmático, precisamos procurar descobrir o significado que se adapta ao contexto de Daniel 8 em seu engaste apocalíptico.

Comecemos declarando o que o santuário não é. Se nossa conclusão é que os 2.300 dias não podem ser dias literais de 24 horas ou metades de um dia, mas são simbólicos de tempo profético, teremos então de eliminar o seguinte:

1. O santuário não pode ser o tabernáculo erigido por Moisés, pois os 2.300 anos não encontram o seu cumprimento nalgum acontecimento conhecido desde o tempo de Moisés ao de Davi, e os 2.300 anos abrangem mais do que o dobro do número de anos da existência desse tabernáculo.

2. Ele não pode ser o templo terrestre, pois os 2.300 anos não se ajustam a nenhum período conhecido durante a longa história do Templo, desde 970 A.C. a 70 A. D. A coerência requer que, se consideramos os 2.300 dias como proféticos, também devemos interpretar o santuário como se ajustando ao período profético, isto é, como não sendo terrestre, porque o período dos 2.300 anos supera consideravelmente a história de mais ou menos mil anos de duração do primeiro e segundo templos judaicos.

3. Ele não pode ser a Terra, porque nada aconteceu no fim dos 2.300 anos para restaurar a Terra. Senão já faríamos parte dos “novos céus e da nova Terra”.

4. Ele não pode ser Judá, porque a tribo de Judá deixou de existir há muito tempo e nunca existiu durante mil anos; mas, com relação a este assunto, meramente durante 2.300 dias literais.

A aplicação a essa passagem do princípio do dia-ano patenteia a possibilidade de que o santuário simbolize um dos seguintes itens: a) o santuário celestial, b) o reino de Deus, c) a Igreja ou d) os cristãos individuais. Cristo não pode ser considerado como o santuário, mesmo que Ele seja encarado como a Cabeça de Seu corpo, a Igreja, porque a atividade envolvida pelo santuário não se adapta a Cristo. Isto significa que para compreender o significado do “santuário” em Daniel 8:14 é mister compreender a purificação, a restauração e a vindicação do santuário, pois elas se acham entrelaçadas. Cristo não precisa de purificação nem de restauração, portanto é improvável que esse termo se refira a Ele nalgum sentido.

Certamente, o santuário celestial, o reino de Deus, a Igreja e os cristãos individuais todos necessitam de purificação, restauração e vindicação. Ao decidir qual é o significado mais apropriado para Daniel 8:14, podemos considerar o sinônimo miqdash, em Daniel 8:11 e 12, o qual se refere a algo mais do que a própria estrutura do santuário. Também abrange os utensílios e os móveis. Às vezes, qodesh, o vocábulo usado em Dan. 8:13 e 14, pode ser traduzido como “coisas santas”, de modo que a purificação, restauração e vindicação envolve o santuário celestial e os serviços realizados ali. Em segundo lugar, verificamos que a mesma palavra qodesh aparece no Cap. 9:24, na frase qodesh qodeshim, “Santo dos Santos”. Em nenhuma parte do Velho Testamento é a expressão “Santo dos Santos” aplicada a 30 uma pessoa. Isto parece excluir todo sumo sacerdote terrestre, bem como a Cristo, o Sumo Sacerdote celestial, como sendo designados nesse trecho. No fim das 70 semanas deveria ocorrer a unção do “Santo dos Santos”. Isto afasta ainda mais a possibilidade de que seja feita alusão ao santuário terrestre, pois ele foi ungido ou dedicado vários séculos antes disso (Êxo. 29).

O contexto também indica que qodesh não pode ter sido uma referência direta aos cristãos individuais ou aos santos. Daniel 8:13 usa o substantivo qadôsh ao falar de um “santo” (qadôsh) em conversa com outro. Daniel 7: 18, 21, 22, 25 e 27 usa um substantivo aramaico, qaddishím, para representar os “santos” calcados aos pés pela ponta pequena. Se Daniel quisesse transmitir o conceito de que o santuário se refere aos santos, teria de usar a palavra qadôsh no Cap. 8:14.

Chegamos agora à pergunta final: E o santuário de Daniel 8: 14 uma alusão ao santuário celestial ou ao reino de Deus? Ou poderia aplicar-se a ambos? Daniel 7 acha-se inseparavelmente ligado com o capítulo 8 e provê a base para a devida compreensão dos acontecimentos do capítulo seguinte. Se Daniel 7:9 e 10 é uma referência ao santuário ou tribunal celestial, então o santuário do Cap. 8:14 deve ser interpretado de acordo com a mesma linha de pensamento. Daniel teve uma visão antecipada do juízo: “Continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e o Ancião de dias Se assentou.” Cap. 7:9. O Velho Testamento torna bem claro que o trono de Deus se encontra no centro de Seu santuário no Céu (II Crôn. 18:18; Sal. 11:4; 103:19; Isa. 66: 1; Ezeq. 1:26) e que o julgamento sempre procede do santuário (ver a resposta à próxima pergunta). Certa vez também era a intenção que o Messias viesse e estabelecesse o Seu trono dentro de Templo terrestre que seria reconstruído (Ezeq. 43:4-7; Zac. 6:13). Os tronos de Daniel 7 são estabelecidos na parte mais interior do santuário celestial, de modo que o contexto para compreender Daniel 8:14 é o do santuário celestial. Com base na evidência acima, inferimos que em Daniel 8:14 o “santuário” é o do Céu, e não o da Terra.

2. Os adventistas do sétimo dia supõem que “‘purificado’ é a tradução correta [de nisdaq] em Dan. 8:14 (embora isto certamente não é o caso)’’. (Pág. 290.) Afirma-se que não há relação lingüística entre Daniel 8: 14 e Levítico 16. O significado do verbo em Daniel 8:14 “não é princípalmente ‘purificar’, e, sim, ‘vindicar’”. (Pág. 348.) Em Dan. 8:14 a forma verbal nisdaq “não tem ligação vital com o taher da purificação ritual em Lev. 16”. (Pág. 349.) A conclusão é que “nosso ensino tradicional sobre Dan. 8:14 é insustentável”. (Pág. 278.)

P• Podemos justificar o concatenamento de Daniel 8:14 e Levítico 16?

R. O consenso da posição assumida em Glacier View e publicada noutra parte deste número especial de O Ministério Adventista provê uma resposta sucinta para essa pergunta: “A palavra hebraica, nesse caso, é nisdaq, a qual tem uma amplitude de possíveis significados. Sua idéia fundamental é ‘endireitar’, ‘justificar’, ‘vindicar’ ou ‘restaurar’; mas ‘purificar’ e ‘limpar’ podem ser incluídos em seu âmbito conceptual. . . . Embora não haja forte vínculo verbal entre esse versículo e o ritual do Dia da Expiação de Levítico 16, essas passagens, no entanto, se acham relacionadas por suas idéias paralelas de retificação do santuário dos efeitos do pecado.” Essa amplitude de significados é refletida nas seguintes variações entre as traduções modernas: ‘“restaurado a sua posição legítima”’ (R. S. V.); “seus direitos restaurados” (Jerusalem Bible); “‘sairá vitorioso ” (N. E. B.); “‘devidamente restaurado”’ (N. A. S. B.); “‘reconsagrado’” (N. I. V.); e “‘restaurado’” (T. E. V.). The New American Bible constitui uma excepção da tendência das versões modernas para adotarem o significado de restauração, traduzindo nisdaq por “purificado”’.

Conquanto não haja explícita ligação verbal entre Daniel 8:14 e Levítico 16. a palavra nisdaq, que tradicionalmente é vertida por “purificado”, desde as traduções mais antigas (grega, latina, Siríaca e cóptica), contém essa conotação como parte de seu significado. Meticuloso estudo da forma verbal hebraica e de outras formas da raiz sadaq (da qual se deriva nisdaq) revela que certas formas são empregadas sinonimamente, no paralelismo poético, com taher, “ser limpo, puro” (Jó 4:17; 17:9) e zakah, “ser puro, limpo” (Jó 15: 14; 25:4). Isto demonstra que o significado de “purificar” ou “limpar” faz parte da amplitude de significados para nisdáq em Daniel 8:14. Embora o verbo nisdaq não seja empregado em Levítico 16, e com respeito a este assunto, em nenhuma outra parte do Velho Testamento, isto não significa que não há ligações terminológicas entre Daniel 8:13 e 14 e Levítico 16. É um fato surpreendente que o vocábulo qodesh, significando “santuário” em Daniel 8:14, é a própria palavra usada sete vezes em Levítico 16 (Vs. 2, 3, 16, 17, 20, 23 e 27), com o significado de “santuário” ou “Santo dos Santos”. Assim, esta palavra-chave dentro do contexto da purificação do santuário em Levítico 16 é a que aparece em Dan. 8:14. O mesmo vocábulo qodesh está diretamente relacionado com a “purificação” em I Crônicas 23:28. Cumpre notar também que a palavra “transgressão” (pesha’, no hebraico), na frase: “transgressão que causa horror” (“transgressão assoladora”) em Dan. 8:13, aparece em Levítico 16:16 e 21. Afigura-se que em ambas essas passagens a palavra “transgressão” atua como termo abrangente para designar os pecados do povo de Deus. Deste modo, há fortes ligações terminológicas e conceptuais entre Daniel 8:13 e 14 e Levítico 16, como também é mencionado no documento consensual citado mais acima.

Essa ligação terminológica e conceptual entre Daniel 8 e Levítico 16 não deve impedir-nos de desenvolver três medidas processuais no estudo do julgamento que antecede o Advento, no Velho Testamento. Essas medidas são as seguintes: 1) Relacionar o conceito da restauração do santuário em Daniel 8: 14 com o conceito do juízo em Daniel 7; 2) vincular o conceito do juízo e do santuário em Daniel 7 e 8 com o conceito geral do juízo e do santuário no Velho Testamento; e finalmente 3) reunir o conceito geral do juízo e do santuário com o conceito específico do Dia da Expiação, como sendo um ato de julgamento, de acordo com Levítico 16. Assim, com base na ligação de Daniel 8 com Daniel 7, é lançado o fundamento para uma investigação do juízo e do santuário no Velho Testamento, e então Levítico 16 e o Dia da Expiação podem ser estudados especificamente.

O Juízo em Daniel 7 e 8

Há fortes vínculos entre Daniel 7 e 8. Ambos os capítulos falam dos poderes da “ponta pequena” que estão empenhados em atividades correlatas:

a) perseguindo — esmagando os santos (Dan. 7:25; 8:10).

b) proferindo grandes palavras — engrandecendo a si mesmos (Dan. 7:25; 8:10 e 11).

Há uma obra de juízo ou vindicação que é descrita em ambos os capítulos (7:10 e 26; 8:14). O juízo é em favor do povo de Deus e, indiretamente (ou implicitamente), contra os poderes da “ponta pequena”. Conquanto Daniel 7 não forneça uma data exata para a juízo, os versos 21, 22, 25 e 26 provêem uma idéia geral da ocasião em que se dará o julgamento. A seqüência apresentada é que a ponta pequena faz guerra contra os santos de Deus. Isto é seguido, em seqüência temporal, pelo juízo do Ancião de Dias em favor dos santos (verso 22), e então estes últimos recebem o reino eterno. Assim, o julgamento em favor dos santos ocorre antes da recepção do reino, isto é, o juízo deve preceder o Advento. Ele também devia ocorrer depois do domínio da ponta pequena sobre os santos por 1.260 anos (versos 25 e 26). A estrutura do tempo em Daniel 8:14 nos diz exatamente quando devia começar o juízo. Daniel 8:14 não pode ser interpretado corretamente sem tomar como base a Daniel 7. O ponto culminante deste capítulo é a vindicação do povo de Deus e o estabelecimento do reino de Deus, e o ponto culminante de Daniel 8 é a “purificação”, restauração, etc., do santuário celestial.

O Juízo no Tabernáculo Terrestre

Reiteradas vezes o Velho Testamento descreve o santuário como o lugar de onde procede o julgamento. Embora os livros mais antigos da Bíblia salientem mais o papel do santuário terrestre no julgamento, os livros posteriores tendem a dar mais ênfase ao papel do santuário celestial.

Olhando primeiro para o santuário terrestre no contexto do juízo, verificamos que todos os julgamentos se dividem em duas categorias: favoráveis e desfavoráveis. Os julgamentos desfavoráveis começam e/ou terminam no tabernáculo terrestre. As razões para o julgamento podem variar da maneira que segue: rebelião direta contra Deus, como no caso de Nadabe e Abiú (Lev. 10:1-7); rebelião indireta contra a autoridade de Deus pela desconsideração à autoridade de Seus servos, Moisés e Arão, como na rebelião de Coré, Datã e Abirã (Núm. 16:1-50); a descrença e o desânimo de todo o arraial diante do relatório dos doze espias (Cap. 14:1-45); negligência na disciplina dos seus próprios filhos, como no caso de Eli (I Sam. 3 e 4); falta de respeito para com a arca, como nas batalhas com os filisteus (Cap. 5:1-7 a 7:2) e na experiência de Uzá (II Sam. 6:1-11); e orgulho e presunção, como no censo do exército de Israel por ordem de Davi (Cap. 24:1-25). Em todos estes exemplos, o juízo começou ou atingiu seu ponto culminante no santuário.

O caso de Davi numerando a Israel pode parecer uma exceção. No entanto, o relato do mesmo episódio em I Crônicas 21: 1 a 22:1 acrescenta uma dimensão que não se encontra no relato anterior, pois Davi proclama que a eira de Ornã, onde foi construído o altar de Davi, seria o futuro local do Templo! A obra do anjo do juízo, o qual destruiu 70.000 valentes de Israel, foi detida pelo sacrifício intercessório no futuro local do Templo, assim como o ato de Arão queimar incenso no incensário de ouro deteve a praga que resultou da Rebelião de Coré, Datã e Abirã. “Voltou Arão a Moisés à porta da tenda da congregação; e cessou a praga.” Núm. 16:50. “Edificou ali Davi ao Senhor um altar, e apresentou holocaustos e ofertas pacíficas. … E a praga cessou de sobre Israel.” II Sam. 24:25.

