Assim como fazem outras Igrejas cristãs, a Igreja Adventista também realiza a cerimônia da unção, ministrada a enfermos. O texto no qual se fundamenta essa prática encontra-se na Epístola de Tiago 5:14: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor.”

A fim de evitarmos os perigos das interpretações distorcidas, e a confusão causada por modernos movimentos carismáticos extremistas, devemos estar lembrados, de início, que esse verso também deve ser analisado e entendido à luz do seu contexto. Nos versos 13 a 16 encontramos a relação existente entre o pecador, a confissão de seus pecados, a oração, a unção e, finalmente, a cura ou restabelecimento da saúde. Está envolvida aqui, também, a condição daquele que oferece a oração pelo enfermo.

Entre os judeus, vamos encontrar pelo menos três modelos de unção: A unção ordinária, que tinha como objetivo o asseio pessoal ou refrigério físico, geralmente era uma manifestação especial de cortesia oferecida aos hóspedes. É nesse sentido que podemos entender a palavra hebraica suk (II Sam. 12:20; Dan. 10:3) e o termo grego aliphó (Mat. 6:17; Luc. 7:46).

A unção oficial era conferida aos profetas, sacerdotes e reis. Assim foi que Elias ungiu a Eliseu (I Reis 19:16); Aarão e seus filhos foram ungidos (Êxo. 30:30); e também Saul (I Reis 9:16), Davi (I Sam. 16:12) e Salomão (I Reis 1:34). A palavra hebraica geralmente usada para identificar a unção oficial era mashach, da qual, posteriormente surgiu o termo Messiah (Messias) – “o ungido”. No idioma grego a palavra equivalente é Christos.

Finalmente, a unção medicinal, como o próprio nome indica, era um remédio comum que se aplicava aos doentes e feridos. Também servia como simbolismo de cura física e espiritual, como no caso de Mar. 6:13 e Tiago 5:14 e 15, além de Apoc. 3:18, onde aparece a palavra epichrió. O significado espiritual é tirado do uso que se fazia do azeite como remédio. Em Luc. 7:38, é declarado que Maria beijava os pés de Jesus e “os ungia com ungüento” (murizó). Jesus afirmou que ela estava ungindo o Seu corpo antecipadamente para a sepultura (Mar. 14:8). 1

O que diz o verso

É interessante verificar que além de Tiago 5:14, só há uma outra passagem que faz referência à unção, relacionando-a com o ato de curar. Trata-se de Mar. 6:13, onde é dito que os discípulos, empenhados no cumprimento da missão, expeliram muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo”. Mas essas passagens não deixam claro que há necessidade de ungir o doente para que seja curado.

Analisando as palavras do apóstolo Tiago, deparamo-nos com algumas coisas importantes, que antecedem à unção. Primeiramente, o que sofre é aconselhado no sentido de que “faça oração” (v. 13). Em seguida, no tratar específico de alguém doente, diz-se aos presbíteros: “façam oração sobre ele” (v. 14). Depois de tudo isso, é recomendada a unção. E o que tudo indica, é que a ênfase de Tiago não é na unção, mas, na oração. Tanto é assim que ele continua mencionando que eficaz mesmo é “a oração de fé” que “salvará o enfermo” (v. 15). E para justificar a sua apologia do valor da oração, acrescenta que deve ser feita por um “justo”, a exemplo da experiência de Elias (vs. 16 e 17).

A unção na Igreja cristã

A origem da prática de ungir os enfermos não era um costume generalizado na Igreja Apostólica. Praticamente o Novo Testamento conserva-se silencioso acerca desse costume. O livro de Atos dos Apóstolos, que historia o desenvolvimento da Igreja e fala de muitas curas, não tem nada a dizer. O que se pode admitir é que, na Era Apostólica, possivelmente esse costume estivesse restrito, quem sabe, a alguma pequena comunidade.

