Precisamos ficar atentos, a fim de que não sejamos encontrados lutando contra Deus
Saul acabara de retornar de uma vitoriosa investida militar. O êxito fora completo. E, com alegria e entusiasmo, olhava para o jovem Davi, novo comandante de seu exército. Não lhe restava dúvida de que Deus era com esse jovem. Portanto, era muito bom tê-lo bem perto. Contudo, um pequeno incidente mudou para sempre o curso desse relacionamento.
Os sentimentos de Saul para com Davi eram os melhores, até o momento em que ouviu belas jovens israelitas cantando em celebração dos feitos do jovem comandante: “Saul feriu os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares. I Sam. 18:7. A inveja se apoderou dele, e ficou descontrolado, ao notar que Davi prosperava em tudo e caía nas graças do povo. “Era a aspiração de Saul ser o primeiro na estima dos homens; e, quando foi entoado este cântico de louvor, uma firme convicção entrou no espírito do rei, de que Davi ganharia o coração do povo, e reinaria em seu lugar.” – Patriarcas e Profetas, pág. 650.
Como um filme, foi projetada na mente do rei a trajetória do filho de Jessé, de humilde pastor à honrada posição que agora ocupava. Lembrou as palavras do oficial que o apresentou na corte, dizendo ser ele “forte e valente, homem de guerra, sisudo em palavras e de boa aparência”, e, principalmente a afirmação: “e o Senhor é com ele.” 1 Sam. 16:18. Não podia duvidar de que era Deus quem o iluminava quando apresentava, com maestria, em sua rude harpa, melodias que tocavam seu coração. Lembrou-se de como ele permanecera inamovível no propósito de enfrentar o gigante Golias, mesmo diante de esforços para demovê-lo dessa idéia. Não mais esquecería o brilho de pureza e convicção que contemplara nos olhos do jovem pastor, quando este lhe depôs aos pés a cabeça do gigante campeão dos filisteus.
Os efeitos do forte carisma do pastor de Belém eram percebidos até em sua própria família. Mical, sua filha mais nova, achou-se perdidamente apaixonada por ele. Até mesmo o príncipe Jônatas já havia se rendido à sua poderosa influência, ao fazer com ele aliança, dando-lhe sua capa, suas vestes e até suas armas. Saul percebeu que Davi ganhava, cada vez mais, não somente a afeição do povo como também da casa real.
Medo de sombras
Aquele que, na mente do rei, a princípio se afigurava uma bênção, agora se constituía numa gigantesca ameaça. Perplexo e mergulhado em seus próprios pensamentos, desabafou: “Dez milhares deram elas a Davi, e a mim somente milhares; na verdade, que lhe falta, senão o reino?” I Sam. 18:8. Temia perder influência e posição. E a inspiração registra: “Daquele dia em diante, Saul não via a Davi com bons olhos.” I Sam. 18:9.
Finalmente, Satanás conseguiu infectar o rei com o vírus que costuma atacar muitos dos que ocupam funções de liderança, produzindo neles o medo de sombras , ou seja, pavor de que alguém lhes “roube” a posição, o prestígio e a influência. Com nossa natureza pecaminosa, nenhum de nós possui, em si mesmo, imunidade contra essa síndrome. Ela representa o receio de não ser mais notado, admirado, querido; porque, admitamos ou não, a realidade é que o ser humano deseja ser o foco das atenções. Com isso, a presença de alguém mais carismático, criativo e competente, no exercício de uma função semelhante à que está sendo exercida, às vezes tira o sono de alguns. Tal sentimento, porém, não é originado em Deus.
O principal sintoma desse mal é a adoção da filosofia inversa à de João Batista que disse: “Convém que Ele cresça e que eu diminua” (João 3:30). Ao contrário disso, tendemos a agir como se disséssemos a respeito do nosso semelhante: “Convém que ele diminua para que eu cresça”. Tal atitude brota de dois pecados gêmeos – orgulho e egoísmo – dos quais todos nós precisamos nos desvencilhar completamente.
No grupo de risco da síndrome de Saul encontram-se todos aqueles que têm desenvolvido sentimentos de desconfiança e crítica em relação à liderança da Igreja, hipersensibilidade, autocomiseração, mania de perseguição e desejo de primazia e mando.
Medidas preventivas
Felizmente, ninguém necessita entrar em desespero, pois existem medidas preventivas contra a síndrome de Saul. E também pode ser curada, caso já tenha contaminado a vida de alguém. O primeiro passo é desenvolvermos uma experiência de ativa comunhão com o Senhor. Precisamos buscar na oração e no estudo da Palavra o refúgio contra os ataques do maligno. Isso nos ajudará a compreender algumas coisas fundamentais, que servirão de vacina contra o medo de sombras.
A primeira delas é o reconhecimento de que Deus nos ama e nos capacita para a realização de nossas atividades. Ele é quem dirige e controla nossa vida. Se reconhecermos Sua direção e nos submetermos à Sua vontade, não haverá o que temer. Por outro lado, não devemos nos esquecer que Ele também dirige outras pessoas. A falta do reconhecimento dessa realidade pode nos levar a pensar que somos o centro de tudo, e tudo deve girar em torno das nossas pretensões. Alguns podem chegar à infeliz conclusão de que o propósito final da organização da Igreja e a pregação do evangelho é seu próprio prestígio e crescimento pessoal. Precisamos cuidar para que, em nossa cegueira, não sejamos encontrados lutando contra Deus.
Necessitamos também desenvolver apurado senso de autocrítica, a fim de podermos avaliar e reconhecer com precisão nossas qualidades e nossos defeitos. Então, no poder de Deus, desenvolveremos as qualidades e subjugaremos os defeitos.
Podemos, sim, viver sem medo de sombras. Na verdade, esse é o ideal de Deus para nós. Ele deseja que todos nós trabalhemos unidos: uns com os outros, para os outros, como membros de um corpo, e todos para Cristo. Se verdadeiramente estivermos interessados no progresso da Causa de Deus, devemos nos alegrar, ao percebermos que, lado a lado conosco, existem pessoas com talentos, qualidades, entusiasmo e habilidades necessários à missão. E assim que a igreja avançará, crescerá de modo saudável em número e espiritualidade e, afinal, vencerá.
É nesse contexto que surge muito oportuno, abrangente e atual, o conselho do apóstolo Paulo: “Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vangloria, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros.” Filip. 2:1-4.