O papel de Ellen White no desenvolvimento doutrinário adventista

Os adventistas do sétimo dia aceitam o ministério de Ellen White como sendo inspirado porque reconhecem que ela manifestou as características bíblicas de um verdadeiro profeta. A autora deixou um conjunto de escritos que tem guiado a igreja desde seu início. A pergunta que surge é: que papel Ellen White desempenhou na formação e no desenvolvimento das doutrinas adventistas? Alguns críticos sugerem que a denominação concebeu suas doutrinas a partir das visões da escritora. Contudo, a igreja reafirma que suas crenças fundamentais surgiram exclusivamente por meio da pesquisa bíblica.

Com a finalidade de esclarecer esses questionamentos, responderemos a três perguntas: (1) Que relação há entre os escritos de Ellen White e a Bíblia? (2) Qual foi o papel da escritora na formação das doutrinas distintivas do adventismo? (3) Que função tiveram seus escritos no aperfeiçoamento doutrinário da Igreja Adventista?

Ellen White e a Bíblia

Ellen White sempre foi uma cristã fiel às Escrituras. Ela as usava para fundamentar seus escritos. Ao relatar a experiência dos pioneiros e fundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a autora disse que, desde o início, eles assumiram “a posição de que a Bíblia, e somente a Bíblia”, seria sua bússola.1 Ela defendeu o princípio protestante da Sola Scriptura e desafiou os cristãos sinceros de sua época a adotá-lo também: “Mas Deus terá sobre a Terra um povo que mantenha a Bíblia, e a Bíblia só, como norma de todas as doutrinas e base de todas as reformas.”2

Para a escritora, a Bíblia sempre foi a fonte suprema de autoridade, até mesmo quando recebia uma visão contendo instrução direta de Deus sobre um assunto em particular. Ao dar conselhos, ela se reportava primeiramente às Escrituras: “Meu primeiro dever é apresentar os princípios bíblicos. Então, a menos que tenha sido efetuada decidida e conscienciosa reforma por aqueles cujos casos me foram apresentados, preciso apelar pessoalmente para eles.”3 De idêntica maneira, ao falar sobre a utilidade de seus textos em relação à Palavra de Deus, dizia que seus testemunhos não teriam sido necessários se as pessoas estudassem a Bíblia e trabalhassem para alcançar seu padrão.4

A importância das Escrituras em sua vida e seu ministério fica evidente em seus escritos. Eles estão repletos de referências, conceitos e aplicações bíblicas, sendo, às vezes, a porção principal de seus testemunhos ou declarações.5

No entanto, como ela interpretava a Bíblia? R. C. Jones afirma que não era como uma exegeta, teóloga, pregadora expositiva ou evangelista. “Ellen White acreditava que as Escrituras deviam impactar e transformar vidas.”6 Ela dizia que seus escritos, ao serem comparados com as Escrituras, eram “uma luz menor”, e não uma nova luz, nem uma luz adicional, que deviam conduzir à “luz maior” que é a Bíblia.7 A Palavra de Deus deve ser a norma de fé e conduta do cristão.8

Não há dúvidas de que a escritora defendia a supremacia e a autoridade final da Palavra de Deus em todos os âmbitos, inclusive, em relação a seus escritos. Então, como isso se relaciona com a formação das crenças fundamentais adventistas? É esclarecedora a experiência dos pioneiros ao definir as doutrinas, nos primeiros anos do adventismo.

Desenvolvimento doutrinário adventista

Os anos entre 1845 e 1848 formaram um período no qual os pioneiros adventistas formularam suas doutrinas distintivas a fim de responder a duas perguntas fundamentais: De acordo com as Escrituras, o que ocorreu em 22 de outubro de 1844? O que significava a purificação do santuário de Daniel 8:14? As respostas a esses questionamentos originaram o corpo doutrinário distintivo do adventismo sabatista: a segunda vinda literal, corpórea e visível de Cristo; o santuário celestial e as três fases do juízo; a perpetuidade da lei de Deus; a vigência do sábado e a imortalidade condicional do homem. O fator integrativo dessas doutrinas é a tríplice mensagem angélica de Apocalipse 14.