Continua sendo um mistério, como esta cerimônia foi originada e ganhou espaço na Igreja cristã. O que se sabe é que a aceitação das instruções dadas por Tiago representou um processo muito demorado na tradição cristã. Provavelmente a prática somente foi incorporada aos ensinos e à liturgia da Igreja, no Séc. VII.2

A conclusão a que chegamos é que o óleo de oliva era considerado um dos remédios mais comuns entre os antigos, usado tanto para ser ingerido como para untar. No Oriente ainda se pratica o costume de ungir com azeite as pessoas, acreditando-se que ele realmente tenha propriedades medicinais e curativas. Era comum, no clima quente da Palestina, friccionar o corpo com óleo, como uma necessidade para a saúde, conforto e bom aspecto pessoal.

A Igreja primitiva não conferia à unção de Tiago 5:14 nenhuma eficácia sacramental. Embora, por volta do Séc. VIII, essa passagem das Escrituras passou a ser usada como prova de sustentação da extrema-unção, praticada pela Igreja Católica, para os que estavam morrendo.3

Tampouco se sabe como a cerimônia da unção entrou na Igreja Adventista. O Espírito de Profecia não a desaprova. É um dos mais solenes e sagrados deveres ministeriais:

“Os servos de Cristo são os instrumentos de Sua operação, e por meio deles deseja exercer Seu poder de curar. É nossa obra apresentar o enfermo e sofredor a Deus, nos braços da fé.”4

“A unção com óleo é uma excelente ilustração de como Deus usa os costumes humanos para levar os homens a obterem mais abundante e verdadeiro conhecimento da salvação… Deus usa meios familiares a Seu povo ao ensinar-lhes a Sua santidade e a beleza do plano da redenção.”5

O serviço da unção, quando é feita oração pelo doente, é o ato mais sério e não deveria ser feito sem preparo cuidadoso. “Temos na Palavra de Deus instruções relativas à oração especial pelo restabelecimento de um doente. Mas tal oração é um ato soleníssimo, e não o devemos realizar sem atenta consideração. Em muitos casos de oração pela cura de um doente, o que se chama de fé não é nada mais que presunção.”6

Princípios básicos

O Manual para Ministros, págs. 104-106, contém, de maneira sucinta, orientações para o serviço da unção. Há cerca de três décadas, o Pastor Charles Mellor escreveu um artigo no qual abordou amplamente o assunto. Os princípios que apresentamos a seguir foram extraídos justamente desse artigo.

Certo jovem ministro, em seu primeiro distrito foi chamado para ungir uma senhora de meia-idade que estava sofrendo um ataque agudo da vesícula. Enfaticamente ela declarou: “Pastor, eu não vou ao médico porque seria negar a fé em Deus.” Deveria alguém que pediu uma oração especial, ir ao médico ou usar qualquer remédio, uma vez que seu caso foi colocado nas mãos de Deus pelos anciãos da igreja? Ellen White dá a resposta:

“Os que usam a cura pela oração não devem negligenciar o emprego de remédios ao seu alcance. Não é uma negação da fé usar os remédios que Deus proveu para aliviar a dor e ajudar a Natureza em sua obra de restauração. Não é nenhuma negação da fé cooperar com Deus, e colocar-se nas condições mais favoráveis para o restabelecimento. Deus pôs em nosso poder o obter conheci-mento das leis da vida. Este conhecimento foi colocado ao nosso alcance para ser empregado. Devemos usar toda facilidade para restauração da saúde, aproveitando-nos de todas as vantagens possíveis, agindo em harmonia com as leis naturais.”7

A pessoa doente deve tomar a iniciativa de pedir a unção. Disse Tiago: “Chame os presbíteros”. Compreendida literalmente, essa admoestação indica que os ministros ou familiares não deveriam tomar a responsabilidade de marcar a cerimônia. O pedido deve vir da pessoa que deseja a unção. Poderá ser feita uma exceção nos casos em que a pessoa está muito mal, impossibilitada de fazer a solicitação.

