O que Deus faz por um pastor que Lhe entrega o coração, sem reservas
Fredrick Russell – Pastor em Baltimore, Estados Unidos
Era uma gélida e nevada tarde de sexta-feira, oito anos atrás, quando chegamos a Baltimore. A cidade inteira fora atingida pela mais forte nevasca daqueles anos. E eu, minha esposa, Brenda, e nossos filhos nos perguntávamos se as ruas estariam limpas da neve na manhã seguinte, para que chegássemos à igreja onde eu seria apresentado como o novo pastor. Estávamos curiosos e apreensivos ao mesmo tempo – sentimentos normais de uma família pastoral naquela situação.
Aproximadamente um mês antes, decidimos aceitar o chamado para a igreja Miracle Temple. Com seis anos na igreja anterior, sentimos que era tempo de mudar. Havia um agradável sentimento de missão cumprida, mas também havia algo de indefinição. Até então, nunca tínhamos ouvido falar daquela igreja. O presidente da Associação a descrevera como tendo um “grande potencial”. Depois fiquei sabendo que ela seria a menor que eu já havia pastoreado; mas dei minha palavra, imaginando que em poucos anos seria transferido para outra, maior.
A incrível realidade
No sábado pela manhã, nos dirigimos ao bairro onde a igreja estava localizada, seguindo a orientação dada pelo primeiro ancião, na noite anterior. Dizer que fiquei chocado pelo que vi, ao chegar, pode ser uma afirmação incompleta. Baltimore tem uma arquitetura bem planejada. Mas a região da igreja não parecia ter a atenção dos modernos arquitetos. A estrutura habitacional parecia sólida, mas abandonada. Muitas casas de tábuas, e outras tinham se tornado a tela dos pichadores.
Estacionamos o carro junto a um banco de neve e, enquanto nos dirigíamos para o templo, dois ou três diáconos limpavam a rua para facilitar o acesso. O edifício era de tijolo vermelho, com dois pisos, ocupando uma esquina. Uma placa mostrava a data da construção: 1866, um ano depois da guerra civil americana. Na verdade foi comprado de outra denominação mais de 20 anos antes.
Fomos calorosamente cumprimentados por alguns irmãos, mas levou algum tempo até que os diáconos entendessem que eu era o novo pastor. Enquanto isso, eu estava submerso nas minhas primeiras impressões sobre aquele lugar. O prédio era muito velho. Era óbvio que foram feitas algumas tentativas para melhorar as coisas, mas ainda estava escuro e sujo. O saguão do banheiro era forrado por um carpete vermelho estragado e tinha pouca iluminação. O pequeno santuário ficava no segundo piso. No primeiro, ficavam as salas dos departamentos. Havia outras duas salas no fundo, ao lado de uma cozinha.
Os diáconos mostravam as dependências, com certa satisfação, e eu ficava mais depressivo. Brenda levou as crianças para a Escola Sabatina e eu fui procurar o presidente da Associação, que deveria apresentar-me. Desejei que ele viesse me dizer que havia um engano, que minha igreja era outra. Mas, por causa da neve, ele chegou atrasado, de modo que eu tive de me apresentar.
O que você diria sobre si mesmo em tal situação? “Vocês são privilegiados em me receber como pastor. Minha esposa me considera um pastor talentoso. Vim ser pastor aqui, mas simplesmente gostaria de fugir”? Não falei assim, mas em virtude do meu estado mental, ou, do meu ego ferido, senti exatamente isso.
Orgulho atingido
Nem sempre o indivíduo percebe o ego e orgulho próprios. No pastorado, essa dificuldade pode ser maior, por causa da capa de espiritualidade sobre muito do que fazemos ou dizemos. Isso é especialmente verdade quando estão envolvidas questões de tamanho e número. Por mais incômodo que pareça, o sucesso pastoral continua a ser definido nos seguintes termos: Qual o tamanho de sua igreja? Quantos batismos realizou? Qual o percentual de crescimento financeiro? Embora haja exceções, muitos pastores admitirão, em seus momentos mais vulneráveis, que sua auto-estima está ocasionalmente ligada a essas questões.
Os psicólogos falam de executivos como tendo “ansiedade extra”; um sentimento de que todo ano deve ser melhor que o anterior. Os pastores também alimentam esse sentimento, junto com a idéia de que a próxima igreja deve ser maior que a anterior. E quando isso não acontece, o orgulho ministerial pode ser atingido.
Meu “orgulho pastoral” não foi apenas atingido em meu primeiro dia no Miracle Temple; foi assaltado. Tudo ao meu redor era um claro sinal de que eu vivia uma situação sem perspectiva, em uma parte ruim da cidade, com uma congregação pequena, num templo que já tivera seus melhores dias. Para completar, eu estava contrariado com Deus, com o presidente da Associação e qualquer outro responsável por eu estar ali.
Finalmente, o longo dia de pregação e reunião com a igreja, durante o qual eu tentei não mostrar meu desapontamento, acabou. Voltamos para o hotel, o lugar onde iniciamos o dia com tanta esperança e expectativa. Depois que Brenda colocou as crianças para dormir, nos sentamos completamente atordoados com aquilo tudo. Ela tentou fazer sua costumeira busca de um “revestimento de prata” naquela situação, mas dessa vez ela mesma achou difícil. Então nos ajoelhamos. Ela orou e eu chorei.