O santuário terrestre também era o local de julgamentos favoráveis. Exemplos disso são os julgamentos a respeito de posições de responsabilidade, como na “ordenação” dos setenta anciãos na frente do tabernáculo (Núm. 11:16-30) e, como no caso da designação de Arão para sumo sacerdote, pela florescência de sua vara (Cap. 17:1-11); e um julgamento acerca da herança, como no caso das cinco filhas de Zelofeade (Cap. 27:1-11). No último exemplo, o julgamento ocorreu “à porta da tenda da congregação” (V. 2). O santuário terrestre era indubitavelmente o local do juízo — de julgamentos que tanto começavam como culminavam no lugar da santa presença de Deus.

O Juízo no Santuário Celestial O juízo no Velho Testamento também está inseparavelmente ligado ao santuário celestial. Considerando primeiro os Salmos, encontramos a cena do juízo sendo proclamada nestas palavras: “O Senhor está no Seu santo templo; nos Céus tem o Senhor Seu trono; os Seus olhos estão atentos, as Suas pálpebras sondam os filhos dos homens. O Senhor põe à prova ao justo e ao ímpio.” Sal. 11:4 e 5. Os versos seguintes descrevem então as recompensas dos ímpios (V. 6) e dos justos (V. 7). Notai que o “trono do Senhor” está em paralelismo com “Seu santo templo”. O Salmo 76 relata de maneira impressiva como o juízo se origina no Céu (V. 8), prossegue com o objetivo de salvar os oprimidos (V. 9) e resulta na humilhação de príncipes e reis (V. 12). Os Salmos 102 e 103 sugerem que o juízo é um processo de vindicação em favor do povo de Deus, o que está dentro do espectro de significados da palavra nisdáq em Daniel 8:14. O assunto da vindicação é expresso desta maneira: “O Senhor do alto do Seu santuário, desde os Céus, baixou vistas à Terra, para ouvir o gemido dos cativos, e libertar os condenados à morte.” Sal. 102:19 e 20. E também: “O Senhor faz justiça, e julga a todos os oprimidos. .. . Nos Céus estabeleceu o Senhor o Seu trono, e o Seu reino domina sobre tudo.” Sal. 103:6 e 19.

Nos livros proféticos, a obra de julgamento procedente do templo celestial é descrita de modo mais vivido ainda, como em Miquéias. Notai como Miquéias, escrevendo no oitavo século A. C., inicia sua mensagem descrevendo o juízo. Eis a convocação: “Ouvi, todos os povos, prestai atenção, ó Terra e tudo que ela contém. ” Cap. 1:2; a consideração do testemunho: “E seja o Senhor Deus testemunha contra vós outros, o Senhor desde o Seu santo templo.” V. 2, ú.p.; o êxodo das cortes de justiça e a execução da sentença: “Porque eis que o Senhor sai do Seu lugar, e desce, e anda sobre os altos da Terra. ” V. 3; e a razão para o julgamento: “Tudo isto por causa da transgressão de Jacó, e dos pecados da casa de Israel.” V. 5. Temos aqui um “juízo investigativo” do povo de Deus no templo celestial.

O Juízo Tanto no Templo Celestial Como no Templo Terrestre

Podem ser citados muitos outros exemplos do Velho Testamento. Nalguns deles é difícil determinar se o julgamento se centraliza no templo celestial ou no terrestre, tão íntima é a ligação entre os dois. Os Salmos 9, 50, 60 e 99, e Isaías 18, podem ser interpretados como se aplicando ao templo celestial ou ao templo terrestre. Malaquias 3:1 e 2 também pode ser interpretado em relação com o templo construído por Zorobabel, cerca de cem anos antes: “Eis que Eu envio o Meu mensageiro que preparará o caminho diante de Mim; de repente virá ao Seu templo o Senhor. . .. Porque Ele é como o fogo do ourives e como a potassa dos lavandeiros. ” Aqui o juízo está intimamente relacionado com o processo de purificação. Depois que o próprio Senhor aparece no templo para purificar “os filhos de Levi”, Ele faz a proclamação: “Chegar-Me-ei a vós outros para juízo. ” V. 5. Esta fase de “purificação” do juízo ocorre antes da destruição dos ímpios, segundo é vividamente descrito em Malaquias 4:1-3.

A mais completa descrição do “juízo investigativo” no Velho Testamento, fora do livro de Daniel, encontra-se em Ezequiel 1 a 10. Embora as visões de Ezequiel tenham alguns aspectos que tornam a interpretação mais difícil, é possível obter um quadro total daquilo sobre que versam os dez primeiros capítulos. No capítulo 1 Ezequiel descreve uma visão de Deus sendo transportado para o Templo de Jerusalém em Seu carro triunfal, como preparação para o juízo. O “vento tempestuoso” do verso 4 é, na realidade, a presença do próprio Deus, e a chave de seu significado se encontra na descrição paralela no verso 28: “Como o aspecto do arco que aparece na nuvem em dia de chuva, assim era o resplendor em redor. Esta era a aparência da glória do Senhor.” A “glória do Senhor” não é outra senão o próprio Deus. Em Apocalipse 4 e 5 João descreve uma visão semelhante à de Ezequiel e até mesmo emprega uma terminologia similar. Ao passo que a visão de Ezequiel descreve a Jeová estabelecendo Sua residência no Templo terrestre, a de João descreve a Deus no Seu trono do juízo no Templo celestial.

O assunto do juízo é reencetado pelo profeta nos capítulos 4 a 7, após um intervalo em que Ezequiel recebe seu chamado e comissão (capítulos 2 e 3). Nesses quatro capítulos Israel é citado perante o tribunal divino. O juízo envolveu a tríplice atuação do fogo, da espada e do vento, bem como a fome, bestas-feras, a peste e o derramamento de sangue (Cap. 5:1, 2 e 17). As razões para uma sentença desfavorável são variadas: “Ela, porém, se rebelou contra os Meus juízos, praticando o mal mais do que as nações, e transgredindo os Meus estatutos mais do que as terras que estão ao redor dela. . . . Porque . . . não tendes andado nos Meus estatutos, nem cumprido os Meus juízos, … executarei juízos no meio de ti à vista das nações. … Pois que profanaste o Meu santuário com todas as tuas coisas detestáveis, e com todas as tuas abominações, Eu retirarei sem piedade os Meus olhos de ti e não te pouparei.” Cap. 5:6-11.

O capítulo 8 de Ezequiel apresenta uma nova visão que constitui uma amplificação da visão precedente. Em visão, Ezequiel é levado de volta a Jerusalém e, especificamente, ao Templo, onde ele fica horrorizado ao descobrir os quádruplos abusos que estavam ocorrendo em seus recintos sagrados (Vs. 5, 7-11, 14 e 16). Idolatria da pior espécie, combinada com a adoração do Sol, estava poluindo o santuário de Deus. No capítulo 9 a visão continua, à medida que o juízo investigativo atinge o seu ponto culminante. O capítulo principia com o quadro de seis executores com suas espadas desembainhadas, prontos para a matança. A execução é detida por breve espaço de tempo enquanto um homem, provavelmente um anjo, está a postos, com um estojo de escrevedor à cintura e talvez uma pena em sua mão, mas não uma espada. (Tais estojos de escrevedor têm sido descobertos no antigo Egito por arqueólogos. São feitos de madeira, tendo uma depressão circular para a tinta e um entalhe para a pena.)

A glória do Senhor está prestes a deixar o Lugar Santíssimo do templo, e já se moveu dos querubins até o limiar. Em breve será decidido quem está ao lado do Senhor, e quem não está. O anjo do juízo recebe a ordem: “Passa pelo meio da cidade, . . . e marca com um sinal a testa dos homens que suspiram e gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela. ” Cap. 9:4. Temos aí uma obra de separação, dividindo o povo de Deus em dois grupos — os que praticam as abominações dos pagãos e os que são leais a Deus e não comprometem sua fé. A morte é a recompensa de um deles, e a vida é a recompensa do outro. Menos de cinco anos mais tarde Jerusalém seria invadida pelos babilônios, e a ruína dos infiéis estaria selada e seu tempo de graça teria passado. O “sinal” colocado na testa era a letra tau, que tinha especial significação simbólica entre os judeus, segundo é evidenciado pelos rolos do Mar Morto. No contexto do juízo, ela pode ser interpretada como o “sinal dos últimos” ou “sinal do remanescente”, pois tau é a última letra do alfabeto hebraico. (Alguns comentaristas cristãos têm considerado este T hebraico como o sinal da cruz, o qual separa o verdadeiro crente do descrente, mas esta idéia não pode ser apoiada pelo contexto.) Aí, pela primeira vez nas passagens do Velho Testamento sobre o juízo, ocorre uma obra de separação entre os justos e os ímpios, muito antes (cinco anos neste caso) que realmente seja executada a sentença. Há uma separação simbólica antes da separação física.

O capítulo 10 de Ezequiel é a conclusão da atividade descrita no capítulo 1. Sem ele o capítulo 1 seria incompleto. Ambos os capítulos descrevem o firmamento acima dos querubins (1: 22, 10:1), algo semelhante a um trono, como uma safira (1:26; 10:1), as rodas que giravam em baixo dos querubins (1:15; 10:2), brasas acesas entre os querubins (1:13; 10:2), o tatalar das asas como a voz do Deus Todo-poderoso (1:24; 10:5), o aspecto das rodas como crisólito e como se uma roda estivesse dentro da outra, tendo olhos cintilantes (1: 16-18; 10:9-12) e cada um dos querubins tendo quatro rostos (1:6 e 10; 10:14). Há uma diferença entre os dois capítulos: o capítulo 1 descreve a presença de Deus (denominada “a glória do Senhor”) como provindo do Norte e repousando em Seu templo (1:4 e 28), ao passo que o capítulo 10 descreve a retirada de Sua presença do recôndito do santuário. Primeiro a presença do Senhor deixou o Lugar Santíssimo e pousou ligeiramente, como uma pomba, no limiar do Templo (Cap. 9:3; 10:4), movendo-Se então para a porta oriental dos recintos do Templo (Cap. 10:19). Finalmente a presença de Deus retirou-se completamente do Templo e repousou sobre o Monte das Oliveiras, no outro lado do Vale de Cedrom (Cap. 11:22 e 23). Não havia mais intercessão por Israel dentro do santuário terrestre, e uma nuvem encheu o átrio interior do santuário (Cap. 10:3), assim como uma nuvem encherá o Lugar Santíssimo do santuário celestial no fim do juízo (Apoc. 15: 8). O juízo investigativo havia terminado. Como é lamentável quando é dito de Israel: “Eles se apartaram para longe do Senhor” (Eze. 11:15, Versão Inglesa) e quando o Senhor tem de retirar Sua presença para bem longe deles!

O relato do juízo investigativo em Ezequiel não termina aqui. A última visão, que abrange os capítulos 40 a 48, é datada do décimo dia do Ano Novo (Ezeq. 40:1), que é o Dia da Expiação. Esta visão descreve pormenorizadamente o estabelecimento do novo templo, acompanhado de novas cerimônias e sacrifícios. É deveras significativo que o profeta contempla em visão a presença de Deus retomando a Seu Templo da mesma direção em que foi vista pela última vez: “E eis que do caminho do oriente vinha a glória do Deus de Israel; a Sua voz era como o ruído de muitas águas.” Cap. 43:2. A presença de Deus tem de transpor novamente o Vale de Cedrom e

entrar pela porta oriental do átrio do Templo (Cap. 44:1). O Senhor mesmo passa a residir então no Lugar Santíssimo do Templo, segundo descreve Ezequiel: “Então ouvi uma voz que me foi dirigida do interior do Templo, e um Homem Se pôs de pé junto a mim, e me disse: Filho do homem, este é o lugar do Meu trono, e o lugar das plantas dos Meus pés, onde habitarei no meio dos filhos de Israel para sempre.” Cap. 43:6 e 7.

O retomo da presença divina aos recintos mais internos do Templo depende de uma obra de purificação prévia. Depois que o trono de Deus é estabelecido no lugar em que outrora se achava a arca, o Senhor proclama: “Os da casa de Israel não contaminarão mais o Meu nome santo.” V. 7. Isto denota que foi efetuada uma obra de purificação prévia — uma purificação não só do templo anterior, mas também das corrupções morais das pessoas, de “suas prostituições”, de “suas abominações”, de “sua idolatria” (Vs. 7, 8 e 9). A purificação do santuário em Ezequiel é a purificação dos pecados e das abominações cometidos pelo povo de Deus. A ênfase de Ezequiel 1 a 10 incide sobre a obra do juízo procedente do Templo, ao passo que a ênfase de Ezequiel 40 a 48 recai sobre a obra de purificação e restauração. Estas são apresentadas como dois aspectos da mesma obra.

O Apocalipse — a Chave Para Decifrar Ezequiel

O livro do Apocalipse continua o assunto no ponto em que Ezequiel o deixou e provê a chave para decifrar o significado de seus símbolos esotéricos. A vivida profecia de Ezequiel, de um novo templo, de um novo sacerdócio e de um conjunto de novos sacrifícios jamais se cumpriu devido à natureza condicional dessa profecia e porque os judeus que viveram durante o exílio de setenta anos deixaram de cumprir as condições. O Templo reconstruído por Zorobabel e completado em 516/515 A.C. não corresponde à descrição do novo templo delineado por Ezequiel. 34

Se a visão desse profeta no Dia da Expiação era apocalíptica, a profecia teria de ser considerada como não sendo condicional, e teríamos de esperar um cumprimento no futuro. O problema é que os sacrifícios de sangue descritos ali invalidariam o todo-suficiente sacrifício de Cristo sobre a cruz. Por conseguinte, a profecia não é apocalíptica e deve ser considerada condicional.

Verificamos que certos aspectos da profecia de Ezequiel são cumpridos no Apocalipse, o qual é o único livro apocalíptico do Novo Testamento e só contém profecias incondicionais. Embora estejam separados por uns sete séculos, ambos os livros apresentam o trono de Deus como sendo estabelecido no meio de Seu povo (Ezeq. 43:7; Apoc. 22:3), um rio procedente do local da presença de Deus (Ezeq. 47:1; Apoc. 22:1) e uma árvore ou árvores de ambos os lados do rio, tendo fruto para cada mês e folhas que servem de remédio (Ezeq. 47: 12; Apoc. 22:2). Se determinados aspectos da última visão de Ezequiel têm uma aplicação escatológica, não é provável que certos aspectos de suas duas primeiras visões (capítulos 1-10) também tenham tal aplicação? Não podemos dizer, portanto, que a obra de juízo e purificação descrita em Ezequiel tem mais do que uma aplicação local, e não podemos esperar um cumprimento maior e mais amplo nos últimos dias?

