Muitos indivíduos têm obsessão por status, posses materiais, imagem, grandeza pessoal. Estão convencidos da própria importância. Estamos nós entre esses?
Alguém poderia dizer que uma reflexão sobre a mentalidade de Babilônia dificilmente caberia como artigo em uma revista dirigida a pastores. Afinal, os mensageiros escolhidos por Deus, futuros habitantes de Sião, cidadãos do reino celestial empenhados em preparar homens e mulheres para esse reino, e que lêem esta publicação, não pertencem à Babilônia. Desse modo, supostamente, não necessitariam ser alcançados pela mensagem deste artigo.
Todos nós queremos manter segura distância de Babilônia. E queremos estender àqueles que dela participam o chamado divino: “Retirai-vos dela, povo Meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” (Ap 18:4). Babilônia representa más notícias. Sua filosofia e seu estilo de vida são ímpios e contagiosos. Nós, os que já nos retiramos dela, precisamos ficar sempre atentos a fim de permanecermos longe dela, e não sucumbir à tentação de ter um pé dentro de seus limites e o outro em Jerusalém. Por essa razão, creio que o relato da torre de Babel (Gn 11:1-9) é absolutamente relevante.
De fato, essa bem conhecida e bem construída narrativa foi inserida entre as histórias de Noé e Abraão, e um tanto deslocadamente entre as genealogias de Noé (Gn 10) e de Sem até Abraão (Gn 11). Ela nos fala como, depois do dilúvio, os descendentes de Noé moveram-se na direção leste, para a planície de Sinear. Eles se estabeleceram nas terras férteis da Mesopotâmia, onde rapidamente aprenderam a manejar todas as tecnologias de então. Eventualmente, sentiram a confiança de que poderiam construir “uma cidade e uma torre cujo tope [alcançasse os] céus” (Gn 11:4).
Esse verso também nos informa sucintamente o duplo motivo para esse ambicioso empreendimento: o povo queria tomar célebre seu próprio nome, e também queria estar seguro de que não seria disperso pela Terra. Deus expressou Sua desaprovação em termos indubitáveis, pois “desceu o Senhor para ver a cidade” (Gn 11:5), colocou ponto final na desastrosa iniciativa, confundindo a linguagem daquela gente. A situação tornou-se caótica e a dispersão que o povo queria evitar foi o inescapável resultado.
A raiz do problema
Os adventistas do sétimo dia sabem que o termo Babilônia desponta como o símbolo fundamental dos poderes que se opõem a Deus e a Seu povo. Se quisermos saber o que constitui a própria essência dessa oposição, encontramos a resposta justamente em Gênesis 11. Babilônia é um substantivo coletivo para todo o que deseja fazer as coisas sem Deus, que não está disposto a tributar honra ao nome de Deus, mas deseja fazer nome para si mesmo. É um símbolo inequívoco daqueles que, envenenados por sua diabólica arrogância, não conhecem seu lugar e desejam alcançar o Céu à sua maneira. A expressão se aplica, como bem sabemos, em particular à coalizão dos poderes religiosos no tempo do fim, que tentará destruir o povo remanescente de Deus.
Esse perfil de Babilônia encontra sua confirmação em outra história de cidade erguida muitos séculos depois da construção da torre de Babel. O rei Nabucodonosor, famoso governante do Império Babilônico, manifestou exatamente o mesmo espírito. Certo dia, enquanto ele caminhava no terraço do palácio real, observava os magnificentes edifícios ao seu redor e exclamou: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei… com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?” (Dn 4:30). Não é de admirar que o profeta Isaías tenha se referido ao rei de Babilônia como um símbolo de Satanás, a primeira e última incorporação de arrogância (Is 14:13, 14).
Caracterizada pela presunção e suntuosidade, Babilônia adotou a desavergonhada usurpação da honra exclusiva de Deus. Uma segunda característica, entretanto, toma-se clara em Gênesis 11: Babilônia também revela possuir mentalidade autoprotetora. Sua crença de que haveria segurança em números e em permanecer com a multidão, junto com seu temor de que fosse dispersa perdendo, desse modo, influência, poder e controle, fomentou entre os pós-diluvianos o desejo de construir aquela fortaleza babilônica como monumento a si.
