ENTREVISTA ANTHONY R. KENT 

“O relacionamento com pastores de outras denominações deve fazer parte de nossa agenda, e Deus os colocará em nosso caminho” 

Em seu livro Evangelismo, p. 562, escreveu Ellen G. White: “Nossos pastores devem procurar aproximar-se dos pastores de outras denominações. Orai por estes homens e com eles, por quem Cristo está fazendo intercessão. Pesa sobre eles solene responsabilidade. Como mensageiros de Cristo, cumpre-nos manifestar profundo e fervoroso interesse nestes pastores do rebanho.” Fiel à sua missão, a Igreja Adventista do Sétimo Dia desenvolve projetos direcionados a cumprir esse mandato, e o pastor Anthony Kent, secretário ministerial associado da Associação Geral, é o coordenador das atividades.

Nascido na Austrália, o pastor Kent cursou Teologia no Seminário de Avondale e trabalhou como pastor de igrejas, secretário ministerial e evangelista em seu país e na Divisão Sul do Pacífico. Em 2005, foi integrado à equipe da Associação Ministerial da AG. De seu casamento com Débora Kent nasceram as filhas Chelsea e Geórgia.

Durante encontro de pastores das instituições da União Central-Brasileira, realizado no mês de agosto, em Poços de Caldas, MG, ele falou sobre o que está sendo feito para alcançar estes “pastores do rebanho”, além de outros assuntos.

Ministério: Segundo Ellen White, devemos nos aproximar dos pastores de outras denominações. O que a igreja tem feito nesse sentido?

Kent: Existe o Projeto Preach [sigla em inglês de “Projeto para alcançar cada clérigo ativo em seu lar”]. Esse projeto foi instituído nos anos 80 e prevê a distribuição da revista Ministry a clérigos de outras denominações em todo o mundo. Fazemos isso regularmente a cada dois meses. Também realizamos o Seminário de Crescimento Profissional, via satélite. É nesse ponto em que os projetos Preach e Educação Contínua se encontram. Oferecemos a Educação Contínua não apenas aos pastores adventistas, mas também aos de outras igrejas. Sempre convidamos palestrantes reconhecidos, que têm conquistado a apreciação dos participantes. Há dez mil pastores matriculados no seminário, mas aproximadamente 25 mil assistem a ele, independentemente de matrícula.

Ministério: Esse programa de aproximação dos clérigos inclui também os católicos?

Kent: Claro. Não posso lhe dizer agora o número exato de participantes, porém, mais de 75% deles são de outras denominações e muitos desses são sacerdotes católicos. Outra coisa que temos feito é aproveitar a realização de congressos de outras igrejas, para expor nosso material nos stands disponíveis para isso. Essa é uma oportunidade áurea para estabelecer contato com os outros pastores. Também convidamos renomados eruditos de outras denominações a escrever artigos em nossa revista.

Ministério: De que maneira esses clérigos reagem a tal abordagem ?

Kent: Os que recebem a revista, inclusive os padres católicos, nos escrevem demonstrando apreciação e até contribuem financeiramente para sua produção. Num dos congressos mencionados, certo erudito, autor de um comentário bíblico, visitou nosso stand e nos fez saber que também guarda o sábado. Atualmente, na Índia, há centenas de pastores adventistas que anteriormente pertenciam a outras denominações. Nos últimos anos, no México, 14 pastores foram batizados. Muitos deles trouxeram consigo suas antigas igrejas. Nos Estados Unidos, temos alguns exemplos, mas nada comparável ao que acontece na Índia. Em Papua-Nova Guiné, um evangelista nosso estava pregando para quase sete mil pessoas. Em determinada noite, ele foi impulsionado a fazer um apelo específico aos pastores de várias denominações que ali estavam. Sete deles atenderam, assumindo o compromisso de viver e ensinar às suas igrejas o que aprenderam nas reuniões.

“Nossos pastores devem procurar se aproximar dos pastores de outras denominações”

Ministério: Pastores de outras denominações e padres católicos conhecem o pensamento adventista em relação ao que eles ensinam. Como superar essa barreira?