Durante esse período, Ellen White, assim como outros líderes, aceitou as verdades que estavam sendo descobertas na Bíblia. Ela também usou sua influência para reafirmar e confirmar as definições doutrinárias a que chegavam. Por exemplo, quando José Bates apresentou ao casal White a doutrina do sábado pela primeira vez, a reação deles foi negativa. “Eu não compreendia sua importância, e achava que ele errava em se ocupar com o quarto mandamento mais do que com os outros nove.”9 Em agosto de 1846, Bates publicou seu primeiro livro sobre o sétimo dia. Tiago e Ellen White compraram um exemplar, e a evidência bíblica fez com que aceitassem essa doutrina.10 Em uma carta posterior, Ellen disse a John Loughborough: “Acreditei na verdade quanto à questão do sábado antes de ter visto qualquer coisa em visão relativa ao sábado. Só meses depois de eu ter começado a guardar o sábado, foi-me mostrada sua importância e seu lugar na terceira mensagem angélica.”11

Nos anos seguintes, a escritora continuou apoiando energicamente a doutrina do sábado, explicando seu significado teológico e espiritual. De idêntica maneira, quando Owen R. L. Crosier, Franklin B. Hahn e Hiram Edson descobriram a verdade do santuário celestial por meio do estudo da Bíblia, e publicaram suas conclusões em um periódico, Ellen os apoiou. Ela escreveu em uma carta para Eli Curtis, em 1847: “O Senhor me mostrou em visão, faz mais de um ano, que o irmão Crosier tinha a verdadeira compreensão da purificação do santuário […]; e que era da Sua vontade que o irmão Crosier escrevesse a visão que ele nos deu no Day-Star Extra, de 7 de fevereiro de 1846. Sinto-me perfeitamente autorizada pelo Senhor a recomendar esse Extra a todo santo”.12 Novamente, é possível observar que seu papel era apoiar e confirmar as conclusões dos irmãos que pesquisavam a verdade, e não de estabelecer nem criar novas doutrinas por meio de suas visões.

Durante esse período de estruturação doutrinária, Ellen White escreveu a respeito da sua condição: “[…] eu não podia compreender o arrazoamento dos irmãos. Minha mente estava por assim dizer fechada, não podia compreender o sentido das passagens que estudávamos. Essa foi uma das maiores tristezas da minha vida. Fiquei nesse estado de espírito até que fossem tornados claros os pontos principais da nossa fé, em harmonia com a Palavra de Deus. Os irmãos sabiam que, quando não em visão, eu não compreendia esses assuntos, e aceitaram como luz direta do Céu as revelações dadas”.13

Essa foi uma exceção circunstancial, que não reflete a verdadeira capacidade que
a escritora tinha para compreender a Bíblia e suas doutrinas. Deus determinou assim para evitar a acusação de que as doutrinas adventistas seriam fruto de suas visões ou pensamento. Entretanto, o que dizer de sua participação e influência durante o restante do seu ministério?

Aperfeiçoamento doutrinário adventista

O papel de Ellen White após a formação das doutrinas distintivas adventistas não mudou muito, salvo em dois aspectos. O primeiro está relacionado com a correção de alguns pontos referentes a algumas doutrinas estabelecidas. De acordo com a autora, essas doutrinas foram definidas por meio de pesquisa bíblica e confirmadas pelo Espírito Santo por meio do dom profético.14 Isso lhes confere um selo de autenticidade especial que não mudará. Por outro lado, o adventismo tem doutrinas que são compartilhadas com as demais denominações e que não foram objeto de questionamento em seu início. Posteriormente, após a morte da escritora, em 1915, as doutrinas da Trindade e da salvação provocaram debates e tensões no contexto denominacional.