Ezequiel descreve a colocação de um sinal na “testa dos homens que suspiram e gemem por causa de todas as abominações que se cometem” (Cap. 9:4), ao passo que João, no Apocalipse, descreve um grupo especial selado “em suas frontes” (Cap. 7:3). Ezequiel descreve a presença de Deus vindo do oriente, após ter sido concluída a obra do juízo (Cap. 43:2), ao passo que o Apocalipse descreve a Cristo e Seu exército voltando do oriente na batalha do Armagedom (Cap. 16: 12; 19:11-16). O juízo investigativo de Ezequiel ocorreu em Israel, entre 591 e 586 A.C., ao passo que o juízo mencionado no Apocalipse abrange o tempo que vai da sétima trombeta (Cap. 11: 15) ao Segundo Advento (Cap. 8:1; 14:14). O primeiro é local; o outro é cósmico, e o juízo local ilumina belamente o significado do juízo cósmico.

O Assunto do Juízo em Levítico 16 Os mesmos elementos que se encontram nas passagens sobre o juízo e o santuário que temos considerado até agora também se encontram nas passagens sobre o Dia da Expiação:

  • 1. O juízo se origina no Lugar Santíssimo, o local da própria presença de Deus. Nenhum outro aspecto do sistema sacrifical se centraliza no Lugar Santíssimo, onde foi estabelecido o trono de Deus na forma simbólica da arca.
  • 2. O juízo envolve uma obra de separação. No Dia da Expiação havia duas vividas ilustrações dessa obra de separação. Em primeiro lugar, fazia-se clara diferença entre o bode do Senhor e o bode chamado “Azazel”. Em segundo lugar, os que recusavam aplicar pessoalmente os benefícios da expiação a sua própria vida eram eliminados do resto do acampamento (Lev. 23:29 e 30). De que maneira mais vivida poderia ser descrita essa obra de separação? Assim como Nadabe, Abiú, Coré, Datã e Abirã foram eliminados do acampamento de Israel pelas atividades relacionadas com o santuário, uma vez por ano os indivíduos que persistiam na rebelião contra o Dirigente divino também eram eliminados do acampamento. Em nenhuma outra das seis festas anuais é a obra de separação ou juízo declarada explicitamente, segundo sua descrição pormenorizada em Levítico 23. (A única outra festa que envolvia uma obra de “eliminação” é a páscoa, de acordo com Números 9:13, talvez porque suas origens remontam à noite em que o anjo destruidor efetuou a sua obra.)
  • 3. O juízo também abrange uma obra de restauração — uma restauração que só podia ser levada a cabo quando a alienação ocasionada pelo pecado podia ser removida sacrificalmente, deixando assim de intrometer-se entre Deus e Seu povo.
  • 4. O juízo consumiria todo o acampamento, visto que “todos pecaram”; assim, o juízo só pode ser detido pela mão de um mediador ou por intervenção divina. Assim como Davi ofereceu um sacrifício mediatorial para deter a obra do anjo destruidor, o sumo sacerdote intercede no interior do santuário em favor do povo de Deus coberto de pecados (Lev. 16; Zac. 3). O juízo divino é acompanhado de intercessão, como quando Arão pegou o incensário de ouro cheio de incenso e correu pelo acampamento de Israel, por entre o tumulto da rebelião de Coré. Arão recebeu a ordem de fazer expiação por Israel (Núm. 16:46). Do mesmo modo, o sumo sacerdote pegava o incensário de ouro para fazer expiação no Lugar Santíssimo, onde seu olhar incidia sobre o propiciatório. Aí, junto ao trono de Deus, encontramos a perfeita fusão da justiça e misericórdia e temos melhor vislumbre de Deus, cujo caminho “está no santuário” (Sal. 77:13, Almeida, antiga; comparar com Sal. 68:24).
  • 3. A purificação do santuário em Daniel 8:14 é definida por Daniel 9:24 como “dar fim aos pecados e trazer a justiça eterna. É o ato de fazer expiação — isto é, obliterar o mal. Judicialmente, isto ocorreu na cruz, mas sua consumação é o juízo final que purificará o Universo do pecado e dos pecadores. Eis aqui a inspirada interpretação bíblica de Dan. 8:14! Aponta na realidade para o Dia da Expiação cumprido no Calvário; e em breve será cumprido na íntegra pelo juízo final de Deus.” (Pág. 417.)

P• Daniel 9:24 é a inspirada interpretação de Daniel 8:14 e significa que a purificação do santuário ocorreu na cruz e ainda está para ocorrer na final erradicação do pecado?

R. A tentativa de fundir Daniel 8:14 e 9:24, como sendo idênticos, provê um dos principais esteios para a idéia de que o dia da expiação antitípico começou na cruz. O que nos compete fazer é determinar se houve aí uma fusão (ou confusão) de idéias. Se os dois textos são paralelos, então os dois períodos de tempo devem ser paralelos nalgum ponto. Eles começam simultaneamente, ou o mais curto ocorre no meio do mais longo? Os preteristas interpretam as 70 semanas como sendo “semanas de anos” (ver a pergunta n? 8, nesta seção); eles dizem, portanto, que elas começam em 458 ou 457 A. C. e se estendem até o tempo de Cristo. Os preteristas interpretam os 2.300 dias como sendo literais, mas nunca procuram contá-los a partir de 458 ou 457 A.C., nem terminá-los junto com a sexagésima nona ou com a setuagésima semana. Em geral, eles os aplicam bem no meio, a um período de tempo que termina em 165 ou 164 A.C. Devido a isso, seria impossível fazer com que os 2.300 dias e as 70 semanas apontem para o mesmo acontecimento. O santuário devia ser restaurado no fim dos

  • 2.300 dias, e a unção do Santo dos Santos devia ocorrer no fim das 70 semanas. Se as datas para a terminação desses dois períodos de tempo não são sincrônicas, então os acontecimentos descritos nas duas profecias não podem ser idênticos ou paralelos em algum sentido da palavra.

Certamente há semelhanças fundamentais entre Daniel 8 e 9 (ver The SDA Bible Commentary, vol. 4, págs. 850 e 851), mas essas semelhanças gerais não provam automaticamente que Daniel 9:24 é a chave mágica que abre a porta para a compreensão do significado do Cap. 8:14. São mencionados seis acontecimentos que ocorrem no fim das 70 semanas:

1. Fazer cessar a transgressão.

2. Dar fim aos pecados.

3. Expiar a iniqüidade.

4. Trazer a justiça eterna.

5. Selar a visão e a profecia.

6. Ungir o Santo dos Santos.

Os três primeiros dizem respeito ao afastamento daquilo que é antitético a Deus e que separa a criatura de seu Criador. Os três últimos têm que ver com o estabelecimento daquilo que conduz a Deus e proporciona melhor compreensão de Sua bondosa natureza. Os três primeiros abolem o mal, e os três últimos estabelecem o bem.

Talvez pareça que em Daniel 9:24 é apresentado o quadro do dia da expiação, pois as palavras hebraicas para “transgressão”, “pecados” e “iniqüidade” também aparecem em Levítico 16. Além disso, a palavra hebraica traduzida por “fazer reconciliação” (K. J. V.)e “expiar” (R. S. V.) aparece quinze vezes em Levítico 16. No entanto, essas mesmas palavras aparecem em conexão com todos os outros sacrifícios e ofertas do sistema levítico, e todas elas encontram seu cumprimento na morte dAquele que é o precioso Cordeiro de Deus. A principal divergência entre Daniel 9:24 e 8:14 diz respeito à unção do Lugar Santíssimo ou “Santo dos Santos”, segundo a expressão literal. A Escritura nunca aplica esse termo a uma pessoa, quer seja o sumo sacerdote ou Cristo; portanto é encarado aqui como sendo uma referência ao Lugar Santíssimo do santuário. A passagem do dia da expiação não contém a palavra hebraica para “ungir” (meshach, da qual proveio o vocábulo Messias).

A unção do santuário ou dos sacerdotes sempre ocorre em conexão com a consagração e dedicação do sacerdote ou do santuário antes do desempenho do ministério e dos deveres sacrificais (Êxo. 28:41; 29:7, 29 e 36; 40:9; Lev. 7:36; 8:10-12). Como é apropriado que Cristo tenha ungido o santuário celestial com o Seu próprio sangue, antes de cumprir Seus deveres como nosso grande Sumo Sacerdote! (Notai como Hebreus 9:21 faz alusão à unção do santuário celestial.) Esta unção do Lugar Santíssimo não deve ser aplicada ao santuário terrestre — um fato que até os preteristas não contestam. Então, se Daniel 9:24 é apresentado como um paralelo exato do Cap. 8:14, isto teria de significar que este último texto se refere ao santuário celestial, e não ao santuário terrestre! Em conclusão, há uma importante distinção entre o Cap. 8:14 e o 35 Cap. 9:24: o primeiro tem em vista a vindicação do santuário no Dia da Expiação, ao passo que o último focaliza o ato da dedicação ou consagração. O primeiro só envolve o Lugar Santíssimo, ao passo que o último envolve todo o santuário, bem como o sacerdócio.

4. “Vindicar o santuário [Dan. 8:14] significa [= Dan. 9:24] fazer cessar a transgressão, dar fim aos pecados, expiar a iniqüidade e, simultaneamente, trazer a justiça eterna para todos os que crêem — e, além disso, confirmar toda a profecia pelo cumprimento que abrange o estabelecimento do novo templo — primeiro a igreja cristã, e em segundo lugar, a Nova Terra com sua Nova Jerusalém como o trono de Deus e o templo eterno.” (Pág. 420.)

“Se admitirmos que Gabriel realmente recebeu a ordem de fazer com que Daniel entendesse a visão, em que outra parte esperaremos encontrar sua explicação do Cap. 8:14, senão em suas palavras nos capítulos posteriores e especialmente na significativa explanação encontrada no Cap. 9:24? Não interpretamos o dia do juízo como o completo desdobramento da expiação efetuada na cruz, dando fim aos pecados, trazendo a justiça eterna, cumprindo toda a visão profética e introduzindo o santo reino de Deus, por meio do qual a Terra se torna Seu templo ungido por toda a eternidade?” (Pág. 499.)

P• As profecias de Daniel 8 e 9 são essencialmente equivalentes, especialmente com respeito aos acontecimentos profetizados no Cap. 8:14 e 9:24?

R. A equivalência essencial entre as profecias de Daniel 8 e 9, especialmente da maneira pela qual o Cap. 8:14 tem sido equiparado ao Cap. 9:24, constitui um ponto importante na interpretação de Daniel pelo oponente. Também constitui uma grande divergência entre seu esquema profético e o que anteriormente era defendido pelos comentaristas adventistas. Estes  últimos têm sustentado que há quatro principais profecias de longa duração em Daniel: as dos capítulos 2, 7, 8, 11 e 12. Daniel 9 tem sido considerado uma profecia de menor duração, estendendo-se apenas ao tempo de Cristo como o Messias, no primeiro século A. D., ao passo que as profecias delineativas de escopo mais amplo têm sido encaradas como se estendendo além desse tempo, através da história do mundo, até a ocasião em que será estabelecido o reino final de Deus. Em contraste com esta classificação das profecias de Daniel, o oponente também inclui a de Daniel 9:24-27 entre as principais profecias delineativas que se estendem até o estabelecimento do reino final de Deus na Terra, segundo os capítulos 2, 7, 8, 11 e 12. Esta reclassificação da profecia de Daniel 9:24-27 é apresentada com base em sua reaplicação pelo princípio apotelesmático. Deste modo, a aplicação futurista, essencialmente dispensacionalista, dessa profecia ao fim da história terrestre tem sido ligada à interpretação historicista, a qual tem encarado essa profecia de tempo como se estendendo desde o período pérsico até o tempo de Jesus, o Messias, no primeiro século A. D. A relação dessa reaplicação com a atual exegese dispensacionalista pode ser vista comparando-se a seguinte citação dessa índole com o que foi mencionado mais acima.

“Keil, Leupold, Payne, Young e outros dizem que a setuagésima semana vem imediatamente após a sexagésima nona semana. Entretanto, é muito mais plausível encarar as sessenta e nove semanas como se havendo cumprido historicamente, e a setuagésima semana como ainda não se havendo cumprido. As razões são as seguintes: Primeiro, encarar as seis coisas em Dan. 9: 24 — fazer cessar a transgressão, dar fim aos pecados, expiar a iniqüidade, trazer a justiça eterna, selar a visão e a profecia e ungir o lugar santíssimo — como se havendo cumprido na morte de Cristo, por ocasião do primeiro advento, é impossível. Todas essas coisas estão relacionadas com a nação de Israel, e nenhuma delas se cumpriu para essa nação. ” (H. W. Hoehner, Chronological Aspects of the Life of Christ, Grand Rapids: Zondervan, 1977, pág. 131.)

Tanto o oponente como os dispensacionalistas modernos encaram a setuagésima semana de Daniel 9 como se estendendo até o fim do tempo. Ele difere deles porque rejeita toda lacuna entre a sexagésima nona e a setuagésima semanas. Deste modo, o oponente lança o estabelecimento do reino final de Deus, que ele e os dispensacionalistas dizem ocorrer no fim da setuagésima semana, de volta ao primeiro século A. D., onde os historicistas têm colocado o término das 70 semanas proféticas. Essa interpretação de Daniel 9:24-27 se harmoniza com o seu conceito sobre S. Marcos 13 (e também sobre S. Mateus 24 e S. Lucas 21), segundo o qual ele vê Jesus prometendo tanto a queda de Jerusalém como Sua Segunda Vinda à geração dos apóstolos, no primeiro século A.D. Diversos problemas graves de interpretação bíblica são suscitados por sua mescla, em Daniel 9:24-27, da interpretação dispensasacionalista com a interpretação historicista.

