O verdadeiro alvo da grande comissão de Cristo à Sua igreja 

A grande comissão da igreja está registrada no evangelho de Mateus: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt 28:19, 20).

Nesse texto, o verbo grego poreutentes, traduzido como “ide”, na maioria das versões bíblicas existentes na língua portuguesa, encontra-se no particípio, aoristo, passivo depoente, nominativo.1 É a mesma forma em que estão os verbos “batizando” e “ensinando”. O único verbo que se encontra no modo imperativo, aoristo, ativo é matteusate, traduzido como “fazei”, na sentença “fazei discípulos”.2 Em outras palavras, a única ordem da grande comissão de Jesus Cristo, conferida à igreja, é: “fazei discípulos”.

Ao longo dos anos, como igreja, temos pregado a respeito do “ide”, “batizando-os” e “ensinando-os”, destacando especialmente o segundo item. Contudo, ênfase menos intensa tem sido dada à exata ordem de Cristo, ou seja, focalizamos a necessidade de ir e batizar, mas necessitamos ser mais diligentes em cumprir o mandado específico da grande comissão: “fazei discípulos”. De início, é preciso esclarecer que este artigo não tem a intenção de criticar o que até aqui tem sido feito pela igreja. Muito menos pretende ecoar uma voz contrária à realização de batismos aos milhares. Ao contrário, é um convite à reflexão sobre o rumo que temos seguido, a fim de que, identificando problemas e encontrando soluções, nos tornemos mais efetivos no cumprimento da sagrada missão que o Mestre nos confiou.

Prejuízos

É forçoso admitir que nossa cultura corporativa tem-se formado ao redor ou em função do batismo. Motivações, incentivos, requerimentos e recompensas, tudo parece girar em torno do batismo. Como resultado, temos alcançado muitos batismos e poucos discípulos; membros que não sabem exatamente o que significa ser adventista do sétimo dia e que não conhecem profundamente as doutrinas.

Uma tabela comparativa adaptada do conteúdo de vários autores, mas principalmente de Daniel Rode,3 foi publicada no comentário eletrônico da Lição da Escola Sabatina, no primeiro trimestre de 2008.4 Nessa tabela encontramos as características típicas do membro da igreja e do discípulo.

MEMBRO DE IGREJADISCÍPULO
Espera pão e peixeVai pescar
Luta para crescerLuta para reproduzir
Espera acontecerFaz acontecer
Espera ser servidoOusa servir
Gosta de afago pastoralGosta de afago e treinamento pastoral
Entrega parte de seus rendimentosEntrega a vida
Pode cair na rotinaTermina uma aventura e empreende outra
Espera receber uma tarefaBusca tarefas
Murmura e reclamaObedece, sacrifica-se e nega-se a si mesmo
É condicionado pelas circunstânciasÉ condicionado pela própria decisão
Queixa-se de que ninguém o visitaTem seu programa de visitas
Está disposto a somarEstá disposto a multiplicar
É transtornado pelo mundoTranstorna o mundo
É forte como soldado na trincheiraÉ forte como soldado invasor
Cuida das estacas de sua tendaAmplia a área de sua tenda
Estabelece hábitosRompe moldes
Sonha e exige a igreja idealEntrega-se em favor da igreja real
Sua meta é ganhar o CéuSua meta é levar outros para o Céu
Amadurecido, se torna discípuloAmadurecido, assume ministérios
Prega o evangelhoFaz discípulos para Jesus
Gosta de campanhasVive em campanhas
Espera um reavivamentoÉ parte do reavivamento
Espera que a vida lhe dê uma almofadaEstá preparado para levar uma cruz
Sua palavra preferida é: “Tomara!”Sua expressão preferida é:”Eis-me aqui!”
É valiosoÉ indispensável.

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre perda de identidade na igreja adventista. Pessoalmente, acredito que esse é apenas um dos resultados dessa abordagem missionária unilateral. Os inúmeros grupos dissidentes com problemas teológicos relacionados à cristologia e à Trindade, as últimas tendências de alegorização do santuário celestial, a utilização do método estrutural de interpretação da Bíblia bem como o alegado enfraquecimento geral do púlpito são coisas que resultam, pelo menos em parte, desse desequilíbrio.