Kent: Devemos nos aproximar deles com sincero desejo de companheirismo, dialogar, orar por eles e junto com eles. Jesus Cristo pode nos ajudar a alcançar corações e vidas. Meu avô foi evangelista num tempo em que a propaganda era muito cara. Então, ele fazia convites pessoais de casa em casa. Certa ocasião, ele bateu à porta de um padre que, muito irado, o expulsou. Meu avô saiu e, mal desapareceu na esquina, foi alcançado por outro padre que estava na casa, ouviu tudo e ficou constrangido. Esse padre pediu desculpas a meu avô e quis saber o que ele estava oferecendo. Ouviu a explicação e prometeu que iria assistir às conferências em outra cidade. De fato, cumpriu a promessa e foi batizado. Depois, estudou em nosso Seminário em Avondale e, mais tarde, trabalhou como evangelista junto com meu avô. O relacionamento com outros pastores deve fazer parte de nossa agenda, e Deus os colocará em nosso caminho.

Ministério: Divisões que também possuem um sistema de comunicação podem realizar o Seminário de Crescimento Profissional, via satélite?

Kent: O Seminário realizado pela Associação Geral está disponível a todas as Divisões. É transmitido pelo Hope Channel para toda a América do Norte, Europa, sudeste da Ásia e os países ao redor do Pacífico. Também está disponível na internet e em DVDs. Eu ficaria surpreso se vocês, aqui na América do Sul, com a TV Novo Tempo, dissessem que não podem fazer um seminário assim. Porém, sugiro que iniciem relacionamentos de longa duração, enviando aos pastores exemplares da revista Ministério; busquem oportunidades para encontro informal com líderes-chaves, convidando-os para um almoço ou jantar, por exemplo, a fim de construir pontes de confiança. Isso tende a crescer até que haja entendimento e aceitação.

Ministério: De que maneira pode o pastor local ser envolvido em um trabalho dessa natureza?

Kent: O pastor distrital pode fazer muito. Há pouco tempo, participei de um Seminário de Crescimento Profissional, nas Filipinas, juntamente com professores de nosso Seminário Teológico naquele país. Apresentamos temas que não despertassem preconceitos, mas que interessavam aos pastores de outras denominações. Por exemplo, liderança cristã, saúde do pastor, pregação bíblica, entre outros. Escolhemos um local neutro, oferecemos refeição especial, e a resposta foi muito calorosa. Um dos nossos pastores locais entrou em contato com vários colegas de outras denominações, almoçou com cada um deles e os convidou para o seminário. Todos eles estiveram presentes. Não devemos ser imediatistas quanto aos resultados finais desse trabalho, pois algumas pessoas demoram mais para reagir e tomar alguma decisão.

Ministério: Com respeito à Educação Contínua, alguns pastores acham difícil desenvolver um programa dessa natureza, dizendo-se sobrecarregados. Qual seu conselho a respeito disso?

Kent: Essa é uma reclamação legítima dos pastores. Normalmente, as expectativas colocadas sobre eles são muito grandes. Mas, o bom pastor repõe essas expectativas em sua devida ordem de prioridade e vai conseguir tempo que deve ser investido em seu crescimento vocacional. Isso não significa necessariamente um curso formal em busca de algum título, mas que ele deve crescer cada vez mais, a fim de ser melhor servo de Jesus e Sua causa.

Ministério: A seu ver, quais são os maiores desafios do trabalho pastoral?

Kent: Não tenho dúvidas quanto à veracidade das palavras de Jesus, no sentido de que a seara é grande, mas os ceifeiros são poucos. A carga que é posta sobre cada pastor, individualmente, é muito grande. Eu acho que um dos maiores desafios do pastor é a sobrecarga com seu decorrente sentimento de que a tarefa nunca termina. Sempre existe alguma coisa para ser feita, o trabalho está sempre inacabado. Outra coisa: ainda existe muito individualismo, as pessoas que vivem fechadas em si mesmas. Isso é um desafio crescente. Como alcançar essas pessoas? Elas têm necessidade de Cristo e precisam ser alcançadas. Precisamos criar formas de alcançá-las. Esse é o grande desafio evangelístico das metrópoles.