Antes de mais nada, há a maneira como é apresentada essa asserção. Colunas paralelas de frases extraídas de Daniel 8 e 9 têm sido colocadas lado a lado para demonstrar sua suposta equivalência (Manuscrito de Ford, A-76, 77).

Essas colunas também foram expostas anteriormente, e do mesmo modo, na tese do oponente, em 1972, na Universidade Manchester: The Abomination of Desolation in Biblical Eschatology (págs. 122 e 123) e em seu comentário sobre Daniel (págs. 168 e 169). O primeiro problema nesse sentido é que os versículos dos quais foram extraídas essas frases não estão em ordem. Se colocarmos as frases extraídas dos versículos de Daniel 8 em sua correta ordem textual, as frases extraídas de Daniel 9 não seguem diretamente essa ordem consecutiva. Por outro lado, se as frases de Daniel 9 forem colocadas em sua correta ordem textual, as frases de Daniel 8 não seguem sua ordem textual consecutiva. Semelhante interpretação é inadequada porque ambas essas profecias são consecutivamente tipos de profecia de narrativa histórica. Se essas duas profecias estão falando sobre a mesma coisa, como deveria ser o caso se forem consideradas equivalentes da maneira indicada, os mesmos acontecimentos sobre que ambas estão falando deveriam ocorrer na mesma ordem, mas não é assim. Destarte, pela prestidigitação a que se tem de recorrer para tornar Daniel 8 e 9 equivalentes, já temos a evidência de que tais equivalências são duvidosas.

O segundo problema ao procurar estabelecer a equivalência das profecias de Daniel 8 e 9 colocando-as em colunas paralelas, com frases extraídas do texto da Bíblia em inglês, é que elas nunca foram comparadas no original hebraico. Assim, a especificidade da língua original se perdeu na generalização da tradução. Podemos dar alguns exemplos a esse respeito. Na tradução inglesa de Daniel 8 e 9 encontramos alusões a um “príncipe”. A palavra hebraica que serviu de base para essa tradução em Daniel 8 é sar, ao passo que em Daniel 9 é nagid. As diferenças significativas abrangidas pela distinção entre esses dois vocábulos na língua hebraica não podem ser expostas minuciosamente neste documento. Só podemos dizer, de passagem, que a tradução dessas duas palavras pelo mesmo vocábulo inglês é desorientadora, especialmente quando se procura fazer alguma ligação entre as duas passagens.

O mesmo se pode dizer das palavras traduzidas por “sacrifício” nesses dois capítulos. Na tradução inglêsa, essas duas palavras parecem ser a mesma coisa, mas no hebraico há considerável diferença entre elas. No capítulo 8 a palavra comumente traduzida por “[contínuo] sacrifício” é tamid. Esta é realmente um advérbio-adjetivo que modifica a palavra com que ela se acha relacionada, de modo a indicar que seu significado é “contínuo em sua ocorrência”. Acrescentar a palavra “sacrifício” a esse vocábulo, como geralmente tem sido feito pelos tradutores, constitui uma interpretação de sua parte, pois a palavra “sacrifício” não se encontra no texto hebraico. Por outro lado, as palavras hebraicas usadas para “sacrifício” e “oferta” em Daniel 9:27 são zebah e minhah, que em geral significam “sacrifícios animais” e “ofertas de manjares”.

Estas duas ilustrações demonstram quão difícil é estabelecer uma equivalência entre essas duas profecias com base na tradução inglesa. Se compararmos essas duas colunas paralelas do texto na língua original, ver-se-á com facilidade que elas demonstram consideravelmente mais diferenças do que as que são claramente evidentes pelo inadequado e não erudito processo de comparar essas passagens apenas na tradução inglesa. Tais paralelos precisam ser corroborados pelo texto hebraico mais específico, e isto não tem sido feito.

O terceiro grande problema abrangido pela tentativa de estabelecer a equivalência de Daniel 8 e 9 tem que ver com as dificuldades interpretativas que isto envolve. Todas as seis frases de Daniel 9:24 precisam ser interpretadas como se aplicando apotelesmaticamente também ao fim do tempo, junto com sua aplicação historicista ao primeiro século A.D. Antes de mais nada, há o ponto geral de que essa profecia é dirigida especificamente a “teu povo” e a “tua santa cidade”. Aplicar isto a toda a raça humana no fim do tempo viola esse contexto específico. Também há dificuldades com os pormenores.

A segunda dessas seis frases diz respeito a fazer expiação pelo mal ou pecado (hebraico: 1’kapper awon). Essa expiação, segundo afirmam os historicistas e é realçado por Ford, foi efetuada uma vez por todas na cruz. Reaplicar esta frase apotelesmaticamente suscita uma segunda expiação, que é precisamente o que os críticos têm acusado os adventistas de estar fazendo e que se opõe também ao conceito da expiação só na cruz.

Outra frase em Daniel 9:24 que apresenta dificuldades nesse sentido é a que se refere ao Selamento da profecia e da visão. Se isto se cumprir no fim dos séculos, quando cessar toda a profecia, essa frase é pleonástica e essencialmente destituída de significado, pois é evidente por si mesmo, de acordo com a natureza do reino de Deus a ser estabelecido com os novos céus e a nova Terra, que então não haverá necessidade de profecia; ela desaparecerá (ver I Cor. 13:9 e 10; cumpre notar que Paulo não diz que ela será “selada”). Essa aplicação também se opõe ao uso da palavra “selar” em conexão com as profecias que foram dadas a Daniel (Cap. 12:4 e 9). Por outro lado, se a profecia e a visão deviam ser seladas para a nação judaica, a quem foi dirigida essa profecia, quando terminasse seu tempo de graça como nação, essa frase é muito significativa e não constitui uma declaração redundante.

A terceira frase de Daniel 9:24 que pode ser destacada por suscitar problemas especiais com base em qualquer aplicação apotelesmática ao fim do tempo, é a referência à unção do Santo dos Santos. Os intérpretes historicistas têm aplicado isto ao santuário celestial, o qual foi ungido para o ministério, de maneira inédita e especial, por ocasião da ascensão de Cristo ao Céu. Os dispensacionalistas podem aplicar isto ao restabelecimento das funções numa Jerusalém literal a ser estabelecida em breve. Contestando, porém, a lacuna dos dispensacionalistas, o oponente precisa descobrir algo que deve ocorrer com o estabelecimento do reino de Deus para o possível cumprimento dessa frase profética. Ele acha que essa frase se cumprirá apotelesmaticamente no estabelecimento do lugar da habitação de Deus entre Seu povo na Nova Jerusalém, a capital da Nova Terra:

“E finalmente a profecia alude à unção do Santíssimo’, uma expressão usada em toda a Escritura em conexão com o ato de Deus assumir Sua posição entre Seu povo. A unção do tabernáculo é um símbolo da chegada de Deus para fixar Sua residência entre Seu povo, e aponta finalmente para o que é descrito no capítulo vinte e um do Apocalipse: ‘Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles.’ Verso 3.” (Pág. 501.)

É difícil ver como essa frase tem sido usada “em toda a Escritura” como se referindo a Deus assumindo Sua posição entre Seu povo. A expressão “Santo dos Santos” (hebraico: godesh godashim) é usada mais de quarenta vezes no Velho Testamento, e sempre se refere ao edifício do santuário, a uma parte dele ou ao equipamento colocado dentro dele. Jamais é usada para designar a Deus assumido Sua posição ou lugar no santuário. Além disso, há um problema com o verbo “ungir”, visto que semelhante unção era efetuada com a finalidade de inaugurar o santuário para o desempenho de suas funções no plano da salvação. No entanto, quando for estabelecido o reino final de Deus, esse serviço para a salvação já estará concluído. É por esta razão que ao falar da Nova Jerusalém, Apocalipse 21:22 diz o seguinte: “Nela não vi santuário [ou templo], porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-poderoso e o Cordeiro. ”

Cumpre notar também, em relação com isso, que é essencialmente Daniel 9:24, dessa profecia, que de modo especial recebe uma aplicação apotelesmática. Pouca atenção é dada para fazer aplicações apotelesmáticas de Daniel 9:25 e 26 e só uma frase do verso 27 é usada desse modo. Essa escolha arbitrária de elementos aos quais é aplicado o “princípio” apotelesmático suscita dúvidas sobre a sua validade.

O quarto grande problema que surge quando se procura igualar as profecias de Daniel 8 e 9 tem que ver com os seus respectivos períodos de tempo. O capítulo 8 tem o longo período de 2.300 tardes e manhãs ou dias, ao passo que o capítulo 9 tem o curto período de 70 semanas ou 490 dias.

Se ambos forem interpretados literalmente, os 490 dias ou a profecia mais curta, deveriam terminar antes dos 2.300 dias, ou a profecia mais longa, a não ser que comecem precisamente 490 dias antes de seu fim.

O mesmo se pode dizer se ambos esses períodos são interpretados simbolicamente pelo princípio do dia-ano. Mas o oponente interpretou as setenta unidades de tempo em Daniel 9 como “semanas de anos” (ver a pág. 331), ao passo que ele mantém a interpretação literal dos 2.300 dias, estendendo-os de 171 a 165 A.C. (Pág. 383), fazendo assim com que a profecia mais curta vá além da mais longa! Neste sentido ele seguiu novamente uma diferenciação adotada pelos dispensacionalistas, visto que eles querem reter a aplicação messiânica das primeiras partes dessa profecia, mas rejeitam toda aplicação historicista do princípio do dia-ano a Daniel 8 (ou Daniel 7). Fazer semelhante distinção entre a natureza das unidades de tempo em Daniel 8 e 9 constitui obviamente um procedimento muito arbitrário, e é lingüisticamente incorreto.

Em suma, a tentativa de estabelecer a equivalência essencial das profecias de Daniel 8 e 9, especial mente no tocante a Daniel 8:14 e 9:24, deve ser considerada um fracasso. Constitui um fracasso porque requer uma prestidigitação na ordem do texto de uma ou de ambas essas passagens. Constitui um fracasso porque só foi efetuada na tradução e não na língua original, a qual demonstra mais especificamente quanta diferença há entre essas duas profecias. Constitui um fracasso porque as aplicações apotelesmáticas de algumas das frases de Daniel 9:24 que têm sido usadas com essa finalidade não correspondem à exegese correta dessas frases. Constitui um fracasso por causa da maneira arbitrária como certos elementos dessa profecia têm sido destacados para aplicações apotelesmáticas, o que revela quão incorreto é esse procedimento. E, finalmente, constitui um fracasso porque não é possível conceber um método bem fundado pelo qual os períodos de tempo dessas profecias possam ser harmonizados se forem igualados.

Daniel 9:24-27 não é, portanto, o direto equivalente profético de Daniel 8:1-14. As duas profecias correm lado a lado através dos períodos persa, grego e romano da História, mas a profecia de Daniel 8 estende-se além do ponto em que terminam as setenta semanas de Daniel 9. Durante o período em que essas duas profecias correm lado a lado, Daniel 8 salienta mais os aspectos históricos do que estava acontecendo fora de Judá, ao passo que Daniel 9 salienta mais os aspectos históricos do que ocorreria na história interna de Judá. Os conceitos historicistas sobre a interpretação dessas duas profecias, que os adventistas adotaram anteriormente, demonstram ser, portanto, corretos e fiéis ao texto.

  • 5. “É a ponta pequena que está sendo investigada, e não os santos sofredores. Os livros contêm os registros das transgressões intencionais dos seguidores de Satanás, e não as faltas dos adoradores de Iavé.” (Pág. 353.) “Os livros’ de Dan. 7:10 contêm evidentemente o registro das más ações do quarto animal e da ponta pequena. Não há aí coisa alguma a respeito do escrutínio dos santos pelo tribunal celestial.” (Pág. 371.)

P• É verdade que os “livros” mencionados em Daniel 7:10 contêm os atos dos ímpios, e não os registros dos pecados do povo de Deus que são submetidos a julgamento? Os “livros” ou “registros” que estão sendo usados no processo de julgamento indicam, portanto, que a ponta pequena está sob investigação?

R. Daniel 7:10 relata que no tribunal celestial “se abriram os livros”. Esses “livros” contêm o registro dos ímpios ou dos justos? O Velho Testamento faz sete alusões ao livro ou aos livros de Deus (Êxo. 32:32; Sal. 56:8; 69:28; 139: 16; Mal. 3:16; Dan. 7:10; 12:1). Em cada um dos casos no Velho Testamento em que é mencionado o “livro” ou os “livros” do Céu, eles têm que ver com o povo de Deus, e não com os ímpios. Diante deste fato, é razoável sugerir que os “livros” que foram abertos no julgamento que precede o Segundo Advento, em Daniel 7, são igualmente “livros” que têm que ver com os santos.

A menção dos “livros” em Daniel 7, dentro do engaste do julgamento que envolve o povo de Deus (V. 22), é completada posteriormente, nesse mesmo livro, quando Miguel, no cenário de grande sofrimento, Se levanta para socorrer “todo aquele que for achado inscrito no livro” (Cap. 12:1). As pessoas socorridas são os santos de Deus que vivem no tempo do fim, quando os fiéis são ressuscitados para a vida eterna (V. 2). O juízo no qual Miguel livra os que forem achados inscritos no livro, em Daniel 12: 1-3, provê a interpretação do profeta para os “livros” que foram abertos na cena do julgamento em Daniel 7:9 e 10. Assim, há suficiente evidência dentro do livro de Daniel para demonstrar que os “livros” abertos no julgamento celestial são os registros que têm que ver com os santos. Mencionamos mais acima que todo o quadro que o Velho Testamento nos dá dos livros no Céu confirma vigorosamente esta parte.

Esses “livros” ou “registros” no Céu estão sob investigação nesse juízo investigativo que precede o Segundo Advento. É claro que o povo de Deus, o qual recebe o reino eterno depois que se assentou o tribunal, são todos considerados dignos da suprema bênção do juízo que resulta na vida eterna. O juízo investigativo, o qual envolve os registros ou livros mantidos no Céu, revela os que retiveram a íntima relação de seu concerto com Deus. Embora os ímpios, isto é, os seguidores de Satanás, nunca entrem diretamente no quadro do juízo em Daniel 7, o veredicto positivo quanto aos santos de Deus, segundo a figura do juízo em Daniel 7, envolve indiretamente o poder da “ponta pequena”. O juízo em Daniel 7 e os livros envolvidos nele têm que ver princípalmente com os santos, o povo de Deus.