Há, geralmente, um acordo entre os ministros de experiência no sentido de que seja feita a unção apenas nos casos de doenças graves. Alguns membros da igreja solicitarão a outros ministros para realizarem unção, quando a cura não é imediata. Eles sentem que quanto mais vezes for un-gido o enfermo, maior é a chance para recuperação. Tal prática degrada o mais solene serviço. Ministros de igrejas vizinhas, e do escritório da Associação, devem ser cuidadosos em aceitar tais convites antes de consultarem o pastor da igreja da qual o doente é membro. Nesse caso a questão da ética também está envolvida.

O problema de ungir pessoas que não são membros da igreja complica muitos ministros sérios. Alguns sentem que esta cerimônia deve ser realizada apenas para aqueles que têm seus nomes no livro da igreja. Há algumas exceções para esse procedimento; mas seria mais consistente com os ensinos da Biblia, se o ministro orar pelas pessoas de fora da igreja em vez de realizar o serviço da unção por elas.

Antes de ser realizada a cerimônia, é necessário ter uma conversa séria com o paciente. Para a unção ser significativa, o chamado aos ministros deve ser feito bem antecipado. Assim a pessoa terá tempo para compreender o significado do que irá ser feito. Terá tempo para algum verdadeiro exame de seu coração. Em caso de doença crítica, o atendimento por parte dos ministros deve ser tanto abreviado quão antecipado foi o chamado.

Tiago apresenta um requisito prévio para a unção: “Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados” (5:16). Isso significa que o paciente deve realmente sondar o próprio coração, se possível. Deve perguntar-se a si mesmo: “Está tudo certo entre mim e meu Deus?” “Se eu tiver iniqüidade em meu coração, o Senhor não me ouvirá”, disse Davi. Evidentemente, o pastor não deve assumir a vez de “confessor”. Ao contrário, ele está ajudando a pessoa em angústia física a encontrar seus próprios problemas e a criar uma atmosfera para ajudá-la a compreender-se a si mesma.

“Ao que solicita orações, sejam apresentados pensamentos como este: ‘Nós não podemos ler o coração, nem conhecer os segredos de vossa vida. Estes são conhecidos unicamente por vós mesmos e por Deus. Se vos arrependeis de vossos pecados, é vosso de-ver fazer confissão deles.’ O pecado de natureza particular deve ser confessado a Cristo, o único mediador entre Deus e o homem… todo pecado é uma ofensa a Deus, e Lhe deve ser confessado por intermédio de Cristo. Todo pecado público deve ser do mesmo modo publicamente confessado. A ofensa feita a um semelhante deve ser ajustada com a pessoa ofendida… Havendo os erros sido endireitados, podemos apresentar as necessidades do enfermo ao Senhor, com fé tranqüila, como Seu Espírito nos indicar. Ele conhece cada indivíduo por nome, e cuida de cada um como se não houvesse na Terra nenhum outro por quem houvesse dado Seu bem-amado Filho.”8

Nem todos os ungidos são curados. Alguns são postos a dormir em Jesus, para levantarem na manhã da ressurreição.

É prudente concluir a entrevista com oração. Pode-se pedir ao doente que ore para que Deus o ajude a ver tudo na vida que possa impedir as bênçãos espirituais desejadas. Entre o tempo do chamado antecipado e o serviço da unção, deve ser feito um exame de coração. A entrevista é terminada com o ministro pedindo a Deus para dirigir a pessoa doente a uma real experiência em Cristo.

O serviço

Dois ou três presbíteros (pastores, anciãos), do Campo ou da igreja local, de-vem realizar a cerimônia. Os escolhidos devem ser homens de predominante visão espiritual e oração.

No caso de o doente estar em um hospital, é bom notificar ao pessoal em serviço de que será efetuada a unção. Nos hospitais adventistas, muitas vezes, estarão prontos a mudar o enfermo para um quarto particular. Se existe um outro doente no quarto, deve ser colocada uma cortina, propiciando assim o maior isolamento possível. Ao entrarem no quarto, os pastores devem permanecer juntos, numa posição que possibilite a melhor visão do paciente.