Jesus foi o mais poderoso pregador de que se tem notícia. Porém, mais do que pregar, Ele curou e se envolveu com as pessoas, individualmente, importou-Se com elas. Além de tudo isso, o Mestre concentrou as principais forças e investiu maior quantidade do tempo de Seu ministério em fazer discípulos. Doze homens, que dificilmente seriam considerados capazes de exercer alguma influência no mundo de então, foram postos sob a orientação de Cristo, durante 24 horas diárias, aprendendo dEle, em comunhão com Ele, sendo discipulados.

Alvo, antes e depois

Não é difícil descobrir qual é o alvo de um estudante da Bíblia: o batismo. Tão logo entra em contato com as verdades das Escrituras, a pessoa logo entende que se trata da Palavra de Deus e chegará o momento em que será chamada a tomar uma decisão. Recebe, então, as promessas que Deus lhe faz, através das Escrituras, e sabe que, a partir do momento em que tomar a decisão de segui-Lo, sua vida adquirirá novo sentido e direção. O estudante toma conhecimento de que o Senhor o conhece desde o ventre materno e sempre teve planos para ele (Sl 139:16). Percebe que Deus o está dirigindo e redirecionando sua vida, seus ideais, projetos e sonhos (Rm 8:28; Fp 1:6).

Diante de uma mensagem tão poderosa e desafiante como a mensagem adventista do sétimo dia, é quase impossível a pessoa resistir o convite de Deus, revelado para o tempo do fim. É quase impossível não querer se unir à igreja. Com esse alvo em mente, intensifica o preparo e, finalmente, é batizada. De 445 pessoas a quem foi perguntado: “Qual é o alvo que você deseja atingir?”, 443 responderam: “Quero ser batizado (a).”

Porém, outra pergunta se faz necessária: “Qual é o alvo depois do batismo?” Para onde tal pessoa deve seguir, após essa experiência? Que coisa dará sentido, propósito e direção à vida? A promessa de que a nova vida em Cristo terá sentido e que a pessoa conhecerá o propósito de Deus para sua existência se cumpre na primeira fase, aquela que o leva ao batismo. Porém, qual é a função da igreja quanto a fornecer sentido e propósito para a vida do novo converso? Organizar programas e eventos bem elaborados? Um plano de sermões bem organizado, para atingir o coração das pessoas e elas sejam levadas para onde queremos? Acaso, o que estamos fazendo hoje, como igreja, está colaborando para que os novos conversos cheguem à maturidade em Cristo (Ef 4)? À luz do plano de Deus para a vida humana, estamos realmente atingindo o alvo?

Das 445 pessoas a quem foi perguntado qual era o alvo que desejavam atingir antes do batismo, 441 responderam não saber qual era o alvo para depois do batismo. Alguns poucos entrevistados que haviam recebido estudos de instrutores que olhavam para além da experiência batismal deram respostas um pouco mais satisfatórias. Ao ser indagado aos pastores das igrejas às quais esses novos conversos seriam incorporados, o que eles esperavam deles, com poucas variações, a resposta foi: “Que devolvam o dízimo e frequentem regularmente a igreja”. Porém, será isso suficiente para dar sentido e propósito à vida dos novos crentes depois que passar a empolgação da experiência batismal?

Quando reflito na experiência dos discípulos, primeiramente, os encontro cheios de falhas e defeitos. Depois, vejo como Jesus os preparou, ensinou, treinou e capacitou. Assim mesmo, eles continuavam falhando e se deixando arrastar por preconceitos. Parecia que não conseguiríam abandonar o estilo de vida, pensamentos, ideais e objetivos antigos. Pacientemente, Cristo os amparava e conduzia, fortalecia e desafiava. Enviou-os a trabalhar e os recebeu de volta para que prestassem relatório (Mt 10).