  • 6. Os adventistas do sétimo dia têm admitido que “Apoc. 14: 7 tem que ver com o mesmo juízo investigativo dos pecados dos santos [que Dan. 8:14 e 7:9-14]. (Embora João nunca use a palavra krisis senão no sentido negativo — para os descrentes, e posto que o próprio versículo seguinte [Apoc. 14:8] nos diga que é Babilônia que sofre o juízo, como também testificam os capítulos posteriores, do Apocalipse.)’’ (Pág. 290.)

Apocalipse 14:7 se refere a um juízo contra Babilônia, e não ao juízo investigativo dos santos de Deus?

R. A questão de quem é envolvido no juízo final é importante porque afeta o conteúdo do ensino e da pregação dos adventistas do sétimo dia sobre este assunto. Cremos que a Igreja Adventista do Sétimo Dia foi especialmente incumbida de anunciar as mensagens dos três anjos; portanto, não desejaríamos ser encontrados pregando alguma coisa errada no tocante à mensagem do primeiro anjo de Apocalipse 14:6 e 7. A resposta à pergunta acima não pode ser encontrada se nos restringirmos ao livro do Apocalipse, pois, afinal de contas, o Apocalipse foi dado para ser a chave que revele o significado do livro selado de Daniel (Dan. 12:9; cp. Apoc. 1:1-3; 15: 1-5). A referência primordial da proclamação em Apocalipse 14:7: “É chegada a hora do Seu juízo”, é à cena do juízo em Daniel 7: 9-11 (a passagem mais significativa sobre o juízo no livro de Daniel) e, por extensão, à passagem paralela sobre o juízo, Daniel 8: 14 (a única passagem no livro de Daniel que apresenta o tempo exato para o juízo). Cumpre salientar o fato de que Daniel 9: 24-27 (a passagem das 70 semanas) não faz alusão ao juízo final, pois trata do tempo de graça concedido a Israel como nação, antes que fosse destruída a Cidade Santa, assim como da vinda do Messias para trazer justiça.

O significado do ano 1844 como o começo do juízo escatológico que precede o Segundo Advento não promana unicamente dos

  • 2.300 dias de Daniel 8:14. O livro de Daniel profere uma bênção especial sobre os que fazem parte do movimento de 1844, de acordo com a nossa interpretação da profecia dos 1.335 dias em Daniel 12:12 (The SDA Bible Commentary, vol. 4, pág. 881). O livro do Apocalipse tem uma profecia que encontra seu cumprimento em 1844, e essa é a sexta trombeta. Embora geralmente tenhamos interpretado que a sexta trombeta termina em 1840, é possível apresentar uma argumentação mais forte para o seu cumprimento em 1844. Diz-se que a sexta trombeta abrange um período de exatamente 391 anos (Apoc. 9:15), e se o ponto inicial dessa profecia é a tomada de Constantinopla, a capital da Turquia, pelos maometanos, em 1453, então o ponto final seria 1844. E se o uso de trombetas significa o anúncio de juízos a ocorrerem em seguida (Lev. 23:23-28; Joel 2:1), poderíamos esperar que o juízo começasse ao soar a sétima trombeta. Esta tem como seu assunto “o tempo determinado para serem julgados os mortos” e indica que esse julgamento que precede o Segundo Advento envolve os ímpios (“e para destruíres os que destroem a Terra”) bem como os justos (“para se dar o galardão aos Teus servos, os profetas, aos santos e aos que temem o Teu nome”), de acordo com Apocalipse 11:18. Isto é seguido pela terminação do juízo no templo celestial, segundo é indicado pela exposição do Lugar Santíssimo ao olhar dos espectadores (V. 19).

Com estes antecedentes gerais, podemos prover agora as seguintes respostas específicas, indicando por que o conceito dos adventistas do sétimo dia sobre o juízo que precede o Segundo Advento envolve realmente os casos de todos os justos:

a) De acordo com Apocalipse 22:12, quando o Salvador voltar à Terra, Ele trará consigo o Seu galardão. Isto denota uma obra de julgamento que precede o ato de dar o galardão.

b) O resultado do juízo anunciado em Apocalipse 14:7 é que haverá duas classes distintas de pessoas (ver os versos 11 e 12). A existência dessas duas classes é refletida na duas colheitas diferentes descritas na parte restante do livro — a colheita do cereal, que simboliza os justos (Vs. 15 e 16) e a vindima, que simboliza os ímpios (Vs. 18 e 19). Isto envolve claramente uma obra prévia de separação ou de juízo.

c) O uso da vara ou caniço de medir para avaliar o templo e seus adoradores, no fim da sexta trombeta (Apoc. 11:1), traz à lembrança a obra do juízo com base nas figuras do Velho Testamento (Ezeq. 40:3-5; cp. Isa. 28:17; Amós 7:7-9; 9:1).

d) Os juízos proferidos contra “Babilônia” (Apoc. 14:8-11) são realmente os mesmos juízos contra a mulher descrita em Apocalipse 17 e 18, e essa mulher é interpretada como sendo as igrejas apóstatas. Assim, o juízo proclamado em Apocalipse 14:7 deve abranger os casos dos cristãos professos, isto é, dos que caíram da fé.

e) Se Apocalipse 14 se equipara a Daniel 7 e 8, segundo cremos, “Babilônia” constitui então um sinônimo da “ponta pequena”. O julgamento da ponta pequena, como o de Babilônia, deve abranger, portanto, os casos do professo povo de Deus.

f) A obra do Selamento dos 144.000 em Apocalipse 7 ocorre antes do Advento, e essa obra denota um ato de julgamento ou separação, de acordo com a figura do Velho Testamento (Ezeq. 9: 4).

g) As mensagens às sete igrejas em Apocalipse 2 e 3 contêm tanto uma promessa como uma advertência, e essas advertências envolvem uma obra de julgamento que todos os cristãos terão de enfrentar antes de receberem sua recompensa final. A seriedade das mensagens é acentuada se forem encaradas sob o aspecto do santuário e do juízo.

Certamente um dos principais assuntos do livro do Apocalipse é o do juízo — juízo esse que envolverá os casos de todos os filhos de Deus. Outro livro escrito por João provê mui belamente a certeza necessária a cada um de nós quando tivermos de enfrentar o juízo: “Se alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo.” I S. João 2:1.

7. Os adventistas do sétimo dia demonstram uma “perigosa dependência” para com a suposição de que “Daniel 8:14 fala de 2.300 dias. . .. Em vez disso … [o texto original contém] a [expressão] ambígua ‘tardes — manhãs’, que a maioria aplica aos holocaustos da tarde e da manhã. Assim, em vez de 2.300 dias, se esses exegetas estiverem certos, são indicados apenas 1.150 dias. ” (Pág. 287, partes em grifo no original.)

P • Temos razão em discernir

2.300 dias no texto original de Daniel 8:14?

R. Todos os manuscritos hebraicos do Velho Testamento corroboram a inclusão do número “dois mil e trezentos” em Daniel 8:14. Entre as traduções antigas também há forte apoio para isso. O número 2.300 é confirmado por processos padronizados de crítica textual. Ele é textualmente inatacável.

Alguns eruditos têm procurado reinterpretar o número 2.300 a fim de ajustá-lo ao molde profético conhecido como preterismo. De acordo com essa escola de pensamento, as profecias referentes à “ponta pequena” de Daniel 8 se aplicam às arremetidas de Antíoco Epifânio no segundo século A.C. O fato de que o período literal de 2.300 dias (mais de seis anos e um terço) não corresponde a nenhum período histórico conhecido, quer no tempo dos Macabeus ou em qualquer outro tempo no qual existia o Templo, tem sido um problema para essa escola de interpretação. Para solucioná-lo, alguns eruditos preteristas dividem esse número pela metade por um destes dois métodos: 1) sugerindo que uma tarde é a metade de um dia e uma manhã também é a metade de um dia, portanto

  • 2.300 metades de um dia equivalem a 1.150 dias completos; 2) sugerindo que o texto faz alusão aos sacrifícios da tarde e da manhã, de modo que 2.300 sacrifícios da tarde e da manhã equivalem a 1.150 rituais diários ou
  • 1.150 dias. A maioria dos preteristas seguem o segundo método a fim de reduzir os 2.300 ao tamanho desejado.

Cinco importantes considerações — quatro lingüísticas e uma histórica — se opõem a essa interpretação.

  • 1) O texto hebraico diz literalmente: “tarde-manhã, dois mil e trezentos.” As palavras emparelhadas: “tarde-manhã” (‘ereb boqer) não são separadas por uma conjunção, constituindo assim uma unidade de expressão. Só com base nisto é impossível dividir a frase em 1.150 tardes e 1.150 manhãs. Outro exemplo de palavras emparelhadas que não contêm a conjunção e se acham ligadas a um adjetivo numeral encontra-se em I Reis 11:3: “[Salomão] tinha setecentas mulheres, princesas, e trezentas concubinas.” É interessante que na língua original, este texto, assim como Daniel 8:14, contém uma relação inversa entre os numerais e as palavras emparelhadas, dizendo literalmente: “mulheres-princesas, setecentas.” Ele não deve ser traduzido: “Tinha trezentas e cinqüenta mulheres e trezentas e cinqüenta princesas”; como Daniel 8:14 também não deve dizer: “1.150 tardes e
  • 1.150 manhãs.” A ausência da conjunção em I Reis 11:3 indica que o texto deve dizer: “Tinha setecentas mulheres, princesas. ” Por outro lado, o Velho Testamento contém muitos exemplos de palavras emparelhadas acompanhadas de uma expressão numérica e separadas pela conjunção “e” (Jos. 8:25; Juí. 9:49; 16: 27; I Sam. 22:18 e 19), e em todos esses casos o número total consiste em parte de homens, e em parte de mulheres. Por exemplo, em Juizes 16:27 a frase “sobre o teto havia uns três mil homens e mulheres” não deve ser traduzida “sobre o teto havia três mil homens e três mil mulheres”, por motivos evidentes.
  • 2) Se Daniel quisesse indicar que o verdadeiro significado era “1.150 tardes e 1.150 manhãs” ele o teria feito de acordo com o método hebraico. Semelhantemente, se um escritor bíblico quisesse fazer distinção entre os períodos diurnos e noturnos, como equivalentes a tarde e manhã, ele o faria desta maneira: “Quarenta dias e quarenta noites” (Gên. 7:4 e 12; Êxo. 24:18; 34: 28; Deut. 9:9, 11, 18 e 25; 10: 10; I Reis 19:8); “sete dias e sete noites” (Jó 2:13) ou “três dias e três noites” (I Sam. 30:12; Jon. 1:17). Em nenhum caso no Velho Testamento isso é expresso sem a dupla repetição, como nos exemplos hipotéticos de “três dias e noites” ou “quarenta dias e noites”.
  • 3) Se Daniel 8:14 estivesse fazendo alusão a sacrifícios da tarde e da manhã, e não a períodos de tempo, diria: “Duas mil e trezentas manhãs-tardes” (boqer ereb), e não “tardes-manhãs” (‘ereb boqer). Sempre que esses termos são aplicados ao sacrifício do cordeiro duas vezes por dia, a palavra “manhã” (boqer) precede a palavra “tarde” (‘ereb), sem nenhuma exceção (ver Êxo. 29:39 e 41; Núm. 28: 4 e 8; I Crôn. 16:40; II Crôn. 2:4; 13:11; 31:3; Esd. 3:3). Se a referência fosse aos holocaustos da manhã e da tarde, o número
  • 2.300 não deveria ser usado no sentido temporal, pois está tratando de acontecimentos, e não de períodos de tempo. Cada sacrifício não durava doze horas; portanto é impossível obter 1.150 dias completos se a referência primordial tivesse que ver com os sacrifícios da manhã e da tarde. Além disso, o sacrifício da manhã e da tarde era considerado uma unidade, e não como dois sacrifícios separados e independentes (Núm. 28:3 e 4). Assim, mesmo que não se fizesse caso da seqüência “tarde e manhã” e se esta expressão designasse a “contínua oferta queimada”, isto é, o sacrifício diário, não se poderia dividir o número 2.300 para chegar a 1.150 dias completos. Independentemente do número de sacrifícios a serem oferecidos, quer fossem dois no serviço diário ou mais do que isso nas ocasiões festivas, a “contínua oferta queimada” sempre era uma unidade. Em resumo: a seqüência das “tardes e manhãs”, a unidade do duplo holocausto do sacrifício da manhã e da tarde, além das considerações mais acima requerem que o número
  • 2.300 não seja dividido e que a expressão “tardes e manhãs” tenha uma natureza temporal, e não cerimonial, isto é, seja uma alusão ao tempo e não a sacrifícios.
  • 4) O significado primordial de Daniel 8:14 é derivado de Gênesis 1, onde lemos o seguinte: “Houve tarde [‘ereb] e manhã [boqer], o primeiro dia.” Notai que a seqüência correta da tarde precedendo a manhã no dia hebraico é retida em Daniel 8:14 bem como em outras passagens (Lev. 24:3; Sal. 55:17). Interpretá-las como dias da Criação é a maneira mais natural de encarar Daniel 8:14 em vista do fato de que a Escritura apresenta uma íntima ligação entre a Criação e o Juízo (Isa. 44:24 em diante; Apoc. 14:7). Um dos insignes eruditos hebreus do século dezenove, C. F. Keil, enunciou-o desta maneira: “O leitor hebreu não poderia absolutamente interpretar o período de tempo [das] 2.300 tardes e manhãs [como] . . . 2.300 metades de um dia ou 1.150 dias inteiros, porque na Criação a tarde e a manhã não constituíram a metade [de um dia], mas o dia inteiro. … Devemos, portanto, considerar as palavras do modo como se apresentam, isto é, interpretá-las como denotando 2.300 dias inteiros.” (C. F. Keil, Biblical Commentary on the Book of Daniel, Grand Rapids, Michigan, 1949, pág. 304. Citado por Gerhard Hasel: “A Ponta Pequena’, os Santos e o Santuário em Daniel 8”, na próxima obra: The Sanctuary in Scripture and History, editada por A. V. Wallenkampf, Washington, D. C.: Review and Herald, pág. 191.)
  • 5) O argumento histórico é que nenhum período de tempo conhecido se ajusta a um período literal de 1.150 dias durante a época dos Macabeus. Para serem coerentes, os preteristas precisam encarar os 2.300 dias (ou
  • 1.150 dias) como sendo literais se o santuário de Daniel 8:14 é literal. Sabe-se que a profanação do Templo judaico por Antíoco Epifânio durou exatamente três anos ou 1.080 dias (I Macabeus 1:54 e 59; 4:52), calculados segundo o calendário que atribui 360 dias ao ano. São setenta dias menos do que os 1.150 dias requeridos. Mesmo que fosse usado um ano profético de 365 dias, ainda faltariam 55 dias. No entanto, já excluímos a interpretação de Daniel 8:14 como 1.150 dias, de acordo com os instrumentos lingüísticos. A conclusão é que não existe um período histórico conhecido, durante o tempo dos Macabeus, que corresponda a 2.300 dias literais, ou metade desse número (3 anos, 2 meses e 10 dias).
  • 8. Daniel 9:24-27 não pode ser usado como prova da validade do princípio do dia-ano, pois “permanece o fato de que Daniel 9:24-27 não faz nenhuma menção de dias. O vocábulo hebraico shabuim simplesmente significa grupos de sete — de qualquer coisa indicada pelo contexto, e aí são indicados anos.” (Pág. 323.)