É importante que a cerimônia seja simples e curta. Após as saudações e introdução, será apropriado que o dirigente leia algumas promessas da Bíblia para os enfermos. Depois os que o acompanham proferirão orações curtas e apropriadas. Somos advertidos: “Ao orar pelos doentes, cumpre lembrar que ‘não sabemos o que havemos de pedir como convém’ (Rom. 8:26). Não sabemos se a bênção que desejamos será para bem ou não. Portanto, nossas orações devem incluir este pensamento: ‘Senhor, Tu conheces todo segredo da alma. Estás familiarizado com estas pessoas. Jesus, seu advogado, deu a vida por elas. Seu amor por elas é maior do que é possível ser o nosso. Se, portanto, for para Tua glória e o bem dos aflitos, pedimos, em nome de Jesus, que sejam restituídos à saúde. Se não for a Tua vontade que se restaurem, rogamos-Te que a Tua graça os conforte e a Tua presença os sustenha em seus sofrimentos.’”9

A pessoa que efetua a unção orará por último. Diz Ellen White: “Nossas petições não devem revestir a forma de uma ordem e sim de uma intercessão para que se cumpra o que dEle suplicamos.”10 E mais: “Foi-me mostrado que em casos de enfermidade, em que não houver impedimento algum para que sejam feitas orações em favor do doente, o caso deveria ser confiado ao Senhor com calma e fé, e não com tempestade de excitamento. Só Ele é quem conhece a vida passada do indivíduo, e sabe também o que será o seu futuro.”1 2 3

Perto do fim da oração, o ministro aplicará o óleo. Deve-se estar certo de que o óleo de oliva usado não está rançoso. Pode ser derramado levemente na testa, perto da divisa do cabelo (apenas algumas gotas) e puxado com o dedo para ser colocado sobre a testa e as têmporas. Deve-se entender que não há propriedades curativas no óleo, mas é um símbolo do Espírito Santo.12

Orando pelo enfermo, nós temos o poder do Espírito Santo para assisti-lo na cura e no seu conforto.

É possível que os pastores se ajoelhem durante a oração; mas isso é possível apenas quando o doente se encontra numa cama baixa, ou que seja abaixada. Do contrário, então é melhor os oficiantes permanecerem em pé. Algumas vezes é feita a pergunta se outros, além dos pastores, podem estar presentes durante o serviço. Muitos ministros permitem a presença do cônjuge ou algum parente chegado.

Resultados da unção

A promessa com respeito à unção com óleo, pelos pastores, é: “E a oração de fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.” (Tiago 5:15). O primeiro benefício da unção é que o indivíduo aceita o perdão e as bênçãos de Deus. No processo de esquadrinhar o coração, se ele cometeu pecados, “ser-lhe-ão perdoados”. É o privilégio do ministro apontar Cristo para o sofredor. A crise da enfermidade pode dirigir alguém à real fonte de perdão. Muitas pessoas têm sido levadas, assim, a uma completa experiência com Jesus.

O interesse de muitas pessoas é a cura física. Pode realizar-se uma cura? Há muitos que podem testificar afirmativamente. O ministro deve compreender que nem todos os casos são semelhantes no cumprimento da promessa: “e o Senhor o levantará”. Alguns são curados instantaneamente, outros são curados após um período de tempo, e alguns descansam no túmulo, para levantarem na ressurreição.

“Casos há em que o Senhor opera decididamente por Seu divino poder na restauração da saúde. Mas nem todos os doentes são sarados. Muitos são postos a dormir em Jesus. João, na Ilha de Patmos, foi mandado escrever: ‘Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham’ (Apoc. 14:13). Vemos por aí que se as pessoas não forem restituídas à saúde, não devem ser, por isso, consideradas como faltas de fé.”13

Há poder na oração e é um privilégio real para o ministro do evangelho conduzir o doente grave a olhar para Jesus, o grande Médico. Quão emocionante são as palavras: “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tiago 5:16).