Deus e eu
Na manhã seguinte, eu precisava recuperar o equilíbrio perdido diante das surpresas do dia anterior. Telefonei para alguns amigos, em busca de perspectiva e encorajamento. Todos eles se esforçavam para realçar o lado positivo do que eu lhes descrevia.
Passei a ter um crescente sentimento interior de que Deus queria fazer alguma coisa em mim, e, certamente, estava agindo através do sofrimento. O que eu não sabia naquele momento era que eu estava travando uma luta “mano-a-mano” com Ele, e ela não tinha a ver com meu desapontamento com a nova igreja. Ele estava empenhado em assumir o controle da minha vida e meu ministério, para o bem de ambos; e o Miracle Temple era apenas um instrumento em Suas mãos. O Senhor estava trabalhando para o total desarmamento do meu orgulho, egoísmo e confiança própria. Ele tentara fazer isso antes, mas eu sempre me armava de novo. Era essencial que eu não resistisse dessa vez.
Deus queria me usar tanto que estava me fazendo descer de um pedestal para me levar a um futuro com que eu mal podia sonhar. Todos os grandes líderes da Bíblia passaram por caminhos dolorosos antes de serem usados por Deus, em um processo de despojamento. Depois experimentaram o favor divino, de tal maneira que seria impossível antes do sofrimento. Isso ocorreu a Moisés, a Davi, a Pedro, a Paulo e a muitos outros, sempre no lugar escolhido por Deus. Para mim era o Miracle Temple.
A rendição
Três semanas depois, eu estava na sala pastoral da igreja. Havia excrementos de ratos na escrivaninha, as paredes estavam descascando e a sala era fria. Olhando pela janela, observei que sujeira e areia reclamavam seu espaço, após a nevasca. Para onde eu olhasse havia lixo. Senti-me como os seguidores de Neemias diante da aparentemente inglória tarefa de reconstruir os muros de Jerusalém: viram as ruínas e desanimaram.
Eu ainda estava muito desanimado pelo que tinha visto durante as três semanas anteriores, enquanto analisava o potencial da igreja. As pessoas pareciam bastante calorosas e amigáveis, mas eu não estava seguro sobre onde poderia contar com elas. Sabia que deveria permanecer ali pelo menos uns dois ou três anos. Assim, tentei conformar minha mente com a idéia de que poderia fazer o suficiente para manter a igreja, até que fosse transferido para uma congregação mais “expressiva”.
Essa atitude era contrária a tudo o que eu pensava do ministério, ao que eu sabia que deveria fazer, e Deus não iria me deixar ir longe com ela. Naquele momento, eu estava entrando em um lugar com Deus, no qual nunca estivera antes. Realmente senti Deus falando ao meu espírito de uma forma tão real que quase me assustou. Ouvi-O falar sobre o egoísmo da minha atitude; minha ânsia de estar sempre no topo; o meu orgulho e minha proverbial independência dEle.
Naquele breve momento, vi trevas em meu coração, e não gostei do que Deus estava me mostrando. Ali, tive um vislumbre de que Deus tomaria minha vida e me levaria por uma jornada inimaginável. Fiz uma oração simples: “Senhor, dá-me uma visão para o Miracle Temple, e eu investirei nela tudo o que tenho!” Subitamente fui tomado por uma doce paz. Tive a certeza de que tudo estava acontecendo segundo a vontade de Deus, e acabaria bem.
Oito anos depois
Os últimos oito anos têm sido emocionantes. Deus me tem ensinado diariamente, nutrindo-me na dependência dEle e convencendo-me do valor de buscar Sua face, cedo pela manhã. A oração se tornou inegociável para mim. Desejo profundamente estar mais e mais com Deus, e sei que Ele deseja estar comigo. Finalmente estamos na mesma página. Ainda luto algumas vezes com a sujeira do coração, mas estou mais atento e confesso meu orgulho quando ele surge em meu espírito.
Suplico a Deus para realizar o processo de despojamento em minha vida; abatendo-me para me reconstruir à Sua maneira. Lutei com Deus e, felizmente, “perdi”. Tal como Jacó e Paulo descobriram, quando lutamos com Deus e “perdemos”, nos tornamos realmente vencedores. De acordo com Paulo, “porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza… quando sou fraco, então, é que sou forte” (II Cor. 12:9 e 10).
Meu ministério no Miracle Temple superou todas as expectativas iniciais. A igreja cresceu rapidamente. Depois de oito anos, mudamos para um novo endereço. Pela graça de Deus, a igreja tem cumprido plenamente sua missão salvadora interna e externamente. Deus nos tem conduzido por uma jornada incrivelmente bela.
Sei que estou onde Deus quer que eu esteja agora. Ele me tem ensinado, através de Sua Palavra, que para crescer em Seu favor, três coisas devem ocorrer: 1) Não acariciar pecado em minha vida; 2) caminhar em obediência à Sua Palavra; e 3) andar humildemente diante dEle.