P• O termo hebraico shabuim (plural), em Daniel 9:24, significa “semanas de dias”?

R . A palavra traduzida por “semanas” em Daniel 9:24 aparece 19 vezes no Velho Testamento, tanto na forma singular como no plural. Visto que a palavra para representar a semana é derivada do número sete, alguns têm sugerido que Daniel 9:24 deve ser traduzido por “setenta grupos de sete estão determinados sobre o teu povo”. No entanto, a maneira pela qual a forma singular é escrita em Daniel 9:24 indica que essa palavra tem de ser traduzida por “semanas”, e não por “grupos de sete”. A Revised Standard Version traduziu esta passagem incorretamente, dizendo: “‘Setenta semanas de anos estão decretadas a respeito de teu povo e de tua santa cidade. … para ungir um lugar santíssimo.’” O problema é que as duas palavras: “de anos ”, não aparecem no original hebraico. Esse simples acréscimo de duas palavras é uma deliberada tentativa da parte dos tradutores para harmonizar Daniel 9 com o conceito preterista e evitar o uso do princípio do dia-ano. Se se trata de “setenta semanas de anos ”, não é necessário recorrer ao princípio de que um dia equivale a um ano para transformar este período de tempo de 70 semanas em 490 anos.

Consideremos primeiro a evidência para traduzir essa passagem-chave por “semanas de anos”. É salientado que a mesma palavra para “semanas” aparece no capítulo 10:2 e 3, também no plural do masculino. Declara-se aí que Daniel pranteou durante “três semanas” (V. 2) e que ele não comeu manjar desejável, nem se untou com óleo algum por “três semanas inteiras” (V. 3). Neste último verso o hebraico diz literalmente: “Nem me untei de modo algum por três semanas de dias. ” Alguns têm insinuado que Daniel usa a expressão “semanas de dias” no capítulo 10 porque deseja estabelecer um contraste entre elas e a suposta expressão “semanas de anos” usada apenas seis versos atrás, no capítulo 9. Em outras palavras, as semanas do capítulo

  • 10 são semanas comuns, e as do capítulo 9 são semanas compostas de ciclos de sete anos.

Como resposta, temos de declarar primeiro que essa inovação se engana completamente a respeito da expressão traduzida por “semanas de dias” no capítulo 10:3. Coerentemente, por todo o Velho Testamento, quando a expressão “de dias é acrescentada em estreita ligação com um período de tempo, ela simplesmente indica que se trata de períodos “completos” ou “inteiros ”, em contraste com os que são incompletos. Por exemplo, o hebraico pode dizer literalmente “anos de dias”, mas isso deve ser traduzido por “anos completos” (ver Gên. 41:1; Lev. 25:29;

  • 11 Sam. 13:23; 14:28). Ou o hebraico pode dizer literalmente: 42

“um mês de dias ”, mas isto deve ser traduzido por “um mês inteiro” (ver Gên. 29:14; Núm. 11:20 e 21; Juí. 19:2; II Reis 15:13). Assim também, quando Dan. 10:3 usa a expressão “semanas de dias”, isto não indica outra coisa senão que se trata de “semanas inteiras”, o que é reconhecido corretamente pela R. S. V. (e também pela Edição Revista e Atualizada no Brasil). Por conseguinte, Daniel 9:24 não deve dizer “setenta semanas de anos”, mas simplesmente “setenta semanas”.

Cumpre notar também que a Setuaginta (Versão dos LXX) dá pleno e inequívoco apoio à tradução do Cap. 9:24 como “setenta semanas”, e “não setenta grupos de sete” ou “setenta semanas de anos”. Ela usa a palavra grega hebdomades, a qual sempre tem o significado de “semana”, quando poderia ter usado a palavra hepta, que significa “sete”. É interessante que em Deuteronômio 16:9, na Setuaginta, são usadas ambas essas palavras: hepta hebdomadas, em conexão com a festa das semanas, a qual devia ser calculada com base em “sete semanas” contadas a partir do ato de mover as primícias. Isto não deve ser traduzido por “sete grupos de sete”; e Daniel 9:24 também não deve ser traduzido por “setenta grupos de sete”, especialmente em vista do fato de que a mesma palavra hebraica aparece em ambas essas passagens. Não resta, portanto, nenhuma razão plausível para afirmar que as “setenta semanas” de Daniel 9:24 não podem ser traduzidas deste modo.

  • 9. Também não podemos admitir que “esses 2.300 ‘dias’ equivalem a 2.300 anos. .. . E completamente impossível provar que o princípio do dia-ano é um fator bíblico, e, mesmo que pudéssemos fazê-lo, não há menção de dias em Daniel 8:14 ou 9:24, de modo que não há base para a aplicação desse princípio nestes casos. ’’ (Págs. 287 e 288.)

P• Pode ser demonstrada a validade do princípio do dia-ano, e ele se aplica a Daniel8:14 e 9:24?

R• Uma das mais valiosas chaves para a interpretação dos livros apocalípticos de Daniel e do Apocalipse é o “princípio do dia-ano”. Ele é corretamente chamado de “princípio” porque sem o seu uso a interpretação historicista da profecia não seria possível. Também constitui uma chave para a compreensão da origem e do desenvolvimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia. N. F. Douty, em seu livro Another Look at Seventh-day Adventism (Grand Rapids, 1962, pág. 95), comenta apropriadamente: “Contudo, o adventismo do sétimo dia, que pretende ser divinamente chamado para essa obra de conclusão, adota essa própria teoria como seu firme fundamento, de modo que rejeitá-lo seria destruir-se a si mesmo.” A razão de os eruditos que defendem o conceito preterista estarem tão preocupados em destruir o princípio do dia-ano é que ele acabará destruindo o próprio preterismo. Em Daniel ele é incompatível com a interpretação preterista dos 1.260 dias do Cap. 7:25 e 12:7 como dias literais, e os preteristas não podem absolutamente manter essa profecia de tempo dentro dos limites do segundo século A.C. se esses dias são simbólicos e representam períodos de tempo mais longos.

As razões para calcular os dias proféticos em dias literais são bem fundadas biblicamente e podem ser expostas da maneira que segue:

1. Os dias de Daniel e Apocalipse devem ser interpretados como simbólicos de tempo profético, e não literalmente. Um característico da profecia apocalíptica é que as figuras são consideravelmente simbólicas. Animais representam reinos, e chifres, poderes. Ventos representam contendas, e oceanos, povos. Acompanhando a natureza simbólica das figuras, poder-se-ia esperar que os números nessas profecias sejam interpretados simbolicamente, indicando tempo profético, e não de modo literal. Seria incoerente interpretar alguns números literalmente e outros simbolicamente. Por exemplo, algumas das dimensões da Cidade Santa são interpretadas de maneira mais natural como simbólicas, e não como literais. A coerência requer que os 1.260 dias, bem como todos os outros períodos de tempo acompanhados de números específicos, em Daniel e Apocalipse, sejam interpretados simbolicamente.

2. A relação de um dia para com um ano é um princípio divinamente escolhido. Sua origem não pode ser atribuída a qualquer tipo de invenção humana destinada a solucionar o dilema da demora da parousia (grego: “advento”) ou o problema da profecia não cumprida. De acordo com os dois principais textos para explicar o método de interpretação segundo o qual um dia representa um ano: Números 14: 34 e Ezequiel 4:6, Deus é o iniciador da idéia de que um dia representa um ano e de que um ano representa um dia. É Deus, e não o homem, quem está falando em ambas essas passagens. Notai o que diz em Ezequiel 4:6: “Um dia te dei por cada ano.” (Almeida, antiga.)

3. O princípio do dia-ano é ensinado na profecia apocalíptica. Os dois principais livros apocalípticos na Escritura, Daniel e Apocalipse, contêm o princípio do dia-ano.

a) O princípio do dia-ano é inerente ao pensamento e ao texto de Daniel 8. A indicação exegética para isso se encontra na pergunta: “Até quando durará a visão do costumado sacrifício, e da transgressão assoladora, visão na qual era entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados?” Verso 13. Devemos concentrar a atenção no significado da palavra “visão”. Esta palavra aparece seis vezes nos últimos versos de Daniel 8, e em todos esses seis casos se refere a todo o conteúdo da visão descrita nos versos 1 a 14, e não somente aos

2.300 dias. A visão abrange os períodos do domínio do carneiro, em primeiro lugar, e, depois, do bode, bem como aquilo que vem em seguida.

Cada visão sucessiva no livro de Daniel amplia o significado de uma visão ou sonho anterior. O peito e os braços de prata da estátua (Cap. 2:32 e 39) são identificados com o urso (Cap. 7:5) e o carneiro de dois chifres (Cap. 8:3 e 4), todos os quais se referem à Média-Pérsia e são identificados como tal por Gabriel (Cap. 8:20). As coxas de bronze (Cap. 2:32 e 39) correspondem ao leopardo (Cap. 7:6) e ao bode (Cap. 8:5-8), e este último é interpretado como sendo a Grécia (Cap. 8:21). Se o período dos 2.300 dias abrange o tempo da elevação e queda dos impérios da Média-Pérsia e da Grécia, então será impossível interpretá-los como dias literais. Os dois impérios duraram muitas vezes mais do que os seis anos e um terço equivalentes a 2.300 dias (se Daniel 8:14 for considerado tempo literal). A evidência interna do capítulo 8 sugere fortemente que está sendo usado tempo simbólico e que está em vigência o princípio do dia-ano.