Ao concluir Seu ministério terrestre, Jesus voltou para o Céu e deixou a continuidade do trabalho sob a responsabilidade daqueles medrosos, tímidos, acanhados e incapazes discípulos. Com que objetivo Cristo trabalhou com aqueles homens, durante três longos anos? Para torná-los capazes, espiritualmente maduros para invadir o mundo com a mensagem de salvação. Conseguiu? À primeira vista, não. Pedro, por exemplo, mesmo depois do Pentecostes, ainda precisou da visão do lençol cheio de animais para que entendesse a necessidade de ministrar aos gentios. Apesar disso, permaneceu lutando com o assunto, durante anos, até que, no Concilio de Jerusalém, os irmãos reunidos decidiram apoiar o ministério entre os pagãos. E ainda depois disso, aquele apóstolo se comportava de maneira duvidosa diante dos gentios (Gl 2:10-14).

Dessa experiência, fica evidente que a santificação é um processo e que a maturidade espiritual acontece pouco a pouco, quando nos entregamos ao discipulado e constante crescimento em Cristo. Os cristãos devem se tornar espiritualmente amadurecidos, fortes, corajosos e audazes na fé, capazes de amar, ser amados (habilidades relacionais) e aptos para o serviço desinteressado aos semelhantes e a Deus. Esse é o alvo da vida de um discípulo, após o batismo.

“Fazei discípulos”

O ministério adventista brasileiro, por exemplo, foi dimensionado para igrejas pequenas. Historicamente, iniciamos com igrejas pequenas e dispersas em vários lugares. Havia poucos irmãos e limitados recursos. No entanto, a densidade de igrejas tem se multiplicado assim como o número de membros por pastor, e é preciso adaptar o ministério às novas realidades. Com o acelerado crescimento do número de membros por igreja e por pastor, nos últimos 20 anos na Divisão Sul-Americana, a igreja recebeu novo rosto. Consequentemente, a complexidade de seu funcionamento foi acentuada, o processo de tomar decisões, em todos os níveis, tem sido dificultado e a luta pela manutenção da relevância no lugar em que está inserida também se intensificou.

Aprendemos alguns métodos que funcionaram no passado e continuamos buscando novos métodos. Como afirmou Ellen White, “à medida que campo após campo é penetrado, novos métodos e novos planos vão surgindo de novas circunstâncias. Novas ideias virão com novos obreiros que se entregam à obra. À medida que buscam auxílio do Senhor, Ele Se comunicará com eles. Eles receberão planos desenvolvidos pelo próprio Deus. Pessoas serão convertidas e o dinheiro virá”.5

Temos empregado métodos e organizado eventos como foco do trabalho em si. Métodos e eventos, contudo, são apenas meios para alcançarmos metas ou objetivos intermediários de uma visão maior. Nosso pastora-do aprendeu a medir o sucesso pelo êxito dos eventos que organiza; porém, devemos nos perguntar: Acaso, é nossa função principal organizar eventos e aplicar métodos como fim em si mesmos? Qual é a principal função da igreja, para que nela nos concentremos? A resposta vem contundente: “Ide, fazei discípulos…”

Como já foi mencionado, nas versões da Bíblia em português todos os verbos do texto deviam estar no gerúndio. Apenas um verbo está no imperativo. Então, deveriamos ler: “Indo, ensinando, batizando, fazei discípulos!”. Ou seja, ao ir ensinando e batizando, cumprimos a ordem de fazer discípulos. Os que estão mais avançados no conhecimento do Senhor devem ajudar os mais novos na fé a encontrar plena realização, sentido e propósito de vida em Cristo Jesus. Nada que façamos deve nos fazer perder o foco do discipulado. “Deus deu a cada um de Seus mensageiros uma obra individual.”6

Buscar descrentes, ensinar-lhes os fundamentos do evangelho, e por meio de assistência pastoral, treinamento e envolvimento prático, o discípulo recém-batizado precisa galgar os patamares do desenvolvimento espiritual. A igreja precisa ser organizada para conduzi-lo nesse desenvolvimento. O ambiente precisa ser propício para que todos (pelo menos a maioria) queiram progredir cada passo. Cada uma dessas fases é tão natural como as fases do desenvolvimento infantil. Cada momento é importante.

