Pergunta 38

Existem muitos ensinos diferentes e contraditórios sôbre o milênio. Como e quando surgiram essas opiniões conflitantes?

  • I. Definições Básicas e Diferenciações Sôbre o Milenismo

É evidente a importância dessas questões, em vista da influência que as várias opiniões sôbre o milênio têm exercido sôbre a fé cristã, através dos séculos. A fim de compreender as diferenças realmente fundamentais é necessário, antes de mais nada, definirmos os têrmos usados para descrever as principais escolas do milenismo: A escola pré-milenista, a pós-milenista e a amilenista.

  • 1. Milênio. — Em português êste têrmo não oferece dificuldade de compreensão, ao contrário, do que acontece com o inglês, onde é têrmo erudito, e os conferencistas, ao tratarem dêsse assunto, costumam definir e explicar a palavra, dando sua origem latina etc. A Bíblia não menciona o têrmo, mas diz apenas “mil anos.” É interessante que o dicionário Merriam-Webs-ter dá entre outras a seguinte definição: “Os mil anos mencionados em Apocalipse XX, durante os quais a santidade será triunfante. Alguns crêem que durante êsse período Cristo reinará na Terra.”
  • 2. Quiliasma. — Segundo o uso geral, quiliasma é o ensino de que os santos reinarão com Cristo na Terra durante o milênio. A identificação dos mil anos de Apocalipse 20 com várias profecias do Antigo Testamento, de um reino literal na Terra (não uma expressa estipulação da Escritura), tem periodicamente trazido descrédito aos seus defensores, por causa das expectações materialísticas e excessos que por vêzes têm acompanhado êste conceito.
  • 3. Pré-milenismo. — O pré-milenismo coloca a segunda vinda de Cristo e a primeira ressurreição como anteriores aos mil anos, e a segunda ressurreição em seguida ao milênio. (Comumente acrescenta também um corolário quiliástico, de que quando Cristo vier Êle estabelecerá um reino na Terra, no qual os santos reinarão com Cristo sôbre as nações.) O reino milenial é assim introduzido por acontecimentos sobrenaturais e catastróficos.
  • 4. Pós-milenismo. — O pós-milenismo considera os “mil anos” como período possivelmente literal, porém mais provàvelmente um período indefinido de tempo, que precede o segundo advento. A “primeira ressurreição” é, portanto, um reavivamento do espírito, da doutrina, dos princípios e caráter dos mártires cristãos e dos santos falecidos. E depois que o mal do mundo foi em grande parte afastado, introduzir-se-á a bênção paradisíaca, pela segunda vinda de Cristo e a ressurreição geral. Assim introduz-se o milênio sem direta intervenção divina.

5. Amilenismo. — Os amilenistas afirmam que Apocalipse 20 apenas ensina verdades espirituais, em linguagem simbólica. Êste conceito elimina o reino milenial, ou o considera como tôda a Era Cristã. As duas ressurreições fundem-se numa só, e os diferentes aspectos do juízo tornam-se um grande inquérito judicial — Cristo simplesmente vem no final da era para julgar o mundo. Assim procura o amilenismo evitar as dificuldades que se acredita envolverem tanto o pré-milenismo como o pós-milenismo. [O prefixo a da palavra, significa ausência, como em acéfalo, amoral, apolítico etc. Portanto amilenismo, ausência ou não existência do milenismo.]

Tendo agora ante nós os principais tipos do milenismo, esboçaremos em linhas gerais o transcurso do milenismo através dos séculos, a fim de têrmos a necessária base histórica para nossos pontos de vista, que seguirão na Pergunta 39.

  • II. O Pré-milenismo na Igreja Primitiva

Característicos do Pré-milenismo na Igreja Primitiva. — Era forte a idéia do pré-milenismo, na igreja cristã primitiva. Os crentes aguardavam a queda do Império Romano e a vinda de um anticristo que por três anos e meio perseguiría os santos, justamente antes da vinda pessoal de Cristo. Esperavam uma literal primeira ressurreição por ocasião do advento, e o estabe lecimento de um reino de mil anos, reinando os santos com Cristo. Então, no fim do milênio, viriam a segunda ressurreição, o juízo final, e a retribuição dos ímpios, seguidos da recompensa eterna dos justos, nos novos céus e nova Terra. Esta crença, baseavam na êles nas profecias do Nôvo Testamento, juntamente com as profecias históricas de Daniel, segundo as quais se encontrariam êles então no quarto império. Esperavam que o posterior desdobramento dêsses acontecimentos da História se daria logo depois dos seus dias, pois aguardavam para breve o segundo advento. (Os eclesiásticos do primeiro século não tinham, naturalmente, nenhuma idéia quanto a tão longo transcurso de tempo entre o primeiro e o segundo adventos, como se está verificando. Alguns acreditavam que o fim da era seria o ano 500 A. D.) Entre os autores pré-milenistas achavam-se Barnabé, Justino Mártir, Irineu, Montano, Tertuliano, Nepos, Comodiano, Hipólito, Metódio, Vitorino, Lactâncio e Apolinário. 1