  • b) O princípio do dia-ano é encontrado na relação entre Daniel 8 e 9. A rejeição de Daniel 8:14 e 9:24 como não se aplicando à equação de que um dia é igual a um ano, simplesmente porque a palavra hebraica para “dia” (Yom) não aparece em nenhuma dessas duas passagens, é um raciocínio superficial. Equivale a dizer que se um artigo numa loja tem uma etiqueta indicando que ele custa 50 cruzeiros, não se pode adquiri-lo com uma nota de cem cruzeiros; ou se a etiqueta diz que ele custa 50 cruzeiros, que não se pode adquiri-lo com cinco notas de dez cruzeiros. O conceito de “dias” é implícito tanto em Daniel 8:14 como 9:24, e a mais fina erudição defende firmemente essa posição (ver as respostas às duas perguntas anteriores). Mesmo que se negasse que o conceito de “dias” é inerente a ambos esses textos, ter-se-ia de admitir o feto de que a palavra hebraica yom está ligada a dois outros períodos de tempo bem extensos: os 1.290 dias e os 1.335 dias (Dan. 12:11 e 12), e é corretamente traduzida dessa maneira.
  • c) O princípio do dia-ano também se encontra na relação entre Daniel 8 e 11. Os 2.300 dias de Daniel 8 são descritos sob o aspecto de dias (literalmente: “tardes-manhãs”; cp. Gên. 1:5), ao passo que Daniel 11 descreve o mesmo período de tempo sob o aspecto de anos. Há muito tempo os eruditos têm reconhecido que Daniel 11 é uma ampliação de Daniel 8, assim como Daniel 8 é uma continuação de Daniel 7, e o capítulo 7 é uma exposição mais completa do capítulo 2. (Ver a obra de Desmond Ford, Daniel, Southern Publishing Association, 1978, págs. 255 e 256, para notar a impressionante relação entre Daniel 8 e 11.) O único período de tempo na visão de Daniel 8 são os 2.300 dias (verso 14), e a única alusão ao tempo no capítulo 11 é a de anos (Vs. 6, 8 e 13). Embora Daniel 8 e 11 se equiparem um ao outro, há algumas distinções fundamentais. Uma é que Daniel 8 relata uma visão apocalíptica tida por Daniel, a qual termina com o verso 14, segundo a observação feita no verso 15, e é seguida pela interpretação dada por Gabriel nos versos 16 a 26. Por outro lado, Daniel 11 não relata uma visão apocalíptica, e, sim, uma interpretação, pelo anjo visitante (provavelmente Gabriel), de uma visão anterior (Cap. 10:13 e 14). O capítulo 11 contém, portanto, a forma de uma narrativa e sua linguagem deve ser interpretada de modo mais literal do que simbólico, ao passo que o capítulo 8 deve ser encarado de modo mais simbólico do que literal. As expressões “rei poderoso” (11:3), “a filha do rei do Sul” (11:6), “Egito” (11:8), “imagens fundidas” (11:8), “grande exército” (11:13), “exator” (11:20), são geralmente interpretadas de maneira literal. Daniel 11 não faz alusão a “dias”, “semanas” ou “meses”. Assim, as três referências a “anos” nesse capítulo precisam ser consideradas como o único paralelo dos
  • 2.300 dias do capítulo 8. Gabriel não interpreta o significado dos
  • 2.300 dias, mas ele indica que toda a visão “se refere ao tempo determinado do fim” e a um período de “dias ainda mui distantes” (Cap. 8:19 e 26). Poderíamos esperar, portanto, que mais para a frente o livro dissesse algo mais explícito sobre esse período de tempo específico. E realmente é assim. O anjo visitante apresenta sua interpretação que se encontra no capítulo 11 com estas palavras: “Agora vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias.” Cap. 10:14. Isto constitui uma repetição das palavras de Gabriel em Daniel 8:17: “Entende, filho do homem, pois esta visão se refere ao tempo do fim.” Em ambos os casos a missão do intérprete foi ordenada divinamente (Cap. 8:16; 10:11); podemos esperar, portanto, que sua interpretação seja também de origem divina. A interpretação é simplesmente esta: os 2.300 dias proféticos do capítulo 8 devem abranger o mesmo período que foi designado pela expressão “alguns anos” no capítulo 11, e isto só é possível se um dia no capítulo 8 equivale a um ano no capítulo 11. Visto que a narrativa do capítulo 11 é melhor interpretada como originariamente literal, infere-se que os anos descritos nesse capítulo são anos literais. Deparamos aqui com a notável descoberta de que o princípio do dia-ano pode ser patenteado se Daniel 8 e 11 forem unidos um com o outro! “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.”
  • d) Uma passagem no Apocalipse denota que um dia representa um ano, e essa passagem é Apocalipse 11, a qual trata do destino das “duas testemunhas”. Essas duas testemunhas profetizam “por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco” (V. 3), e, ao mesmo tempo, a cidade santa é calcada aos pés por “quarenta e dois meses” (V. 2). Então as duas testemunhas são mortas e os seus corpos ficam estirados como cadáveres não sepultados “por três dias e meio” (V. 9). A relação entre os três anos e meio e os três dias e meio parece ser mais do que mera coincidência. Temos aí a exata proporção de um dia equivalendo a um ano. Se os três dias e meio forem interpretados figuradamente como sendo anos, então os três anos e meio ou os 42 meses dos versos anteriores devem ser interpretados figuradamente como 1.260 anos. A única maneira de interpretar coerentemente essa passagem é mediante o uso do princípio do dia-ano.
  • 4. O princípio do dia-ano é confirmado nas partes proféticas do Velho Testamento.
  • a) Números 14:34 explica por si mesmo a relação direta entre os 40 dias passados em espiar a terra de Canaã e os 40 anos de vagueações na Península do Sinai: “Segundo o número dos dias em que espiastes a terra, quarenta dias, cada dia representando um ano, levareis sobre vós as vossas iniqüidades quarenta anos, e tereis experiência do Meu desagrado. Eu, o Senhor, falei.” Vs. 34 e 35. Alguns têm asseverado que esta passagem não é uma profecia e não deve ser aplicada a períodos de tempo profético. O fato é que essa declaração punitiva foi feita antes da vagueação de 40 anos, sendo portanto uma profecia.
  • b) Ezequiel 4:4 em diante é uma profecia alegórica na mesma índole de pensamento que a profecia alegórica do cerco no capítulo 4:1-5 e que a do cabelo cortado no capítulo 5:1-12. Em geral, o capítulo 4:6 é citado para apoiar o princípio de que um dia representa um ano, mas os versos 4 e 5 também devem ser mencionados. Deus ordenou que Ezequiel deitasse sobre o seu lado esquerdo por 390 dias para representar os 390 anos em que Israel se colocara em oposição a Deus; e que se deitasse sobre o seu lado direito por 40 dias para representar a violação da lei de Deus por Judá. Temos aqui o inverso de Números 14. A punição em Números 14:34 devia ser de um ano para cada dia de descrença e rebelião, ao passo que em Ezequiel a punição deveria ser apenas de um dia para cada ano de transgressão e rebelião. Ezequiel contém, portanto, o princípio de que um ano representa um dia, e Números contém o princípio de que um dia representa um ano. Isto não anula o princípio, pois a proporção se mantém inalterada, não importa de que maneira é usada a equação. A despeito da diferença em calcular a punição, existe uma íntima relação entre Números e Ezequiel. Em Ezequiel 4 o profeta desempenha o papel de sumo sacerdote (Ezequiel nasceu numa família sacerdotal, embora não a do sumo sacerdócio, segundo o Cap. 1:3) suportando vicariamente o peso de 430 anos de rebelião e obstinação; e em Números 14 Moisés desempenha o papel de sumo sacerdote em lugar de Arão, seu irmão, intercedendo pelo futuro de Israel e protegendo-os contra possível destruição instantânea (Núm. 14:10 em diante). Os 430 anos são divididos em duas partes: os 390 anos para os pecados de Israel e os 40 anos para os pecados de Judá. Os 390 anos se ajustam melhor ao espaço de tempo para a monarquia dividida, a qual começou em 931/930 A.C., de acordo com a cronologia mais fidedigna. No entanto, as sementes da divisão foram lançadas quando Salomão subiu ao trono e começou a impor pesados impostos. De acordo com a cronologia bíblica mais recente, isto aconteceu por volta de 975/ 974 A.C., quando seu pai Davi lhe concedeu uma co-regência que duraria quatro anos. Portanto, os 390 anos, usando o computo inclusivo, nos conduzem a 586 A.C., a data para a destruição de Jerusalém, confirmada arqueologicamente. A palavra “Judá” se refere a Judá sob a monarquia unida. Aplica-se aos 40 anos do reinado de Davi, o qual era da tribo de Judá, sendo portanto um descendente do patriarca do qual se originou essa tribo (Gên. 46:12; Rute 4:18-22). Os 40 anos não podem aplicar-se ao reinado de Saul, embora mui provavelmente fosse da mesma duração que o de Davi, pois Saul estabeleceu sua capital em Gibeá de Benjamim, e não no território de Judá. Correspondem exatamente aos 40 anos do reinado de Davi, cuja capital esteve primeiro em Hebrom (II Sam. 2:1-4) e, mais tarde, em Jerusalém (I Reis 2:11), ambas as quais ficavam no território de Judá (Jos. 15:13 e 63). Alguns eruditos têm procurado fazer com que os 40 anos e os 390 anos sejam contemporâneos, e não sucessivos, mas os 40 dias e os 390 dias de provação da parte de Ezequiel não podem ter sido sobrepostos, senão ele teria de deitar-se ao mesmo tempo sobre ambos os lados! O período total de 430 dias de sua provação se ajusta exatamente ao período de tempo que transcorreu desde que ele recebeu a ordem até o dia em que teve outra visão (Ezeq. 1:2; cp. 8:1). Essa provação de 430 dias, de certo modo, traz à lembrança os 430 anos que Israel passou no Egito (Êxo. 12:40). No primeiro caso, o profeta é um exilado em terra estranha e tem uma alimentação muito escassa, ao passo que no último caso o povo de Deus estava exilado numa terra estrangeira, vivendo sob condições opressivas. Ezequiel está transmitindo uma profecia multidirecional: primeiro, ele olha retrospectivamente para os 430 anos em que o povo de Deus esteve exilado pela primeira vez; depois olha retrospectivamente para os 430 anos de transgressão desde o tempo em que Jerusalém foi escolhida como capital de Israel até a época da destruição dessa gloriosa cidade; e, em terceiro lugar, ele lança o olhar profético para o imenso sofrimento a que seriam submetidos os habitantes de Jerusalém nos dias finais do cerco da cidade (Eze. 4:1-3 e 9-11). Na realidade, isto é uma profecia, e ela emprega a equação de que um ano é igual a um dia!
  • c) A profecia dos 70 anos de Jeremias (25:11 e 12; 29:10) talvez tenha como base de seu cálculo o princípio do dia-ano. Infelizmente, a base ou o fundamento lógico dos 70 anos não se encontra em Jeremias, e só temos uma insinuação a esse respeito em II Crônicas 36:21. Declara-se aí que Nabucodonosor levou cativos os habitantes sobreviventes de Jerusalém “para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias, até que a terra se agradasse dos seus sábados”. A inferência é que os sábados não haviam sido devidamente observados e honrados. Se for assim, não se daria o caso de que o Senhor puniria a Israel com base no princípio de que um dia representa um ano, como Ele fizera quase mil anos antes, no deserto? Não há um paralelo entre os 40 anos que Israel passou no deserto do Sinai, como peregrinos sem lar, e os 70 anos que Israel passou como exilados sem lar na árida região babilônica?
  • 5. O princípio do dia-ano também é confirmado nas narrativas do Velho Testamento.
  • a) Levítico 25:8 usa a expressão “sete sábados de anos”, de acordo com o hebraico, e traduzida por “sete semanas de anos” na R. S.V. (bem como na Edição Revista e Atualizada no Brasil), ao falar do ano de jubileu. Aí a terminologia para designar um período de uma semana ou sete dias é aplicada a um período de sete anos. É o método de calcular em que um dia representa um ano.
  • b) Gênesis 29:27 indica que o período de serviço que Jacó prestou a Labão em troca de sua ambicionada noiva Raquel deve ter sido computado com base no princípio de que um dia representa um ano. Citando as palavras de Labão, diz esse versículo: “Decorrida a semana desta, dar-te-emos também a outra, pelo trabalho de mais sete anos que ainda me servirás.”
  • 6. A singular terminologia usada nas expressões cronológicas de Daniel e Apocalipse indica que os períodos de tempo não são literais. A não ser em Daniel e Apocalipse, a Escritura nunca designa um período superior a um ano por meio de dias. No entanto, as expressões numéricas nesses livros, como “1.260 dias”, “1.290 dias” e “1.335 dias” superam consideravelmente o período de um ano. Com efeito, o mais longo período de tempo que noutro lugar é designado pela palavra “dias” é 180 dias (Ester 1:4), e somente duas outras passagens contêm um período de tempo superior a 40 dias (Gên. 7:24; 8:3; Neem. 6:15). Nunca um período superior a um ano é expresso em meses, a não ser os 42 meses de Apocalipse 11:2 e 13:5; e somente duas passagens em toda a Escritura usam as palavras “doze meses” (Ester 2:12 e Dan. 4:29). A expressão normal para 42 meses é “três anos e seis meses” (S. Luc. 4:25; S. Tia. 5:17). Jamais a Escritura designa um período superior a 7 semanas por meio dessa palavra, a não ser as 70 semanas de Daniel 9:24. Todos esses períodos de tempo profético são anômalos se não forem considerados como simbólicos de períodos mais longos. A singularidade das expressões “2.300 dias” e “70 semanas” denota eloqüentemente que elas não podem referir-se a dias literais.
  • 7. A prova prática é o árbitro final para determinar se os períodos de tempo são literais ou simbólicos.

Nem os 1.260 dias, nem os

  • 2.300 dias se ajustam à conhecida estrutura cronológica da era dos macabeus, e a “abominação desoladora não pode ter ocorrido durante um período de 70 semanas. As 70 semanas correspondem precisamente aos 490 anos que decorreram de 457 A. C. a 34 A. D.; os três tempos e meio, aos 1.260 anos que se estendem de 533/538 A.D. a 1793/1798; portanto, por que os 2.300 dias não podem aplicar-se ao período compreendido entre 457 A.C. e 1844 A.D.? A sexta trombeta pode encadear-se da queda de Constantinopla em 1453 A.D. a 1844, e temos assim outra confirmação prática da validade da data de 1844 e da exeqüibilidade do princípio do dia-ano. Se tivéssemos de escolher entre um relógio que marca o tempo com exatidão e um que está enferrujado por dentro e não funciona, só a razão já nos convenceria de qual deles tem mais valor. O mesmo acontece com os relógios proféticos. Contudo, não precisamos confiar unicamente na razão, pois o método profético que exalta mais a Cristo e infunde a mais completa fé nEle é encarado pelos olhos da fé como o mais fidedigno. O preterismo lança dúvidas sobre Cristo porque, de acordo com o seu ponto de vista tacanho, o Salvador não podia ver além do primeiro século, e a delonga do Advento colheu-O de surpresa, bem como a Seus seguidores. O futurismo lança dúvidas sobre Cristo porque Sua revelação causa uma enorme lacuna entre o primeiro século e o último século da raça humana, deixando os crentes que viveram após o primeiro século e antes do século vinte profeticamente em trevas, se não espiritualmente. Só o historicismo, que mantém a autenticidade do princípio de que um dia representa um ano, pode realmente revelar a Cristo como o Alfa e o Ômega de Apocalipse 1:8. O preterismo indica que Cristo só é o Alfa, e o futurismo só O encara como o Ômega. Unicamente o historicismo O considera como sendo o Alfa e o Ômega, e isto se torna possível por meio dos vislumbres obtidos pelo método de interpretação baseado no princípio do dia-ano.
  • 10. O julgamento que precede o Advento começa no fim do tempo da graça. As pessoas são “julgadas agora . . . por sua atual relação com Cristo. … O juízo ocorre quando elas ouvem o convite do evangelho. … O fim do tempo da graça é apenas a ratificação dessa decisão por Cristo, antes do Advento ”. (Pág. ‘523, parte em grifo,, no original.) O Novo Testamento ensina que “o juízo é uma realidade consumada no fim do tempo, bem como uma atual questão existencial, ao ser proclamado o evangelho. … O Dia da Expiação se aplica tanto ao juízo da escatologia realizada como ao juízo final, sendo que a primeira fase deste último constitui um julgamento que precede o Advento, ao terminar Cristo Seu ministério sacerdotal.” (Pág. 429.)

P• O juízo que precede o Advento começa no fim do tempo da graça, e não em 1844?

R. Cumpre esclarecer que a finalidade dessa declaração é abolir a idéia de que o registro da vida de uma pessoa precisa ser submetido a algum tipo de juízo investigativo entre a ocasião em que ela aceitou a Cristo e a hora em que terminar o tempo da graça para a salvação de todos os seres humanos. Na realidade, são aí suscitadas duas questões: 1) O julgamento de uma pessoa ocorre imediatamente quando ela aceita ou rejeita o convite do evangelho? 2) Há um juízo do tipo de uma ratificação no fim do tempo da graça para os seres humanos?