A relação conosco
O episódio da construção da torre de Babel tem, a meu ver, uma poderosa mensagem para nós em dois níveis: para a Igreja Adventista do Sétimo Dia e para os pastores, em particular. De que maneira essa história se relaciona conosco, corporativamente, como igreja? Primeiramente, voltemos um pouco e reflitamos sobre a história do movimento adventista. Nossa igreja teve origem na esteira do movimento milerita. Em seus primórdios, encontramos um pequeno grupo composto de líderes de mentalidade predominantemente rural, sem escolaridade, jovens e inexperientes. Eles foram ridicularizados depois do desapontamento de 1844 e tratados como párias no cenário religioso norte-americano.
Aquele movimento, primeiramente, cresceu paulatinamente. Seus adeptos eram apenas 3.500, em 1863, quando a Igreja Adventista do Sétimo Dia foi organizada oficialmente. Em 1900, o número de membros era aproximadamente 75 mil. Os adventistas logo passaram a ser considerados uma estranha seita subcristã e, honestamente, é preciso acrescentar que, embora nos tenhamos tomado um movimento mundial significativo, ainda somos considerados seita em alguns poucos círculos religiosos no mundo.
A igreja tem canalizado grande quantidade de recursos, no esforço de construir sua imagem pública. Queremos convencer o mundo de que somos o que realmente somos: uma igreja cristã. Fazemos tudo o que nos é possível para dizer ao mundo que nos rodeia que não somos tão pequenos como muitos tendem a pensar. Convidamos todos a olharem o que estamos realizando.
Sim, desejamos ser reconhecidos como um corpo religioso de prestígio e em crescimento. Apontamos para nosso relatório estatístico anual como inegável prova de nosso equilibrado crescimento e extensão ao redor do planeta, e a nossos milhares de instituições em mais de duzentos países. Proclamamos que a Igreja Adventista possui, atualmente, cerca de 15 milhões de membros e projetamos que por volta de 2020 nosso número de membros possa exceder 40 ou 50 milhões. Muitos países hoje nos tratam com respeito. Temos nos tomado amplamente reconhecidos como tendo uma sólida organização e forte ministério educacional. Possuímos crescente número de universidades, e nossa Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais, Adra, é cada vez mais respeitada como um organismo global de evangelismo humanitário.
Contudo, poderia se dar o caso de estarmos investindo esforço excessivo nesse desejo de reconhecimento? Enquanto crescemos e nos desenvolvemos, honrar o nome de Deus permanece como único propósito de nossa existência como igreja? Ou também tentamos fazer um nome para nós mesmos? Poderia ser que, agindo assim, estejamos seguindo nossa própria estratégia humana em lugar de seguir a agenda divina?
Essas questões são aplicáveis em todos os níveis: global, nacional e local. Sempre, e em todo o lugar, existe o perigo de que focalizemos tanto a igreja como instituição, seu crescimento, desenvolvimento organizacional, finanças e imagem positiva, que nos esqueçamos sua real missão: pregar e refletir a Cristo. Poderíamos dizer que a igreja exibe uma perigosa característica babilônica, caso ela, primeiramente, se veja como uma instituição, uma corporação que luta para mostrar-se tão positivamente quanto lhe seja possível no imenso supermercado religioso dos nossos dias, em vez de apresentar-se como um lugar de nutrição e crescimento espirituais.
Essa observação está ligada a um segundo aspecto: a mentalidade exclusivista de Babilônia. Deveríamos nos fazer, -continuamente, estas perguntas: É nossa igreja aberta, relevante e atrativa para | outras pessoas? Está ela interessada no que acontece no mundo? Causa impacto no mundo? Ou preferimos uma igreja que se manifesta como um bastião, uma fortaleza, em que nos sentimos seguros e acomodados, vivendo em nosso peque- no mundo, desfrutando nossa subcultura particular? Somos nós mais felizes, quando nos encontramos a uma distância considerável do mundo e não temos que nos misturar e interagir com pessoas alheias à nossa fé? Sentimo-nos mais à vontade quando conversamos apenas entre nós, em nosso próprio jargão, focalizados em nossos problemas particularmente denominacionais?
Se tal é a situação, temos criado uma pequena Babilônia e devemos esperar que Deus “desça” e direcione para nós um olhar crítico. Sim, devemos esperar mesmo que Ele nos abale e, possivelmente, até que nos disperse de nossos guetos adventistas, forçando-nos a deixar a mentalidade exclusivista de Babilônia.