O dom profético foi fundamental para estimular a igreja a se aprofundar na compreensão dessas doutrinas. Ellen White contribuiu para o melhor entendimento da personalidade e divindade do Espírito Santo. A princípio, vários líderes sustentavam a noção de que Ele seria um poder e não uma pessoa. Seria uma influência do Pai e do Filho que se fazia necessária para que fossem onipresentes. Tiago White e José Bates admitiam essa ideia. O que estava em jogo era a defesa da personalidade de Deus, e esses líderes se opunham a posições que faziam do Espírito Santo um ser espiritual difuso ou O confundiam com a pessoa do Pai ou do Filho.15

Ellen White nunca se posicionou a favor ou contra essas declarações. Não obstante, logo depois de 1890, ela fez uma série de afirmações sobre a personalidade do Espírito Santo. Por exemplo: “Há três Pessoas vivas pertencentes à trindade celestial; em nome desses três grandes poderes — o Pai, o Filho e o Espírito Santo — os que recebem a Cristo […] são batizados.”16 “O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não poderia testificar ao nosso espírito e com nosso espírito que somos filhos de Deus. Deve ser também uma pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus.”17 Essas declarações, e a convicção de que a doutrina deveria ser corrigida à luz da Bíblia, levaram a Igreja Adventista a fazer uma transição para uma posição mais bíblica sobre o Espírito Santo.

Por outro lado, embora Ellen White não tivesse pretensões de ser reconhecida como teóloga, seus escritos apresentam temas teológicos que emergem de sua exposição das histórias bíblicas. De acordo com Herbert E. Douglass, a originalidade da escritora está na maneira com a qual sintetizou conceitos divinamente revelados.18 Dessa forma, ela integra vários elementos de seu pensamento em uma série de concepções teológicas que provêm um contexto interpretativo para suas obras. George R. Knight identificou sete desses temas: o amor de Deus; o grande conflito; Jesus, a cruz e a salvação por sua mediação; a centralidade da Bíblia; a segunda vinda; a mensagem do terceiro anjo e a missão; o cristianismo prático e o desenvolvimento do caráter cristão.19

Considerando os argumentos apresentados, a aceitação do dom de profecia manifesto na vida e obra de Ellen White não afeta o compromisso da Igreja Adventista com a verdade bíblica. O exemplo da autora ao enfatizar o princípio da Sola Scriptura é um de seus maiores legados para membros, pastores e líderes da denominação. 

Referências

  • 1 Ellen G. White, Carta 105, 1903, <egwwritings.org>.
  • 2 Ellen G. White, O Grande Conflito, <egwwritings.org>,
    p. 595.
  • 3 Ellen G. White, Carta 69, 1896, <egwwritings.org>.
  • 4 Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja, <egwwritings.org>, v. 2, p. 605.
  • 5 Ver o capítulo “Nicodemos” em O Desejado de Todas as Nações.
  • 6 R. Clifford Jones, “Ellen White and Scripture”, Understanding Ellen White: The Life And Work Of The Most Influential Voice In Adventist History, Merlin D. Burt, ed., (Nampa, ID: Pacific Press, 2015), p. 47.
  • 7 Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja, <egwwritings.org>, v. 2, p. 535.
  • 8 Ellen G. White, “A Missionary Appeal”, Review and Herald, 15/12/1885.
  • 9 Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja, <egwwritings.org>, v. 1, p. 76.
  • 10 Arthur L. White, Ellen G. White, (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1985), v. 1, p. 116.
  • 11 Ellen G. White, Carta 2, 1874, <egwwritings.org>.
  • 12 Ellen G. White, Primeiros Escritos, <egwwritings.org>, p. xxii.
  • 13 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, <egwwritings.org>, v. 1, p. 207.
  • 14 Ellen G. White, Manuscrito 125, 1907, <egwwritings.org>.
  • 15 Merlin D. Burt, “Ellen White and the personhood of the Holy Spirit”, Ministry, abr 2012, p. 17-19.
  • 16 Ellen G. White, Evangelismo, <egwwritings.org>, p. 615.
  • 17 Ibid., p. 617.
  • 18 Herbert E. Douglass, Mensageira do Senhor (Tatuí, SP: CPB, 2001), p. 256.
  • 19 George R. Knight, Conozcamos a Elena G. de White, p. 139-162, en Introducción a los escritos de Elena G. de White, (Florida, Argentina: ACES, 2014).