Para responder à primeira pergunta, uma análise de todas as referências do Novo Testamento ao “juízo” ou “julgamento” indica que não há realmente autoridade bíblica para dizer que um indivíduo enfrenta seu julgamento quando aceita ou rejeita o evangelho. Se alguém quiser ampliar o significado da palavra “evangelho” para abranger também os tempos do Velho Testamento, é evidenciado o mesmo fato. Não há nenhum apoio no Velho Testamento para a idéia de que uma pessoa é julgada no momento em que aceita ou rejeita o “evangelho”. A aceitação de Cristo pelos indivíduos encontra seu paralelo no conceito do Velho Testamento de entrar numa relação de aliança ou concerto baseada na condição especial de lealdade ao concerto. Não há nenhum julgamento ao ser feito o concerto, mas ele ocorre quando é quebrado o concerto.

No Novo Testamento, o juízo ou o ato de julgar, na maioria das vezes, é apresentado do ponto de vista do futuro (S. Mat. 5:21 e 22; S. João 5:24; Rom. 2: 12 e 16; I Cor. 4:4; II Tim. 4:1; Heb. 10:30; S. Tia. 2:12; I S. Ped. 4:5; etc.). Freqüentemente é declarado que os ímpios são “reservados” para o dia do juízo, denotando uma ocasião futura (II S. Ped. 2:4 e 9; 3:7; S. Jud. 6). Afirma-se inequivocamente que Deus “estabeleceu um dia” em que “há de julgar o mundo” (Atos 17:31). E atribuído um tempo específico ao juízo, comumente denominado “dia do juízo” (S. Mat. 12:36; II S. Ped. 3:7; I S. João 4:17), e isto dá a entender que há um tempo especial reservado para o juízo. O conceito do “dia do juízo” exclui a idéia exposta pelo oponente, de que cada indivíduo enfrenta seu próprio julgamento quando aceita ou rejeita o evangelho; do contrário, o dia do juízo abrangeria quase todos os dias da história humana desde a queda de Adão até o Segundo Advento.

No Novo Testamento a obra de julgar às vezes é descrita como se desenrolando no tempo presente (S. João 12:31; I Cor. 5:13; Apoc. 19:11; etc.), mas em nenhum desses exemplos é declarado que as pessoas são julgadas quando aceitam ou rejeitam a mensagem. Se nossa análise é completa, a ligação mais íntima no Novo Testamento, entre o assunto do juízo e o da aceitação (ou rejeição) é Atos 13:46, onde são citadas as palavras de Paulo e Barnabé: “Cumpria que a vós outros em primeiro lugar fosse pregada a palavra de Deus; mas, posto que a rejeitais e a vós mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios.” À primeira vista, pode parecer que o conceito do juízo está relacionado com a rejeição das boas-novas, mas isto não constitui uma sólida referência à obra do julgamento por parte de Cristo. Notai que não é Cristo quem está julgando, mas os próprios indivíduos estão julgando a si mesmos. Em vez de ensinar um julgamento individualizado que ocorre quando alguém toma sua decisão, a Escritura ensina que as pessoas só enfrentam o juízo depois da morte (Heb. 9:27), e somente então elas terão de comparecer perante o tribunal de Cristo, o qual exerce ao mesmo tempo as funções de juiz e defensor (Zac. 3:1-5; S. João 5:22; II Cor. 5:10).

A segunda pergunta pode ser respondida com facilidade fazendo-se uma outra pergunta: Onde, em toda a Escritura, encontramos uma só referência à teoria de que a ratificação do juízo ocorre quando se fecha a porta da graça? Há muitas alusões bíblicas ao fim do tempo da graça (Jer. 8: 20; S. Luc. 17:34-37; Apoc. 22: 11), mas a obra do juízo investigativo nunca é restringida a esse momento. Parece haver uma confusão entre o juízo e o veredicto ou a sentença proferida no fim do tempo da graça: “Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se. ” Apoc. 22:11. Em Daniel 12:1, Cristo, o Arcanjo (literalmente: Chefe dos anjos) Se levanta para assinalar a conclusão da obra do juízo, e nada é declarado a respeito da mera ratificação de um julgamento anterior.

Um ponto correlato é a questão da certeza da salvação por parte dos cristãos. Na salvação que Cristo proveu para nós podemos ter a certeza que Ele nos prometeu e concedeu a vida eterna, e de que realmente nos receberá em Seu reino eterno. Esta certeza não deve, porém, ser usada para negar a ocorrência de um julgamento. Pelo contrário, é o indivíduo que verdadeiramente recebeu a Cristo na mente, no coração e na vida que também terá essa mesma certeza no juízo. Por outro lado, é o cristão que atualmente não tem certeza em Cristo que mais se preocupa — por desconhecer o verdadeiro dom de Cristo — com a sua condição no juízo. Paulo nos apresenta a correta perspectiva de nossa relação com Cristo no tocante ao juízo. Lemos em Romanos 8:38 e 39: “Porque eu estou bem certo de que nem morte, nem vida, nem anjos, nem principados, nem coisas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.”

3. A PURIFICAÇÃO

DO SANTUÁRIO E O JUÍZO INVESTIGATIVO NO NOVO TESTAMENTO

1. Hebreus 9:23 não se refere a uma futura purificação do santuário celestial, mas à que foi realizada na cruz. “Essa purificação já decorreu no primeiro século e significa a mesma coisa que a ‘purificação dos pecados’ no Cap. 1:3. Hebreus 9:23 não pode ser interpretado legitimamente como se aplicando ao futuro. Toda aplicação adventista desse verso como parte da apologia de 1844 é errônea. … A purificação do santuário foi o ato de Cristo remover o pecado pelo sacrifício de Si mesmo.” (Pág. 169.) “Os adventistas do sétimo dia sempre têm aplicado o verso 23 à purificação do Dia da Expiação, mas … a realidade antitípica não diz respeito a 1844, e, sim, à cruz. Está relacionada com os sofrimentos de Cristo. Ver o verso 26. Descreve alguma coisa que já se achava no passado ao ser escrito o livro de Hebreus — as próprias coisas celestiais já tinham sido purificadas nesse tempo. Os sofrimentos de Cristo, Sua entrada no Lugar Santíssmo do Céu e a purificação, todos pertencem à mesma classe, e não podem ser separados por mais de dezoito séculos. ” (Pág. 191.) A purificação do santuário celestial foi também a sua dedicação e apontava, portanto, originariamente, para um acontecimento no começo da era cristã, e não para o seu fim. ” (Pág. 229.)

P• Hebreus 9:23 se refere aos sofrimentos de Cristo, colocando assim o início do Dia da Expiação antitípico na cruz?

R. O contexto de Hebreus 9: 23 torna evidente que ele é um comentário sobre o princípio geral da função do sangue — a chamada “regra do sangue” do verso 22: “Com efeito, quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão.” Pode-se perceber que essa declaração constitui uma conclusão extraída dos exemplos anteriores, contidos nos versos 11 a 21, das funções do sangue expiatório de Cristo. Essas funções são as seguintes: 1) a ratificação ou dedicação do novo concerto (versos 15-21); 2) a inauguração do santuário celestial (verso 12); e 3) a eficaz aplicação do “superior” sangue de Cristo à purificação das pessoas (versos 12 e 14).

Notai que o verso 22 tem especial relação lingüística com o verso 14 — pois ambos tratam da purificação. Se é verdade, como insinuam alguns, que a dedicação do primeiro concerto tem o significado adicional de uma purificação, então o verso

22 pode ser encarado como se referindo ao verso 14 e também aos versos 19 e 21.

Hebreus 9:23 precisa ser interpretado como aplicação à “regra do sangue” do verso 22. Ao contrário do verso 14, o verso

23 aplica essa regra ao próprio santuário, e não às pessoas. Sob o aspecto do paralelismo entre ambos os concertos, só é natural deduzir que o verso 23 procura manter a relação tipológica entre a purificação do tabernáculo do primeiro concerto e a do santuário celestial do novo concerto. Isto é elucidado nos versos 24-28, que vêm em seguida.

A purificação do santuário celestial só é possível com base na entrada de Cristo nos “lugares santos” (ta hagia) em virtude de Seu sacrifício expiatório (verso

24 e 26). Embora o verso 26 revele o sacrifício de Cristo como um ato completado, é difícil mostrar pelo texto que a remoção do pecado também é um acontecimento completado, especialmente quando se compreende a dimensão atual e futura do processo de purificação. O contexto é claro — Cristo compareceu agora na presença de Deus ministrando em nosso favor (verso 24) para remover o pecado, o que se torna possível pelos benefícios de Seu sacrifício expiatório (verso 26).

Esse processo de remoção do pecado envolve a aplicação do sangue de Cristo para purificar as pessoas (verso 14) bem como o santuário (verso 23). É neste sentido que o quadro do Dia da Expiação em Hebreus é mais profundo e justificado, tendo sua aplicabilidade na completa remoção do pecado, após a qual Cristo aparecerá pela segunda vez — não como portador dos pecados, mas sem pecado, aos que O aguardam para a salvação (verso 27, ERAB).

Em vista das considerações acima, é incorreto afirmar que Hebreus 9:23 se encontra no passado e não tem nenhuma aplicação futura. Tal interpretação só é possível se forem desprezadas as relações tipológicas cuidadosamente elaboradas, explicadas por toda parte do livro de Hebreus, entre o ministério sacerdotal do primeiro concerto e o do novo concerto, com os seus respectivos santuários.

2. O fato de que o sacrifício expiatório de Cristo foi completado no Calvário requer que o Dia da Expiação antitípico tenha começado ou terminado na cruz. “Temos sido culpados de separar, em nosso pensamento, ‘a expiação’do Dia da Expiação. Conquanto muitos tenham reconhecido que a primeira se aplica à cruz, temos recusado aplicar o segundo do mesmo modo. Contudo, o Dia da Expiação significa precisamente o tempo do oferecimento do sacrifício expiatório. ” (A-56.) “Erramos ao separar a expiação do Dia da Expiação — pois este simbolizava aquela.” (A-58.)

P• O sacrifício expiatório de Cristo completado na cruz requer que o Dia da Expiação antitípico comece ou tenha terminado nessa ocasião?

R. A declaração acima se baseia numa rígida tipologia que mantém fundamento no Velho

Testamento, pois o ritual diário também era um ritual de expiação. O preceito da expiação sob o primeiro concerto não se restringia ao Dia da Expiação. Várias ofertas, sacrificadas tanto numa base regular como em ocasiões especiais, são distinguidas por fazerem expiação. Comparai, por exemplo, o uso da palavra “expiação” em Levítico 16 com Êxodo 29:36; Levítico 1:4; 4:20, 26, 31 e 35; 5:5, 6, 10, 13 e 18; 6:7; 7-10; 12; 14; e 15. Todas essas expiações rituais que eram realizadas como parte do ministério diário encontraram seu cumprimento antitípico no sacrifício expiatório de Cristo e no ministério celestial subseqüente. Embora o sacrifício expiatório fosse completado no pátio externo, o processo expiatório só era completado plenamente quando se aplicava o sangue no santuário (ver Lev. 4:14-20; 16: 15, 16 e 20). As comparações e conclusões a respeito do ministério de Cristo no santuário devem, até onde for possível, preservar a analogia do tipo, respeitando ao mesmo tempo o texto do Novo Testamento.

Pode-se deduzir do Novo Testamento que o sacrifício expiatório de Cristo foi completado uma vez por todas, mas não o Seu ministério celestial. Após a Sua morte, a qual cumpriu todos os sacrifícios expiatórios diários e anuais, Cristo, como o Antítipo, começou a aplicar Seu sacrifício expiatório da maneira revelada tanto no serviço sacerdotal como sumo-sacerdotal.

É verdade que, sob o primeiro concerto, o Dia da Expiação abrangia os oferecimentos do sacrifício expiatório, mas não se deve chegar à conclusão de que o sacrifício expiatório de Cristo no Calvário significava que ocorrera o Dia da Expiação. Se fosse assim, poder-se-ia alegar que a cruz é o cumprimento antitípico de outras grandes ocasiões festivas, como a Festa das Semanas ou a Festa dos Tabernáculos, nas quais também era oferecido um sacrifício expiatório. Portanto, está mais em harmonia com o tipo, ver no sacrifício de Cristo no Calvário, efetuado uma vez por todas, o cumprimento, quanto ao tempo, de todos os sacrifícios expiatórios, e não somente do último, no fim do ano sagrado — o sacrifício do Dia da Expiação.

Os sacrifícios expiatórios relacionados com as festas cerimonais todos se cumpriram na cruz. No entanto, a aplicação antitípica dessas festas como um todo não ocorreu necessariamente nessa ocasião. Isto pode ser demonstrado pelo cumprimento antitípico de algumas dessas festas. Por exemplo, as festas da primavera tiveram seu cumprimento, pelo que diz respeito ao tempo, nos acontecimentos relacionados com o primeiro advento de Cristo. A Festa da Páscoa teve seu cumprimento antitípico na morte de Cristo no Calvário (ver I Cor. 5:7); a Festa das Primícias encontrou seu antítipo na ressurreição de Cristo na manhã depois do primeiro sábado da Festa dos Pães Asmos (ver I Cor. 15:20 e 23); e a Festa das Semanas, ou Pentecostes, teve seu antítipo cinqüenta dias mais tarde, no derramamento do Espírito Santo e na primeira abundante colheita de almas (ver Atos 2). A Festa do Pentecostes é um claro exemplo de uma festividade do calendário sagrado que teve seu cumprimento antitípico algum tempo depois da cruz. Assim, outras festividades que ocorriam mais para a frente no ano, como o Dia da Expiação, com muita probabilidade também podem ter tido seu cumprimento antitípico algum tempo após a cruz. É significativo que sacrifícios de animais, incluindo um sacrifício expiatório pelo pecado (ver Lev. 23:19; Núm. 28:30), também precisavam ser oferecidos no Pentecostes. É evidente, portanto, que o simples feto de ser oferecido um sacrifício expiatório nesse dia não constitui uma prova suficiente para relacionar o Pentecostes exclusivamente com a cruz. A Festa da Páscoa cumpriu-se originariamente no Calvário. Portanto, o oferecimento de um sacrifício no Dia da Expiação também não constitui uma razão suficiente para restringir sua aplicação à cruz. Em vez disso, o Dia da Expiação é claramente um tipo do juízo e, por isso, parece convergir para um ponto no tempo além da cruz e próximo ao Segundo Advento. Do contrário haveria uma duplicação do tipo entre ele e a Páscoa — duplicação essa que contradiz o tipo, devendo, portanto, ser rejeitada.