Ministério: Estatísticas mundiais apontam que muitos pastores estão abandonando o trabalho. Isso também afeta o ministério adventista?

Kent: Infelizmente, sim. Pastores adventistas não estão imunes às influências e ameaças que atingem todas as pessoas. Quando você ouve sobre dificuldades e preocupações que pastores de outras denominações estão enfrentando, normalmente, há uma incrível semelhança com os desafios que enfrentamos também. Podemos até ser tentados a pensar que somos únicos, mas, enfrentamos os mesmos desafios. Quando eu pastoreava igrejas, sempre buscava oportunidades para me aproximar dos colegas de outras denominações. Então, nos ajudávamos e fortalecíamos uns aos outros em momentos de dificuldades. Essa foi uma experiência surpreendentemente abençoada.

Ministério: Talvez, algumas regiões ofereçam mais facilidade para essa aproximação. Mas, em outras, há muita hostilidade em relação aos pastores adventistas, às vezes, vistos como “lobos” em busca de ovelhas alheias.

Kent: Em todo o mundo é assim. Porém, especialistas em crescimento de igreja afirmam que, se a ovelha for bem alimentada, não procurará outras pastagens. As pessoas vêm para a igreja adventista porque estão em busca de alimento mais sólido na Palavra de Deus. Caso não recebam o alimento completo que procuram, elas virão independentemente de nos aproximarmos ou não de seus pastores. Há pouco tempo, falei com um pastor evangélico na Irlanda. Sua igreja está crescendo e, como sabemos, aquele é um país muito católico. Então, perguntei a ele: Como é que a igreja católica trata você, visto que a maioria dos membros de sua igreja é composta de ex-católicos? Ele me respondeu: “Estamos conquistando aquelas pessoas que simplesmente procuram algo mais.” Isso é verdade em todos os casos.

“O bom pastor deve crescer cada vez mais, a fim de ser melhor servo de Jesus e Sua causa”

Ministério: Tendo em mente as exigências cada vez maiores do mundo atual, que conselhos o senhor tem para o pastorado adventista?

Kent: Temos que reconhecer que nossos pastores são importantes e valiosos. Eles mesmos precisam ter consciência disso. Muitas pessoas dependem deles e os observam. Por isso, como pastores, não devemos apenas começar e exercer bem nosso ministério, mas terminar bem. Isso não significa limitar o exercício da vocação até a aposentadoria, mas até exalarmos o último suspiro. Lamentavelmente, muitos pastores estão se afogando em águas rasas. Uma pesquisa com pastores de todas as denominações, feita por Arch Hart, do Seminário Teológico Fuller, na Califórnia, revelou que, entre quatro pastores, apenas um termina bem seu ministério. Ou seja, 3/4 dos pastores não estão terminando bem. Pastores podem se sentir vítimas de maus-tratos, cometer erros, deixar de olhar a Cristo e focalizar dinheiro, poder e questões sexuais. Essas são as águas rasas que podem nos tragar. Porém, Jesus Cristo, Sua igreja e Seu povo desejam e esperam que terminemos bem. Precisamos ter Jesus Cristo como centro de nossa vida. Precisamos gastar tempo diário com a Palavra, construir relacionamento sadio e sólido com Deus e com o rebanho. Paulo foi obcecado pela ideia de terminar bem. Ele fala de terminar a carreira com alegria, combater o bom combate. Ao terminar bem nosso ministério, mesmo que sejamos chamados ao descanso da morte, deixamos um legado permanente, como Daniel, Estevão, e Eliseu, cujos ossos foram instrumentos para ressuscitar um morto. Numa jornada, a coisa mais importante é chegar seguros ao destino. O ministério é uma jornada. Precisamos chegar bem ao nosso destino.