Como

Então, precisamos estruturar nossas atividades eclesiásticas com o objetivo de cumprir a ordem de Cristo. Todos os métodos devem ser direcionados para que as fases do discipulado ocorram quase naturalmente na igreja, e que todos estejam tão familiarizados com o processo que ele se torne nossa nova cultura corporativa. Estruturar a igreja de tal modo que ela esteja sadia e que o ambiente oferecido seja propício ao desenvolvimento de discípulos, descobrir caminhos que a igreja quer, aprecia e necessita percorrer – eis a principal tarefa do líder espiritual. O pastor precisa elaborar um plano estratégico, a fim de que todos os esforços conduzam a igreja para este objetivo e experimente crescimento sustentável e equilibrado.

O caminho do discipulado

FASEINTRODUÇÃORESULTADOQUANDO
1.MundoEstudo bíblicoEntusiasmo por Cristo e batismoA pessoa é alcançada por um crente e inicia a jornada com Cristo, por meio do estudo da Bíblia, após o que é conduzida ao batismo.
2.BatismoAssistência pastoral, amizade e ensinoCrescimento em Cristo e amor pela igrejaBatizado, o novo converso enfrenta as lutas relativas à sua decisão, precisa de apoio pastoral/material. Precisa aprofundar seu conhecimento de Deus.
3.Membro integradoTreinamento e capacitaçãoSentido e propósito de vida em CristoIntegrado na igreja, o discípulo precisa entender para que Deus o chamou, qual é o propósito de sua vida. Essa é uma ocasião de teste de dons e capacitação.
4.Membro capacitadoEnvolvimento prático, serviçoServiço como estilo de vida em CristoCapacitado e treinado nas atividades, segundo seu dom, o discípulo aprende a servir onde for necessário, apesar de se concentrar em seu dom, ou nos dons recebidos.
5.MinistroLiderança em um ministérioMaturidade em CristoConhece o propósito de Deus para sua vida. Como ministro, não é infalível. Serve com alegria, suportando as pressões e desafios ligados ao seu ministério, sem desanimar nem perder a fé.

Para que tal plano seja bem-sucedido e os crentes sejam realmente conduzidos em crescimento pelas alamedas do discipulado, são necessários os seguintes elementos: Clareza, movimento, alinhamento e foco.7

Clareza é a habilidade de comunicação do processo, de modo que ele seja entendido por todos, quer sejam membros antigos, quer sejam recém-batizados.

Movimento é a sequência de passos que levam as pessoas a se moverem para áreas de comprometimento mais profundo.

Alinhamento significa a organização e arranjo dos departamentos, ministério e líderes ao redor do mesmo processo de desenvolvimento no discipulado.

Foco é o compromisso de abandonar tudo o que não coopere com o processo de fazer discípulos e focalizar a senda do crescimento em Cristo. Isso pode desafogar algumas atividades da igreja, que têm se multiplicado e, algumas vezes, causado confusão.

Conhecem todos os membros de sua igreja seu plano de discipulado? Está o ambiente de sua igreja propício à busca de crescimento? O que você pode fazer para tornar sua igreja aberta para o crescimento em Cristo? Seu pastorado é caracterizado pela expansão, ou pela manutenção? Imagine comigo uma igreja de 400 membros. Se 20% desses membros entrarem no processo de discipulado e, na pior das hipóteses, apenas 50% deles se tornarem cristãos amadurecidos, capazes de assumir um ministério, quantos ministros você teria onde hoje apenas você trabalha? Então, mãos à obra!

Referências:

  • 1 Barbara Friberg e Timothy Friberg, Novo Testamento Grego Analítico (São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1987), p. 105.
  • 2 Fritz Rienecker e Cleon Rogers, Chave Linguística do Novo Testamento Grego (São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1985), p. 65.
  • 3 Daniel Rode, Estratégias de Crecimiento de Iglesia (Entre Rios, PR: Apostila Salt, 1998), p. 167.
  • 4 http://www.cpb.com.br/htdocs/periodicos/ licoes/adultos/2008/com412008.html
  • 5 Ellen G. White, Review & Herald, 05/06/1902.
  • 6 _____________, O Desejado de Todas as Nações,

p. 275.

  • 7 Thom S. Rainer e Eric Geiger, Simple Church (Nashville, TN: B&H Publishing Group, 2006), p. 68.