O reino milenial foi descrito de vários modos, embora se acreditasse em geral que fôsse na Terra, com os santos reinando literalmente sôbre as nações. Alguns pensavam ser Jerusalém, reconstruída, a capital; Tertuliano achava tratar-se da Nova Jerusalém, descida do Céu. Alguns acentuavam as alegrias espirituais, outros a prosperidade material, fertilidade e abundância. Alguns criam num imperador romano como o anticristo,. antes do milênio; outros julgavam tratar-se de um judeu (durante uma septuagésima semana atrasada, segundo Hipólito, conquanto não fôsse esta a crença da maioria). Metódio via o milênio como um dia de juízo; Vitorino, como um sábado de repouso (baseado na teoria dos sete mil anos). Na época de Lactâncio tôda a doutrina milenial achava-se eivada de elementos fantásticos, de fontes estranhas ao milênio bíblico, sôbre as glórias da Terra renovada, a múltipla prole dos justos na carne, e a escravização dos sobreviventes das nações irregeneradas. A crescente “carnalidade” dessas idéias causou uma reação de sentimentos contra o quiliasma, especialmente quando a igreja sofreu a influência de conceitos alegóricos e filosóficos. Jerônimo protestou que o reino dos santos era celestial e não terrestre, e Agostinho, que não objetava a que o milênio fôsse um reino no qual as alegrias eram espirituais e não materiais, abandonou a idéia do pré-milenismo e encaminhou a igreja para nova teoria.

É de se notar que, embora nesse período, e posteriormente, se encontrassem indícios da crença de que os judeus afinal se converteríam, antes do advento, a igreja primitiva cria firmemente que as profecias referentes ao reino se destinavam à igreja como o Israel verdadeiro. Êsse ponto de vista é muito diferente da idéia de um reino judeu no milênio — idéia mantida por muitos pré-milenistas modernos, que voltam à primitiva idéia quiliasta do reino milenial terrestre.

  • III. Pós-milenismo de Agostinho

Abandonado o Pré-milenismo no Tempo de Agostinho. — Muito antes de Agostinho, Orígenes da Alexandria opusera-se ao quiliasma cada vez mais materialista defendido por muitos, e ao próprio milenismo. E mediante espiritualização e alegorização êle privou de sua base a esperança escatológica: uma ressurreição literal, segundo advento literal, e literais profecias. Logo depois veio o conceito de que o eterno reino de Deus é a igreja dominante, estabelecida na Terra. Êste conceito foi introduzido por Eusébio, depois da “conversão” de Constantino ao cristianismo e da cessação da perseguição pagã. Agostinho, semelhantemente, desafiou os excessos do pré-milenismo quiliasta, e introduziu uma espiritualização do milênio. 1 A primeira ressurreição seria espiritual. Os mil anos, um período entre o primeiro e o segundo adventos, com a segunda ressurreição — a literal ressurreição do corpo — no seu final. 1 1 (O amilenismo do protestantismo atual assume posição muito semelhante, quanto às duas ressurreições.)

Os “mil anos” de Agostinho eram um número figurado, que abrangia todo o período entre o ministério de Cristo e o fim do mundo. Agostinho também identificava os mil anos de Apocalipse 20 com o sexto milênio da história do mundo, equiparando com a eternidade o sétimo período, ou período sabático.

O “amarrar” de Satanás era sua expulsão do coração dos crentes; a Igreja Católica era o “reino de Cristo;” e os chefes da igreja estavam já assentados em juízo. Para Agostinho era seguro o triunfo final do cristianismo. A “bêsta” era o mundo ímpio, e “Gogue e Magogue” as nações do diabo. O “acampamento dos santos” é a igreja, e o “fogo devorador” o seu zêlo ardente, ao passo que a “Nova Jerusalém” é a presente glória da igreja. Foi assim que o reino milenial de Agostinho foi aceito como uma realidade então presente na Terra. Era uma filosofia da História basicamente nova.

Êste conceito tornou-se predominante lá pelo quinto século, sendo em geral mantido por mais de mil anos como a filosofia prevalecente da cristandade católica romana. Assim, o pré milenismo primitivo por assim dizer desapareceu, sob o avolumante conceito da “igreja triunfante.”

  • *  Agostinho Baseava seu postulado na teoria da “recapitulação,” derivada de Ticônio, isto é, que o Apocalipse volta atrás e repete a História, abrangendo a Era Cristã repetidamente, sob os símbolos das sete igrejas, dos sete selos, das sete trombetas, das bestas e, afinal, do milênio.
  • * 1 O nôvo Commentary on Holy Scripture, católico, 1953, pág. 1207, aconselha os leitores a “considerar a amarração de Satanás e o reinado dos santos como todo o período subseqüente à Encarnação.”1

Fontes para esta seção encontram-se em D. H. Krom-minga, The Millennium in the Church, e L. E. From, The Prophetic Faith of our Fathers, Vols. 1 a 4.