Infelizmente, existem adventistas que desejam ficar o mais distante possível do mundo. Pesquisas indicam que muitos adventistas antigos têm poucos amigos fora da igreja. São necessários, em média, sete ou oito anos para que os novos membros percam a maioria de seus amigos não adventistas. No entanto, Cristo foi claro: embora não sejamos do mundo, estamos no mundo. A igreja deve ter suas janelas abertas para o mundo exterior. Ela não pode ser reduzida a um exclusivo e seguro ambiente familiar para seus membros.
Os filhos de Deus não devem viver em um gueto espiritual, mas devem se espalhar, se aventurar, e aceitar os riscos que isso envolve. Sua missão não é encolher-se diante do mundo e afastar-se dele, mas alegremente aceitar e abraçar as coisas positivas que o mundo tem a oferecer, como porta aberta para o evangelho de Cristo. Talvez mais importante ainda, com o objetivo de cumprir sua missão, a igreja deve conhecer a linguagem do mundo e estar atenta para o que está acontecendo nele. Ela deve saber onde e porque as pessoas estão sofrendo, e aprender como se relacionar com pessoas reais em um mundo real.
A direção do nosso foco
Mas, o que dizer sobre nós, como crentes individuais, ou, especificamente, como pastores adventistas? Somos leais cidadãos do reino celestial, ou continuamos mantendo ligações com Babilônia? Estamos plenamente comprometidos e direcionados em honrar o nome de Deus, e centralizados na grandiosa promessa de que brevemente ostentaremos um novo nome, dado por Deus? Ou, às vezes, ainda nos fixamos no modo de pensar e no intento babilônicos de fazer um nome para nós mesmos?
A tentação de fazer nome para nós mesmos nunca termina. E eu posso lhe dizer que estou muito consciente disso. Por que trabalho para a igreja? Por que viajo, prego, escrevo, trabalho durante longas horas e assisto a infindáveis reuniões? Poderia ser o caso de que, muito íntima e secretamente, eu esteja querendo fazer nome para mim mesmo? Essa questão é relevante para todos nós os que trabalhamos para a igreja, quer sejamos servidores de tempo integral, voluntários, como anciãos e diáconos, ou desempenhemos qualquer outro ministério local.
Quais são nossos mais profundos objetivos, nossos motivos e ambições mais íntimos? Estamos empenhados em ser obedientes à nossa vocação, ou trabalhamos para ser importantes? Lutamos para ser influentes ou para ser bênção para outros? É nossa ambição liderar para estar na ribalta, ou estamos desejosos de servir?
Na cultura narcisista de nossos dias, as pessoas tendem a focalizar sobre si mesmas. As palavras-chaves parecem ser autocrescimento, autovalorização e assertividade. Somos desafiados a explorar nossas habilidades e empregá-las em benefício próprio. Devemos nos sentir bem com nós mesmos. Se trabalharmos arduamente, podemos fazer quase todas as coisas. Assim nos é dito pela mídia.
Muitos estão obsedados com seu trabalho, seu status, suas posses materiais e engenhosidade. São totalmente convencidos de sua importância pessoal. Para muitas pessoas, não há limites para o que possa ser sacrificado no altar do sucesso. Ao mesmo tempo, muitos não querem investir tempo, energia e emoções em relacionamentos longos e profundos. Buscam o anonimato das massas, em vez de alimentar sincero interesse nas pessoas e buscá-las onde se encontram. Sentem-se mais confortáveis em seu casulo do que no desenvolvimento de verdadeiro companheirismo.
A história da torre de Babel nos fala que Deus desaprova esse difundido desejo de fazer nome para nós mesmos, bem como a tendência de nos enclausurarmos em nossa fortaleza privativa. Deus deseja que rejeitemos essa abordagem babilônica da vida. Ele quer que desenvolvamos a compreensão de que o mais profundo significado de nossa vida não inclui como podemos construir nosso próprio brilho, mas como Ele pode brilhar através de nós.
Fazer nome para nós mesmos e recusar dispersar-nos, impedindo a difusão do nosso testemunho na comunidade mais ampla, são atitudes que podem ser identificadas como características babilônicas, que devem ser rejeitadas pelos cidadãos do reino celestial. Como igreja e como indivíduos, pertencemos a Sião. Pertencemos àquele novo mundo de Deus, no qual unicamente Seu nome é louvado e honrado acima de todo nome.